A praça Portugal no centro de Recife está lotada. As pessoas lutam por espaço tentando se aproximar do coreto que tem no meio do lugar. Apoiadores de Helena levantam bandeiras e cartazes com o número da candidata. As eleições estão próximas e ela precisa angariar mais votos. 

Quando Helena sobe no coreto e acena para a multidão, um mar de flashes e aplausos toma de conta da praça. A euforia domina o ambiente por completo. A candidata aparece triunfante. 

—Eu estou verdadeiramente emocionada em estar aqui com vocês! — ela inicia, tomando o microfone.  

A plateia fica em silêncio para ouvir o discurso. Os flashes cessam. A multidão anseia por ter mais da esperança que Helena transmite. 

— Eu sei que os últimos dias foram de muita turbulência e incertezas, mas eu estou aqui para ser uma voz otimista em meio a tanta tristeza. Eu quero que o povo prevaleça. Eu desejo que o cidadão de bem viva com dignidade. Eu desejo que nossos representantes trabalhem de forma honesta e verdadeira. Eu apoio a democracia e o bem de toda essa cidade. É por esse motivo que eu peço o seu voto de confiança para mudar nossa gestão.  

O povo grita ovacionando-a. Ela sorri satisfeita. 

— Eu quero que o povo dessa cidade seja próspero! — Helena enfatiza. 

Alguém na multidão começa a gritar. É um homem que faz prevalecer sua voz sobre todos. A multidão cala para ouvir. 

— Você é empresária e não sabe o que é dificuldade! Seu único objetivo é enriquecer às custas do trabalhador! — ele esbraveja. 

Os apoiadores começam a vaiar, porém Helena pede silêncio. 

— Esperem, eu posso responder a este nobre cidadão — a multidão silencia. — Eu sou uma das principais doadoras de programas sociais e ONG’s. O meu sincero anseio é ajudar os mais necessitados. 

— Seu dinheiro é sujo e foi ganho à custa de corrupção. Você quer ser prefeita para beneficiar sua empresa. Não queremos seu dinheiro sujo! 

Helena sorri —Eu não nasci em berço de ouro, amigo. Tudo o que eu tenho foi à custa de muito trabalho, horas sem dormir e esforço contínuo. Eu vim da comunidade. Financiei minha faculdade e nada me foi dado. Nada! Mas, se eu tivesse apoio. Se o poder público tivesse me ajudado, tenho certeza que meu caminho seria menos difícil. É isso que eu proponho: ajudar o estudante, ajudar o trabalhador, ajudar a mãe que precisa de uma creche. Eu quero gerar oportunidade para a comunidade se desenvolver — ela responde, levando a multidão à loucura. 

O povo grita e aplaude em apoio. Helena levanta os braços aumentando ainda mais o barulho, mas de repente algo surge do meio da multidão. É rápido e tem uma direção: Helena Melo. 

Uma pedra do tamanho de uma laranja é lançada, e, como um raio, atinge a testa da candidata, fazendo-a cair instantaneamente. Os seguranças se aproximam e levam a mulher. O alvoroço aumenta. O caos toma de conta.  

Helena estava deitada em um leito de uma clínica particular. Depois de alguns exames, os médicos trataram o ferimento e enfaixaram a cabeça dela.  

Ela ficou incrédula por ter recebido essa pedrada sem motivo. A sua assessora tentava a todo tempo animá-la, mas ela só conseguia lamentar por sofrer tamanha revolta da oposição.  

Até que Jade entrou no quarto trazendo chocolates. A candidata tentou sorrir, mas o peso da decepção logo tomou de conta.  

— Posso entrar? — Jade pergunta, entrando devagarzinho. 

— Eu tô péssima — responde Helena. 

— Faz parte. 

Uma lágrima escorre pelo olho da candidata. 

— Qué isso? — Jade corre e lhe dá um abraço. 

— Eu tô me sentindo tão frustrada. Eu tinha as melhores propostas, a maior boa vontade em ajudar, mas tudo o que eu recebo é ódio — ela continua chorando. 

— Pega essa pedra que jogaram em ti e faz um castelo. Não é assim que o povo fala? — Jade sorri com o time ruim da piada. — Toma, você vai ficar bem depois de um chocolate — ela oferece o doce. 

— Não, não tô com clima pra chocolate. É melhor você me deixar sozinha. Eu tô horrível e não quero te influenciar negativamente. 

— Você nunca vai ser uma má influência. Não faz parte de quem você é. Pelo contrário, Helena. Você é a mulher mais extraordinária que eu já conheci. Você inspira as pessoas a serem melhores. Você nunca vai prejudicar alguém.  

— Eu tô pensando que esse negócio de prefeitura não é pra mim. 

— Não fala isso! Olha o tanto de gente que te apoia?! Você tá liderando as pesquisas de intenção de votos. Olha para o tanto que você já me ajudou. Você me tirou de um poço. Se hoje eu tô lutando contra o Babemco, a culpa é sua! Você é a minha heroína, Helena. Levanta essa cabeça, tira essa poeira de desânimo e vamo pra cima. Nada de vitimismo, choro e tristeza. Nós somos guerreiras. Vida organizada e mente inabalável, lembra? Você sabe quem me ensinou isso, não sabe? Foi você! Você é foda, Helena. Foda! 

A candidata dá um rápido sorriso e toma o chocolate das mãos de Jade. 

— Tá bom! Você me convenceu. Vamos levantar e começar de novo — diz Helena, tirando um pedaço do chocolate e mastigando entre sorrisos. 

— É disso que eu tô falando. Atitude! 

— Mente inabalável! 

As duas amigas se abraçam e compartilham da esperança. 

 

 

EPISÓDIO: A LUZ DA VERDADE

 

 

Aquela era uma manhã diferente no escritório do Edifício Plaza. Marcelo e Brutus organizaram uma mesa com salgados, doces e bebidas. Ligaram um som bem alto tocando todo tipo de música. A galera estava se divertindo quando Jade chegou. Todos aplaudiram e abraçaram-na. 

— Vocês são incríveis! Nós somos incríveis! — gritou Jade para o grupo que se calou para ouvi-la. 

— Não conseguiríamos sem você, nossa líder! — incentivou Marcelo. 

— Peguem as bebidas de vocês. Vamos brindar! — ordenou Jade. 

Todos levantam os copos para o alto. 

— Há algumas semanas eu não imaginava estar fazendo tudo isso. Eu estava literalmente na sarjeta. Derrotada, vencida e sem chance alguma. Vocês apareceram para me mostrar que eu ainda tenho uma chance de vencer. Vocês são a prova de que nada grandioso pode ser feito sozinho. Eu agradeço, de coração. Nós estamos bem e vamos continuar bem, eu garanto a vocês! 

Os vinte e pouco hackers na sala aplaudem de forma efusiva. Jade ganhou a confiança deles. 

Brutus se aproxima da mulher e diz: — Precisamos nos reunir. Temos que planejar os próximos passos.  

— Sim, sim, agora me leva para a sala de reunião, por favor — Jade pede, se apoiando no braço do amigo. 

— Você tá bem? — ele pergunta, preocupado. 

— Só tô um pouco tonta — afirma Jade. 

Ao entrarem na sala, Jade se joga sobre o sofá. Seu rosto está pálido e ela não parece nada bem. 

— Você quer que eu traga algum remédio? Quer que eu ligue para alguém? 

— Eu vou ficar bem. Provavelmente é só uma queda de pressão — ela diz, se levantando. 

Jade percebe o silêncio e a expressão de horror na face de Brutus. Ele está paralisado olhando para baixo. 

— O que foi? — Jade pergunta um pouco assustada. 

Brutus aponta para as pernas de Jade. Rapidamente ela baixa o olhar e percebe que um fio de sangue escorre pela sua perna manchando o chão. 

— Droga, Jade. Isso não é nada bom. Eu tenho pavor a sangue. 

— Me leva pro hospital, agora.  

Jade é levada para o hospital e faz diversos exames de sangue e uma ressonância magnética. Os médicos pedem que ela aguarde em uma sala particular.  

Ela ainda está com a bata, quando Victória entra na sala. 

— Amiga, como você está? — questiona a psicóloga. 

— Agora, bem melhor. Mas antes, eu estava tonta e sangrando. Foi horrível. Eu detesto hospital. 

— Isso deve ser reflexo de todo o estresse que você tá passando. Jade, você precisa dar um tempo. Precisa cuidar da saúde — Victória pega na mão da amiga. 

— Acho que eu nunca estive tão bem, tão viva como estou nesses últimos dias. Pela primeira vez, Victória, eu estou tomando as rédeas da minha vida e fazendo o que precisa ser feito — Jade diz, soltando a mão de Victória. 

