Jade lembra o som das ondas batendo na arrebentação. O vento forte e o frio. O céu pintado de cinza e o sol escondido atrás das nuvens, quase a se por. Ela consegue sentir o abraço de Lucas e os braços que lhe envolvem por trás. O cheiro amadeirado do perfume, e a sensação de estar segura.
Eles não precisavam falar nada, somente sentir um ao outro. Fazia tempos que os dois não tinham um momento a sós. Sempre ocupados, cuidando de criança ou das coisas de casa. Precisavam de um fim de tarde à beira mar, vendo o dia se despedir.
Não era um pedido de socorro. Mas, um encontro de almas. A praia, o mar, o fim de um ciclo. Talvez as palavras não pudessem ajudar, mas a presença com certeza encontraria um meio de auxiliar. Não era necessário brigas entre eles, só precisavam saber que estavam juntos, independente da situação crítica do casamento. A vida a dois era sempre assim. Um fim e um recomeço. Como as ondas, um ir para sempre voltar de novo. Um entardecer para depois amanhecer. Uma vida calma como a maré, ou bravia como o mar ruidoso.
A praia era o retrato perfeito desse ciclo sem fim. Até que a morte nos separe. E ela, a morte, os separou.
**
Jade não podia acreditar no que estava acontecendo. A corda ainda balançava como um pêndulo teimoso de um lado para o outro, segurando o corpo inerte de Lucas. O barulho dos fios arranhando a madeira parecia zombar com os espectadores anunciando que vencera e conseguira enforcar o traidor.
Babemco não parava de olhar para o corpo do homem. Os seguranças logo se aproximaram e retiraram Lucas da corda.
Jade não parava de chorar, incrédula. O mesmo medo que ela sentiu ao ver Babemco matando Helena, ressurgiu. Parecia uma besta adormecida que acordara de repente, com dentes afiados e muita fome.
— Vocês querem café? — Babemco perguntou, sentando na ponta da mesa.
Ninguém respondeu. Todos em completo choque e silêncio. Lágrimas pingavam sobre a toalha da mesa. Corpos tremiam em absoluto pânico. Uma lâmpada começou a tremular, a energia parecia fraca. As trevas da sala começaram a dominar todo o ambiente como uma névoa venenosa. O ar parecia tóxico e impossível de se respirar.
— Tragam a criança e um pouco de café, por gentileza!
— O meu filho não, Babemco… — Jade pede em uma súplica — O que eu preciso fazer pra você parar com isso?
— Ah, não se preocupe. Você vai saber em breve — ele daclara, com um sorriso sínico.
Logan entra carregando Cícero nos braços. O nene continua a dormir, pacífico. Babemco põe a criança no colo da mãe. Jade o abraça com carinho e saudade.
— Não tira ele de mim, por favor — ela clama, sem querer entregar a criança.
Babemco estende os braços e segura o pequeno para si.
— Ele parece com o pai! — diz o magnata.
— Me diz logo o que você quer!
— Você sabe que eu não faria nenhum mal a esta criança, não sabe?
Jade o encara esperando que o homem termine com a tortura.
— Mas, o Logan talvez não pense como eu penso — Babemco entrega a criança nos braços de Logan e o hacker saca uma faca extremamente afiada que reluz ao ver o brilho das velas.
— Por favor, não! — Jade entra em desespero.
Babemco desamarra a mulher e encarando-a diz: — Acabe com tudo isso!
Capeto desamarra Morgana e entrega a pistola na mão de Babemco.
— Morgana ou Cícero? Quem você vai salvar? Se você escolher salvar seu filho, eu preciso que a jovem morra. Mas, se escolher salvar Morgana, a criança vai morrer. De qualquer forma, um dos dois irá morrer nesta noite — Babemco fala, convicto.
— Você não pode me pedir pra fazer isso?
— Você já matou tantos para resgatar o seu filho. O que é mais uma vida?
— Eu não consigo fazer isso, Babemco. As pessoas que eu matei foi por puro instinto de sobrevivência — ela fala aos prantos.
— E o pai da Morgana?
Jade baixa o olhar sem conseguir encarar a jovem.
— Eu não posso fazer isso!
— Tem certeza? — ele pergunta, olhando para Logan. O hacker aproxima a ponta da faca do pescoço de Cícero. — Vai ser a morte mais rápida do dia!
— Não encosta no meu filho! — Jade brada!
