O corpo de Jade saltou da cama quando ela despertou naquela madrugada. Suas mãos agarraram-se nos lençóis como se ela estivesse caindo e precisasse se segurar. Os olhos saltando das órbitas e o coração acelerado, anunciavam o medo que lhe tomava de assalto. Um pesadelo ruim tinha lhe arrebatado. Suas mãos tremiam sem controle. 

Depois do susto que foi ter dormido, ela despertou e percebeu que o céu ainda estava escuro. Olhou no relógio de cabeceira e viu que eram quatro e dezessete da manhã. Muito cedo! Não conseguira descansar direito. Sentia a cabeça pesada e o corpo moído. Mas, não queria voltar a dormir.  

No banheiro, acendeu o interruptor com receio. Se assustou ao ver seu reflexo no espelho. Parecia uma carcaça. Olhos fundos, rosto com hematomas e uma cabeça careca, com apenas algumas fios aparecendo ali e acolá. Quase teve vontade de chorar. Percebeu que ainda estava com as mãos trêmulas e não conseguia parar de pensar no pesadelo. Precisava se acalmar. 

Se arrastou até à cozinha, encheu a chaleira com água e com muito esforço observou as chamas aquecerem o utensílio. Aquele não seria um dia qualquer. Precisava estar concentrada, focada e emocionalmente equilibrada. Seu filho possivelmente seria resgatado na mansão do Babemco, e, ela queria estar lá para pegá-lo no colo mais uma vez. 

Quando percebeu que a água entrou em ebulição, preparou a xícara sobre o balcão de mármore e foi até à dispensa em busca do chá. Procurou em todos os compartimentos, mas não encontrou nada. Abriu a geladeira, e nada. Não tinha nenhum vestígio de chá naquela casa. Suas mãos continuavam tremendo e ela não queria apelar para os calmantes. Precisava de um chá e nada mais. 

Sem demora, ligou imediatamente para a loja de conveniência do posto que ficava na esquina. Lembrou que o lugar ficava aberto vinte e quatro horas. “Eles com certeza teriam chá em suas prateleiras”. 

O atendente garantiu que tinha o chá, porém, disse que não havia entregador nesse horário. Ainda eram quatro e trinta da manhã. “Merda! Vou ter que ir lá uma hora dessas”, pensou Jade. 

Então, ela se preparou. Colocou seu boné vermelho surrado, vestiu um blusão de moletom e uma calça jeans rasgada. Em seu bolso, enfiou uma faca de mesa. Não iria conseguir ir até à loja sem nenhuma proteção. Precisava de alguma arma. 

Caminhou pela rua deserta olhando para os lados. A apreensão aparecia no antebraço e na nuca em forma de pelos arrepiados. Apressou o passo em direção ao posto. Entrou apressada na loja de conveniência. 

O lugar estava bem iluminado e climatizado. As prateleiras eram limpas e organizadas, porém, não havia ninguém no balcão. Jade chamou pelo atendente, mas não obteve resposta. Decidiu procurar pelo chá, sozinha. 

A primeira prateleira tinha chocolates e salgadinhos. Mais ao fundo da loja, viu bebidas e gelo. Porém, foi no centro do lugar que ela encontrou o chá. Escolheu hortelã. Era o seu preferido por causa do cheiro, todavia não era tão calmante assim. Quando, virou-se em direção ao balcão, deu de cara com um homem soturno, mal-encarado e fétido. 

Ele parecia ser morador de rua. Tinha manchas no rosto e as vestes rasgadas. Seu olhar fixo em Jade, fez com que ela paralisasse. 

Debaixo de uma barba grossa e que cobria toda a boca, Jade percebeu um movimento e notou que ele falava algo. 

— Você gosta de cigarro? — ele perguntou, mostrando um maço surrado em sua mão. 

Jade tremeu, mas conseguiu reagir. Lembrou da faca escondida em seu bolso. 

— Sai! Sai de perto… — ela ameaçou com a voz trêmula, enquanto sacava a faca e apontava em direção ao homem. 

Ele sorriu e ela percebeu uma boca sem dentes — Calma aí, senhorita! Eu sou feio, mas não mordo! Eu só quero comprar um isqueiro pra acender meu cigarro. Não precisa ter medo. 

Jade continuou apontando a faca e torcendo para alguém chegar. 

— Espera aí, eu conheço você! — ele apontou para o rosto de Jade. — Você é a filha do Marcondes! É a garota que foi sequestrada! Eu fique sabendo de você. Na verdade, o bairro inteiro ficou sabendo da sua história. Coitadinha. Você tá bem? 

— Eu não sei quem você é! Melhor me dá licença! — ela falou, tentando desviar do homem. 

— Péra! Você se chama… eu tô lembrando. Tem alguma coisa a ver com pedra preciosa. ESMERALDA! É isso aí, seu nome é Esmeralda, lembrei! 

— Você não sabe quem eu sou! 

— Sei sim! Você foi torturada, te deixaram careca, furaram teu pescoço e ainda sequestraram seu filho. É, eu sei de tudo! — ele afirma com convicção. 