— O que você tá fazendo? — a psicóloga observa Jade vestindo a roupa e se preparando para sair. 

— Eu vou embora. Não tenho tempo a perder. Eu tô com a Prime nas mãos e tenho que montar um plano pra negociar com o Babemco. Nunca estive tão perto de ter meu filho de volta. 

— Você precisa aguardar o resultado dos exames. Saber o que tá acontecendo com seu corpo. 

— Eu tô bem, Victória. Não precisa se preocupar. Agradeço a preocupação, mas eu sei que vai ficar tudo bem. 

O médico entra na sala carregando uma prancheta. Ele parece sério demais. 

— Estava de saída? — pergunta o doutor. 

— Eu…sim. Tenho muitas coisas pra cuidar… mas, agradeço o suporte que o hospital deu — Jade fala, tentando ser simpática. 

O homem continua encarando-a com muita preocupação. 

— Sinto muito dizer, mas infelizmente não vou poder te dar alta — ele fala, grave. 

Jade se afasta e se apoia na cama. 

— O que tá acontecendo, doutor. Fala logo — pede Jade. 

— Não é nada bom, senhora Jade. Você não está nada bem — ele garante, conferindo os resultados dos exames sobre a prancheta. 

Jade fica visivelmente abalada. 

Morgana entra na cozinha do restaurante Cerejas e vai logo sentando em uma das mesas. Ela retira da sua mochila um caderno cheio de anotações e um pequeno mapa que ela conseguiu montar. O mapa em questão é da mansão do Babemco.  

Depois de fazer mais alguns rabiscos ela está pronta para subir na van e fazer as entregas na casa do magnata.  

Morgana sabe que não vai ser fácil encontrar um bebê dentro do labirinto que é a mansão. Mas, precisa continuar mapeando toda a área até encontrar um possível cômodo em que a criança está, se o Cícero estiver mesmo lá. 

Depois de tomar um café, Morgana está pronta para subir no carro, mas, ela começa a sentir uma tontura e uma ânsia de vômito muito forte. Sem conseguir se conter, ela corre até o banheiro e quase que não consegue chegar até o vaso. O vômito vem com volume e é constante. 

Droga, será que ela comeu algo estragado. Já tinha dois dias que ela continuava vomitando desse jeito. 

De repente, uma mulher sai da cabine vizinha e encara Morgana em frente ao espelho, totalmente pálida. 

— Meu Deus, você não está nada bem. Quer que eu chame alguém? — pergunta a mulher, preocupada. 

— Não, não. Eu tô melhor, agora — responde Morgana, limpando a boca com um pedaço de papel. 

— Isso tem cara de gravidez. Esse vômito eu conheço. Sou mãe de dois. 

— Não é isso, não. Tenho certeza! 

— Tá sentindo enjoo a cheiro forte? 

Morgana parece concordar, mas não responde. 

— Bom, não custa nada comprar um exame na farmácia. Quanto antes você souber, melhor — aconselha a mulher. 

— Eu não tô grávida. Brigada pela preocupação. 

A mulher está quase saindo, mas retorna e fixa o olhar em Morgana, novamente. 

— Bem, se você estiver mesmo grávida é melhor tomar cuidado. É quase certeza que você vai ser demitida. Ainda mais que entrou agora no restaurante. O chef Dilard é implacável. Nenhuma grávida trabalha na cozinha. 

— Tá ok — responde Morgana, um pouco apreensiva. 

“Droga, eu não posso estar grávida. Esse emprego é a porta de entrada que eu tenho pra chegar na mansão. Não posso pensar em engravidar nesse momento, ainda mais sabendo que seria fruto de um estupro”, pensa Morgana. 

Morgana retorna para o restaurante e joga sua mochila no armário. Agora não é hora de planejar, ela precisa urgentemente ir a uma farmácia. 

Depois de pedir para ser substituída das entregas na mansão, vai até uma farmácia vizinha e compra um teste de gravidez. 

Entra no banheiro e se tranca em uma das cabines. Ela precisa urinar sobre o dispositivo e aguardar o resultado, porém, Morgana titubeia. Ela passa alguns minutos observando o dispositivo e criando coragem para urinar. 

Se ela descobrir que está mesmo grávida, o que vai fazer? Continuar com uma gravidez indesejada sem nenhuma condição de criar a criança e ainda tendo que sair do restaurante e abortar a missão de vingança? 

Ou saber que está grávida e abortar a criança? Tendo que conviver com um aborto na consciência? Tudo isso porque ela não pode permanecer grávida ou vai perder o trabalho? 

Abortar a vingança ou abortar uma vida? 

Morgana não consegue urinar e não quer mais saber se está grávida ou não. Ela prefere continuar na ignorância e tocar sua vida como se nada tivesse acontecido.  

Ela então volta às suas atividades, porém, não deixa de despertar a curiosidade do chef Dilard que percebe que ela não foi à mansão naquela manhã. “O que estaria acontecendo com Morgana?”, questiona o chef. 

Salomé deitou sobre a cama e o médico pos gel sobre sua barriga. Em seguida, ele pressionou o aparelho e conseguiu ouvir os batimentos da criança.  

— Quatro semanas? — perguntou o médico. 

Salomé concordou com a cabeça. 

— E o paizão? Já tá sabendo da nova? 

Salomé deu um sorriso desconfortável. “O pai? O pai tava preso, isso sim. Aquele idiota! E sinceramente, é melhor que continue assim”, pensa. 

Depois da consulta, a mulher chegou rapidamente em casa e estava disposta a voltar para o seu interior e morar com sua tia. Retirou uma mala de cima do guarda-roupas e dobrou todas as suas roupas, organizando-as com cuidado. Ao chegar na parte do móvel que tinha as camisetas de Logan, Salomé travou.  

Ela viu a camisa social que ele usou quando se casaram no civil. Viu outra blusa que ele usou quando compraram a casa. A lembrança de dez anos de casamento ainda estava muito viva.  

Salomé encostou a mala no canto da parede e saiu de casa. 

Ela chegou à delegacia da mulher às onze da manhã. Teve que esperar vinte minutos para ver o seu marido. 

Um agente acompanhou Salomé até a sala de visitas. Ela não tinha tempo.  

Quando entrou, Logan estava de cabeça baixa. Parecia meditar ou chorar. A mulher sentou em uma cadeira do lado oposto da mesa e encarou o marido. 

— Eu vim me despedir — disparou Salomé. 

— Eu queria poder ir com você. Queria ir à praia, comer camarão e curtir um dia de sol tranquilamente — ele responde, cadenciado e de forma suave. 

— Mas você não pode. Devia ter pensado isso antes de me espancar — ela revida. 

— Mais uma vez eu te peço perdão. Me dá mais uma chance. 

— De quantas chances você precisa pra aprender uma lição? Você não vai mudar. 

— Eu sou um dependente. O psicólogo disse que eu preciso de tratamento médico. Eu tô participando do Alcoólicos Anônimos e tudo. Juro que tô me esforçando pra mudar. Eu quero sair daqui recuperado e dar uma vida digna pra nós dois. 

— Eu não posso contar mais com você. Eu tô grávida, Logan. Eu tenho um filho pra cuidar, agora. 

Logan olha para a barriga da mulher e se emociona. Seus olhos enchem de lágrimas. — Isso é sério? Eu vou ser pai? 

Salomé confirma com a cabeça. 

— Me dá mais uma chance, meu amor. Eu sempre quis ser pai, eu só tinha medo. Mas, agora, mais velho, eu consigo entender que era isso que eu precisava. Eu tenho planos para nós. Vamos voltar pro interior e viver nossa vida tranquila. Vamos abrir a sua doceteria e viver em paz. Me dá mais uma chance. 

— Você só promete, Logan. 

— Pensa em como vai ser você sozinha com essa criança. Ela precisa de um pai e você precisa de alguém pra cuidar de ti. Eu tenho alguns recursos e você vai pegar e administrar tudo isso — ele entrega um papel para a esposa. 

— O que é isso? — Salomé se questiona vendo alguns números escritos. 

— Perto da estação, tem um coworking onde eu tenho um escritório. A senha da porta é a mesma do cofre que tem na parede do quadro azul. Lá, vai ter tudo que a gente precisa pra recomeçar.  

— Eu não quero isso — ela devolve o papel com a senha. 

— Eu imploro, Salomé. É pelo nosso filho. É pela nossa família. Eu não quero te perder. Por favor, meu amor. Toma e abre esse cofre. Você vai ver, nossa vida vai mudar — ele entrega o papel na mão dela, que segura e parece refletir sobre o que ele disse. 