— Então mata a sua querida inimiga! Se desviar a arma um centímetro para o lado, a criança já era — Babemco diz, entregando a pistola na mão de Jade e se escondendo atrás dela.
Jade mira no peito de Morgana — Eu sinto muito!
Morgana fecha os olhos esperando o disparo. Leia cai em prantos soluçando de chorar.
— Eu sinto muito. Se eu pudesse voltar o tempo, não faria o que fiz com seu pai, Morgana. Eu nunca deveria ter feito aquilo. Eu não imaginei que estaria tirando a vida de alguém tão importante assim. Roberval foi um grande homem e estaria orgulhoso da mulher que você se tornou. Espero que um dia me perdoe.
— ATIRE! — brada o magnata.
Jade aproxima a arma e põe embaixo do seu próprio queixo. Ela sente o metal frio tocar sua pele. Talvez seja uma morte rápida, indolor. Ou talvez não! Talvez o choque do corpo seja forte o suficiente para ressoar mesmo depois da morte.
— O que você está fazendo?
Jade é rápida e precisa ao posicionar a pistola no seu pescoço e apertar o gatilho. Todos aguardam o impacto e o disparo da arma. Ela prefere morrer a tirar mais uma vida inocente.
**
Sacrifício. A morte do eu.
— Se eu sou culpada, eu devo morrer, não acha? — Jade pergunta para Victória.
A psicóloga se aproxima com uma xícara cheia com chá de hortelã. Ela senta no sofá branco e entrega outra xícara para Jade. O consultório acomoda as duas mulheres.
— Não necessariamente! Por que você acha que a morte é a resposta para tudo?
— E o que significa morrer, Victória?
A psicóloga sorri.
— Morrer é como voltar para casa depois das férias. Você lembra dessa sensação?
— Lembro de ficar triste por deixar as férias para trás!
— Mas era somente tristeza? Não tinha outro sentimento ao lado?
— Acho que eu sentia saudades de casa. Eu passava minhas férias na fazenda. Os primeiros dias eram os melhores. Depois surgiam algumas dificuldades e logo batia um pouco de saudade de casa.
— É isso! Morrer é um pouco de saudade também. É curtir a vida da forma mais plena possível, mas, sentindo que esta não é a sua casa. Sabendo que você vai voltar para o lar quando tudo acabar. É assim que a morte deve parecer. Uma volta para a casa depois de longas férias.
— Pensar nisso me deixa triste — Jade declara.
— Eu acho poético. Me faz pensar em deixar tudo pronto para a volta. Eu não posso viver e esquecer que a morte não é real. Ela vem buscar a todos, indistintamente, invariavelmente.
— E se eu não quiser morrer?
— É uma escolha que não existe. Você vai morrer, querendo ou não.
— É… é uma pena.
**
Jade aperta o gatilho uma vez e nada acontece. Aperta novamente e a arma não dispara. Babemco arranca a pistola da mão dela e ao apertar o gatilho a arma dispara.
— Mas, que merda é isso! — ele diz, assustado.
— Eu juro que apertei — Jade fala, assombrada.
— É, eu vi! — ele diz, incrédulo.
Léia aproveita a deixa e declara enxugando as lágrimas: — São coisas que nem Deus explica.
— De fato não explica mesmo, dona Léia — Babemco fala, arrancando a mulher da cadeira.
O magnata entrega a arma na mão de Morgana e puxa a faca que Logan estava segurado.
— É hora de fazer justiça, Morgana! Preciso que acabe com a vida da mulher que matou seu pai!
— Por favor, para com esses jogos. Nós não aguentamos mais! — Morgana pede, segurando a arma em suas mãos.
— Se você quer um fim, eu juro que vou te dar, mas não sei se você vai gostar ser órfã de pai e mãe — ele diz, encostando a faca no pescoço de Léia e fazendo-a sangrar. A mulher geme de dor.
— Não machuca minha mãe, Babemco, por favor — pede a jovem.
— Acaba logo com isso e atira na Jade! Não era isso que você tanto queria?! Não foi por isso que você sequestrou o Cícero? Você queria vingança, e agora a vingança veio até você! — ele enfia a faca mais fundo, causando um ferimento ainda maior em Léia.
Morgana levanta os braços, mirando em Jade.
— Se tentar se matar, como a Jade fez, eu juro que sua mãe morre em seguida. Eu não vou ter misericórdia.
— Morgana, faz o que for preciso — Jade diz, levantando os braços, rendida.
— Você acha que eu quero te matar? — Morgana pergunta para a mulher.