Jade segura a faca com força e sua mão volta a tremer sem controle. O homem observa o nervosismo dela. 

Ele retira o cigarro do maço e oferece mais uma vez. Jade observa o cigarro na mão do sujeito. 

— Eu não fumo — ela é enfática. 

— Isso é um convite — ele continua apontando o cigarro em direção a ela — Tô te convidando a confiar em mim. Eu não quero te fazer nenhum mal. Você aceita o meu convite? — Ele insiste, aproximando o cigarro da mão de Jade. 

— Se afasta! Eu já te disse que não fumo e não quero nenhum convite seu! — ela grita. 

— Tudo bem — ele guarda o cigarro e põe o maço no bolso. — Só quero que você saiba que nem tudo é o que parece. Fica com Deus! — o homem se afasta e sai da loja.  

Depois de pagar pelo chá, Jade corre para casa. Ela põe o sachê na água que está fervendo na xícara e espera esfriar. Ao pegar a xícara em suas mãos ela percebe que o tremor continua, e sem conseguir controlar, deixa a xícara cair. Os estilhaços e a água morna se espalham pelo chão da cozinha. Merda! Não foi dessa vez que um chá conseguiu espantar os tremores de um pesadelo assustador.  

— Eu não consigo lembrar do pesadelo. — Jade diz para si — Tem coisa que foge da mente. Tem coisa que é… 

INCOGNOSCÍVEL 

EPISÓDIO: FERIDA EXPOSTA

Quando amanheceu, a delegada Yeda foi buscar Jade em sua casa. Ela ainda não tinha muita intimidade com a mulher, mas, percebeu que precisava passar o máximo de segurança possível. 

— Nós vamos esperar dar seis da manhã para entrar na mansão daquele crápula. Você pode me acompanhar se quiser — disse a delegada enquanto dirigia. 

— Eu quero sim — respondeu Jade, ressabiada. 

— O Licurgo não parava de falar de você. Das aventuras que vocês viveram na fazenda. 

— Eu quero muito falar com ele. 

— Vamos nos encontrar no San Marino Hotel, ele e toda a equipe. Com certeza seu filho também estará conosco e essa história vai ter fim — Yeda fala, otimista. 

Quando Yeda estacionou diante da mansão do Babemco, eram quase seis da manhã. O lugar estava repleto de viaturas e policiais e o clima de que “algo bom vai acontecer” pairava sobre todos. Havia gente servindo café e rosquinhas e o espírito de camaradagem tomava conta do ambiente. 

Yeda desceu e foi conversar com o delegado Humberto, responsável pela operação. Humberto era alto, enérgico e carregava uma expressão preocupada o tempo todo. Às vezes falava e não era compreendido, era o tipo de homem que parecia que sempre estava com a língua presa ou colada ao céu da boca. 

— Eu trouxe a mãe do garoto. Quero pedir permissão pra ela entrar — disse Yeda para o delegado. 

— Você sabe que não é permitido! 

Jade observou a discussão entre os dois e aos poucos foi se aproximando. Ela conseguia escutar a conversa. 

— Ela tá doida pra ver o filho, eu só quero que ela pegue o garoto no colo assim que a gente o encontrar — explicou Yeda. 

— Você pirou?! Eu sou o delegado responsável e você não tem jurisdição aqui em Recife. Você só tá na equipe porque o seu pai é o Delegado Geral. Então, minha resposta continua sendo, não! 

Yeda insiste. 

— Você vai negar isso a uma mãe? Você tem filhos? Você sabe o que significa ter seu filho arrancado de você e não saber como ele está? 

Ele sorri e bufa para a delegada. 

— Tudo bem, você me convenceu! Mas, antes, deixa eu dar uma palavrinha com a mãe. 

Yeda se aproxima de Jade. 

— Ele vai permitir que você acompanhe a operação, mas quer falar com você antes. Vem! 

Jade segura a mão da delegada. 

— Espera! Eu… você acha que… — Jade está com medo. 

— Vai dar tudo certo. 

As duas se aproximam do delegado Humberto que parece distraído falando com outro policial. Ele cambaleia ao ficar de frente para as mulheres. 

— Opa! Então você que é a senhora Jade! Delegado Humberto! Tudo bem? — ele diz, estendendo a mão. 

Jade confirma com a cabeça. 

— Você quer entrar com a gente e pegar seu filho no colo, é isso? 

Ela mexe mais uma vez a cabeça. 

— Preciso que você fale alguma coisa, amiga! — ele provoca. 

Yeda põe a mão sobre o ombro direito de Jade e pressiona um pouco. Seu olhar cruza com o dela tentando passar confiança. 

— Quero sim, senhor. 

— Ok! Então quero lhe deixar ciente das implicações disso. Você pode encontrar o seu filho em boas circunstâncias o que é o desejado por todos aqui. Porém, quero deixar bem claro: o garoto pode não estar tão bem assim, você entende o que quero dizer? — ele pergunta enfático. 

— Eu tô ciente — Jade responde. 

