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O Vazio que Habita em Mim – Capitulo 11: Leka

No dia seguinte após todos aqueles episódios eu fui enxotado da praça onde passei a noite por um dos guardas da prefeitura. Eu não podia voltar para casa, o que era obvio, mamãe já deveria estar a minha procura uma hora daquelas, ou pior a polícia.

Álvaro teve o que mereceu, mas eu não me orgulhava do que tinha feito, mas não podia voltar atrás.

Apanhei minhas coisas e antes de segui caminho pelas ruas da cidade passei por alguns lugares, visitei alguns amigos e sem dizer uma palavra me despedi deles para sempre.

Aquela era minha casa desde os seis anos e apesar de tudo o que aconteceu eu gostava daquele lugar, das pessoas, se ele nunca tivesse aparecido as coisas teriam sido diferentes.

Viajei cerca de cinco quilômetros a pé até a cidade vizinha, o trajeto que normalmente levaria quinze minutos levou cerca de uma hora e meia. Assim que adentrei na cidade, dei de cara com uma enorme feira livre, pessoas andando apressadas, cheias de sacolas, barracas cheias de produtos de um lado a outro e pessoas anunciando preços e oferecendo suas mercadorias aos passantes.

Aconteceu tão rápido que quando dei por mim já estava na maior enrascada da minha vida.

Estava entre duas bancadas de frutas, experimentando uma coisinha de cada vez fingindo interesse em comprar alguma coisa.

— Cê tá fazendo errado sabia? — Ela disse enquanto examinava uma laranja.

— Como é?

— Não é assim que se faz.

— Que se faz o que? — Questionei.

— Você ta roubando! — Disse ela em acusação. — Não é assim que se faz.

— Eu não tô roubando. – Respondi em minha defesa.

— Eu tô… Fica de olho nele pra mim. — Disse ela dando uma piscadela para mim

— O que?

Ela me fez um gesto levando os dedos da mão direita aos olhos castanhos apontando para o homem que atendia uma freguesa despreocupado.

Enquanto eu o observava ela passeou pela bancada, pegando algumas frutas soltas e colocando nos bolsos enquanto olhava para as bancas vizinhas.

— Quem é você?

— Leka, muito prazer. — Ela me respondeu num sorriso que evidenciava as sardas em seu rosto. — Quando eu disser você corre.

— Por quê?

— AGORA!

Um segundo depois dois garotos passaram correndo por nos derrubando todas as frutas das bancas. Leka me puxou pelo braço, o que me fez tomar consciência de que era hora de fugir.

Olhei para traz por um momento e notei um homem correndo atrás de nós com um pedaço de pau nas mãos e gritando algo que era difícil de ouvir de onde eu estava.

Corremos alguns metros até darmos de cara com os dois garotos, eles pareciam ter a mesma idade que eu ambos carregavam sacolas repletas de coisas.

— Boa caçada garotos! — Leka gritou.

— Muito boa! — Respondeu o garoto mais alto

— Quem é o garoto novo? — Perguntou o mais baixinho.

— Eu não sei. Quem é você mesmo?

— Podem me chamar de Mick!

— Olá Mick! — Saudaram-me os três de uma vez.

— Esses são Pepeu e Quim. — Leka nos apresentou

— O que vocês fizeram? — Perguntei encarando os meninos.

— Nada! — Disseram os dois ao mesmo tempo dando de ombros.

— Vamos ter de nos separar, assim fica mais difícil da gente ser pego.

— Nos vemos a noite no beco. — Leka deu a ordem

— Ok! – Responderam os dois juntos.

— E você vem comigo.

Eu assenti.

Um pouco mais a frente, nos quatro nos separamos, Leka e eu seguimos pela direta, os outros dois garotos tomaram rumos diferentes.

Leka me levou para dar um rolé pela cidade, visitamos praças, fontes, o grande mercado, a igreja e algumas lojas onde ela me apresentou algumas pessoas… os chegados dela.

A medida que passávamos ela entregava alguma coisa para aquelas pessoas, um pedaço de pão, uma fruta ou legume que ela havia pego na feira.

— Tá com fome? — Leka me perguntou quando já estávamos bem afastados da feira.

— Morrendo. — Eu disse sem hesitar.

Ela me entregou uma das laranjas que havia roubado da banca, depois pegou uma e começou a descascar com as unhas sujas enquanto caminhava.

— De onde você é novato?

— Novato?

— Você não é daqui. – Disse ela com a maior naturalidade do mundo. – Você não tem a manha das ruas.

— Digamos que eu esteja só de passagem.

— Para onde você vai?

— Não sei ainda. Quem são essas pessoas?

Várias pessoas nos paravam, abraçavam a Leka e perguntavam pelos meninos que andavam com ela. Ela sorria e respondia “— estão por ai.”

— São meus amigos.

— Mas eles são moradores de rua.

— Você também é. Não é?

Aquelas palavras caíram como uma bomba na minha cabeça, e só então eu percebi que eu era uma criança de rua!

— É. – Respondi baixando a cabeça.

— Tudo bem. — Ela respondeu me dando um tapinha no ombro. — Me dá a sua mochila.

— O que você quer com a minha mochila?

— O que tem dentro dela horas.

Eu tirei minha mochila das costas e examinei com cuidado. Estava cheia de legumes e frutas roubadas, misturadas as poucas roupas que eu trouxe. Ela a puxou da minha mão e deu para uma senhora que esperava em uma das casas.

— Como?

— Quando você não estava olhando, – Disse ela em um riso. — Você é muito desligado Mick. Nem percebeu onde estamos.

Realmente eu não havia percebido que a paisagem mudara drasticamente. Saímos de uma ruma movimentada, cheia de pessoas correndo apressadas para todos os lados e agora estávamos em um beco sujo, cheio de casas feitas dos mais variados tipos de materiais possíveis, algumas com alguma estrutura, eram feitas de tijolos e telhas, outras de materiais reciclados, papelão, sacolas, e restos de coisas encontradas no lixo.

— Você tem onde ficar? — Leka perguntou quando fizemos uma curva mais à frente no beco.

— Não. — Respondi.

— Agora tem. — Disse ela puxando uma porta improvisada de papelão. — Bem-vindo ao beco.

— Você mora sozinha aqui?

— Não, o Pepeu e o Quim também moram aqui. E tem o Rubens que você ainda não conheceu.

O lugar era literalmente um beco. Apertado e úmido, era o espaço entre duas outras. Entramos um de cada vez. Haviam quatro papelões no chão, que eu deduzi serem as camas deles.

— Onde estão seus pais?

— Nenhum de nós tem pais, Rubens é quem cuida da gente.

— Hum…

— Desencana veio. O Rubens é um cara legal, ele aparece aqui apenas para dormir. — Ela pegou minha mochila e colocou num canto próximo ao papelão dela. — Hoje você fica comigo, amanhã damos um jeito e você ajuda a gente no trabalho.

— Como assim?

— Nós mantemos a organização nesse lugar. Todo mundo ajuda todo mundo aqui, sabe.

— sei…

— Assim ninguém passa fome.

Leka me jogou um cobertor todo esburacado, depois foi até uma pilha de papelões e pegou o primeiro que encontrou inteiro e o pôs num canto junto a parede.

Aquela seria minha nova cama.-” ”>-‘.’ ”>

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