Dentro do seu veículo, Jade está a caminho da Prime Security. No banco traseiro, ela se debruça sobre milhares de documentos espalhados enquanto fala com acionistas e apoiadores da sua campanha. Não percebe quando uma multidão se forma próximo à entrada da empresa. Homens portando cartazes e faixas com o título: JADE É UMA ASSASSINA. Eles com certeza são da oposição.
O motorista abre a porta rapidamente, Jade salta com urgência, mas, antes de entrar, é impedida por homens e mulheres raivosos que gritam palavras de ordem afirmando que Jade é corrupta e não merece ser prefeita.
Ela toma um susto com o protesto. Ao seu redor umas cinquenta pessoas gritam e estão prestes a linchá-la em público. Jade teme pela sua vida. Com certeza caiu em uma armadilha.
A multidão cresce sobre Jade enquanto o cerco diminui oprimindo ainda mais a mulher. Ela está cercada e não pode fazer nada a não ser pedir por misericórdia, mas de repente, alguém começa a dissipar a multidão e um tiro ecoa para o alto assustando a todos.
Bruno aparece no meio do povo cercado por seguranças armados. Ele ultrapassa no meio do povo como se abrisse o mar vermelho, em um verdadeiro ato heroico.
A multidão rapidamente se afasta dando espaço para Jade e Bruno. Ele ainda grita com muita autoridade contra a multidão: — Se afastem agora! Nós iremos atirar novamente!
Jade sente um alívio ao perceber que verdadeiramente foi salva. Ela mais uma vez deve a Bruno, mesmo estando chateada com ele.
Jade e Bruno seguem para a sala da presidência da Prime. Ela está silenciosa e ele curioso.
Ao entrarem, Jade serve água para o advogado. Ele aceita sem perguntar nada.
— Obrigada por me ajudar mais uma vez, porém, isso não apaga o que você fez em relação às imagens. Eu ainda estou bastante irritada com tudo isso — ela ralha.
Bruno é meticuloso. Ele sabe que precisa usar as palavras muito bem para convencer a amiga.
— Eu também sinto muito pela imagem que acabei passando. Quero que você saiba que como seu advogado eu sempre agi com o pensamento de te proteger e dar as melhores soluções para os problemas que surgiam. Sobre as imagens, eu tive o mesmo propósito: proteger você de você mesma — ele fala de forma branda.
— Eu não estava lutando contra mim. Eu só queria tirar o Babemco da jogada entregando o vídeo pra polícia. Ele não pode ficar por aí como se não tivesse cometido esse crime horrível.
Bruno se aproxima da mesa e põe o pen-drive em cima.
— Eu trouxe o vídeo do Babemco atirando na Helena. É todo seu. E, eu também quero me demitir. Não posso mais ser seu advogado. Acho que misturar essas relações de amizade e profissão não colou muito bem.
Jade observa o pen-drive sobre a mesa. Ela espera Bruno terminar, mas sua vontade é correr e guardar aquilo.
— De alguma forma, eu sinto que você não confiou em mim e no que eu estava aconselhando. Eu só quero o seu bem, Jade. Em todo o momento eu só pensei no seu bem-estar. Entregar essas imagens não é pensar no seu bem.
— Por quê, não?
Ele se aproxima dela.
— Eu falei com o Brutus e nós estamos nos aproximando de descobrir quem é a garota que sequestrou o Cícero. Nós estamos chegando à conclusão de que ela é parceira de Babemco e de que tudo isso não passou de um truque dele para dizer que não estava mais na posse do seu filho.
— Sério?
— Sim! Eu vou ligar para o Brutus e ele vai te confirmar — ele disca um número em seu celular, enquanto fala — Jade, se você queimar todas as pontes com os seus amigos não vai restar mais ninguém de confiança para te ajudar. Primeiro você desconfiou do Licurgo e da Victória, até percebermos que tudo não passou de um plano do Marcelo. Agora, você desconfia de mim. Você precisa voltar a confiar nos seus amigos. Nós estamos aqui para ajudar, ainda que muitas vezes entremos em contradição, a intenção sempre foi te proteger.
Ela olha para Bruno e percebe que de certa forma ele tem razão.
— Se nós usarmos as imagens do Babemco, não teremos mais como negociar com ele e pedir o resgate do Cícero. Se entregarmos essas imagens à polícia e cair nas mãos de policiais corruptos, também perderemos essa arma — ele continua aguardando a ligação completar.
Ela se aproxima de Bruno e pede que ele desligue o celular.
— Ok! Eu preciso confiar. Eu sei que vocês estão comigo — ela fala.
Interiormente, Bruno vibra e tenta disfarçar um sorriso cínico que surge no canto dos lábios.