— Está mesmo? — ele insiste. 

— Ela tá ciente, doutor. Eu já havia conversado com ela sobre isso! — avisa Yeda. 

— Conversou mesmo? — ele pergunta, olhando para Yeda e voltando a encarar Jade. 

— Eu estou ciente, doutor — Jade garante.

— Então, deixa eu reforçar: ao entrarmos naquela mansão, nós podemos encontrar o seu filho morto, você entende?! — ele começou a alterar a voz — Você sabe que o seu filho pode ter sido VIOLENTADO, ESTRANGULADO, ESFAQUEADO, BALEADO ou ENTERRADO? — ele berra para todos ali ouvirem. 

Jade não consegue mais falar. Um nó enrola em sua garganta. O choro é inevitável. Todos ao redor olham para o delegado e para a mulher. O clima amistoso se desfaz. Uma nuvem de preocupação pesa sobre todos. Jade já não consegue se conter e cai no choro. Sua mão volta a tremer. O pesadelo parece não ter fim. 

Bruno alugou uma sala do San Marino Hotel e preparou o ambiente para receber Jade e Cícero. A decoração era de boas-vindas e fiquem felizes, mas a expressão de Jade ao entrar no ambiente era contrária a qualquer felicidade.  

Havia uma mesa no centro da sala onde todos sentaram ao redor. O clima não era dos melhores.  

Yeda foi a primeira a falar. 

— Infelizmente não encontramos o Cícero na mansão. Não conseguimos encontrar nenhuma evidência ligando Babemco ao sequestro e nada que o ligue ao Complexo Fantasma. Ele é esperto o suficiente pra limpar todas as provas — informa Yeda, com uma expressão de preocupação. 

Licurgo vai até Jade e lhe dá um abraço. Victória se aproxima e também abraça a mulher. Bruno fixa o olhar na delegada e parece querer dizer algo. 

— Bem… eu também não tenho boas notícias — diz Bruno, incerto. 

Jade levanta e olha para todos na mesa — É sério que vocês vão dizer que não dá pra fazer mais nada? — as lágrimas são persistentes. 

— Juridicamente falando, não dá pra fazer uma denúncia contra o Babemco sem provas de autoria. A delegada é testemunha! — explica Bruno. 

— A única prova que tínhamos era a Dragão. Mas infelizmente, ela morreu no hospital. Foi envenenada! Nós também não conseguimos encontrar pistas de quem fez isso com ela. Ou seja, estamos de mãos atadas quando o assunto é acusar o Babemco — endossa Yeda. 

Licurgo põe a mão sobre o ombro de Jade. 

— Ele matou dezenas de mulheres, quase me deixou muda e sequestrou o meu filho! Como que isso pode ficar sem punição?! Que justiça é essa?! — Jade clama quase em desespero. 

— Legalmente, nós esgotamos todos os nossos recursos. Não dá pra levar Babemco para um tribunal formal, mas, eu tenho uma ideia — Bruno fala, com um misto de esperança e receio. 

Jade foca imediatamente no advogado. Licurgo solta o ombro de Jade e põe as mãos sobre a mesa, se inclinando por inteiro em total atenção. 

A delegada para de mexer em alguns papéis sobre a mesa e encara o jovem. Victória que está sentada, levanta e fixa o olhar em Bruno. 

— O que você tem em mente, Bruno? — pergunta, Jade. 

— Bem, não podemos levar o Babemco para um tribunal formal, mas, podemos levar ele para o tribunal da mídia. Podemos colocar ele contra a parede diante das câmeras — Bruno diz, empolgado. 

— Como faríamos isso? — pergunta Yeda. 

— Eu conheço alguém que pode nos ajudar. Ela é candidata a prefeita da cidade. Faz oposição ao candidato apoiado pela Prime Security. Ou seja, ela faz oposição ao Babemco, indiretamente. 

— Não sabia que a Prime apoiava um candidato — afirma Victória. 

— Sim, o Henrique Sarto está sendo apoiado pela Prime. Mas, a minha amiga Helena é a candidata mais bem avaliada nas pesquisas. Henrique é o seu principal oponente e está muito próximo nas pesquisas de boca de urna. Tenho certeza que se ela souber da história da Jade, vai querer nos ajudar! — garante Bruno.

— Certeza, Bruno? O que ela é sua? — Yeda pergunta, ainda incrédula. 

— Foi minha colega de faculdade. Eu conheço bem ela. Me deve um favor. Pode crer que vai nos ajudar. 

— Eu não sei…— Jade, temerosa. 

— Se a gente vai fazer isso, precisamos agir imediatamente. Hoje à noite ela vai ser entrevistada no canal 10. Precisamos garantir que Jade conte sua história. Isso vai ser uma facada no peito da Prime e do Babemco — Bruno diz, confiante. 

— Pode dar certo — Licurgo diz, segurando a mão de Jade. 

Ela olha para todos ali naquela sala. Não há muito o que fazer. Se esse é o único meio de conseguir resgatar seu filho, ela vai seguir em frente. 

