O dia começou agitado. Pela manhã, Jade acordou às seis e mal teve tempo de terminar sua sessão de meditação, sem que o telefone tocasse umas dez vezes. O carro do partido freou bruscamente diante da casa, e Jade ainda segurava um pedaço da torrada, enquanto terminava de abotoar sua camisa de linho e corria para não perder a carona.
Trânsito frenético, mentes rápidas e diálogos corridos. Tudo estava em uma velocidade absurdamente alta. O pensamento de Jade, mal conseguia acompanhar os últimos acontecimentos.
Ao entrar na sede do partido, ela foi recebida com calor e pressa pela assessora chefe. Lorena era alta, magra e com movimentos enérgicos.
— Tá pronta? Decorou o texto? Tá sentindo a pressão? — a mulher questionava a todo momento.
Jade tentou responder, mas, os maquiadores logo lhe carregaram para o camarim. Ela precisava estar impecável.
— Ensaio número três! Eu preciso de luz aqui! — gritava o cenógrafo.
— Sai da frente, com licença! — um fotógrafo apressado, tentava ajustar o ângulo enquanto desviava de homens que passavam com escadas e holofotes.
O lugar estava um verdadeiro caos. Câmeras, luzes, fiação, assessores políticos com discursos prontos.
O telefone de Jade tocou. Ela não atendeu. A maquiagem ainda não estava pronta. Precisavam dela agora no salão central. O ensaio iria começar. O telefone tocou mais uma vez. Ela ignorou novamente. Alguém batia na porta com um desespero mortal. A maquiagem ainda não estava pronta. A peruca não havia repousado na cabeça de Jade. Alguém ofereceu suco ou água? O telefone tocou de novo. Ela atendeu:
— Você precisa vir pra Prime, agora! — gritava Cornélio do outro lado da linha.
— Tô no partido! Vai ter ensaio para o discurso! — ela explicou.
— Não interessa! Aqui é dinheiro! É vida real, não ensaio! Você precisa assinar o documento de liberação da carga na China!
— Manda por e-mail e eu assino.
— Não! O presidente da sucursal na China quer conhecer a nova presidente da Prime! Você sabe o que isso significa?! Se você não vier, os novos contratos com a China irão se encerrar! Você me entendeu, Jade?! — ele esbravejava com agonia — Preciso de você aqui em meia-hora.
Bruno entrou no camarim apressado e puxou Jade pela mão — Vamos, o ensaio vai começar.
— Eu tenho que ir para a Prime! — ela disse, em desespero.
— Não tem nada pra Prime agora. A missão é o ensaio. Todos os membros do partido estão aqui. Se você falhar com eles isso vai ser um desastre! — Bruno avisou.
— Eu preciso ir pra Prime. Eu já nem sei mais o que falar nesse discurso.
Lorena apareceu verificando se estava tudo ok com Jade.
— Pronta?!
Jade mal conseguia se expressar com toda a pressão.
— Bem, eu…
As cortinas se abriram e Lorena empurrou Jade para o centro do palco onde tinha um pequeno púlpito.
Jade deu de cara com uma plateia de mais ou menos cinquenta pessoas. Todos em silêncio e atentos. O telefone começou a tocar. Jade viu uma bandeira da China que estava grudada na parede. Os olhares da plateia eram inquisitivos. Alguns estavam com as canetas prontas para fazer anotações e críticas. O fotógrafo estava aguardando alguma ação para começar as fotos. O holofote estava ligado bem no rosto dela, expondo a maquiagem não terminada e a peruca torta. Ela não lembrava o início do discurso. Teve que retirar a cola do bolso. Um segurança da Prime entrou no auditório acompanhado de Cornélio. O homem mostrava o relógio apressando Jade. Ela não tinha tempo.
EPISÓDIO: VENÇA O TEMPO
Enquanto isso, no Décimo Terceiro Distrito de Polícia, Yeda corria com uma caixa cheia de arquivos, enquanto o delegado Humberto vinha logo atrás, esbravejando com a mulher.
— A merda do promotor está me apertando por conta dessa investigação! Você precisa me dá um nome! Eu preciso de um suspeito para incriminar! Vamos lá, delegada! Faça seu trabalho. Você que pediu para cuidar do caso e agora não me entrega absolutamente nada!! — ele esbraveja com raiva.
Yeda tenta ser o mais rápida que pode e entra na sala, trancando-a por dentro.
— Vê se me erra, Humberto! Eu preciso fazer meu trabalho sem você gritando o tempo todo!
— É exatamente isso que você não tem: TEMPO! — ele responde.
Yeda joga a caixa de arquivos sobre a mesa e vai retirando vários documentos. Seu telefone toca, mas ela não atende. Alguém bate na porta informando que um repórter quer conversar. Ela grita ordenando que o repórter “vá a merda”! O Ministério Público quer respostas. A mídia quer respostas. A família de Helena Melo quer saber quem assassinou ela. E a delegada não consegue colocar a investigação para frente. Ela precisa daquelas imagens e quando conseguir, ela sabe que vai ter todas as respostas.
Quando está prestes a deixar a sala, Yeda vê um arquivo que está debaixo do seu teclado sobre a sua mesa. Ela retira aquele papel e observa os dados. Ali, ela percebe que além de ter que lidar com a investigação da morte de Helena, ela precisa resolver as questões envolvendo seu pai e o envolvimento dele com o Babemco. Por qual motivo o delegado geral da polícia está recebendo dinheiro de um dos maiores empresário do país e que possivelmente está envolvido com o crime organizado? Por que o seu pai está fazendo isso?
Yeda não pode ficar sem respostas. Ela decide ir até a Delegacia Geral tirar isso a limpo.
Nessa mesma manhã tão agitada, Morgana acordou de forma suave. Se espreguiçou por um longo tempo e deixou a cama sabendo que dormiu o suficiente para se sentir renovada e disposta. Não quis retirar o camisão do Flamengo que ela usava de pijama. Ele ainda tinha o cheiro do seu pai. Ou pelo menos ela achava que tinha. Talvez fosse algo somente da cabeça dela.
Foi até à cozinha e encontrou sua mãe fritando ovos. Deu um cheiro no pesçoco de dona Léia e a abraçou com força.