— Você tem certeza? Eu não quero ser empecílio para os seus planos — ele afirma.
— Guarda o pen-drive em segurança. E, me atualiza sobre essa garota. Eu preciso ter todas as armas a meu favor para resgatar o meu filho.
— Concordo plenamente.
Jade pega o dispositivo e entrega nas mãos de Bruno.
— Eu confio em você, Bruno.
Eles se abraçam. Bruno revira os olhos, sarcástico. Jade corre perigo.
EPISÓDIO: CONFIAR
Sala de Conferências do Partido. Jade ensaia para o grande debate que é daqui a dois dias. Ela está nervosa e cercada por assessores, jovens carregando planilhas e dados sobre a cidade.
Ela estuda sobre políticas ambientais, economia, saúde e educação. Quais os maiores problemas da cidade? Saneamento básico, estrutura das vias, distribuição de renda. Um turbilhão de informações e frases de efeito. Planilhas e estatísticas. A cabeça de Jade está uma loucura.
Alguém grita dizendo que não se pode esquecer de Babemco e das suas acusações sobre o passado de Jade. Ela ouve aquilo e congela. O medo volta e imediatamente suas mãos começam a tremer.
— Devemos preparar uma resposta que defenda Jade sem parecer que estamos sempre na defensiva. Uma resposta definitiva que acabe com o assunto. Que tal citarmos a suspeita de que Babemco também cometeu crimes enquanto presidente da Prime? Precisamos afirmar que todos estão sujeitos a erro, mas que agora estamos em um novo momento e que o passado foi enterrado.
Jade escuta aquilo e lembra do dia que enfrentou Babemco no programa do Dial. Lembra como ele usou a morte do Jonas, como ele a acusou de ser uma assassina e de como ela não conseguiu reagir. Será que Jade iria ter coragem suficiente para se opor ao inimigo? Será que ela iria conseguir articular bem as respostas e combater as acusações do oponente?
Ela levanta e pede um tempo. “Mas, Jade…”, alguém tenta contradizer. Ela fala com mais autoridade: — Preciso de um tempo”. Todos saem da sala deixando-a sozinha. Ela senta e respira. Precisa falar com alguém. Sai e pede que o seu motorista a leve até o apartamento de Yeda. Tem algumas pendências para tratar com a ex-delegada e com Licurgo.
**
Enquanto Jade se prepara para o discurso, Bruno e Babemco estão reunidos em um quarto do San Marino Hotel. O advogado organiza todos os dados que tem contra Jade. Babemco escuta tudo e anota algumas coisas.
— Quer dizer que ela te procurou depois de ter assassinado meu filho? — questiona Babemco.
— Sim. Ela e o Lucas foram até o meu apartamento totalmente desnorteados. Eu pedi que eles ficassem bem, enquanto fui verificar a casa deles. Quando eu cheguei lá, o delegado Sérgio tinha limpado tudo e a polícia não encontrou o corpo de Jonas — relata Bruno.
Babemco claramente fica com ódio ao saber em que circunstâncias Jade matou seu filho.
— O que mais eu preciso saber sobre aquela desgraçada?
—Ela teve aids e não queria ter filho por medo de contaminá-lo. E, parece que ela teve um caso extra-conjugal. Não é uma certeza, mas é algo que pode ter acontecido. Se você citar isso é mais uma forma de desqualificá-la com essa mulher virtuosa que todos acham que ela é.
— Que idiota — Babemco range os dentes com raiva.
— Ela toma remédio controlado. Tá fazendo terapia pois morre de medo desse debate. As mãos dela tremem toda vez que te vê. Você traumatizou ela ao matar Helena. Ela lembra muito bem da cena. Se você citar o assassinato com certeza vai destravar gatilhos.
— Você quer que eu confesse em rede nacional?
— Não! Cite o assassinato de alguém que levou um tiro na cabeça, nas mesmas circunstâncias que Helena.
Babemco sorri: — Você de fato é um advogado do diabo!
— Eu só quero que ela enlouqueça de vez e saia o mais rápido da jogada. Nada melhor do que destruir o inimigo de longe. Sem que ele saiba de onde veio o golpe fatal. Eu quero minar a Jade de todas as formas, e destruí-la psicologicamente é esse golpe fatal que eu tenho que dar — Bruno fala, sombrio.
— Parabéns! Você é o vilão do ano! — Babemco bate palmas.
Enquanto todos estão preocupados com o debate, Morgana tenta convencer dona Léia a viajar. As duas estão na sala de estar. A jovem precisa retirar sua mãe da cidade. As coisas vão esquentar e Morgana não quer arriscar a vida de sua mãe.