Salomé deixa a sala pensativa. 

Sala de Reunião. Prime Security. 

O conselho da empresa está reunido. Cornélio encara os membros um por um. Babemco está tenso, sentado na cadeira de CEO. O silêncio impera. 

Homens brancos e engravatados entram na sala. Eles são altos e loiros e parecem alemães. Todos do conselho ficam em pé para receber a lenda do mundo empresarial: Tony Blend, um descendente de alemão com cara de bravo. 

Depois de apertar a mão de todo o conselho, Tony senta ao lado de Babemco e começa a explicar seu plano de investimento na Prime Security. 

Babemco parece orgulhoso por conseguir trazer bilhões de dólares para a sua companhia. Com a entrada de Tony, Babemco sabe que sua influência vai aumentar. Então, é de suma importância que essa reunião dê certo. 

A negociação parece fluir em harmonia, até que Tony aborda um tema sensível: as eleições. 

— Nós precisamos garantir que a Prime tenha condições de continuar ganhando os contratos com a Prefeitura, e isso só será possível se nosso candidato vencer, não é? — Tony pergunta, encarando Babemco. 

— Sim! Sobre isso, nós estamos trabalhando incansavelmente. Nossa campanha continua recebendo apoio constante e vencer é a meta — Babemco tenta ser otimista. 

— Mas não é isso que dizem as pesquisas — Tony pega um relatório e põe sobre a mesa — Não é o que apontam as últimas pesquisas — ele diz, tocando no papel e encarando o empresário. 

Babemco parece perdido. Ele fica sem resposta. 

— Se Henrique Sarto não ganhar a prefeitura, eu não pretendo continuar com os investimentos. É a minha única ressalva para permanecer com vocês. Vença a Helena e prosseguiremos nos negócios —Tony levanta, cumprimenta os homens e em seguida sai da sala. 

Alguns minutos depois, Babemco também se retira e vai para a sua sala. Ele prepara um drink, mas está com muita raiva e acaba jogando o copo contra a parede. 

— Droga! Droga! Droga! Maldita eleição! — esbraveja — Eu não posso perder o Tony. Esses malditos do conselho vão acabar tomando a Prime de mim.  

Capeto entra na sala e acompanha o chefe com o olhar. 

— O que você quer? — questiona o CEO. 

Capeto vai até o bar e traz dois copos com whisky. Entrega um para Babemco. 

— Você precisa se acalmar — diz o capanga, tomando um gole da bebida. 

— Esses morcegos querem meu sangue. E o Tony quer as eleições, mas acontece que a prefeitura fica cada dia mais distante — Babemco fala, repousando o copo sobre a sua mesa. 

— A Helena é muito carismática. Com certeza vai ganhar as eleições. Mas, nós podemos ter uma chance. Nós ainda podemos fazer acontecer — acalma Capeto. 

— Como? 

Capeto pega o copo que Babemco deixou sobre a mesa e oferece a bebida mais uma vez. 

— Toma um pouco disso ai e tenta pensar comigo — aconselha o capanga, apontando para a bebida. 

Babemco obedece e toma o whisky. 

— Nós sempre trabalhamos para atingir o inimigo. Não vai ser dessa vez que um adversário vai prevalecer sem provar de um contra-ataque.  

— Temos que ter cuidado com essa mulher. Ela tem grana e influência — Babemco avisa, tomando mais um gole. 

— Ela é perfeita demais. O que você precisa, é encontrar uma mancha no currículo dela e expor isso. Qual a fraqueza dela, você já se perguntou? O que ela fez ou faz que causaria rejeição no público? Qual a falha de caráter dela? Pensa, Babemco, pensa. 

— Eu não sei. Ela parece ter uma vida perfeita, sem falhas. 

— Não, não, não. Nem o mais santo dos homens está isento de falhas. Ela com certeza tem algo escondido. Nós só precisamos fuçar um pouco e vamos encontrar. Entende, agora? 

Babemco sorri, parecendo mais calmo. 

— Você tem muita razão, mister Capeto. Vamos procurar a fraqueza de Helena Melo — diz Babemco, brindando com o capanga. 

Restaurante Cerejas. Cozinha. 

Morgana está concentrada limpando uma bancada quando o chefe Dilard se aproxima. 

— Tudo bem com você? — questiona o chefe, interrompendo o serviço dela. 

— Eu tô ótima — afirma Morgana, estranhando o chefe retirar o pano de sua mão.  

— Não foi isso que eu fiquei sabendo. 

Morgana sorri e parece entender a indireta. 

— Ahh, como as notícias correm rápido por aqui. Isso foi por causa do vômito? Não precisa se preocupar. Não tô grávida. Só comi algo estragado, mas já tô bem — ela tenta amenizar as coisas. 

O chefe não parece convencido e continua encarando a moça. 

— Se você estiver grávida é bom me dizer logo. Eu não vou assinar sua carteira e você vai ter que sair do meu restaurante, pra ontem. 

Morgana continua tranquila, tentando não se afetar com a investida. 

— Pode deixar que se eu estiver grávida, você será o primeiro a saber.  

— Então entra no banheiro agora e faz o teste — o chefe retira um aparelho do bolso e põe na mão dela. 

— O que é isso?  

— Quero saber mesmo se você está grávida ou não. Quero confirmar com meus próprios olhos. Vamos! Já pro banheiro fazer o teste — ele fala, pegando na mão dela. 

— Me solta, seu louco! Eu não vou fazer teste nenhum! E, quer saber?! Eu tô de saco cheio de você! Tô indo! — ela fala, estressada e saindo da cozinha. 

— O expediente não acabou! Volta aqui, Morgana! 

— Procura alguém pra me substituir hoje! — ela grita. 

Morgana volta para casa e se tranca no banheiro. Ela se sente extremamente pressionada. Percebe que precisa continuar no restaurante, mas se estiver mesmo grávida corre o risco de perder a oportunidade. “Como isso foi acontecer? Que merda!” Ela pensa. 

Ainda com o teste em mãos, ela consegue urinar e aguarda o resultado. Mas, o que vai fazer quando souber? Abortar? Continuar e tentar achar outra forma de entrar na mansão? Ou tentar apressar tudo antes que a barriga comece a aparecer? 

O resultado aparece. Ela tem medo de olhar. Droga, precisa enfrentar isso e saber se está ou não grávida. Ela abre os olhos e encara o resultado.  

Morgana continua estática com o teste nas mãos. Ela sabe o resultado, definitivamente. 

Jade e Victória permanecem absortas aguardando o médico declarar o diagnóstico da paciente. O quarto do hospital parece encolher. O ambiente torna-se opressor.  

— O que tem de errado comigo, doutor? — questiona Jade, se apoiando na maca. 

O médico é grave, mas tenta mostrar empatia. 

— Você tem um mioma no útero. Mas, calma que é benigno. 

Jade senta e parece perder as forças. 

— Ele pode se desfazer com medicação? — ela questiona. 

— Não. A extração só pode ser feita através de cirurgia. Ele está muito grande e corre o risco de causar problemas maiores ou até o óbito. 

Victória se aproxima de Jade e lhe dá um abraço. 

— Então, estamos bem, não é doutor? — questiona a psicóloga. 

Ele não consegue responder e parece receoso. 

— Tem mais alguma coisa, doutor? — Jade pergunta, com a voz trêmula e uma lágrima escorre do seu olho. 

— Bem…eu — ele titubeia. 

— Pode falar — ela pede, firmemente. 

— Eu sinto muito, mas a extração do mioma envolve uma histerectomia. Nós teremos que retirar seu útero — ele fala com pesar. 

Os ombros de Jade desabam. Parece que um fardo foi lançado sobre si. Seu coração aperta e ela sente que vai perder todo o ar. Por quê? 

— Eu… eu… não vou poder ter mais filho? 

— Infelizmente, não. 

Victória abraça a amiga. O mundo desaba sobre Jade. 

Naquele momento, Jade parecia estar totalmente sozinha no mundo. Nada e ninguém poderia convencê-la do contrário. Naquele momento, nenhuma divindade poderia retirá-la daquele buraco. Jade precisava lamentar a sua perda.  

Sua mãe foi visitá-la e levou alguns mimos. Bruno e LIcurgo também estiveram lá. Mas, Victória permaneceu o tempo todo ao lado da amiga.  

Jade precisava de todo apoio psicológico para lhe dar com as recentes notícias.  

— Talvez seja muito cedo para falar em ressignificar os eventos, mas nós vamos precisar trabalhar isso, hein — alerta Victória. 