— Bom dia, minha mãezinha querida — disse Morgana, fechando os olhos enquanto dava o abraço.
— Acordou de bom-humor.
— Não estraga o momento. Só recebe o meu amor.
Leia sorriu e também fechou os olhos. Os ovos começaram a queimar.
— Ops! — Leia rapidamente desligou o fogo.
Morgana deixou a cozinha e ao passar pelo quarto da mãe, viu sua beca estendida sobre a cama. Ela viu aquilo e sorriu. O grande dia da formatura havia chegado. Ela estava nervosa, mas feliz por se livrar do ensino médio.
As duas sentaram na mesa da cozinha e comeram satisfeitas. O clima estava leve e Morgana parecia outra pessoa. Até sol entrava mais radiante pela janela.
— Pronta pra deixar o colégio? — Leia perguntou.
— Desde que eu entrei — sorriu Morgana.
— O Bruno disse que vai participar da cerimônia.
— Ele é sempre tão ocupado.
Leia concorda.
— Deixa que eu lavo a louça — Morgana levantou com o prato em mãos.
Depois de tudo finalizado, a jovem tomou um belo de um banho e decidiu se maquiar. Ela não gostava, mas, queria ficar um pouco mais apresentável nesse dia “especial”.
Em cima do guarda-roupas, ela retirou um caixa de madeira onde guardava os itens de maquiagem. Sobre a penteadeira, Morgana lutou incansavelmente para abrir o objeto, mas, sem sucesso.
— Ô mãe, como que cê abre essa caixa de maquiagens? — Morgana gritou, em direção à cozinha.
— Pega uma chave de fenda lá na garagem!
Morgana não gostava muito de ir até à garagem. Toda vez que entrava lá, tinha a sensação de que o pai estaria lá debruçado sobre o carro, cheio de ferramentas e pintado de graxa. Ele adorava esse tipo de coisa. E, quando ela deixava o local, ficava com aquela sensação pelo resto do dia. Sensação de que iria vê-lo de novo ao entardecer, quando ela chegasse do colégio. Mas, aquilo nunca acontecia. Ela chegava e ele não estava esperando. Ela descia do transporte e sabia que o pai não iria correr para abraçá-la, como ele sempre fazia. Então, sentir isso, nunca ajudava.
Mas, mesmo ciente disso, ela resolveu ir até lá e encarou a caixa de ferramentas com coragem de lidar com seus sentimentos.
Aquela caixa de ferramentas era como se fosse a extensão do corpo de Roberval. Ele andava com aquilo para cima e para baixo. E isso fez com que Morgana lembrasse da última vez que eles foram à praia.
O dia estava lindo. Era uma manhã ensolarada de novembro e as férias estavam começando. Morgana planejou aquele dia nos mínimos detalhes. Preparou seu baldinho com a pá, a peneira e outros instrumentos. Levou uma toalha, sua cozinha infantil e as duas bonecas preferidas: Laura e Lorrane.
Morgana sabia que ela e o pai iriam se divertir à beça. Mamãe sempre ficava atenta, um pouco tensa e preocupada com tudo. Mas, até dona Leia naquele dia pareceu relaxar também.
Os três armaram um guarda-sol, estenderam uma toalha enorme sobre a areia e simplesmente estavam completos como família.
Leia tinha que passar protetor em todo mundo, em todas as partes do corpo e em grandes quantidades. Papai preparou picolé, colocou gelo na caixa térmica e bebia uma cerveja sem alcool, que ele reclamava dizendo que “não fazia sentido tomar algo sem efeito algum”.
Morgana logo fez uma amiguinha que estava por perto. Mamãe tirou algumas fotos e logo em seguida eles entraram no mar. Os três sorrindo e brincando com o vai e vem das ondas. Leia tinha cabelos lindos, longos e brilhosos. E papai parecia um principe sorridente e charmoso, com sua barba farta e seu olhar profundo.
“Eu quero isso quando crescer. Quero ser como a mamãe. E casar com um homem parecido com o papai”, pensava Morgana, enquanto pulava ondas sobre os ombros de Roberval. Ela queria ser plena e feliz.
Nada poderia tirar a alegria daquela dia. Nem mesmo um pneu furado no final da tarde na volta pra casa.
Roberval retirou sua caixa de ferramentas e pegou uma chave de roda. Lá estava ele novamente acompanhada da caixa e das ferramentas. Elas sempre estavam por perto para ajudar o pai.
Mas, naquele dia da sua morte. As ferramentas não puderam fazer nada. Naquele dia, Roberval não teve tempo de encontrar uma chave ou um martelo para se defender. Jade foi cruel e implacável quando atirou no coração dele.
Morgana voltou para a realidade da vida sem o pai, e não conseguiu abrir a caixa de ferramentas.
Voltou para o seu quarto e guardou a caixa com a maquiagem sobre o guarda-roupas.
Ainda não era o fim. A maquiagem podia esperar. Morgana ainda tinha muito a fazer para reparar a morte do seu pai. Jade precisava sofrer.
Depois do ensaio na sede do partido, Jade correu para a Prime Security na intencão de assinar alguns documentos e apresentar-se para o presidente da sucursal na China, porém, nada foi como o esperado.
Ao chegar na empresa, Cornélio foi logo lhe dando uma bronca.
— Você é uma irresponsável. Nós tínhamos acordado de você se dedicar inteiramente à administração do grupo! Como eu vou poder ensinar tudo se você nunca está aqui?!
Bruno se coloca na frente de Jade, e finge defendê-la.
— É melhor baixar o tom, sr Cornélio — intima o advogado.
Depois de entrar em sua sala, Bruno sentiu que precisava alertar Jade.
— Ele vai te pisar sempre se você não reagir. Não permita que ele te humilhe desse jeito!
Jade está preocupada. Ela não está conseguindo lidar com tantas coisas em sua agenda. Além do discurso na sede do partido, ela precisa se preparar para a festa de posse como CEO da Prime. A empresa está organizando um grande evento para anunciar a nova presidente aos acionastas da corporação.
Cornélio invade a sala de Jade.