— Mãe, por favor. A tia Lia deixou aquela casa pra gente. Você sabe como o papai adorava ir pra praia. Passar alguns dias olhando pro mar vai fazer bem pra gente.
— Eu tenho compromissos aqui. Tem a igreja!
— Por favor, a igreja não vai fechar se você tirar umas férias. Nós temos que aproveitar. Quantos momentos assim nós vamos ter? Mãe, você sabe que precisamos aproveitar as oportunidades. Não sabemos quando a vida vai ter um fim — Morgana convincente.
Dona Leia olha para a sala saudosa: — Deixar a casa é como deixar o seu pai para trás. Eu não consigo me divertir sabendo que ele não vai estar conosco.
Morgana pega as mãos da mãe.
— Tenho certeza que o pai ficaria feliz em nos ver felizes. Certeza que sim, ele iria conosco. Mas, hoje nós que levamos a memória dele aonde formos. Eu preciso que a senhora venha comigo.
Leia concorda e sorri para a filha. A duas se abraçam em um laço de amor.
Enquanto od outros se preparam, Capeto e Logan estão na sala de segurança da mansão do Babemco. O lugar é cercado por telas que mostram todas as câmeras ativas na casa. Os dois assistem os vídeos do dia em que Cícero foi sequestrado por Morgana.
Eles conseguem identificar Morgana fazendo a sopa para a equipe de segurança.
— É ela — afirma Capeto com convicção.
Logan amplia a imagem e consegue focar no rosto de Morgana.
— Você sabe quem é essa? — Logan pergunta para o chefe de segurança.
O homem ruivo se aproxima e confirma: — É a garota do restaurante. Ela vinha quase todas as manhãs, entregava as frutas e verduras e eu já peguei ela zanzando pelos corredores. Ela sumiu depois daquele dia.
— Você tem o nome dela? — pergunta Capeto, acendendo um cigarro.
— Tenho sim. Ela vinha do restaurante Cerejas. Com certeza eles têm o nome dela.
Capeto e Logan se entreolham.
— Vamos para o restaurante Cerejas — fala Logan.
Os dois saem da mansão. Capeto caminha em direção ao carro, no banco do motorista. Logan olha para o velhote.
— Eu posso ir dirigindo… — sugere o hacker.
Capeto olha desconfiado.
— Você quer?
— Claro!
O capanga de Babemco então dá a volta indo para o banco do passageiro, enquanto Logan assume a direção do veículo.
— Meu velho demorou pra confiar em mim e me deixar dirigir. Você tem filhos, Capeto?
Já acomodado dentro do veículo, Capeto fuma e observa o trânsito enquanto o carro cruza uma avenida movimentada.
— Eu tive dois filhos. Um policial e o outro virou nômade.
— Você deve ter orgulho dos dois — afirma Logan.
— Acho que sim… o policial foi assassinado. E o nômade não deu mais as caras. Acho que morreu na Índia.
— Caramba! Você deve ter sido um paizão!
— Por que você acha isso?
Logan olha para o homem fumando o seu cigarro. Capeto está bem acomodado e leve.
— Pelo modo como você trata sua neta… — afirma Logan.
— Eu não quero cometer os mesmos erros que cometi com meus filhos. Quero que ela tenha o melhor de mim.
— Acho que você tá conseguindo se redimir.
— Não se trata de se redimir. O que passou, já era. Eu só quero agir de um modo que a minha neta tenha boas lembranças. E isso não depende do meu passado. Só depende do que eu fizer agora.
Logan ajeita os óculos e reflete naquilo.
Os dois chegam ao restaurante Cerejas. O lugar estpa movimentado e o recepcionista os observa com certo preconceito.
Capeto retira o celular do bolso e mostra a foto de Morgana para o homem.
— Nós queremos saber o nome dessa moça. Sabemos que ela trabalha aqui — o velho fala com muita autoridade.
O recepcionista sorri sarcástico: —Nós não damos informações de funcionários para ninguém, a não ser que seja a polícia. Vocês são da polícia? Não parecem ser.
Capeto saca a arma e mostra para o homem.
— É bom você falar logo quem é a garota, ou então, depois que eu sair daqui vão chamar a polícia para identificar o seu corpo.
O recepcionista gagueja, mas fala que vai chamar o responsável. Capeto afirma que vai seguir o homem, e que é bom ele não aprontar.
O recepcionista caminha até a cozinha sendo seguido por Logan e Capeto, que está armado.
Na cozinha, o homem aponta para o chef Dilard. Capeto e Logan se aproximam.
— O que está acontecendo? — Dilard pergunta, assustado.
Capeto mais uma vez mostra a foto de Morgana. Dilard bufa reconhecendo a garota e sabendo que aquilo não é nada bom.