Jade, ainda com os olhos inchados de chorar, tenta dar um sorriso para a amiga.  

— Eu tô perdida, amiga. Nada mais faz sentido — lamenta. 

— Sempre existe um propósito para tudo. Sempre. É que hoje você está no meio do furacão. Quando as coisas acalmarem, você vai olhar distante e perceber o lado bom de tudo. 

— Espero! 

A televisão do quarto está ligada e o noticiário local começa. Na tela, Jade observa uma repórter iniciar uma entrevista, ela anuncia que Babemco, o CEO da Prime Security, está contribuindo com recursos para a Universidade Federal de Pernambuco.  

Quando Babemco aparece na tela, Victória pega o controle e faz menção de desligar, mas, é interrompida por Jade que pede para ver a matéria. 

A repórter pergunta o que Babemco está planejando com as doações para a UFPE, ele diz: — Nós estamos trabalhando em parceria para desenvolver tecnologia utilizando os satélites da Prime. Através das câmeras, a universidade vem desenvolvendo um dispositivo que irá aumentar ainda mais a identificação de bandidos, inibindo com isso a criminalidade. 

— Esse é um projeto cem por cento brasileiro? — questiona a repórter. 

— Hoje a Prime está abrindo um escritório na Alemanha onde temos sim uma parceria. Mas, o financiamento do projeto é todo nosso.  

— Então a Prime pretende abrir uma filial na Alemanha? 

— Sim, nós já temos toda a estrutura e muito em breve eu estarei mudando para lá. Vamos iniciar um plano de expansão pela Europa e o conselho da empresa me designou para a missão— Babemco responde, orgulhoso. 

A repórter agradece e finaliza a matéria. 

Victória desliga a TV e encara Jade, que está se desmanchando em lágrimas. 

— Sabe o que isso significa? — pergunta Jade.  

— Não significa nada, Jade — Victória tenta amenizar. 

— Significa sim, amiga. Você acabou dizer que tudo tem um significado. 

— …  

—Isso significa que além de perder meu futuro como mãe, eu vou perder o Cícero definitivamente. Quando esse cara sair do país, com certeza eu nunca mais vou achar meu filho. É o fim, Victória. É esse o propósito: o meu fim — Jade fala, entre lágrimas de agonia. 

— Calma — ela abraça Jade. 

De volta para casa, Salomé termina de arrumar suas coisas e já está pronta para viajar, porém, ela não consegue esquecer o que Logan disse: “Pensa em como vai ser você sozinha com essa criança. Ela precisa de um pai e você precisa de alguém pra cuidar de ti. Eu tenho alguns recursos e você vai pegar e administrar tudo isso”.  

De certa forma ele estava certo, como seria passar toda a gestação sem apoio nenhum. Sua tia era enferma e Salomé seria mais um fardo. E, depois do nascimento da criança? Como ela iria encontrar sustento?  

Salomé teve medo e voltou a encarar o papel que Logan lhe entregou com a senha do cofre.  

Ela precisava saber o que o marido estava escondendo. Então, antes de embarcar, decidiu ir ao coworking verificar o que Logan havia guardado. 

Depois de conseguir entrar na sala, Salomé não perdeu tempo e foi direito para o cofre que ficava na parede com o quadro azul. Ela digitou a senha e abriu o compartimento. 

Retirou uma mala enorme e quando abriu, seu queixo caiu com a quantidade de dinheiro que havia dentro. Ela não estava acreditando. Como Logan tinha tanta grana? Pela quantidade, ali deveria ter uns meio milhão, ou mais.  

Salomé estava espantada.  

Mexendo na mala, ela achou uma sacola transparente com vários passaportes. Havia passaportes para ela e para Logan. Os documentos levavam para diversos países: Itália, Alemanha, Dinamarca, entre outros. 

Aquilo ficava cada vez mais estranho. O que o Logan estava tramando com a grana e os documentos? 

Quando conseguiu retirar a bolsa de dentro do cofre, Salomé ouviu algo metálico ser arrastado. Ainda havia mais coisa no interior. O que seria? 

Ela então pôs a mão lá dentro e retirou um revólver calibre trinta e oito. Estava carregado e tinha munição do lado. Salomé tomou um susto ao perceber o objeto. Que merda! 

E agora, o que fazer? Levar tudo para a polícia? De onde veio tanto dinheiro? E se fosse tudo ilegal, a arma, a grana? O que ela deveria fazer? 

Salomé permaneceu pensativa enquanto tentava tomar uma decisão sensata. 

Prime Security. Sala de Reunião. 

Cornélio se movimentava para lá e para cá, visivelmente ansioso. Enquanto os conselheiros da Prime permaneciam sentados, alguns mexendo no celular, outros conversando ao pé do ouvido. O clima na sala de reunião era de apreensão. Todos aguardavam Babemco. 

O CEO chegou altivo e orgulhoso. Ele parecia mais calmo e centrado. Os planos estavam definidos, agora era só executar.  

— Muito bem, vamos começar — disse Cornélio, representando o conselho da empresa. 

Todos em silêncio prestando devota atenção. 

— Nós encomendamos pesquisas de campo, falamos com o povo e com assessores políticos, e a resposta para os nossos questionamentos foi unânime: Henrique Sarto não vai ganhar a prefeitura. Helena Melo é quem vai ganhar. Ninguém teve dúvida, ninguém pensou que haveria possibilidade para o nosso candidato. Ou seja, estamos diante de um fracasso iminente e inevitável — declara Cornélio, mais satisfeito do que o normal. 

Mais uma vez, Babemco é pressionado. — Enfim, o que isso significa? Eu já disse que estamos trabalhando incansavelmente para reverter os resultados. 

— Isso significa muita coisa, Babemco. Significa que a Prime decidiu encerrar o apoio financeiro para a campanha de Henrique Sarto. Não gostamos de perder dinheiro à toa. 

Babemco levanta da sua cadeira, totalmente exaltado. — Mas isso não é possível! Vocês querem mesmo acabar comigo, é isso? Como vencer a eleição se a Prime pular do barco?! Nós somos o principal financiador dessa campanha, como vocês querem ter espaço na prefeitura?! 

Nesse momento, Helena Melo entra triunfante na sala de reunião e encara Babemco. 

— Estamos negociando com a Helena. Talvez tenhamos mais chance de acordos com a prefeitura — finaliza Cornélio, com um sorriso macabro. 

Babemco está incrédulo. Ele não consegue imaginar como o conselho se aproximou de Helena.  

— Vocês vão se arrepender amargamente do que estão fazendo. Isso nunca vai dar certo! — brada Babemco, saindo da sala. 

Naquela noite, Babemco saiu da Prime enlouquecido. Ele dirigiu de forma perigosa até a sua mansão e depois de pegar várias garrafas de whisky, se embriagou e permaneceu caído próximo à piscina.  

Capeto se aproximou sorrateiramente e viu o estado deplorável em que o chefe estava.  

— O que está acontecendo com você? —questionou o Capanga, sentando ao lado de Babemco e preparando um cigarro. 

Babemco, com as pernas dentro da piscina e segurando uma garrafa, mal conseguia olhar para o lado. — Eu não sei. Só queria que tudo acabasse. Tô cansado! 

— Nunca te vi assim. 

— O que importa?! 

— Crise de consciência? 

— Eu? Não. Longe de mim. Consciência implica dizer que tem um Deus me julgando. Mas, eu sou meu próprio deus. Eu mesmo me julgo. 

— Interessante. 

— O que você veio fazer aqui? 

— Enfim, vamos para o que interessa. Tenho boas notícias — respondeu Capeto. 

— Sobre a maldita da Helena? 

— Isso mesmo. E as notícias são muito boas. Ela não é nada disso que estão pintando. Ela tem um passado e algumas manchas que podemos expor. 

— O que você descobriu? — questiona Babemco, curioso. 

— Eu descobri, sim. Descobri coisas que Helena não quer que ninguém saiba — Capeto solta uma gargalhada maligna, enquanto fuma o seu cigarro. 

No dia seguinte, Helena visita um orfanato na periferia da cidade. No pátio, vários fotógrafos e repórteres acompanham atentos, a candidata se ajoelhar e acariciar a cabeça de várias crianças. Helena ainda tem uma faixa cobrindo o ferimento em sua cabeça. 

Um dos meninos se aproxima e traz um presente para a candidata. 

— Eu trouxe esse presente em nome do orfanato Menino Jesus — fala o garoto, depois de ter ensaiado bastante. 

— Muito obrigada — ela se ajoelha tomando o presente e beijando a testa do menino. 