— Vamo lá! Vamo ferrar com esse cara em rede nacional. Liga pra tua amiga — Jade diz, apontando para Bruno. 

— É pra já! — ele corre em busca do celular. 

Uma nova esperança surge. Agora sim temos um plano, pensa Jade. 

Entrar na sala de reuniões da Prime Security era como entrar em uma outra dimensão. A mesa era um mar de vidro, as cadeiras executivas eram em couro fino e as paredes de vidro exibiam a paisagem urbana: arranha-céus e vários helipontos. A sala ficava no topo do edifício, como um trono soberano sobre todos. 

O conselho da companhia estava reunido. Homens engravatados de cabeças erguidas e ego inflado. Duas mulheres secas e grisalhas. Nove membros prontos para ouvir o que Babemco tinha a falar. 

O CEO da Prime entrou no ambiente carregando um homem engomado e sem graça. Babemco tinha a postura de um tirano, o corpo robusto, alto e amedrontador. Usava um terno branco que lhe deixava ainda mais imponente. Existia algo nele de transcendente. Como se carregasse segredos e mistérios ocultos.  

Ele se dirigiu a todos na mesa. 

— Agradeço a presença de todos. Não quero ser prolixo, mas ir direito ao assunto. Vocês têm alguma dúvida sobre o e-mail que eu lhes mandei? — pergunta Babemco. 

Ninguém se manifesta. 

— Quero lhes apresentar, o candidato do PSP, Henrique Sarto — Babemco fala, empurrando o homem para o centro da sala. Todos fixam o olhar no candidato. 

Henrique Sarto é magro, branco e tem jeito de marionete. Sua voz é trêmula e sua postura insegura. 

— Quero agradecer o apoio de todos vocês… — Henrique fala, hesitante. 

Cornélio, o presidente do Conselho, um velho seco e carrancudo, levanta-se, e de forma arrogante, encara Henrique. 

— Nenhum de nós apoia isso. E, sinceramente, olhando para você, nosso apoio fica ainda mais incerto — apontando para Henrique. 

— Calma, amigo Cornélio. Henrique é o homem perfeito para nos representar na prefeitura. Você sabe que precisamos dele lá para facilitar nossos projetos. Como você acha que a Prime vai continuar a ganhar as licitações se Helena Melo for prefeita? — alerta Babemco. 

— Encontre alguém mais… íntegro — exige Cornélio. 

— O que você quer dizer com isso? — questiona Babemco. 

— Você sabe o que íntegro quer dizer. Alguém fiel à sua mulher, sóbrio e que não tenha histórico de estelionatário — acusa Cornélio. 

— Querido Cornélio, o meu amado Henrique é um homem regenerado. Ele é o homem certo para nos representar. 

— Na verdade, eu ainda tenho uma amante. E, preciso desfazer uma empresa de fachada — entrega, Henrique. 

— Calado! — esbraveja Babemco. — Ele não é tão perfeito como alguns de vocês esperam, mas ele é confiável. Eu confio nele! 

— Com certeza ele te deve muito — acusa Cornélio, mais uma vez. 

— Não esqueça da hierarquia, Cornélio. Você ainda trabalha na minha empresa — diz Babemco, orgulhoso. 

— Não esqueça que essa companhia não é somente sua, Babemco. Você tem um corpo de acionistas e um Conselho que investiu muito nessa empresa. Se hoje a Prime é a maior empresa de segurança privada da América Latina, isso se deve aos acionistas. Então, não se esqueça disso. Jamais! — decreta Cornélio. 

Babemco continua ao lado de Henrique. Todos do conselho alternam entre Cornélio e os dois aventureiros. 

— Você vai ter a verba autorizada. Espero que os gastos nessa campanha compensem o sacrifício que esse conselho está fazendo — finaliza, Cornélio, se retirando da sala. 

Babemco vibra com a vitória. 

Quando a van azul parou, Marcelo percebeu que estava diante de um hangar enorme e abandonado. Brutus apareceu abrindo a porta do veículo. Ele era musculoso, usava boné preto e tinha pinta de marombeiro. Seu sorriso espalhafatoso iluminou o ambiente. 

— Vem comigo! — chamou Brutus. 

Marcelo desceu da van deslumbrado. Desengonçado, alto, magro, cabelos loiros, olhos castanhos e atentos. Andava despreocupado em seus gloriosos vinte anos. 

Brutus guiou Marcelo pelo Hangar. Uma dezena de mesas suportando computadores e cpu’s antigas, armários de arquivos e embalagens secas lutavam por espaço com uma dúzia de nerds que digitavam concentrados em teclados surrados. 

“Onde que eu me meti?”, questionava Marcelo. 

A primeira vez que Marcelo viu Logan, teve a impressão de ser algum personagem retirado de quadrinhos. Ele era um homem maduro, na casa dos quarenta. Tinha óculos finos que escorregavam pelo nariz. Alguns cabelos grisalhos e um rosto estranhamente sedutor; algo entre charme vigarista e obsessão ingênua. Mas, era de se concordar que Logan tinha uma presença marcante. Alguém que não passaria despercebido em nenhum lugar. 