— Queremos saber quem é e onde encontramos — Logan complementa.
— Eu não posso falar — Dilard reticente.
Capeto levanta a camisa e mostra o cabo do revólver pendurado na cintura.
— Nós não temos muito tempo, amigo. Quem é, e onde a encontramos? — exige Capeto, enfático.
A pick-up de Capeto estaciona a duas quadras da casa de Morgana. Eles observam a movimentação em frente ao imóvel. Leia e a filha passeiam pelo jardim carregando malas e caixas em direção a um caminhão de mudanças.
— Parece que nossa jovem vai partir — observa Logan.
Capeto retira um binóculo da sua maleta.
— Você quer café? — Logan questiona. O velhote afirma que sim com a cabeça. O hacker sai do veículo.
Quinze minutos depois, Logan retorna com café e roscas. Oferece para Capeto e senta no banco do motorista.
— Novidades?
— A mesma coisa de sempre — responde o velhote.
Alguns minutos de silêncio e Capeto decide quebrar o gelo.
— Você quer mesmo ajudar o Babemco ou tudo isso faz parte de um plano?
Logan toma um susto: — Digamos que eu quero unir o útil ao agradável. A Prime smepre foi o meu foco. Mas agora, a Jade conseguiu me colocar na cadeia e tirar a empresa das minhas mãos. Eu estava quase lá quando ela me passou a perna.
— Você foi preso por violentar sua esposa. Você deveria se envergonhar disso.
— Eu não tenho orgulho disso. Mas confesso que a bebida me tirava a noção. Eu me considero um homem melhor desde que parei de beber.
— Conversa. Não era a bebida que te fazia mudar. Você só não tinha autocontrole. O que te fazia afundar na bebida? Você tem que pensar nisso. O que te empurrava a afogar os sentimentos no alcool?
— Você sabe como a Prime era importante para mim no começo. Perder minha empresa foi um atestado de incompetência.
— Você sabe que errou e que o Babemco precisou te entregar. Não foi uma traição de fato, mas ele precisava salvar a empresa e você tinha sido pego pela polícia. Você sabe que ele agiu certo.
— Mentira! Ele podia ter me livrado. Nós dois poderíamos ter reerguido a Prime novamente. Você estava lá e sabe de tudo.
— Não, Logan. A Prime não iria suportar as manchas que vocês fizeram. Babemco precisava de um bode expiatório e você foi esse bode. Não lamente, você foi indenizado.
Logan bufa, desistindo de argumentar. Enquanto isso, o caminhão diante da casa de Morgana dá partida. Leia entra e deixa a filha na calçada, observando a partida da mãe.
Logan sai do carro e fala para Capeto: — Você segue a mãe e eu vou acompanhar a garota. Vai! Não podemos perdê-las de vista.
Capeto pula para o banco do motorista e dá partida no carro: — Fica de olho na garota!
Ele sai e deixa Logan para trás.
Licurgo está sozinho no apartamento de Yeda quando Jade entra cabisbaixa.
— Tá tudo bem? — ele pergunta, preocupado.
— Sim. Eu só queria vir aqui e conversar. Você tem um tempo?
— Fica à vontade. Faz um tempão que eu tento voltar pra fazenda mas sempre tem algo me impedindo. Então, eu tô com bastante tempo livre.
Jade senta e Licurgo serve chá. A mulher segura a xícara e observa o vapor subindo. Reflete em algumas coisas antes de falar com o amigo.
Ele aguarda sentado diante dela.
— Eu quero te pedir perdão — Jade confessa.
— Você já pediu.
— Não! Agora é de verdade. Eu quebrei um elo de confiança que nós tínhamos e percebi que estava enganada. Perdão por desconfiar de você.
Licurgo toma a xícara e segura as mãos da amiga.
— Eu te perdoo. E, sei que você faria o mesmo no meu lugar. Você não é somente uma amiga necessária. Você é amiga íntima. Você esteve nos meus piores momentos, conhece meus piores traumas e me ajudou a vencer muitos medos. Eu sou grato por voltar a confiar em mim.
Os dois se abraçam.
Licurgo percebe a aflição no olhar da amiga. — O que tá acontecendo?
— Eu tô com muito medo. Quase entrando em pânico — ela confessa.
— Por causa do debate?
— Também. Ver o Babemco e lembrar de tudo o que ele representa. Lembrar do meu passado e as coisas que eu fiz. Não sei se superei tudo isso.
— Jade, a melhor forma de vencer tudo isso é encarar o medo. Você precisa deixar os eleitores saberem a verdade. Tudo que você fez foi em busca da justiça. O Roberval, você pagou na justiça, você foi presa, não deve nada.