Agora, a candidata se volta para as câmeras e jornalistas. 

— Como você está depois do ataque? — questiona um dos jornalistas. 

— Estou me recuperando. Mas, o mais importante é que eu me levantei do golpe, e estou mais disposta do que nunca a vencer essa eleição e melhorar a vida de todos os cidadãos! Não é uma pedrada que vai me fazer parar. 

— Você foi acusada de lavagem de dinheiro. Suas doações são de fontes questionáveis? 

— Tudo isso é mentira e falácia. Todos os meus negócios são lícitos e as doações também. Vocês podem ver. Esse é mais um orfanato que a minha empresa está ajudando. E, como prefeita eu pretendo auxiliar ainda mais, criando creches e escolas. 

— Helena, nós queremos saber… — o jornalista é interrompido, pois alguém se aproxima e fala algo ao pé do ouvido da candidata. 

— Eu preciso entrar no orfanato. Prometo que quando terminar tudo lá dentro eu converso mais com vocês — ela diz, sorridente. 

O assessor encaminha Helena para uma sala no interior do orfanato e avisa: — O Babemco está aqui e quer falar com você. 

— O que aquele idiota quer? 

— Não sei, mas ele disse que precisa falar com você e disse que se tratava de algo sério. 

— Não tenho nada pra tratar diretamente com ele. Não quero papo. 

— Ele disse que tinha algo a ver com Cleonice. 

Helena fica pálida no mesmo instante. Ela emudece como se a alma saísse do corpo. 

— Ele te disse mais alguma coisa? — pergunta Helena. 

— Não.  

— Onde ele está? 

O assessor guia a candidata até um outro cômodo. — Se precisar é só chamar — ele avisa. 

Helena entra e observa o CEO da Prime próximo da janela. Ele está de costas, mas é possível notar sua respiração pesada. 

—Eu não tenho muito tempo. O que você quer? 

Babemco volta-se para a candidata e oferece um charuto. Ela recusa. 

— Primeiramente, tenho que parabenizá-la por tudo. Uma mulher de origem humilde, esforçada, estudiosa e que conseguiu vencer na vida. Você não é qualquer uma, tenho que admitir.  

Helena, extremamente desconfiada, continua encarando o homem. 

— Vencer a eleição e se tornar prefeita da cidade seria o auge de tudo o que você já conquistou. Quanto orgulho, hein. 

Ela não consegue falar nada. Somente quer saber onde o homem quer chegar. 

— Você acha que vai ganhar? 

— Eu vou — ela responde, firme. 

— Mesmo escondendo do povo os seus dois abortos? 

Helena fica em choque. Ela não esperava. 

— Que coisa horrível! É revoltante. Tirar duas vidas inocentes em prol da carreira. Foi isso não foi? Você queria tanto ser grande que não se importou em assassinar duas crianças.  

Helena senta em uma cadeira próxima. As lágrimas escorrem pelo seu rosto. 

— Você achou que ficaria impune? Não, não, não querida. A verdade é luz, e a luz sempre aparece — ele declara, debochado. 

— Eu não sou essa pessoa! — ela tenta falar, mas, o choro embarga sua voz. 

— Não tente negar quem você é! 

— E quem você acha que eu sou? — ela questiona. 

— Você é uma fraude, Helena. Uma fraude. Uma verdadeira hipócrita. Ajudando orfanatos enquanto aborta crianças em seu ventre. Hipócrita! 

Helena continua a chorar e sai da sala em disparada. Quando se aproxima dos jornalistas e fotógrafos, ela não consegue parar e continua a correr em direção ao seu veículo. 

Os jornalistas gritam pedindo atenção de Helena, mas ela simplesmente ignora todos e vai embora sem se despedir. 

Morgana está sentada observado tudo ao seu redor. O lugar é fétido e escuro. As mulheres que estão na fila ao seu lado são magras e sofridas. O ambiente tem moscas e não inspira nenhuma segurança. 

— A próxima da fila, por gentileza! — grita uma mulher gorda, com um pano na cabeça. 

Uma garota se levanta sendo apoiada pelo namorado raquítico. Tudo parece sem vida e sem luz naquele lugar.  

Morgana tem medo. 

Ela conferiu a mensagem novamente. Era esse o endereço que sua amiga indicou. Ali mesmo que Morgana iria fazer o aborto. 

Porém, uma gritaria generalizada começou no quarto ao lado. Uma mulher saiu com as mãos cheias de sangue.  

— O que tá acontecendo? — perguntou Morgana, em desespero. 

— Fiquem calmas. Isso é normal acontecer. 

Na recepção, as mulheres escutavam a gritaria e o pânico. A jovem que acabara de ser atendida parece que estava perdendo a pulsação. O sangramento não estancava. Ela estava morrendo. 

— Vai! Acorda! Adrenalina, rápido! — berrava a enfermeira. 

De repente, tudo ficou em silêncio. Alguém correu em prantos. O jovem namorado desabou no meio da recepção chorando inconsolável.  

— O que houve? — perguntou Morgana. 

— Ela morreu. Meu Deus! Ela morreu! — lamentava o garoto. 

Morgana levantou assustada e saiu daquela clínica macabra. Não! Aquilo não era para ela. Não conseguiria ficar ali nem mais um minuto. 

Casa de Catarina. 

Morgana aguarda alguns minutos até que alguém abre o portão de metal. Catarina é uma jovem alta e de sorriso alegre. Ela recebe a amiga com um abraço apertado. 

— Vem, entra! — pede Catarina. 

Morgana segue a amiga e as duas entram no quarto.  

— O que houve? Eu fiquei assustada com a sua ligação? 

— Parece que eu tava num filme de terror — confessa Morgana, sentando na cama da amiga. 

— Mas, o que você foi fazer numa clínica clandestina? Não vai me dizer que você… — Catarina sorri, incrédula. — Você tá grávida? 

Morgana concorda com a cabeça. 

— Não acredito! 

— Não fica tão contente. Eu não posso ter esse bebê. Sem falar que eu fui violentada. 

— Ai meu Deus, Morgana. Você foi na polícia? 

— Não. 

— Você tem que denunciar. Eles precisam achar o agressor. 

— Eu sei quem ele é — confessa Morgana. 

— Então, o que tá esperando? 

— Eu não posso. Eu usei a prova que eu tinha contra ele pra conseguir ficar no lugar dele, lá no trabalho.  

— Isso é loucura! 

— É uma história muito longa. 

— E o que você planeja agora? 

— Preciso que você me ajude. 

— O que você quer? — Catarina parece desconfiada. 

— Preciso da sua urina pra levar pro trabalho. Você não tá grávida não, né? 

Catarina solta uma gargalhada debochada. — O que você vai fazer com minha urina? 

— Preciso provar para o meu chefe que não estou grávida. Se ele souber, vai me demitir, e não posso perder o emprego agora. 

— Eu consigo resolver seu problema rapidinho — Catarina corre e fuça em algumas gavetas da sua cômoda. Ela acha alguma coisa e retorna com uma cartela de comprimidos. 

— O que é isso? 

— É um remedinho que vai te ajudar a abortar bem rápido. Funciona que é uma beleza. Eu mesma já usei. E, não tem efeitos colaterais. 

— Você já abortou? — Morgana parece assustada com a revelação da amiga. 

— Uma vez. Não gosto de falar nisso. 

— Você tá bem com isso? Não pensa sobre? 

— No começo eu fiquei muito mal, mas depois a gente esquece. A vida te traz tantos problemas que sobreviver se torna o único objetivo. Agora toma esse remédio e resolve logo o problema — ela diz, entregando o remédio na mão de Morgana. 

Problema? 

A auxiliar de cozinha fica pensativa com tudo o que descobriu. E, agora, o que fazer? 

De volta à delegacia da mulher, Salomé pede para falar com o esposo mais uma vez. Os dois se encontram na sala de visitas. Logan está reflexivo. Ele tenta ler as expressões da esposa. 

— Você achou o dinheiro! — ele afirma. 

A mulher permanece em silêncio, enquanto se ajeita na cadeira. 

— Eu te conheço. Sei que você achou o meu tesouro. 

— Achei que era nosso. Parece que agora voltou a ter um dono só — alfineta Salomé. 

Logan solta um sorriso maroto. 

— O que você planeja? — ela questiona. 

— Eu quero recomeçar com você. 

— Fala a verdade, Logan! Eu também te conheço muito bem! — ela diz, batendo as mãos sobre a mesa. 

Ele parece intimidado com a investida dela. Mas, quer manter a postura de pai de família. 

— Eu quero retomar minha vida. Mas, se você não acredita, não posso fazer milagre! 