— Eu comecei tudo isso. Nada melhor do que terminar comigo.
— Por que você acha que isso é sobre você? Nunca foi e nunca será! As coisas que você diz e faz, são uma bobagem! Eu te destesto de várias formas, Jade!
— Eu sei e não a culpo por isso!
— EU NUNCA VOU TE PERDOAR! NUNCA! — Morgana grita apertando ainda mais a arma em sua mão.
— ATIRA LOGO! — Babemco grita.
As mãos de Morgana tremem ao mirar em Jade. Ela fecha os olhos e lembra do pai. Ela olha vira o rosto para o lado como se não quisesse ouvir o disparo.
Mas, alguém grita com autoridade: — CHEGA DESSA PALHAÇADA.
Morgana abre os olhos, procurando o emissor. Ela se assusta ao ver Logan apontando uma arma na cabeça de Yeda.
— Vamos acabar logo com esse show ridículo. Eu tô com fome e sono! — diz o hacker.
Capeto se aproxima de Morgana e retira a arma da mão dela.
— O que tá acontecendo, Logan? — Babemco pergunta, sem entender absolutamente nada.
— Você falou tanto em fidelidade e traição que eu fiquei inspirado, Babemco — diz o hacker com um sorriso macabro.
— É isso mesmo que eu tô pensando? — Babemco se questiona.
— É isso mesmo, chefe. Nós resolvemos dar as cartas agora — diz o velho Capeto mirando a arma em Babemco.
— Vocês são dois imprestáveis mesmo.
— Você achou que viveríamos na sua sombra por toda a vida? — Capeto declara.
— Eu achei que vocês tivessem o mínimo de juízo, mas, pelo visto me enganei. O que vocês querem?
— O que eu sempre quis, amado! A Prime Security! Mais, uma indenização por ter sido preso injustamente e tudo o que eu puder tirar de você — Logan diz, destravando a arma e pressionando ainda mais contra a cabeça de Yeda.
— Solta ela! — Babemco ordena.
— Você não dá mais as ordens aqui, Babemco. Agora, o jogo virou. Assina logo esse documento passando tudo para o meu nome e do Capeto e nós ficamos quites.
— Eu não vou assinar porcaria nenhuma!
— Eu prometo que não vou demorar muito pra disparar essa arma e estourar a cabeça da sua única filhinha! — Logan diz.
Yeda se contorce de raiva debaixo da mira da arma.
Babemco parece transtornado com aquela virada. Ele foi pego de surpresa com a traição de Logan e Capeto. De fato, o mundo dá voltas.
**
Ninguém pode ficar de fora, nem mesmo os que não são protagonistas.
— Você não se acha importante? — Logan pergunta para Capeto, enquanto vira uma dose de pinga.
— Eu sou velho e um pouco burro. Parece que uma vida inteira ficou me aguardando lá fora, mas eu nunca consegui chegar de fato — Capeto diz, dando uma tragada em seu cigarrro.
— Você só me diz besteiras — Babemco fala, se aproximando com uma garrafa de vodca.
Os três estão reunidos na antiga sede da Prime, logo quando tudo começou. Quando os sonhos ainda eram somente sonhos.
— Se conseguirmos fechar esse contrato, a Prime vai ser a maior da cidade. Vocês estão mesmo prontos pra ter a maior empresa de segurança privada da cidade, amigos? — Logan pergunta, empolgado.
Babemco toma mais um gole da sua bebida: — É só isso que você quer? Ser o maior da cidade? — ele desdenha.
— E você acha isso pouco? — o hacker rebate.
— Não. Eu acho que não é nada.
— Nada?
— Pra quem quer o mundo, essa merda de cidade, não significa absolutamente nada. É um grão de areia perto do que eu quero almejar.
— Precisamos ter os pés no chão e ir devagar, Babemco — Logan fala, cauteloso.
— É nesse ritmo que você quer crescer? Onde está sua ambição, Logan? Mire alto. Mire as estrelas. Vá o mais longe que a sua imaginação puder chegar, e quando alcançar esse lugar, continue indo além. Só pode enxergar plenamente quem enxerga do alto.
Capeto e Logan ficam admirados com a perspectiva de Babemco.
— Faça o que tem que ser feito e deixe que eu alço voo.
**
Logan continua mirando a arma na cabeça de Yeda. Capeto aponta sua pistola para Babemco.
— Vocês pensam que sabem o que estão fazendo, mas estão tão perdidos quanto um rato no deserto — declara Babemco.