— Daqui há pouco os agentes do evento vão chegar. Esteja preparada para recebê-los e organizar tudo com eles. Essa festa é muito importante, Jade. Todos os acionistas vão te ver pela primeira vez, e, acredite em mim, se eles não gostarem de você, é o seu fim. Em poucas horas eles podem te destituir do cargo. Fica alerta!
Jade suspira, extremamente estressada.
— Que saco! Eu preciso de um tempo…
Bruno a observa, pensando que a sua hora está chegando.
— Como você bem sabe, eu vou ser nomeado vice-presidente e eu contratei um assessor pra ajudar a redigir meu discurso. Se você quiser, eu também posso chamá-lo para te ajudar. O que você acha?
Ela aceita e agradece. Bruno continua.
— E o terapeuta do grito? Você continua com as sessões?
Jade esboça um sorriso.
— Não é terapia do grito. E, tá me ajudando bastante — ela declara.
Duas mulheres carregando pranchetas e notebooks, invadem o escritório em busca de Jade.
— Vamos, precisamos de você agora — elas fala, enquanto puxam a nova CEO.
— Esperem, eu tenho que pensar…
— Não temos tempo para pensar. Precisamos organizar tudo… — elas levam Jade sem cerimônia.
Yeda entra no prédio da Delegacia Geral e encara o seu pai que está sentado de forma relaxada do outro lado de uma mesa de mogno.
— Bom dia, doutor Diógenes — Yeda provoca.
O homem permanece imóvel, silencioso e atento ao que a filha diz.
— Eu sempre o admirei por seu trabalho na polícia. Você foi a minha primeira inspiração que me fez enveredar pela carreira policial. Desde pequena, te ver fardado e dirigindo uma viatura. Aquilo tudo era um espetáculo para mim. Sem falar da admiração que outros tinham por você — ela diz, encarando o pai.
— E onde está toda essa admiração? — ele questiona, sério.
Yeda retira uma pasta e joga sobre a mesa. Diógenes encara aquilo com suspeita.
— Eu preciso saber o que é isso? — ele pergunta.
— Depende…
Ele permanece estático, aguardando-a continuar.
— Depende, se aquele homem que eu tanto admirei, um homem reto, digno e honrado. Que trabalhava para servir à comunidade e proteger a família. Se esse homem ainda existir, sim. É melhor você não saber o que tem nesses arquivos.
— Não estou entendendo…
— Mas, se na minha frente tiver um homem cínico, disposto a cooperar com criminosos chefes do tráfico de drogas e que recebe propina. É melhor você saber que eu tenho as provas desses crimes e você precisa se informar o que tem aí — ela aponta para os arquivos — e contratar um advogado.
— Eu não quero nem pensar que você está cogitando me acusar de algum crime? Você não sabe de nada. Você não imagina metade dos sacrifícios que eu tive que fazer.
— Então me conta.
— Sua mãe pode contar melhor do que eu…
— Então eu vou falar com ela.
— Não, Yeda. Você não pode fazer isso.
— Eu quero tirar tudo isso a limpo. E se for preciso falar com ela, eu vou. Eu preciso saber a verdade. Chega de mentiras!
Yeda sai da sala determinada. Diógenes parece derrotado e fraco diante da investida da filha.
Quando a delegada entra em seu veículo, recebe a ligação de um analista de polícia. Ele parece apreensivo.
— Eu tenho algumas coisas que você precisa ver — ele fala, com receio.
— O que aconteceu, Enzo? Fala logo! — ela ordena.
— Eu descobri alguns arquivos do Babemco que envolvem a senhora.
— O quê? Eu e o Babemco? Como o Babemco está envolvido comigo?
— É melhor a senhora ver com os próprios olhos.
— Chego em dez minutos — ela diz, acelerando o carro.
Enquanto isso, Jade corre para a sede do partido e chega alguns minutos atrasada. O presidente Gerard vai ao seu encontro. Ele não parece muito feliz.
— Mas, que merda é essa?! Eu trouxe os maiores financiadores da campanha pra te conhecerem e você me faz esperar meia hora? Que porra é essa, Jade??? — ele grita.
— Para com isso! Eu tava organizando a festa de posse da Prime! Você sabia disso! Que merda! — ela devolve, extremamente estressada.
— Dessa forma não vai rolar! Ou você se dedica ao partido, ou você desiste de vez dessa merda toda! Eu não vou tolerar mais atrasos — ele decreta.
Jade suspira, mas, logo em seguida é carregada por um assessor até a sala de reuniões aonde um grupo de financiadores lhe esperam. Ela sorri, tentando disfarçar a raiva.
O auditório do colégio está lotado. Pais e filhos se abraçam comemorando o fim do ensino médio. Sobre um palco montado com um telão atrás, os formandos vão sendo chamados um a um para receberem o diploma. Em seguida, os pais correm para as fotos enquanto parabenizam seus filhos pela conquista.
Morgana tambem é chamada. Ela recebe o canudo pelas mãos da diretora, e sua mãe corre para a foto. Ela abraça dona Léia calorosamente e sorri, tentando disfarçar sua vontade de chorar. O estômago parece embrulhar. A sensação de que um buraco vai se abrir no chão e engolí-la é real. Uma fenda se abre no peito, evidenciando o vazio que seu pai causa naquele momento.
Morgana sabe que se ele tivesse vivo, com certeza estaria abraçado com ela e lhe enchendo de beijos. Dizendo que estava orgulhoso e que um churrasco com a família e os amigos já estava preparado.
Uma lágrima escorre do seu olho. Os flashes parecem soltar pequenas faíscas em câmera lenta. As vozes ao redor são animadas, mas nenhum é a voz de Roberval. Fraqueza. Vontade de cair e chorar. As pernas tremem. Morgana precisa sorrir e parecer feliz. Ela só queria o pai naquele instante. Uma última vez gostaria de tê-lo apoiando-a nessa nova fase da vida. Ou então aconselhando-a sobre como criar um filho. Ele ficaria feliz ao saber que vai ser vovô.
Depois da formatura, Morgana fez questão de ir ao cemitêrio. Ela precisava falar com o pai.
Chegou devagarzinho diante da lápide, sentou-se próximo e deixou uma rosa branca sobre o túmulo. Ela sorria levemente.