Salomé sorri — Mentiroso! — ela levanta indo em direção à porta. 

— Espera! — ele pede, segurando no braço dela. 

Salomé continua encarando-o. 

— Eu só quero me vingar daquela idiota que me colocou atrás das grades! Dar uma bela de uma lição nela. Eu tinha a Prime nas mãos. A Jade tirou tudo que eu tinha! 

— Você não aprende mesmo, Logan. Até quando você vai ignorar? Até quando vai deixar de perceber? 

Ele parece confuso. — Perceber o quê, meu amor? 

— Que foi você que se colocou atrás das grades. Que foi a sua violência que te fez ser preso! Não foi ninguém! O único culpado aqui é você. Agora me solta! — pede Salomé, se desvencilhando do marido. 

— Pra onde você vai meu amor? Você precisa acabar com isso por mim. Você tem que matar a Jade. 

Salomé para, assustada com o que acabara de ouvir. 

— O que você disse? 

— Pega o revólver que estava no cofre e mata a Jade. Tira ela do nosso caminho. Quando eu sair daqui ela já não vai ser um empecilho. Vai, meu amor, acaba com a raça daquela desgraçada — clama Logan, em desespero. 

Salomé sai da sala assustada. Ela já não consegue reconhecer Logan. 

Naquele momento, Jade só pensava em voltar para casa e se esconder em seu quarto. O pensamento de que ficaria sem o útero e nunca mais poderia ser mãe lhe deixava horrorizada e chegava a lhe causar ânsia de vômito. As ideias na sua mente estavam totalmente desorganizadas e ela não conseguia se concentrar em absolutamente nada. Sua cabeça estava uma bagunça, um verdadeiro terremoto tinha fraturado as estruturas psíquicas. Jade estava em frangalhos. 

Depois que todos os seus amigos e familiares vieram lhe visitar, a candidata Helena Melo se fez presente. A mulher ainda carregava a ferida na testa da pedrada que recebera e uma cesta recheada de chocolates. 

— Olha o que eu trouxe! — disse Helena, pondo a cesta ao lado da amiga. 

Jade estava pálida e enfraquecida. A cirurgia estava marcada para daqui a cinco horas. Ela não tinha forças nem para chorar. 

— Você sabe quão forte é? — perguntou Helena, pegando na mão da amiga. 

Jade sorriu. 

— Obrigada por ser minha amiga. Você é um tesouro que eu não quero perder nunca, tá! Fica sabendo disso— declara Helena. 

— Eu que sempre quero te ter por perto. Você que é incrível — afirma Jade. 

— Tudo o que você passou, está passando e vai vencer, tudo isso só me inspira a ser uma pessoa melhor. Você que é um grande exemplo de força e resiliência. 

— Eu não sei se consigo suportar mais esse golpe. Primeiro meu filho, agora meu útero. Até quando eu vou perder, Helena? Até quando? — Jade questiona, com lágrimas nos olhos. 

— Essa é a nossa vida, Jade. Vida e morte. Luz e escuridão. Ganhar e perder. Tudo faz parte da experiência humana. Não acha que você só vai perder na vida. Não! Você já teve muitas vitórias e dias felizes e você vai ter ainda mais no futuro. Hoje você perde, mas amanhã você vai ser recompensada. 

— Eu só tenho perdas. 

— Não fala isso. Você sabe que eu já perdi dois filhos? 

Jade encara Helena, incrédula. — Você nunca me contou isso. 

— Não, não, não se preocupa. Eu consegui seguir em frente e sobrevivi. Eu lamentei e chorei. Meu coração ficou muitos dias despedaçado e eu achei que nunca mais conseguiria juntar meus pedaços, mas eu consegui. Não foi fácil, mas eu consegui me levantar. E, essas experiências me tornaram uma pessoa mais forte, mais determinada. Fizeram a mulher que eu sou hoje, lembra? Mente inabalável! 

— Mente inabalável — repete Jade, tomando um chocolate e encarando-o. 

— Vai, come!  

Jade desembala o doce, mas volta a encarar Helena. 

— Você tinha alguém? Esposo, namorado?  

— Não. Foi um caso de faculdade. Eu fiquei com um amigo, e acabei engravidando. Ele não sabe disso até hoje — diz a candidata. 

— Meu Deus! 

Helena encara Jade. Ela sabe que não está sendo sincera e decide contar toda a verdade. 

— Eu não fui totalmente sincera com você — confessa Helena, ainda segurando a mão da amiga. 

— Você quer falar… 

Helena derrama algumas lágrimas. 

— Hoje eu encontrei com o Babemco e ele descobriu algo do meu passado. Ele é um escroto perverso e deplorável, mas ele disse uma coisa que é real. Ele disse que: “a verdade é luz, e a luz sempre aparece”. Eu não posso viver à sombra de uma mentira, como se eu não tivesse culpa. Eu fiz algo horrível, Jade e não tô mais conseguindo carregar esse fardo sozinha. 

— Meu Deus, Helena, o que houve? 

— Eu não deveria te alugar pra isso. Você que deveria receber apoio, não eu. 

— Só fala, Helena — pede Jade, empática. 

Helena encara a amiga e sofre para confessar. As palavras são duras e pesadas e antes de ganhar vida amassam o coração dentro do peito. Parece que o ar vai faltar e o medo toma de conta. Mas, ela decide abrir a boca e falar a verdade. 

— Eu sou uma pessoa horrível. Eu cometi dois abortos. 

— Espontâneos? 

— Não. Foram induzidos. 

Instantaneamente, Jade afasta sua mão da mão de Helena. 

— O que você fez, Helena? O que você fez? — questiona Jade, se afastando. 

— Eu tava tão focada em ser alguém. Tão determinada a vencer, que não podia conceber a ideia de pausar a minha vida para ser mãe. 

Jade continua encarando-a com nojo. 

— Você não deveria ter feito isso. É inaceitável! 

— Você precisa entender, Jade. Eu estava cega, cega! 

Jade levanta do leito e se afasta cada vez mais de Helena. 

— Você sabe o que você fez?! Você tirou a vida de duas crianças inocentes. Isso é um crime, Helena! 

— Eu não tinha o pensamento que eu tenho hoje —ela se desmancha em lágrimas. 

— Você não sabe o que é ter instinto materno? Saber que uma vida está sendo gerada dentro de você?! Não me venha com essa! 

— Por favor, me entende Jade! — clama Helena, tentando se aproximar da amiga. 

— Para! Se afasta de mim! Você não sabe o que é sonhar com um filho sem poder tê-lo. Você não sabe o que é viver a vida sonhando em ser mãe, mas sabendo que é soropositivo e não pode ter filhos para não os contaminar. Essa é a minha verdade, Helena, essa é a minha história! E agora, você vem me pedindo para te entender? Eu não vou te entender nunca, nunca! — Jade grita, revoltada. 

Helena sorri, em desespero. 

— Quantas vezes você não fez algo ilegal para conseguir seus objetivos? — pergunta a candidata. 

Jade sorri, incrédula. — É sério que você tá falando isso? Sério que você está se comparando com o que eu fiz para conseguir ter meu filho de volta? Eu não acredito nisso mesmo! Tudo o que eu fiz de ilegal para ter meu filho foi para resgatá-lo das mãos de um louco criminoso. Eu não abortei pensando na minha carreira. Eu não invadi uma empresa ilegalmente pensando em crescer profissionalmente. Eu fiz pelo meu filho e faria novamente quantas vezes fosse necessário! Agora, tirar a vida de crianças inocentes? Isso nunca! Isso é crueldade demais para mim. 

— Por favor, Jade, me ajuda! — Helena pede, caindo em prantos. 

— Sai daqui, Helena. Sai da minha vida e não aparece nunca mais. Eu não consigo pensar no que você fez e não ter ânsia de vômito. Sai daqui, agora! — grita Jade, revoltada. 

Helena sai desnorteada do Hospital. O mundo gira sem controle e ela não consegue enxergar nada pois seus olhos estão cheios de lágrimas. Ela tem a sensação de que pode cair a qualquer momento, e tem medo. Pois se cair, pensa: “ninguém vai me levantar”. Helena está sozinha. 

O que ela vai fazer? O que Babemco quer cavando o passado dela? Sua amizade com Jade foi desfeita e ela não tem apoio de mais ninguém. E o povo? Se a população vier a saber dos abortos, ela também vai perder o apoio popular e aí será o fim de mais um sonho. Com certeza ela não vai ganhar as eleições se souberem do que ela fez. 

Ela precisa falar com Babemco. Precisa saber o que aquele idiota quer. 