— Eu sei…
— Então não precisa entrar em pânico. É só respirar, lembra? Victória já te ensinou isso que eu sei. Vem comigo — Licurgo toma a amiga pela mão e a leva para a sacada onde ele fez um verdadeiro jardim. Ele pega a tesoura e entrega nas mãos da amiga. — Os galhos com espinhos ainda estão aí. Você tem que terminar o serviço.
— Mas, como isso vai me ajudar a vencer o medo?
— Confia em mim. É sobre autocontrole. Sobre parar o tremor nas mãos. Sobre aquietar as vozes desses fantasmas que gritam na sua mente e causam pânico.
Jade pega a tesoura de qualquer forma e com violência tenta cortar os galhos das plantas que estão repletos de espinhos.
— Assim não — repreende Licurgo — É necessário sutileza para vencer o medo. Não é pela força física, mas a força espiritual e moral. É força de uma consciência tranquila e em paz. Vamos começar de novo. Respira e corta o galho sem machucar as mãos nos espinhos. Vai desviando até chegar no interior da planta. Com calma.
Jade bufa, um pouco impaciente, mas tenta seguir as instruções do amigo. Ela segura a tesoura com força e insere a mão entre os galhos espinhosos até chegar no ramo seco e cortá-lo. Com a mesma suavidade, ela traz a mão para si sem espetar nos espinhos. Naquele momento, Jade lembra de Victória pedindo para que ela parasse o tempo e se concentrasse no presente.
Seus dois mentores estavam ali. Um pedindo a respiração no agora e o outro pedindo sutileza. Jade precisava aprender tais lições.
— Muito bem. Isso foi só o começo — afirmou o fazendeiro. — Não esqueça: você vai vencer o medo respirando e ficando presente de forma sutil. Não precisa entrar em pânico, tudo já foi resolvido. Medo e confiança é somente uma questão de perspectiva. Você vai focar no galho seco que precisa ser cortado, ou nos espinhos ao redor?
— No galho que precisa ser cortado — ela responde com um sorriso.
Jade abraça o amigo mais uma vez e agradece pelo apoio.
Yeda põe os óculos e os protetores auriculares. Segura uma pistola na altura do ombro e mira em um alvo preparado a trinta metros. Um tiro seco que ecooa por toda a sala.
Jade se aproxima retirando os fones de proteção. A sala de treinamento fica mais quente.
— Você é incrível. Vai me ensinar a atirar? — questiona Jade.
— Você não leva jeito.
— Hoje é dia de treinamento. Você bem que podia tentar.
Yeda posiciona Jade no meio da bancada. Aperta a punho da arma na mão da mulher e mira no alvo.
— Você precisa controlar a força dos braços. Não pode estar muito rígido e nem muito relaxado. É preciso um pouco de flexão no momento do disparo. A mira na altura do ombro e respira bem. Tudo parte de um bom controle emocional.
Jade sorri. — Até pra atirar eu preciso respirar direito?
— Principalmente pra atirar. Se não controlar as emoções elas vão te fazer errar o alvo, e uma das formas de controlá-las é respirando direito. Agora, vai, respira, segura firme a arma, mira e dispara no alvo.
Jade faz tudo isso, mas, o tremor nas mãos retorna e ela tenta controlar através da respiração. “Pare o tempo”, “Seja sutil”, “Respire”, mas o tiro não é nada certeiro. — Que merda.
— Não tem problema. A prática que leva a excelência. E a excelência, inclusive é bem trivial. É só repetir, repetir e repetir indefinidamente até que um dia sem perceber você vai acertar o alvo. Nunca desista de primeira. Porque a primeira tentativa sempre vai ser a pior de todas.
— Como você está? — Jade pergunta, entregando a arma para Yeda.
— Tô bem. Eu não quebro rápido assim. Meu material é feito de coisa sólida. Vê se aprende com isso.
— Eu tô aprendendo…
— Eu não tô te recriminando, é que…
— Eu entendo. A nossa diferença é que você passou pelo fogo preparada. Eu, pelo contrário, passei pelo fogo totalmente desprotegida em todos os sentidos. Mas, eu tô viva. Tô de pé! E, agora tô tentando me preparar para o inferno que está por vir — Jade desabafa.
— Você vai conseguir. Você é mais forte do que imagina — Yeda incentiva.
Jade sorri, grata.
— Quer tomar um café?
As duas caminham em direção ao veículo.