— Eu tô com tanta saudade de você, pai. Você nem imagina. Saudade de ouvir seus passos pela manhã. Sentir o cheiro do café que só você sabia fazer. Saudade dos seus abraços tão carinhosos. E, até das suas broncas com amor. Você nunca conseguiu me dar umas palmadas, mesmo eu merecendo — ela inspira, lembrando dos momentos com ele — Hoje eu queria tanto que você visse minha formatura. Queria que você me acompanhasse nos exames do pré-natal. Queria sua visão, seus conselhos, sua voz firme, arrastada, mas verdadeira. Por que você teve que ir tão cedo?
Uma brisa percorre o lugar parecendo abraçar Morgana.
— Por quê?…
Ela levanta determinada. Olha mais uma vez para a lápide e dá as costas. Agora, Morgana precisa agir. Sua dor tem que ser compartilhada.
Quando Yeda chega ao Décimo Terceiro Distrito de Polícia, ela encontra o analista que parece assustado. O homem carrega a delegada até a sua sala, fecha a porta e baixa as cortinas. Ela percebe tudo aquilo e acha muito estranho.
— Maicon, você tá me assustando.
Ele vai até o seu computador e começa a digitar sem ao menos olhar para os lados.
— Eu só tô fazendo isso, porque confio muito em você. Mas, preciso avisar que não posso deixar que isso saia daqui. E, o mais importante: vou precisar adicionar esses arquivos em inquérito e passar tudo pro Delegado Humberto — diz Maicon, virando o monitor em direção à mulher.
Yeda se aproxima, também assustada e observa os arquivos em tela.
— Mas, que merda é essa? — ela se questiona.
— Eu pensei a mesma coisa.
Yeda dá uma volta na sala enquanto passa a mão pela cabeça, pensando no próximo passo. Ela vai até a porta que está trancada, e pede que Maicon abra urgentemente.
— O que você vai fazer? — ele pergunta, com certo receio.
— Eu vou tirar tudo isso à limpo.
— Cuidado.
Yeda sai da sala claramente transtornada. Ao colocar o pé fora da delegacia, ela dá de cara com Licurgo, que carrega uma mala.
— Vim me despedir — avisa o fazendeiro.
— Eu tenho que fazer uma coisa — ela diz, caminhando eufórica em direção à viatura.
Licurgo percebe que a amiga não está normal e logo vai atrás dela.
— Tá tudo bem, Yeda?
— Não é um bom dia!
— Eu posso ajudar em algo?
— Só vai embora, Licurgo — ela fala, sentando no banco do motorista e dando partida no carro.
Rapidamente, Licurgo dá a volta e entra na viatura, sentando ao lado da delegada.
— Eu posso ir?
— Você vai querer ir de todo jeito… — ela bufa.
— Então, vamos — ele diz, jogando a mala no banco traseiro.
A viatura estaciona diante do prédio da Delegacia Geral. Yeda desce e não desliga o motor do carro. Licurgo corre para não perder o ritmo dela.
Ao entrar no imóvel, a secretária tenta interceptar avisando que ela não pode entrar no gabinete do doutor Diógenes, mas Yeda está cega de raiva e nem para para responder.
— Eu vou chamar a segurança! — ameaça a secretária.
Licurgo pede que a mulher não faça isso, e segue Yeda. A delegada entra na sala do seu pai em um rompante. Diógenes está guardando um livro na estante, mas se assusta com a entrada da filha. Ele também percebe que ela não está normal e se prepara para o embate.
— Mas que merda você fez, seu desgraçado??!!! — ela grita com todo o ódio do seu coração.
Ele se afasta e põe a mão no seu coldre, onde está sua arma.
— Calma aí querida! O que é isso? O que você quer agora? — ele tenta ser calmo.
— Chega dessa palhaçada! Eu preciso saber a verdade! — ela caminha de um lado para o outro em completo desespero, depois vai em direção ao pai. Licurgo entra na sala e tenta se aproximar dela.
— Para! — ela grita para o fazendeiro e depois se dirige ao pai — Por que você deixou ele fazer isso?! — Yeda retira seu distintio que está em volta do pescoço. Ela mostra o objeto para o pai — Por que você permitiu isso??
Diógenes parece entender, e logo retira a mão do coldre desarmando seu espírito. Ele fica triste, imediatamente.
— Então você descobriu…
Yeda baixa os ombros como que em total desolação e deixa o distintivo cair aos seus pés.
— Como você pode fazer isso comigo? — ela enfraquece a voz e uma lágrima escorre pelo rosto.
— Eu não tive escolha — Diógenes tenta justificar.
Yeda suspira, enquanto uma multidão de lágrimas escorre sem controle.
— Esse era o meu sonho e você conseguiu estragar tudo…
— Eu juro que faria diferente, seu eu tivesse escolha — ele tenta se aproximar, mas Yeda dá um passo atrás com profundo nojo.
— Por que você deixou que ele pagasse todos os meus estudos. O meu colégio, o curso, a faculdade? Por quê? Que contrato você tem com o Babemco? Por que? — ela grita com ódio.
— Eu permiti que ele pagasse os seus estudos, pensando no seu bem — ele justifica.
— ME DIZ O POR QUÊ?
Diógenes sorri com tristeza. Ele não consegue. Nada sai da sua boca. Nenhuma resposta. Nenhuma palavra. Ele simplesmente emudece e uma lágrima escorre do seu olho.
— SEU COVARDE! — Yeda grita, e depois pega o distintivo que está caído e joga aos pés do seu pai — Pra mim acabou! Eu não vou aceitar nada que venha daquele criminoso. Eu não posso aceitar absolutamente NADA!!
Yeda sai da sala, deixando Licurgo e Diógenes em completo choque.
Agora, Jade está no carro da Prime a caminho da sede do partido. Mais uma vez ela está atrasada. Ela teve que ficar na Prime, assinando milhares de documentos e provando seu vestido para a festa de posse. Porém, tudo isso fez que com ela perdesse tempo e atrasasse para o último ensaio do discurso no partido.
Jade tentava a todo custo apressar o motorista que apaziguava informando que o trânsito estava lento. A mulher até tentou pedir para Brutus liberar os semáforos mais uma vez, mas, o hacher disse que não conseguiria.
“Vamos, lá, vamos lá!”, Jade pedia quase saltando do banco do passageiro. Enquanto seu celular tocava ininterruptamente como que em repleto desespero.