Já dentro do seu carro, Helena liga para Babemco. 

— Achei que nunca iria ligar — ele diz, debochado. 

— Me diz: o que você quer de mim? Você quer que eu desista, é isso? O que você quer, Babemco? Fala! — Helena grita  

Babemco solta várias gargalhadas antes de falar: — O mundo dá voltas, Helena. Ah, como dá! Precisamos marcar um encontro. Quando você está disponível? 

— Você dá as ordens. 

— Então anota esse endereço. Quero uma conversa privada. Só eu e você. Nós iremos negociar todas as coisas pendentes. Vai dá tudo certo, Helena. Não se preocupe. 

Helena permanece transtornada sem acreditar no que está acontecendo. 

Naquele mesmo dia, Jade passou pela cirurgia e o resultado foi um sucesso. O mioma juntamente com o útero foi retirado e a recuperação foi imediata. No dia seguinte, algumas crianças que moravam na fazenda do Licurgo vieram visitar a paciente. 

Jade recebeu todas com um sorriso no rosto. Apesar do procedimento invasivo, ela estava em ótimo estado e conseguiu falar com todo mundo. 

Depois das crianças, Licurgo e Bruno contaram algumas piadas e falaram de trivialidades em busca de entreter Jade. 

Victória fez várias perguntas, disse algumas coisas inteligentes sobre a vida e a psicologia e acalentou ainda mais o espírito da paciente. 

Jade estava bem. Não contou nada sobre Helena, mas a confissão não saia da sua mente. Crianças era o amor da vida de Jade, ela sempre se dedicou a cuidar dos pequenos, então, aborto, era algo repulsivo de se imaginar. 

Quando as coisas se acalmaram ela começou a confessar o que estava lhe angustiando. Nesse momento Bruno e Licurgo estavam na sala. Ela sabia que poderia confiar neles. 

— Preciso dizer algo pra vocês — ela começou. 

Os dois amigos voltaram-se para ela em total atenção. 

— Vocês já sabem que eu invadi a Prime em busca do meu filho. Mas, que agora, o Babemco vai viajar para a Alemanha e levar o Cícero com ele. Vocês me alertaram, disseram que invadir a Prime era algo ilegal. A Victória me alertou, dizendo que eu precisava cuidar da saúde, mas eu não dei bola. Eu estava cega em busca do meu objetivo, e olha onde eu vim parar. Então, eu resolvi desistir de invadir a Prime e vou buscar salvar meu filho de forma legal, por meio da conversa. Eu quero parar com essa coisa de hacker a empresa do Babemco. 

Bruno se aproxima e diz: — É a melhor escolha. Eu vou te apoiar e trabalhar pra trazer o Cícero de volta da forma mais lícita possível. Não dá pra usar meios ilícitos para fazer algo lícito. Sim, o Babemco é um criminoso, mas se nos tornarmos igual a ele, isso não vai parar nunca. Então, a lei e as instituições precisam funcionar dessa vez. Eu te apoio nessa decisão. 

Licurgo também parece concordar. 

— Vai ficar tudo bem, amiga. Nós vamos trazer seu bebê de volta — afirma o fazendeiro. 

— Eu tomei uma rota errada e não quero mais essa aventura para mim. Eu perdi meu útero e não quero perder mais nada e ninguém. É hora de deixar essa vida arriscada e dar passos seguros — afirma Jade. 

Os três se abraçam e permanecem assim por um longo tempo. 

Enquanto isso, no restaurante Cerejas, o chef Dilard aguarda impaciente, Morgana sair do banheiro. 

— Vai demorar muito?  

Ela sai com o teste de gravidez em mãos. 

— Deixa eu ver isso aqui — ele diz, tomando o objeto. 

O chef olha o resultado e em seguida encara a moça.  

— Satisfeito? — ela provoca. 

— Olha, isso não foi nada pessoal. É que não dá pra trabalhar grávida por aqui, sabe! — ele fala, depois de conferir o resultado negativo. 

— Isso é errado você sabia? Todo mundo precisa da oportunidade. Inclusive as grávidas. Isso é nojento, Dilard. Nojento! 

Depois de se afastar do chef, Morgana volta ao banheiro carregando um copo com água. Ela confere se a porta está trancada e que não será incomodada. 

Então, Morgana retira do bolso o comprimido dado pela sua amiga. “Vai ser assim mesmo? É só tomar um e o feto morre rapidinho”, pensa. 

Tão rápido e ao mesmo tempo tão cruel. Ela chega a encostar o comprimido nos lábios, mas, não consegue engolir. Abre a tampa do vaso e joga o comprimido dentro, dando descarga em seguida. 

Sim, abortar seria a solução mais rápida pra resolver a questão, mas ela não vai conseguir lidar com sua consciência e saber que abortou uma vida. A criança não tinha culpa de ter sido gerada. Mesmo que tenha sido fruto de uma violência ela estava inocente em tudo isso. Morgana não iria culpá-la por absolutamente nada. Mas, de uma coisa ela tinha certeza: seu tempo no Cerejas estava contado. Ela tinha que correr se quisesse achar o filho da Jade na mansão. Tinha que ser rápida e muito rápida. 

Morgana tomou seu celular e fez uma ligação. Aguardou alguns segundo até que uma pessoa misteriosa atendeu do outro lado da linha. 

— Eu não tenho muito tempo no Cerejas. Nós precisamos mapear a mansão e achar o Cícero — disse Morgana eufórica. 

— Tô cuidando disso, não se preocupa — disse a voz misteriosa do outro lado da linha. 

— Precisamos ser rápidos, entendeu?! Ou então, pode dar adeus a esse plano. 

Morgana desligou a chamada e permaneceu séria, contemplando seu reflexo no espelho. O que fazer agora? E, quem era essa pessoa misteriosa que estava ajudando Morgana? 

Edifício Plaza. 

Naquele mesmo dia, ao cair da noite, Jade, apoiada por Bruno, Victória e Licurgo foi até o escritório e reuniu toda a equipe. 

Os jovens hackers estavam preocupados, mas, felizes por saber que Jade estava bem. 

Marcelo e Brutus abraçaram a amiga e passaram o relatório de tudo que aconteceu na ausência dela.  

Jade estava feliz por reencontrar toda a equipe. 

Sentada em uma cadeira de rodas, Jade estava visivelmente emocionada. — Eu senti saudade de vocês. Por incrível que pareça — ela sorri com os olhos cheios de lágrimas. 

Depois de tudo o que ela viveu, a possibilidade de perder de vez seu filho e a cirurgia que extraiu seu útero. Tudo aquilo ainda estava muito vivo e acabou tornando Jade mais sensível do que o normal. 

— Eu preciso dizer algo muito importante para todos. 

Um círculo se forma ao redor de Jade e de seus amigos. Todos também estão emocionados observando atentamente. 

— Eu sinto muito dizer, mas não posso continuar com isso aqui — ela fala apontando para o escritório. — Tudo o que construímos e fizemos foi incrível, mas não está conforme a lei, e eu não posso prosseguir assim.  

— Mas, Jade… — Brutus ainda tenta falar, mas ela o interrompe pedindo para continuar. 

— Eu sinto muito, mas não consigo mais. Nessa jornada, o Bruno se machucou, outros jovens sofreram queimaduras, eu perdi meu útero e só tragédias aconteceram. Eu não posso mais colocar ninguém em risco. Não posso colocar a vida de vocês em risco. 

Os jovens hackers ficam tristes e alguns parecem chorar.  

— Isso é muito triste, mas nós compreendemos. Vamos encerrar as operações, imediatamente — afirma Marcelo, recebendo o apoio de Brutus. 

De repente, o som de passos se aproxima.  

Todos os olhares se voltam para a porta de entrada e testemunham Salomé se aproximar do grupo. 

A mulher parece determinada, seu olhar é fixo em Jade e ela carrega uma bolsa tiracolo. 

Jade percebe que ela tem algo a dizer e com algum esforço se coloca de pé, encarando Salomé. 

Salomé põe a mão no interior da bolsa e retira um revólver calibre trinta e oito. O círculo ao redor de Jade se desfaz e os jovens se afastam assustados com a investida da mulher.  

“O que ela está pensando? Ela vai atirar? Ela veio se vingar por causa da prisão de Logan?”, Jade reflete. 

Salomé continua segurando a arma e encarando fixamente Jade. A tensão permanece no ar. 

A antiga estação de rádio era um galpão abandonado na região metropolitana de Recife. Antigamente, uma área movimentada, mas hoje, uma localização erma e sombria, sem movimentação urbana e esquecida por todos. 