Chegou o grande dia do debate e o povo está em polvorosa. A cidade literalmente parou para testemunhar o embate público dos candidatos à prefeitura de Recife. Quem conseguiria traduzir melhor as ideias para o povo e do povo? Quem iria demonstrar poder e autoridade? As pessoas querem um líder preparado. Querem alguém capacitado para administrar bem a cidade e dar as melhores soluções para os problemas sociais. Ao menor sinal de fraqueza, o candidato seria linchado pela opinião pública, era verdadeiramente um coliseu para todos testemunharem.
O estúdio está lotado de espectadores. As câmeras caminham de um lado para o outro enquanto os refletores são posicionados iluminando todo o ambiente.
Assessores, apoiadores e jornalistas preenchem as primeiras cadeiras da plateia. A instrução é de que todos vejam o debate em silêncio, sem nenhuma manifestação de apoio ou repúdio.
Dial está elegante em um terno azul marinho. A tela de instrução dá o ok. O show vai começar.
Os candidatos aparecem atrás de uma bancada tecnológica. Jade e Babemco estão em destaque pois de fato são os principais candidatos.
Jade usa um vestido branco. Tem uma áurea imponente e segura e o olhar confiante. Enquanto Babemco usa um terno preto e carrega consigo opressão e ódio.
Dial dá início ao debate e o tema escolhido foi: Segurança Pública. Babemco foi sorteado e escolhe fazer a primeira pergunta para a candidata Jade.
— Recife é considerada uma das capitais mais violentas do país — inicia Babemco — Por conta disso, o policiamento é um dos temas mais importantes para um gestor público. Porém, nós sabemos que mesmo com o investimento em segurança, os índices de homicídio continuam a aumentar. Inclusive, você conhece bem os dois lados da moeda candidata, pois já foi condenada por homicídio — ele fala apontando para Jade — Como o povo vai confiar em nós administradores, para cuidar da segurança da cidade? Será que estaremos do lado da justiça ou da criminalidade?
Jade toma o microfone e suas mãos começam a tremer. Todavia, ela começa a respirar, e em sutileza pensa no melhor argumento contra esse ataque que de certa forma foi leve.
— O homem é sujeito ao erro. Todos podemos cometer crimes, desde sonegar impostos a fazer gatos de energia em casa. Nós mentimos para os nossos, furamos filas e pegamos resposta do colega na prova do colégio. Temos dentro de nós a capacidade de errar e acertar, concorda comigo, candidato? — ela questiona Babemco e ele concorda com a cabeça.
— Mas uma das nossas maiores capacidades é corrigir os erros, refazer rotas e aprender com o tempo. Tudo isso só é possível porque erramos, e através dos erros podemos acertar. Na segurança pública, é do mesmo jeito. Tem os que protegem e precisam de apoio do governo. Tem as vítimas que sofreram e precisa do apoio da administração, e infelizmente tem o criminoso que precisa ser punido e buscar regeneração. Eu tive a sorte de pagar pelo crime que cometi, conhecer a família da vítima e conhecer o sistema prisional de perto. Eu sei que todos precisam de apoio e sabendo de perto eu sei quais as melhores medidas para combater o crime, o descaso com as vítimas e uma melhor administração do presídio. O que era um problema para mim, tornou-se vantagem. Eu posso falar porque já estive lá, junto das presidiárias, eu vivi os dois lados. E, eu quero trazer segurança para o povo em geral!
A plateia grita e Jade é aplaudida de pé. Babemco fica desconcertado, ele sabe que perdeu.
Enquanto isso, Capeto estaciona seu veículo próximo a uma casa de praia. Ele observa dona Leia retirar as últimas caixas do caminhão. Ela agradece aos homens que a ajudaram.
Capeto liga para Logan. O hacker atende de imediato.
— Onde está a garota? Conseguiu localizar onde ela esconde o Cícero? — Capeto pergunta, impaciente.
— Eu a perdi de vista.
— Como assim, Logan? Você não tá querendo ferrar com tudo, né?
— Não, não é isso. Ela entrou em um shopping e eu realmente não sei onde que ela foi parar.
— Você é um incompetente.
— Eu não sou bom em seguir pessoas como você, mas eu não sou tão ruim em conseguir informações.
— O que você tem?
— Eu tenho o contato da Morgana.
— Me passa logo o número e vê se encontra logo essa menina com o nenê. Só assim pra colocar a Jade no seu devido lugar.
O debate continua. Jade está afiada respondendo todas as perguntas e se saindo muito bem. Babemco ainda está meio travado. Claramente a intenção dele era fazer oposição.
Agora é a vez de Jade perguntar, e ela não pode perder a chance de contra-atacar.
— Voltando a falar em segurança, Babemco. O senhor acredita que as câmeras podem ser um instrumento capaz de inibir a criminalidade? Até porque existem alguns flagrantes que são registrados e que se fossem a público colocariam muitas pessoas atrás das grades. Imagens de homens assassinando mulheres e coisas do tipo. Você teme pelos flagrantes que as câmeras podem exibir?