Marcelo sentou ao lado de Logan. 

— Você que é o criptologista? — questionou Logan. 

— Eu consigo invadir o sistema do governo e alterar a bolsa de valores. Se isso me qualifica como criptologista… então eu sou! — Marcelo respondeu com um certo orgulho. 

— Eu preciso que você decifre esse código. Nós já quebramos diversas cadeias de dados, mas esses algoritmos são bem complexos — mostrou Logan, apontando para a tela do computador. 

— Eu consegui acessar os códigos e entrei no servidor externo. Porém, existe essa camada de algoritmos que nós nunca vimos. Parece um tipo de barreira criada em sistemas interligados com categorias esparsas. Você uma vez me disse que já viu esse tipo de firewall. Por isso te trouxe aqui — Brutus disse, pondo a mão sobre o ombro de Marcelo. 

Depois de digitar em algumas teclas em uma velocidade surpreendente, Marcelo encarou os dois hackers diante de si.  

— A boa notícia é que vocês fizeram noventa e cinco por cento do trabalho e o código de segurança da Prime Security é praticamente de vocês. A notícia ruim é que tem uma autorização orgânica, um tipo de defesa inteligente que requer a manipulação digital. Simplificando, o código só vai rodar com a leitura de digitais e reconhecimento da íris. Vocês precisam ler as digitais e ler a retina de alguém — explica Marcelo. 

Logan levanta e dá um chute em uma lixeira próxima. 

— Merda! Mais de dois anos trabalhando nessa porcaria e agora eu preciso ler o olho de alguém! — xinga Logan. 

— Calma, Logan. Precisamos focar. Nós estamos prestes a invadir o sistema de segurança da Prime e controlar tudo lá dentro, câmeras, satélites e códigos bancários. Agora, me diz Marcelo, de quem nós vamos precisar arrancar o olho pra lermos a íris? — pergunta, Brutus tentando manter a calma. 

Marcelo volta a digitar e abre um arquivo. 

— Eu tenho o nome de duas pessoas: Babemco e Marieta! 

Logan e Brutus ficam imóveis. 

— Quem é essa Marieta? Podemos hackeá-la? — Brutus questiona. 

Logan empurra Marcelo para o lado e toma o controle. Ele parece obcecado e extremamente furioso diante do computador. 

— E aí? — Brutus curioso. 

— Ela foi nomeada CEO da Prime há dois meses. Parece que o Babemco a usou como bode expiatório pra levar a culpa de alguns crimes que ele cometeu — explica Logan. 

— Vamo atrás dela! — diz Brutus. 

— Não é tão simples assim. Ela tá presa!  

— Nós já chegamos até aqui, Logan. Agora temos que continuar. Se não tem outra forma, então precisamos dessa Marieta. Ou retiramos ela da cadeia, o que é custoso e muito arriscado. Ou… 

— Ou o quê? — questiona Logan, atento. 

— Convencemos ela a invadir a Prime e se vingar do Babemco. Tem algum outro plano? 

Logan coça a cabeça extremamente preocupado. Isso não deveria estar no percurso. Ele não tinha que se submeter a depender de terceiros para conseguir seus objetivos. 

— Eu vou tomar o controle dessa merda! Preciso de uma roupa adequada pra entrar na prisão — ele diz, tirando alguns farelos de sobre sua camiseta. 

Marcelo olha tudo aquilo e dá risada. 

— Será que eu tenho um emprego? — Marcelo pergunta para Brutus, que lhe responde com um joinha e um sorriso de satisfação. 

Naquela mesma manhã, Helena Melo foi à sala do San Marino Hotel falar com Jade. A candidata à prefeitura de Recife era uma mulher elegante, extremamente perfumada e que carregava consigo uma beleza rara, uma aparência real.   

As duas se abraçaram, Bruno apresentou sua antiga colega de faculdade para todos e foi logo explicando a situação. 

— Então, Helena, como eu te disse pelo telefone o caso é bastante crítico. Algumas pessoas ficaram sabendo do caso da Jade, como ela foi encontrada no meio da mata quase morta. Como ela descreveu essas semanas que passou no Complexo Fantasma e os horrores que viveu lá — Bruno tenta resumir a história. 

— Eu fiquei sabendo. Mas, não tinha ideia de que tudo que ela passou tinha o dedo podre do Babemco. Essa parte eu desconhecia — Helena fala com um charme arrebatador. 

— O Babemco está diretamente ligado a todo o pesadelo que eu vivi. Ele mesmo arrancou meu filho das minhas mãos. Ele ordenou que uma mulher assassinasse outra diante dos meus olhos. Sem falar dos outros absurdos que eu passei lá — Jade tenta explicar. 

— Bem, o caso é sério e precisamos de provas. Onde fica esse Complexo Fantasma? A polícia conseguiu encontrar alguma prova de tudo isso que você está descrevendo? — questiona Helena. 

Yeda levanta e toma a palavra. 