— Eu nunca tive a intenção de te ajudar. Eu só esperei o momento certo para agir. Você me traiu e me colocou atrás das grades. E, como você mesmo disse: “a traição sempre volta para nos assombrar e tal e tal, besteira”. Pois então, a traição que você me causou, voltou hoje para te assombrar e te dizer que você me deve tudo. A Prime é minha e esses bilhões também. Se essa sua filhinha é tão importante mesmo, essa é a hora de provar. Assina o documento e passa tudo pra mim, agora — diz Logan.
Cornélio, presidente do conselho da Prime, levanta e entrega o documento para Babemco.
— Vocês acham mesmo que é o fim? — Babemco pergunta, segurando o documento em sua mão.
— Eu acho que você não vai querer arriscar tanto — diz Logan.
— Eu juro que te amo minha filha — o magnata fala, sorrindo para Yeda.
— Eu quero que você queime no inferno! — ela devolve com raiva.
— Não, querida, eu não vou queimar no inferno. Sabe por que? Por que eu sou o próprio inferno! O INFERNO SOU EU! — Babemco fala abrindo seu paletó e mostrando que carrega vários detonadores presos a si.
— Para com isso ou então eu atiro! — Logan brada, mirando para Babemco.
— O inferno sou eu, querido! Nunca me subestime! — Babemco aperta um dos detonadores e uma explosão derruba a parede ao lado.
Todos caem, sendo jogados pelo impacto da bomba. Uma nuvem de poeira toma conta da sala de jantar invadindo todo ambiente.
— HOJE TODOS VAMOS MORRER! — Grita Babemco, causando ainda mais desespero.
Mais uma explosão acontece e o teto desaba.
**
Jade corre em meio aos corredores carregando Cícero nos braços. Ela procura uma saída. A mansão arde em chamas e as explosões continuam derrubando os tetos e paredes.
Jade entra em um quarto e as chamas se aproximam bloqueando qualquer saída. Ela se aproxima da parede e tenta encontrar uma porta mas não consegue enxergar absolutamente nada. A fumaça negra começa a tomar de conta e o calor do fogo aumenta sem medidas. Jade fica encurralada.
— Vem comigo! — Alguém grita.
Morgana pega a mão de Jade e começa a empurrar um armário que está encostado à parede.
— Me ajuda a afastar esse móvel! — a jovem pede.
— Nós temos que sair, agora! — Jade grita, em desespero.
— Confia em mim! Tem um bunker atrás desse armário, nós vamos ficar seguras.
— Como você sabe disso?
— Foi aqui que Babemco escondeu o Cícero — declara Morgana.
Jade e Morgana empurram o móvel e a porta de aço aparece. A jovem digita uma senha no teclado e a porta é destravada.
As duas estão prestes a entrar quando Logan aparece apontando a arma para as duas.
— Onde vocês pensam que vão? — ele pergunta com ódio.
— Vê se dá o fora! — Morgana grita, fechando a porta na cara do hacker.
— Ah meu Deus! — Jade apavorada.
As luzes do bunker acendem. O lugar é branco e espaçoso. Porém, não tem outra saída.
— Conseguimos. Aqui estamos seguras — Morgana fala, enquanto caminha para o centro do bunker onde tem uma caixa coberta por um lençol. A jovem puxa o lençol revelando uma bomba armada e um timer decrescente.
— Mas que merda! — Jade fala agarrando Cícero.
— Droga! Temos que sair daqui — Morgana diz, voltando para a porta, porém caindo em seguida.
Jade corre em direção à garota e ao virá-la de bruços sente o sangue escorrer entre os dedos.
— Morgana? — Jade fala, em desespero.
— Eu tô bem… — ela diz, revirando os olhos e entrando em um colapso.
— Vamos parar esse sangramento — Jade tenta estancar o sangue, porém o ferimento da bala é profundo e a menina continua a sangrar — Fica comigo, Morgana, precisamos sair desse bunker — Jade diz, pressionando a barriga da garota, lugar em que ela foi atingida.
Morgana não reaja e seus olhos se fecham.
— Acorda! Reaje!
Cícero chora. Jade tenta reanimar Morgana. O timer da bomba continua a diminuir. Dez minutos, nove, oito, sete…
Quando a bomba explodir será o fim. Não vai sobrar nada de Jade para contar a história. Ela precisa sair do bunker. Ela precisa salvar Cícero e Morgana. A história não pode acabar assim.
CONTINUA…