Babemco sorri com a indireta. Ele sabe que ela está falando do assassinato de Helena.
— Não devemos temer as câmeras. Elas estão para nos servir e nos proteger. Elas mostram o nosso melhor e o nosso pior, e o nosso pior muitas vezes pode ser o mais desejado. Você gosta de boxe? Homens lutando e esmurrando com violência? É o nosso pior, a nossa natureza animal em exibição e nós aplaudimos sem cerimônia. Eu não tenho medo de abraçar e exibir o meu lado animal. E, você, Jade? Você tem medo de exibir o seu pior lado?
Hora do intervalo.
Bruno conversa com Jade.
— O que você está fazendo? Você não pode entrar em uma luta frontal com ele. Vai parecer desespero — Bruno aconselha.
— Eu não posso mostrar fraqueza. Preciso responder à altura e apontar os crimes dele.
— Você tem que focar no debate. Deixa as acusações em segundo plano. Deixa a plateia perceber que você está sendo injustiçada.
— NÃO, BRUNO! Eu não vou ocupar o lugar da vítima. Eu preciso enfrentar os medos sem baixar a cabeça!
O advogado percebe os raios de coragem nascendo ao redor dela.
— Esse não é o melhor caminho.
— Esse é o único caminho — ela afirma.
Voltamos para o estúdio. Candidatos posicionados. O embate vai recomeçar. Luz, câmera, ação!
Babemco grita desesperado com o dedo em riste na direção de Jade: — Você é uma assassina! Você matou o meu filho! Você roubou a Prime de mim!
Dial pede calma. Jade sorri suavemente, ela encontrou o equilíbrio, aguarda Babemco finalizar para dizer: — Eu superei tudo isso e o povo já sabe do meu passado. Eu paguei pelo meu crime e todos já sabem disso. Como você mesmo disse uma vez Babemco, “a verdade é luz, e a luz sempre aparece”.
Um refletor mira no rosto de Jade deixando-a totalmente iluminada. Ela ultrapassou a barreira da acusação. O microfone em sua mão não treme mais. O medo do Babemco foi vencido. Ela conseguiu derrubar esse gigante. Ele não iria mais lhe intimidar. Ela agora sai vitoriosa na guerra da opinião pública, enquanto Babemco testemunha seu fracasso e seu desequilíbrio. Agora, o magnata percebe o quão perdido está.
Jade sorri, vitoriosa.
Dentro do supermercado, Leia procura as melhores bananas em meio às frutas. Ela prefere as verdes. Acha que amadurecem répidas. Toma um susto quando Capeto se aproxima segurando um cesto com alguns produtos. Ele encara a mulher.
— Eu conheço você — ele afirma convicto.
Ela continua assustada, fitando o velho enrrugado.
— Você é Leia, a mãe da Morgana — Capeto fala com segurança.
Ela sorri, aliviada: — Ahh, sim, claro. Tudo bem? De onde nos conhecemos?
— Eu fui professor da Morgana. Não vai lembrar de mim. Eu dava aula de matemática. Ela nunca gostou.
— Não mesmo.
— Eu preciso ir. Tenho que terminar essas compras o mais rápido possível.
— Prazer em te ver — ela fala sorrindo.
Capeto faz uma chamada de vídeo para Morgana. Ao fundo, dona Leia continua inocente escolhendo suas frutas sem perceber nada. Morgana atende e vê Capeto e sua mãe ao longe.
— Olá querida — ele diz com uma voz rouca.
— O que é isso? Quem é você? — ela questiona assustada.
— Eu sou um velho amigo do Babemco. Preciso te pedir que não desligue a chamada. Eu estou com sua mãe, e caso você encerre, eu vou levá-la comigo. Entendeu?
— Ai meu Deus — Morgana começa a ficar angustiada.
— Relaxa! Esse é o momento de manter a calma. Você consegue ver sua querida mãe fazendo as compras? Vê como ela está bem? Então, ela pode permanecer assim, eu só quero que você colabore, entendeu?
— Deixa minha mãe em paz! O que você quer de nós? Ela não tem nada a ver com as coisas do Babemco!
— Eu sei que ela não tem nada a ver, mas você, pelo contrário tem. E, eu sei que não é só você. Sei que tem mais gente. Quem tá por trás de tudo isso, me diz? Quem está e ajudando, Morgana?
A garota trava. Ela sabe que não pode entregar seu tio Bruno, ao mesmo tempo, teme que algo aconteça com sua mãe.