— Tô chegando — Jade avisou para o assessor.
— Flores brancas — Jade instruía a cerimonialista da festa da Prime.
— Não sei — Jade respondia para Bruno.
— Já chegamos? — Jade perguntava ao motorista.
E o caminho parecia não ter fim. Até que o carro brecou. Jade saltou às pressas e entrou na sede do partido, totalmente esbaforida. O assessor veio logo lhe acompanhar, mas Gerard apareceu diante dela e chamou-a para sua sala.
O homem estava sério e rígido. Depois que Jade entrou, ele fechou a porta com força e se colocou-se diante dela quase lhe empurrando.
— Eu te avisei que se você não priorizasse o partido, teria consequências!!! — ele esbravejou cuspindo algumas gotículas de saliva sobre o rosto dela.
— Mas, eu..
— CHEGA DE DESCULPAS!
— Eu tô aqui.
— Depois de 40 minutos de atraso.
O assessor bate a porta e põe a cabeça para dentro — Precisamos começar o ensaio.
— NÃO VAI TER MAIS ENSAIO. E NÃO VAI TER MAIS DISCURO! CHEGA! — ele grita.
Gerard se afasta e esmurra a mesa.
— Por favor, Gerard, eu….
— Não me faz nenhuma promessa. Você não vai mais discursar. Eu vou falar e sua foto vai estar atrás de mim em um telão. É tudo que você vai ter. Agora sai da minha sala!
— Por fa…
— SAI AGORA!!!
Jade baixa a cabeça decepcionada e sai da sala. “Droga”.
Enquanto isso, Morgana está em um estúdio fotográfico. A sala é ampla, com piso branco e paredes da mesma cor. Diante de si, Morgana tem vários refletores e uma dúzia de câmeras. Porém, um único jovem admnistra tudo.
Henrique é loiro e alto. Tem pele branca e olhar sedutor. Morgana não para de observar o antebraço musculoso do rapaz que aparenta ter seus vinte anos.
— Você é tão jovem. Será que essas fotos vão ficar boas — ela provoca, enquanto se ajeita atrás das câmeras.
— Eu faço isso desde os meus doze anos — ele responde com uma voz grave e máscula.
Ela sorri.
— Tá tudo pronto — ele informa.
Morgana vai até os fundos do local e se ajoelha diante de um carrinho. Ela pega o pequeno Cícero no colo que ainda está dormindo e caminha com ele ficando de frente às câmeras.
Henrique começa a tirar as fotos. Ele se aproxima da garota e foca no rosto dela que está encostado ao rosto da criança. Mais flashes e fotos.
Morgana faz questão de mostrar que está com o bebê nas mãos. E até de forma maternal, ela mostra a criança. Henrique tira fotos de vários ângulos. Morgana se diverte.
Até que ela faz uma expressão de dor. Henrique para de tirar as fotos e corre em direção a ela.
— Tá tudo bem?
Ela entrega Cícero para o fotógrafo.
— Minha barriga — ela passa a mão. — Tô sentindo umas pontadas.
— Putz!
— Calma. Não dói — ela arrefece.
Henrique põe a câmera no chão e se agarra com Cícero, que ainda dorme.
Morgana alisa sua barriga e percebe quando o seu bebê dá as primeiras pontadas e mexe lá dentro. Ela sorri achando graça daquilo.
— Tá mexendo! — ela diz excitada. — Ele nunca tinha mexido. Que lindo — continua sorrindo radiante, enquanto alisa a barriga.
— Você quer continuar? Podemos dar uma pausa — o rapaz fala, gentilmente.
— Vamos continuar. Pode por o nenê no carrinho, por favor? — ela pergunta.
O rapaz rapidamente ajusta Cícero e volta para Morgana.
— Você quer mesmo fazer isso? — ele pergunta, tomando a câmera novamente.
— Claro!
O fotógrafo põe uma máscara e veste luvas, em seguida arrasta um balde enorme. Abre a tampa e retira um porco gigante lá de dentro. O animal está tratado e sem pelo, mesmo assim sua aparência é assustadora. Incrivelmente a pele do porco é rosada, e se assemelha muito à pele humana.
Henrique carrega o porco e põe o animal no colo de Morgana. Ela segura o bicho morto como se fosse um pequeno bebê em seu colo.
O fotógrafo não perde tempo e começa a registrar a cena. Morgana aproxima sua cabeça do focinho do porco e as fotos se assemelham às que ela tirou com Cícero.
Em seguida, Henrique retira uma bolsa de charope de morango, que parece muito com sangue. E, derrama o charope sobre o porco e sobre o corpo da garota.
A cena é grotesca e poética. Morgana coberta de sangue, segura um porco despido, como se fosse uma criança em seu colo. Henrique tira fotos de diversos ângulos. Até que ele para e encara Morgana.
— O que você está fazendo?
— Quer mesmo saber? — ela pergunta. Ele assente com a cabeça.
Morgana então põe o porco de lado e fixa o olhar em Henrique. Ela começa a retirar sua camiseta branca que está pintada de vermelho. Em seguida ela retira a saia, ficando somente de sutiã e calcinha.
Henrique aponta a câmera e fotografa a garota seminua.
— Eu quero causar um pouco de dor… — ela responde.
O fotógrafo continua tirando as fotos. Enquanto Morgana retira o seu sutiâ. Os seios ficam à mostra. Eles são firmes e com os bicos rosados. Henrique se aproxima e foca bem nos mamilos. Enquanto Morgana pega a mão do rapaz e encaminha-a para o seu peito.
O fotógrafo não consegue disfarçar a ereção, mas sua câmera não para de focar em sua mão apalpando o seio.
— Eu vou vingar a morte do meu pai. Vou mandar essas fotos para a assassina dele — ela fala baixando a calcinha e mostrando os pelos pubianos e o sexo exposto.
Morgana segura a mão de Henrique e põe sobre sua vagina. O rapaz está excitado, mas não consegue parar de fotografar. Suas mãos tremem enquanto ele sente o sangue pulsar por suas veias e tocarem lábios vaginais da garota.
— Por quê?
— Eu quero dor — ela responde ao enfiar o dedo de Henrique dentro da sua vagina e revirar os olhos com o tesão.