O lugar estava escuro quando Helena entrou no ambiente. Babemco acendeu uma lâmpada fraca que iluminou o seu rosto macabro. 

— Foi difícil chegar? —ele questiona. 

— Eu não tenho tempo a perder, Babemco. O que você quer de mim? O que eu faço pra conseguir os laudos dos meus abortos? — ela pergunta, grave. 

— Direto ao ponto. Gosto assim — ele brinca. 

A estação abandonada é palco e testemunha do embate. O que será que Babemco quer? 

— Eu tenho algumas opções para expor. Quer saber, quais? — ele incita. 

— Fala logo! 

— Bem, primeiro eu posso pedir que você desista da campanha e passe a poiar Henrique Sarto. Com certeza ele vai vencer com você ao lado.  

Helena sorri, incrédula. 

— Ou podemos ir para a segunda opção que é: Você continua ajudando a Jade e passando todas as informações para mim. Você se torna uma espiã e ainda ganha as eleições, mas, me entrega a cabeça da amiga. O que acha? Vai ter o melhor de dois mundos. 

— Você é lunático! 

— Ou quem sabe você vence as eleições e trabalha para mim, aprovando nossos contratos com a prefeitura. Gostei da opção!  

Helena parece não acreditar no que está ouvindo. — Foi para isso que você me chamou até aqui? 

— Foi! É bom que você percebe que de todas as formas está nas minhas mãos. Eu tenho o controle sobre tudo, Helena — Babemco sorri, sarcástico. 

— Você é uma piada! 

De volta ao edifício Plaza, Salomé continua segurando o revólver e encarando Jade, de forma estranha.  

— O que você quer aqui, Salomé? — pergunta Jade, de forma firme e corajosa. 

Salomé se aproxima, todos temem pelo pior, mas, a mulher simplesmente entrega o revólver nas mãos de Jade.  

— O que significa isso? — Jade questiona, segurando a arma. 

— Pelo que eu entendi você vai desistir, é isso? 

Jade confirma com a cabeça. 

— Acho que você vai precisar dessa arma mais do que eu. 

— Por quê? 

— O Babemco vai vir atrás de você. O Logan vai vir atrás de você, e não pense que ele não tem recursos, ele tem muitos recursos para te ferir. Eu se fosse você reunia todas as armas que conquistou e iria para luta sem medo. Não dá pra parar agora, Jade. Você começou algo e não pode interromper só porque algo ruim aconteceu. Você despertou forças que não vão parar até te ver morta, e é isso que você quer mesmo? Você quer ser exterminada? — provoca Salomé. 

Os olhares assustados se revezam entre Jade e Salomé.  

— Eu não… 

— Para! Eu não vim te convencer de nada! Eu só quero que você saiba que isso não é uma coisinha ilegal pra ter seu filho de volta. Hackear a Prime é a única ferramenta que você tem de atingir o Babemco. Esquece a lei, os advogados, a psicologia barata, merda! Você tem que continuar, tá me ouvindo. Você precisa! Mas a escolha sempre foi e sempre será somente sua! Boa sorte. 

Salomé dá as costas e se afasta. Todos ficam impactados e estáticos vendo-a se afastar. Será que todo o discurso conseguiu afetar Jade de alguma forma?  

Naquela mesma ocasião, Jade pediu para ficar sozinha. Ela foi até à sala de reunião e se sentou olhando para a equipe através de uma parede de vidro. 

“O que fazer?”, se questionava Jade. Ela não conseguia pensar em ficar em um lugar doado pela Helena. De certa forma, a raiva em saber que a candidata havia abortado, era o que motivava Jade a desistir dos planos em invadir a Prime. Sem contar em colocar o grupo em risco, já que Babemco com certeza iria revidar ao saber da invasão de sua empresa. 

Jade precisava resolver isso, então, ligou para Helena. Mas, a candidata não atendia. Decidiu mandar uma mensagem: “Oi, preciso conversar contigo, urgentemente”, escreveu. 

Alguns segundo depois, Helena respondeu enviando sua localização: — “Me encontra aqui, agora”, dizia a mensagem. 

Jade saiu do edifício Plaza e pediu um uber. Seus amigos quiseram acompanhá-la, mas ela disse que precisava resolver isso sozinha.  

Sem se despedir, Jade entrou no carro e foi ao encontro de Helena. 

Jade ficou desconfiada quando o carro parou próximo da antiga estação de rádio. O lugar era cheio de mato e muito esquisito. Ela agradeceu o motorista e caminhou em direção ao galpão. Ao se aproximar, ouviu ao longe o som de vozes que discutiam calorosamente. Começou a andar em silêncio, sem querer ser notada. Deu a volta nos fundos do lugar e através de uma janela quebrada, observou o interior.  

De onde estava, Jade conseguia ver Babemco de costas e Helena que parecia estar com raiva.  

Quando pensou em dar a volta e entrar, suas mãos começaram a tremer, as pernas enfraqueceram e ela jurou que iria cair. Os pensamentos voltaram para o Complexo Fantasma. Jade conseguiu ver nitidamente as mulheres reféns e sendo assassinadas. Nitidamente, viu Olivia cravando um bisturi em seu pescoço, e todos esses pensamentos lhe causavam tremores lhe deixando paralisada. 

Por último, lembrou do encontro com Babemco no programa do Dial, e de como foi exposta em rede nacional. Simplesmente, paralisou, sem conseguir falar ou fazer absolutamente nada. A força do medo era tão real e palpável que pareciam lhe amarrar ao chão e amordaçar sua boca. Estava rendida. 

Enquanto isso, dentro do galpão, Babemco continuava cuspindo toda sua arrogância, enquanto Helena tentava não perder a paciência. 

— Me diz logo o que eu preciso fazer pra ter esses laudos? — questionou Helena. 

— Eu quero saber qual é o seu preço, Helena? 

— O meu preço? 

— É! Quanto que você está disposta a pagar para ter sua reputação intacta? — ele provoca. 

— Você acha que está no controle e pode comprar tudo e todos, não é? 

— É o que você acha? Então, podemos dizer que sim! É verdade! Pelo menos eu não tento esconder isso de ninguém, como você está fazendo. 

Helena suspira já perdendo a paciência. 

— Sabe de uma coisa, Babemco, eu até quis te levar a sério e tentar negociar com você, mas eu tô vendo que essa conversa não vai nos levar a lugar nenhum. E, sinceramente, eu não estou disposta a ter que conviver com você lembrando das merdas do meu passado. Nossa conversa acaba por aqui — ela diz, decidida. 

— E o que você pensa que vai acontecer, candidata? Você acha que o povo vai te apoiar sabendo das manchas que você carrega? 

— Eu acho que o povo tem o direito de me conhecer por inteiro. Meus erros e acertos, e entender as minhas motivações. Como você mesmo disse: “a verdade é luz, e a luz sempre aparece”, eu não me importo com o que você vai fazer com essa informação. Eu mesma vou contar ao público e expor os meus dramas. Espero que as pessoas entendam, e se não entenderem, tudo bem, pelo menos eu fui verdadeira e mostrei quem realmente sou. Sempre a verdade, nada mais que a verdade. 

— Você é uma tola, Helena. Uma tola! 

Babemco retira do bolso do paletó, uma pistola com silenciador e aponta na direção da cabeça de Helena. 

— Se a pedra tivesse feito o serviço. Nós não estaríamos aqui — declara Babemco, apontando para o ferimento na cabeça da mulher. 

Helena continua assustada olhando para o CEO armado diante de si. 

— Para com isso Babemco, o que você pensa que está fazendo? — ela fala, com a voz trêmula. 

— O que eu estou fazendo? — ele gargalha, debochado, para em seguida destravar a arma. 

— O que é isso, Babemco? — ela fala, derramando lágrimas. 

— Isso? Isso é a minha luz. A minha verdade! — ele aponta a arma na cabeça de Helena e puxa o gatilho. O tiro é certeiro e atravessa a testa da mulher. Helena cai sem vida. 

Jade testemunha o crime e põe a mão na boca, totalmente em choque.  

Babemco guarda a arma no bolso do paletó e caminha em direção à saída. No pátio, acende um charuto e olha para a lua e as estrelas. O céu parece tão límpido e bonito. Ele dá mais algumas tragadas enquanto observa o horizonte. 

Se afasta um pouco mais do galpão e toma um detonador que estava em seu bolso. Agora, olhando para o local, ele sorri e aperta o dispositivo para em seguida testemunhar a antiga estação explodir. Pedaços de ferro e concreto voam pelos ares, espalhando poeira por todo lado. O fogo consome o local. É o fim. 

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