— Nós não temos muito tempo, querida. Quem está te ajudando? Preciso que você me responda com muito carinho — Capeto mostra a sua pistola e em seguida dá um zoom em Leia caminhando lentamente e despreocupada.
— Não faz nada com a minha mãe, por favor.
— Só depende de você. Quem está te ajudando, Morgana?
— É o Bruno. O vice-presidente da Prime. Ele está por trás de tudo —ela entrega.
— Mas, o Bruno? O que ele tem a ver com o Cicero e com você? Qual a relação de vocês? — Capeto intrigado.
— O Bruno é meu tio. Quando Jade matou meu pai, ela destruiu a minha família por completo. O Bruno jurou vingança.
— Então o Bruno é irmão do Roberval?
— Sim. Ele vai acabar com a Jade.
Capeto sorri, surpreso.
— Filho de uma puta!
Fim do intervalo, o último bloco do debate começa. Jade está muito bem e parece vencer. A plateia apoia a candidata veementemente. Babemco, que até então parecia perdido, retorna coberto de cinismo. A luta continua.
Nas considerações finais, o ex-CEO da Prime toma a palavra e decide dar sua última cartada.
— Eu não entendo como o povo pode confiar em alguém que cometeu tantos erros. Vocês não podem votar em Jade Souza, ela não merece essa confiança. Há onze anos ela matou um homem inocente e deixou uma criança órfã e uma esposa viúva. Essas são as bem-aventuranças de Jade. Hoje, ela me acusa de ter sequestrado o filho dela, porém, eu não estou com essa criança, mas, eu sei o paradeiro do Cícero.
A plateia fica em choque. Jade olha para o homem, surpresa.
— O que isso significa Babemco. Onde está o meu filho? — ela questiona.
— O seu filho se encontra com uma jovem chamada MORGANA! — ele declara, enfático. — E quer saber mais? Ela é sobrinha do BRUNO, o seu amigo e advogado! Como você foi enganada por ele, Jade? Como você deixou que o seu advogado lhe enganasse? Como você foi tão ingênua?
Jade fica paralisada. As mãos voltam a tremer. Ela não consegue pensar em mais nada e sua respiração trava. Tudo que ela aprendeu foi embora. Fica apenas o medo que paraliza suas pernas.
A câmera foca em Bruno que está de boca aberto e pasmo com a revelação de Babemco. “Como ele pode fazer isso?”, o advogado se questionava.
— Isso não é verdade! — grita Jade em desespero. As câmeras filmam a face de horror dela.
— É verdade sim! Mais uma vez você foi traída e enganada! Mais uma vez aqueles que estiveram ao seu lado, lhe passaram a perna. Você é uma tolinha, Jade e sempre será! Como nós podemos colocar alguém tão ingênuo na administração da nossa cidade? Como você vai conseguir liderar este povo?
Lágrimas escorrem dos olhos da mulher. É o fim. Ela corre para o camarim. O debate encerra.
Chorando muito, Jade entra no camarim e Bruno vem logo em seguida.
— Isso é verdade? Você é irmão do Roberval? Não mente para mim? — ela grita.
— Jade, eu…
— Droga Bruno! Droga! Como você pode?! Esse tempo todo eu confiei em você e você estava contra mim! Onde estão as imagens? Cade o vídeo do Babemco? Me dá ele imediatamente! — ela ordena.
— Não! Ele é meu e o Babemco ainda está nas minhas mãos. Eu aconselho você a ter cuidado. Os próximos passos serão cruciais.
— Isso é uma ameaça?
— Eu não faço ameaças.
De repente, Licurgo e Victória entram na sala e ficam ao lado do advogado. Jade observa os três próximos.
— Você tá bem, Jade? — Licurgo pergunta, preocupado.
Jade aponta o dedo para os três: — O que diabos você ainda faz aqui, Licurgo perguntando se eu estou bem? Para de fingir! Pare de me enganar! Eu odeio vocês, seus traidores!
— Mas, eu não tenho nada com isso! Nós não temos nenhuma relação com essa história — Licurgo diz, apontando para Victória.
— É MENTIRA! O TEMPO TODO VOCÊS ESTIVERAM JUNTOS PARA ME PREJUDICAR! PAREM COM ISSO! E SAIAM DA MINHA VIDA, AGORA!
— Jade, por favor… — Licurgo implora, tentando se aproximar da amiga.
— Some daqui, agora! Eu não quero ver vocês nunca mais. Eu quero distância, seus traidores! Volta pra sua fazenda de merda, Licurgo! — ela xinga, revoltada.
Os olhos de Licurgo se enchem de lágrimas. Bruno sorri ao perceber que isolou Jade de todos. Victória está chocada.
É o fim da confiança. A amizade sofreu um colapso. Será que ainda tem um recomeço?