Henrique retira a camisa, mostrando seu corpo definido. Em seguida tira a calça ficando somente de cueca.
Os dois se deitam no chão em meio ao sangue, enquanto se beijam calorosamente, prontos para o sexo.
No dia seguinte, Morgana encontrou-se com o seu tio Bruno. Ela entregou o pen-drive com as fotos e sorriu para ele.
— Você tem certeza que quer fazer isso? — Bruno perguntou.
— Tenho! Aquela vadia precisa saber que o filho dela corre perigo.
— Então vamos lá!
— Faz com que todos vejam as fotos — ela pede.
— Eu farei. Não se preocupe — ele mostra o pen-drive.
Bruno se afasta e deixa a sobrinha pensativa.
A viatura da delegada estaciona diante de um prédio histórico. O lugar é charmoso, tem um jardim bem cuidado e um alpendre com colunas talhadas em mármore.
Licurgo acompanha Yeda que percorre o jardim determinada. Ela só quer uma coisa: descobrir toda a verdade.
Na recepção, a delegada informa que precisa falar com sua mãe. Uma moça sorridente, percebe que a mulher parece um pouco alterada.
— Eu preciso avisar que sua mãe está em recuperação. Nós prezamos pelo bem-estar emocional dela. Eu não posso permitir que você desequilibre esse bem-estar — avisa a recepcionista.
— Eu preciso muito falar com ela. Ou então, o meu bem-estar vai desequilibrar de vez.
A recepcionista levanta e com muita autoridade avisa: — Eu preciso falar com a sua mãe. Se ela permitir eu autorizo você entrar. Mas, se não, pode dar meia-volta.
Yeda assente, vencida.
Licurgo logo se aproxima e tenta acalmá-la.
— Esse lugar é incrível — ele observa.
— Deve ser o bosta do Babemco que tá pagando.
Licurgo pega um folheto e percebe que ali é uma clínica de recuperação para dependentes químicos.
— O que aconteceu com ela?
Yeda está impaciente.
— Nós perdemos alguém, e ela ficou assim. Começou com remédios até evoluir para cocaína.
— Quem vocês perderam?
— Meu irmão mais velho. Era o amor da vida dela.
Licurgo parece compreender melhor as coisas.
— E você deveria ser mais apegada ao seu pai. Já que sua mãe era ligada com seu irmão?
Ela concorda. — Eles tinham um vínculo muito especial de mãe e filho. Eu meio que me apeguei com o papai e encontrei meu ponto de apoio. Meu pai era meu herói em absolutamente tudo.
A mãe de Yeda aparece na recepção acompanhada da recepcionista. Ela é morena, alta e de rosto firme. Mônica corre e abraça Yeda.
— Minha filha! Que saudade. Quanto tempo! Como você está? Trabalhando muito na sua delegacia em Monte Verde? — pergunta Mônica com uma voz doce e suave.
Yeda se afasta e lembra do motivo de ter chegado até ali.
— Eu tô bem. Mas, preciso saber algumas coisas.
Licurgo se afasta e as duas mulheres se aproximam de um sofá que tem por perto. Elas se sentam uma de frente para outra, buscando a verdade ou o que a realidade permitir.
— Eu quero a verdade! —declara Yeda.
— De qual história, minha filha?
Yeda sorri, tentando disfarçar a frustração e a tristeza no olhar.
— A história do Babemco. A história dele ter pago meus estudos. Por que vocês permitiram isso?
— Ah não, querida… — Mônica diz, desanimada. — Não mexe nesse sepulcro. Nós enterramos isso há bastante tempo.
— Não enterraram fundo o suficiente.
Mônica baixa a cabeça em total desânimo.
— Eu não consigo falar sobre isso…
— Mãe, por favor… eu imploro…
A mulher derrama lágrimas de tristeza, mas, não consegue contar a verdade para sua filha.
— O que vocês devem ao Babemco?
— Por favor, minha filha, esquece isso…
— Não me chama de filha. Pelo visto você só conseidera um filho, e ele já morreu. Eu vou descobrir tudo.
Yeda se afasta deixando Mônica em prantos.
— Volta aqui, filha. Precisamos conversar… Yeda
A delegada sai da clínica e segue para o carro. Licurgo sabe que as coisas não saíram bem.
A noite começa abrindo as cortinas de um grande espetáculo. A cidade emite luzes de todas as cores. A sede da Prime está radiante com tapete vermelho, fotógrafos e seguranças que auxiliam na chegada dos sócios e das celebridades. É um grande jantar de gala. Um grande evento da nata da sociedade pernambucana. Somente homens e mulheres poderosos foram convidados para testemunhar a ascensão de Jade Souza à cadeira de CEO de uma das maiores empresas do país. É um acontecimento.
Jade em seu camarim, dá os últimos retoques em sua maquiagem. O figurinista aparece pondo brincos de pérolas e um colar de cristal. Ela levanta a cabeça, sabendo que conseguiu chegar no lugar mais alto.
Em outra sala, Bruno diante do espelho, põe abotoaduras nas mangas da sua camisa e veste seu smoking azul marinho. Ele está mais charmoso do nunca e também sabe que está mais próximo do topo.
Babemco, em sua mansão, borrifa um perfume importado sobre si, enquanto dá mais uma tragada do seu charuto.
Yeda, ainda está em seu apartamento, ela também se prepara, pondo um batom vermelho e conferindo seu vestido prateado que realça os seios salientes. Ela está mais do que pronta. A verdade precisa ser perseguida a todo o momento.
Morgana é mais uma que se prepara para a festa. Ela não vai perder a noite por nada.
Todas as peças estão encaixadas e preparadas. Agora, cada um dará mais um passo para a resolução dos seus conflitos.
Jade quer consolidar o poder e a influência sobre a sociedade pernambucana, enquanto Bruno almeja a Prime para si, minando de todas as formas a liderança de Jade.
Yeda precisa falar com Babemco e tirar a limpo o motivo dele ter pago os seus estudo e inclusive sua formação como delegada. E, Morgana, precisa testemunhar o resultado das suas fotos. Ela quer saber se ficou apresentável junto de Cícero.