— Eu sou a delegada do caso — Yeda aperta a mão de Helena — Bem, nós conseguimos encontrar o local, mas estava tudo destruído. O lugar foi completamente arruinado pelas chamas. O Babemco teve o cuidado de queimar qualquer prova ao alcance. 

— Então, tudo o que você tem é a sua palavra contra a dele? — Helena questiona Jade. 

Jade confirma e percebe o risco da situação. 

— Muitos podem afirmar que é só uma jogada para difamar o Babemco. Pode soar vazio e pretensioso… — Helena parece refletir na situação. 

— Eu carrego as marcas dos abusos em meu corpo — Jade retira o boné mostrando a cabeça careca e aponta para uma marca no pescoço que ainda não está cicatrizada por inteiro — Eu sofri agressão física e psicológica. Quando me encontraram, eu mal conseguia emitir uma palavra por conta de uma lesão nas cordas vocais. Eu tenho laudo médico de tudo isso. 

— Eu acredito em você! Mas, você? Você consegue transmitir todo esse horror sofrido? — questiona a candidata. 

— Eu não tenho escolha. Eu só posso falar a verdade e pedir meu filho de volta. Eu tenho certeza que o meu Cícero está nas mãos daquele idiota. 

Helena continua a refletir. 

— Eu vou te levar para o estúdio. Antes de vir, eu falei com minha assessora e ela concordou em te levar. A emissora já queria falar contigo, então vão me dar alguns minutos extras pra você explicar sua história e pedir que seu filho seja devolvido. Mas, precisamos montar todo um roteiro. Eu já falei com meus apoiadores e com o pessoal da mídia. Todos vão ficar ligados para apoiar você nessa jornada — Helena fala olhando fixamente para Jade. 

Jade corre e abraça a candidata. 

— Obrigada! 

— Você precisa se preparar. A exposição é uma faca de dois gumes. Pode te levar a conseguir o que você quer, mas pode se virar contra você e te prejudicar ainda mais — avisa Helena. 

— Eu vou me preparar — Jade, tentando ser confiante, mas escondendo o tremor das mãos. 

— Precisamos correr. Só temos mais algumas horas. O programa é ao vivo e começa às oito da noite. 

Todos levantam para cumprimentar Helena. Mais uma vez as coisas parecem tomar um rumo favorável.  

— Vamos acabar com esse desgraçado! — comemora Bruno. 

Babemco ainda estava na sala de reunião da Prime Security, juntamente com Henrique e os conselheiros da companhia, quando Cornélio entrou acompanhado de seus assessores. Pela aparência, o presidente do conselho não trazia boas notícias. 

— Ok! Eu preciso da atenção de todos, menos de você — apontando para Henrique Sarto — Tenho algo de extrema importância para falar — decreta Cornélio. 

Babemco empurra o candidato porta à fora e em seguida senta em sua cadeira de CEO. Ele tenta demonstrar atenção para o que o “bode velho” deseja expressar.  

Quando todos os conselheiros estão sentados e prestando atenção, Cornélio começa o seu show. 

— Liga o vídeo — Cornélio ordena para um dos seus assessores. 

Em uma tela diante de todos, o principal noticiário do país informa sobre um possível esquema fraudulento de licitações envolvendo a corporação Prime Security e o governo federal. O Ministério Público está investigando e estão prestes a denunciar a empresa para o judiciário. 

— Então é basicamente isso. Agora, vamos carregar mais esse fardo de sermos uma empresa criminosa. O que você tem a dizer sobre isso, Babemco? — questiona Cornélio, com uma calma cínica. 

Babemco levanta encarando a todos. 

— Eu tenho tudo sob controle. Todos os arquivos comprovando a idoneidade dos nossos contratos. Principalmente com o governo federal — arrefece Babemco. 

— Você entende que uma denúncia desse porte, coloca o valor das ações em risco? Você entende que uma acusação assim, pode colocar em xeque a sua posição? — Cornélio provoca. 

— Não se preocupe. Eu posso provar cada negociação feita. 

— Eu quero um relatório de todos os contratos dos quais estamos sendo acusados. Preciso disso imediatamente. Nosso jurídico está em polvorosa — avisa Cornélio. — Se eu fosse você, Babemco, repensava as suas ações. Qualquer passo em falso agora pode ser fatal. 

Cornélio deixa a sala e os conselheiros se entreolham preocupados. Babemco também sai em disparada. 

A sala do presídio de Abreu e Lima era limpa e aconchegante. Marieta ficou curiosa pois não conhecia nenhum Logan. Mesmo assim quis conversar com o homem e saber do que se tratava. 

Naquele momento, a rotina da cadeia já estava estabelecida. Mesmo cuidando da sua beleza, a mulher se entediava rapidamente. Era preciso um salão de beleza, uma boutique com joias caras e um bom vinho branco para passar o tempo, mas, na prisão não tinha nada disso. Por isso, ela comemorou em silêncio ao perceber que podia conversar com alguém e espairecer das ideias. 