O salão está lotado. Homens e mulheres elegantes passeiam para lá e para cá, conversando trivialidades e tomando champanhe com petiscos de camarão. Um palco está montado e uma banda toca um jaz como pano de fundo. O lugar exala luxo e poder, riqueza e superficialidade. É uma ode ao nada.
Bruno entra no camarim e encontra Jade dando os últimos retoques na maquiagem. Ele sorri, admirado.
— Você está deslumbrante.
Ela agradece com um sorriso nervoso.
— Eu tô um caco. Não tive tempo de fazer absolutamente nada. Não consegui dormir, enfim, tá tudo um caos — ela reclama.
— Agora você é uma executiva. Essa vida agitada é algo normal. É melhor ir se acostumando. Enfim, eu só vim te desejar boa sorte.
Bruno sai. Jade procura algo em sua bolsa e acaba encontrando uma foto de Helena Melo. Ela retira a foto e parece lamentar a morte da amiga.
— Como eu queria você aqui nesse momento — Jade fala, olhando para a fotografia. — Com certeza você teria um conselho, uma palavra de ânimo e um ensinamento. Você faz falta, Helena.
Enquanto isso, na entrada da Prime, Mônica, a mãe de Yeda, luta para conseguir entrar na festa. Ela está desesperada e pede para falar com Babemco. Um dos seguranças responde pela vigésima vez: — Você não vai conseguir falar com ele. É melhor sair daqui, senhora.
— Por favor, me deixa entrar — ela implora.
Um carro preto estaciona próximo e Licurgo desce, em seguida ele oferece apoio para que Victória desça do carro. Os dois desfilam em direção à entrada.
Licurgo mostra o convite para o recepcionista.
— Por que você acha que o Bruno te deu esse convite? — Victória questiona.
— Ele quer que gente se ajeite com a Jade. E, eu ajudei eles um dia desses — afirma Licurgo.
A delegada Yeda também chega e vai logo tomando lugar em uma das mesas. Porém, ela procura por Babemco em todos os cantos da sala. Ela precisa falar com o executivo.
De repente a música cessa. Os holofotes apontam para o palco principal. A atenção de todos se volta para o local. Cornélio aparece vestindo um terno luxuoso. Ele anda altivo para o centro do palco e fica atrás de um pequeno púlpito.
— Boa noite a todos. É uma grande honra reunir-me com todos vocês neste ambiente e testemunhar o que de mais nobre nossa sociedade pode oferecer. Vocês, assim como a Prime, são a joia dessa coroa chamada Recife. Obrigado pela presença de todos — ele inicia bem formal.
— Agora, nós queremos apresentar para os acionistas, diretores e financiadores da Prime, o novo plano de gestão da empresa. Gostaria de convidar ao palco, o nosso atual CEO: Babemco Palhares.
A plateia recebe Babemco com uma salva de palmas empolgante. O homem entra no palco vestindo um terno vermelho carmesim, com uma gravata preta e um sapato de couro. Ele caminha confiante até chegar ao centro do palco.
— Obrigado! Por longos vinte e cinco anos, eu estive à frente desse barco que carinhosamente chamamos de Prime Security. Nossa casa, nosso lar, nossa fonte de renda, nosso orgulho. Por duas décadas, esta empresa tem sido sinonimo de sucesso e estabiliudade. Porém, como tudo tem um começo, também tem um fim. E hoje, começa o fim de uma era, para dar início a outra.
Todos escutam com atenção. O auditório permanece em silêncio.
— Todavia, é com grande alegria que hoje me despeço deste espaço e desta história…
Babemco é interrompido. Um grito rompe da platéia e quebra o silêncio.
— Babeeeemco! — Mônica aparece no meio da multidão. Um facho de luz foca na mulher.
— Para com isso!!! Você não pode ficar entre mim e a minha filha!! Nós tínhamos um acordo!! — ela grita.
Os seguranças começam a se movimentar na intenção de deter a mulher, mas ela é esperta e corre em direção ao palco, subindo e sendo barrada por dois seguranças.
— Eu preciso falar com você — ela grita, enquanto os dois seguranças a apertam e lhe conduzem até as escadas.
Nesse momento a delegada Yeda se aproxima, dando voz de comando e mostrando o distintivo — Solta a minha mãe, AGORA! — ela aponta uma arma para o segurança. A multidão grita tomando um susto.
Mônica se desvencilha dos homems e vai em direção à Babemco. Yeda vai logo atrás.
— O que você pensa que tá fazendo, mãe?! Sai daí agora e vamos embora! Esse não é o momento! — diz Yeda.
Mônica se volta para a filha: — Não era a verdade que você queria? Aqui está a verdade minha filha!
O público assiste tudo com uma dose de assombro, curiosidade e anseio por saber qual é o problema.
— O que vocês estão fazendo? — Babemco fala para todo mundo ouvir.
— Eu quero que você pare. Que você nos deixe em paz. Que você nunca mais entre em nossas vidas! — Mônica fala, eufórica.
— Você perdeu a noção. Mais uma vez…
Yeda se aproxima da mãe. Ela também está curiosa.
— Mãe, do que você tá falando? — questiona a delegada.
Mônica para e parece sofrer antes de falar. Lágrimas escorrem pelo rosto. Ela está em tormento.
— Eu me arrependo até hoje. Mas, tudo que eu fiz em seguida, foi pensando no seu bem minha filha…
— Mônica, por favor… não faça isso — pede Babemco
— Mãe, o que tá acontecendo?
A mulher encara a filha e depois Babemco. Mas, ela fecha os olhos e baixa a cabeça, antes de confessar.
— Babemco é seu pai, meu amor. Foi por isso que ele pagou seus estudos… — confessa.
Yeda congela. Seus braços perdem força e a arma cai no chão. Os seguranças dão um bote rendendo-a.
A luz se apaga. Tudo escurece. Mas ainda não é o fim…
Os três saem de cena. Cornélio aparece e pede música. O show retorna. Canapés, vinho branco, champanhe e sorrisos falsos. Todos parecem disfarçar o climão que ficou no ar. Mas, o requinte e o luxo não podem sucumbir diante de uma noite tão esplendorosa.
Jade fica hororrizada. Bruno não consegue responder nada. Morgana entra sorrateira na festa e senta em uma mesa escondida.
Depois de alguns minutos tentanto voltar à normalidade. Cornélio toma o centro do palco e chama a atenção do público novamente.
— Em nome da Prime, eu quero me desculpar por este evento inesperado. Mas, precisamos retomar a cerimônia. Agora, com muita alegria, eu gostaria de apresentar a nova CEO da Prime Security: Jade Souza.
A mulher entra em cena radiante. Jade desfila cheia de luz e glamour. O brilho, a sorte e o poder estão com ela. Agora nada pode detê-la, ou será que pode?
— Obrigada a todos por este presente maravilhoso. Estar no centro e à frente desta organização tão respeitada e importante para a sociedade, é ao mesmo tempo empolgante e desafiador. Estar à altura deste cargo é requisito mínimo, é preciso transcender a excelência, é necessário ir muito além do óbvio e do bom. Ser Prime é ser inimaginável, ser pioneiro e ser forte. E eu conto com o apoio de todos vocês para cumprir esta missão — ela diz, confiante e com um sorriso verdadeiro.
Um vídeo começa a ser transmitido em um telão atrás do palco e em vários outros telões espalhados pelo salão. A plateia aplaude eufórica enquanto observa as imagens.
Inicialmente, o vídeo institucional parece apresentar todo o complexo da empresa. Seus funcionários, suas atividade e a extensão dos seus serviços. Ser Prime, é ser grande, rico e influente.
Porém, o vídeo cessa. Uma tela preta aparece. O título: ATENÇÃO IMAGENS FORTES se destaca no centro da tela. Os convidados param as palmas e os sorrisos se apagam.
No telão, uma sequência de fotos macabras começa a ser exibida. Uma música de fundo sinistra e lenta acompanha. Todos ficam em choque.
Nas telas, as fotos de Morgana segurando o pequeno Cícero. Porém, o rosto de Morgana está desfocado. Não é possível identificar a jovem.
No centro do palco, Jade segura o microfone com força, as mãos tremem e os olhos se enchem de lágrimas. Ela quer o seu filho de volta, ela quer tomar o pequeno Cícero nas mãos novamente.
Mas, o pior está por vir. As fotos de Morgana pelada, segurando um porco, saltam na tela e assustam todos. O salão é tomado por um sussurro de espanto. Jade parece perder as forças das pernas. Ela não está acreditando no que vê.
O porco, o sangue, a jovem segurando o animal da mesma forma que fez com Cícero. O público fica em choque. Uma música pesada toma o ambiente e as luzes apagam. Jade sai de cena. Mas, ainda não é o fim. Tempo. Um relógio sussurra tic-tac ao fundo. As luzes retornam. Cornélio mais uma vez assume o foco e pede música. Agora foi demais. Alguns convidados saem do salão. “Música animada, agora!”, pede Cornélio. “Sirvam a melhor comida e a melhor bebida”, pede o presidente do conselho.
Carne de porco, pernil, bacon. Os acionistas se lambuzam enquanto comentam os últimos acontecimentos. Cornélio vive um pesadelo.
Em seu camarim, Jade está sentada de frente para o espelho. Ela está em choque.
De repente, alguém abre a porta. Victória entra devagarzinho.
— Você tá bem? — pergunta a psicóloga.
— Não sei…
Victória se aproxima. — Eu venho em missão de paz. Precisava saber como você estava?
Jade pede que a mulher se sente.
— Você quer falar?
Jade sorri: — Quando a gente fala, cura, não é isso?
Victória balança a cabeça concordando.
Jade suspíra. — Eu me sinto incapaz. Mas, de alguma forma, estou serena.
— O que te faz ficar assim. Não ignore a dor ou a tristeza.
— Não, não é ignorar. É que eu já tenho passado por tanta coisa ruim nos últimos dias que parece que tô criando uma casca. Ou talvez a ferida tá cicatrizando. E, sobre estar serena, o motivo é que eu fiz tudo que estava ao meu alcançe. Eu fui uma mãe excelente e fiz o possível pra recuperar meu filho. Eu ainda estou aqui, e tenho que ser firme até o último segundo.
Victória sorri. — Parece que você começou a entender.
— Em algum momento, tudo isso tinha que fazer sentido.
Alguém entra na sala, “ Jade, estão te chamando. Você precisa ir agora”. Victória encara Jade.
— Você tem que ir, mesmo? — pergunta a mulher.
— Não temos tempo — fala o assessor, apressando Jade.
Victória insiste com Jade. — Você não tem mesmo tempo?
Jade entende e ordena que o homem saia da sala. — Eu tenho tempo sim — responde.
— Se você permitir, eles vão te engolir. Nunca permita que ninguém controle o seu tempo. Você tem que viver o agora.
— Eles me pressionam de todas as formas — confessa Jade.
Alguém bate a porta de forma insistente. Jade passa a chave na fechadura.
— Respira… — inicia Victória.
Jade senta e fecha os olhos.
— Você é a dona do seu tempo… Você faz a sua história….
“Precisamos de você aqui fora, Jade”, alguém grita lá fora.
— Você é a dona do seu tempo… Respira.
1…
2…
3…
4…
5…
6…
Tempo.
Vença o tempo.
Sem pressa.
Sem correria.
Sem fortes emoções.
Sinta o momento.
Viaje pelo tempo.
Seja.
Viva.
Contemple.
Seja o centro.
Seja o templo.
Não há ninguém por perto.
Você está sozinho.
Você só precisa respirar.
Inspira.
Expira.
Sinta.
Calma.
Calma.
Calma.
Presente.
Fique aqui.
No agora.
Agora.
Jade abre os olhos.
— Agora eu posso retornar — ela declara confiante.
A mulher entra em cena. O público reage direcionando o olhar para o palco. O que será que vai acontecer? Como ela está? A plateia se pergunta.
No palco, Jade toma o microfone.
— Desculpem por tudo isso. Dias difíceis surgem para todos os navegantes, e, são esses dias que irão provar a nossa força. E hoje, eu quero ser forte para não sucumbir, para não ser vencida pelas fortes emoções. Eu estou bem, e peço que vocês fiquem bem comigo. Ok?
Jade sorri e sai triunfante. Ela venceu mais uma vez.
Continua…