Marieta fora presa por vazar informações confidenciais dos clientes da Prime. No momento da sua prisão, ela era CEO da empresa. Mas, tudo não passou de uma armadilha de Babemco para incriminá-la. Agora, ela lutava contra o sistema judiciário para provar sua inocência. 

Quando entrou na sala de visita, Marieta deparou-se com Logan. Ele estava bem-vestido, usando jaqueta e camisa social e parecia sereno, apesar das mãos que não paravam de mexer. 

Marieta sentou-se do outro lado da mesa, após cumprimentar o homem. 

— Logan! Um belo nome — diz Marieta. — Em que posso ajudá-la? 

— É, você pode me ajudar e muito. 

— Eu adoraria ser útil para você — ela diz, arrumando o cabelo. 

— Você foi CEO da Prime Security. E, eu… bem, não tem outra forma de falar isso a não ser da forma mais clara possível. 

— Eu aprecio sua sinceridade. E, pelo visto envolve a desgraça da Prime. O que foi que te fizeram? 

— Sim, eles fizeram muitas coisas. 

— Quem é você, Logan? 

— Eu não posso perder o foco. Preciso que você me ajude. — decreta Logan. 

— Bem, a única coisa que eu posso exigir é que você se apresente. Não dá pra ajudar alguém que eu não conheça. 

Logan parece incomodado com a investida da mulher. 

— Você só tem que saber que eu preciso da sua ajuda para acessar alguns comandos dentro da Prime — explica Logan. 

— Não estou entendendo! Já que você não quer me dizer quem você é, me diga o que eles fizeram contra você e talvez eu pense em te ajudar. 

— Bem, basicamente eu fundei a Prime com o Babemco. Mas, aquele desgraçado me deu um golpe, me acusou de algo que eu não fiz e me arrancou da companhia. 

— Parece que temos algo em comum — sorri Marieta. 

— Agora eu quero tomar o controle do que é meu por direito, mas percebi que não posso fazer isso por meios legais, então resolvi usar meu conhecimento em computação para invadir o sistema da Prime e tomar o controle da companhia. 

— Isso parece bem arriscado. Você pode ser preso, não? 

— Eu não vou ser preso. Tenho uma equipe de hackers profissionais que sabem apagar qualquer rastro — Logan fala, confiante. 

Marieta tenta demonstrar o mínimo de apoio. 

— Então, como eu entro na história? 

— Eu estou a um passo de abrir o último código de defesa do sistema. Mas, preciso da leitura biológica do CEO da Prime. 

— Babemco é o CEO da companhia. Você precisa dele? Boa sorte. 

— Você ainda está na lista como CEO, parece que a inteligência da Prime ainda não percebeu esse detalhe. Então, a sua leitura orgânica é válida no caso de códigos executivos. Ou seja, você pode autorizar que eu invada o sistema. Preciso da sua digital e ler sua íris. 

Marieta parece incrédula. Sua feição muda. Uma sombra se aproxima e paira sobre a mulher. 

— Você conhece mesmo o Babemco? — ela questiona. 

Ele balança a cabeça, sem entender a pergunta. 

— Você acha mesmo que ele não vai descobrir tudo isso? Esse seu plano de invadir a empresa? Acha que ele não sabe que eu ainda tenho esse acesso todo à segurança da empresa? Você é ingênuo ou muito burro! — diz Marieta. 

— Eu preciso que você me ajude! — ele diz, levantando e se inclinando sobre a mesa. 

Marieta levanta, bate na porta chamando o agente penitenciário. 

— Eu não tenho mais nada pra falar com você. Não volta aqui! — ela decreta. 

— Você é uma covarde! Você é a merda de uma covarde! Como pode ser assim?! — ele xinga batendo o punho na mesa. 

O agente entra e pede que ele se acalme. 

Logan observa Marieta sair, mas escuta quando ela diz em sua direção. 

— É melhor não mexer com o Babemco. Ele é um homem muito perigoso — aconselha Marieta. 

Logan fica em desespero. “E agora? Como vou conseguir entrar no sistema da Prime”, questiona. 

Logan chegou em casa ao anoitecer. Derrubou um abajur que estava sobre um criado mudo e esbarrou em alguns quadros na parede. Tentou retirar o sapato social, mas caiu e bateu a cabeça na quina da escada que dava para o primeiro andar. Um desastre total. Ficou estático no chão, até que a sua esposa chegou. 

Salomé se aproximou devagar. Não emitiu uma só palavra. O xale que lhe cobria os ombros tornou-se o lugar mais aconchegante da casa. Magra, ruiva e indefesa, ela esfregou os braços sentindo a ameaça. 

— O que foi? Vai ficar me olhando a noite toda? — esbravejou Logan. 

Salomé se apressou em ajudar, mas Logan era pesado e ela não conseguiu sustentá-lo por muito tempo. Ele despencou no chão mais uma vez. O cheiro de uísque se espalhou por todo o cômodo. 

— DESGRAÇADA! Você não serve para nada!  

— Eu posso chamar ajuda — ela ainda tentou argumentar. 

— Você vai chamar quem? — ele perguntou, ficando de joelhos e encarando a esposa. 

— Desculpa. 

Logan levantou-se de supetão e com toda a força que tinha, desceu o braço sobre a cabeça da mulher. Salomé caiu sobre a mesa de centro quebrando o vidro que ficava sobre o móvel. 

— Satisfeita?! Era isso que você queria?! Imbecil! — ele gritou, indo em direção à cozinha e derrubando os móveis por onde passava. 

Salomé levantou-se devastada. “Quando vai terminar esse inferno?”. 

A sala de Babemco na Prime Security estava de cabeça para baixo. Ele tinha três assessores trabalhando loucamente com os principais canais da mídia. Todos queriam saber sobre a acusação de fraude das licitações. Mas, Babemco ainda não havia se pronunciado. Então, os assessores tentavam preencher as lacunas rebatendo as acusações como podiam.  

O diretor geral de segurança da Prime também estava ali, trabalhando em esconder qualquer rastro que pudesse incriminar a empresa. Melquiades era um homem gordo e de feições alegres. Tinha mãos roliças e uma pança que cobria metade da mesa em que estava. Mas, nada disso importava. Era o melhor engenheiro de software de todo o país e trabalhava na Prime Security como o braço direito de Babemco. 

— Os arquivos estão seguros. Acho improvável que alguém da Polícia Federal consiga quebrar esses códigos — disse Melquiades para Babemco. 

— Bom trabalho! Já te disse que sem você eu não seria nada? Como está a Rosalie e as meninas? Assim que elas fizerem sete anos vou levá-las para a Disney. E você sabe, quando eu prometo eu cumpro! — disse Babemco, camarada. 

— Estamos todos bem. E, não posso deixar agradecer o novo lote. Sem você meus empreendimentos estariam parados até hoje. 

Os dois se abraçam. 

Um dos assessores se aproxima de Babemco. Na mão um ipad. No rosto, a expressão de preocupação. 

— Tenho uma notícia interessante — disse o assessor para Babemco. 

— Desembucha. 

— O nosso homem do canal 10 acabou de ligar. Ele disse que uma tal de Jade vai ser entrevistada na companhia da candidata Helena Melo. Parece que essa Jade tem algumas acusações contra o senhor.  

— Entendi. É só isso? — questionou Babemco. 

— Por enquanto, sim. 

— Ligue para o Magno. Um problema de cada vez — decretou Babemco. 

O assessor se retirou em busca do telefone. Babemco fitou a paisagem lá fora. A noite em Recife só estava começando. 

Um pequeno sorriso surgiu no rosto de Jade quando ela viu seu reflexo no espelho. As maquiadoras da emissora fizeram um excelente trabalho. Jade estava com uma peruca loira, bem discreta e que se aproximava muito com os seus cabelos originais.  

A candidata Helena Melo também estava deslumbrante. O vestido preto em cano longo caía bem em seu corpo e ela andava o camarim inteiro conversando ao celular. 

As luzes em neon do camarim brilhavam sobre o rosto de Jade. Ela se sentia especial sabendo que iria ser entrevistada. Mas, uma sensação estranha sempre estava ali por perto prestes a emergir na superfície. Era uma sombra à espreita aguardando o momento certo para dar o bote. 

A mão de Jade começou a tremer novamente. Ela tentou parar o tremor segurando com a outra mão.  

A secretária do programa entrou no camarim. Era alta, negra e tinha profissionalismo no olhar. 

— Como estão? — ela perguntou, tentando ser simpática. 

— Até agora, tudo bem! — respondeu Helena. 

A secretária estava apreensiva. Queria dizer algo, mas não sabia como. Helena percebeu. 

— Algum problema? 

— Sim! 

Ao ouvir aquilo, Jade até esqueceu o tremor e fitou a mulher. 

— O que houve? — perguntou Helena. 

— Bem…eu nem sei como dizer isso… 

— Seja direta, amiga. Fala logo! — Helena disse, com a firmeza de uma mulher decidida. 

— A entrevista foi cancelada.  

— É alguma pegadinha? — Helena até tentou sorrir. 

— Eu gostaria que fosse, mas, não. Infelizmente a entrevista com vocês foi cancelada. 

— Eu agendei essa entrevista com o Dial há semanas. O que houve?  

— O Dial não tem nada com isso. Ele está tão frustrado quanto você. Ele só não veio aqui porque o programa já começou. 

— Quem cancelou a entrevista então? 

— O dono da emissora. O deputado Magno Alves! 

Helena fica surpresa. 

— Algum motivo específico? — a candidata questiona. 

— Ele só disse que a entrevista deveria ser cancelada e nada mais. Estamos tão surpresos quanto a senhora. 

Imediatamente, Helena liga para sua assessora. Ela debate de forma ferrenha com a mulher. Alguns minutos depois se volta para a secretária. 

— Tudo bem. Vocês chamaram a minha atenção. Sabe qual o problema agora? Eu tenho um palco nas redes sociais e não preciso do seu auditório. Vamos, Jade — Helena decretou, saindo do camarim. 

Mesmo abalada e com a mão tremendo, Jade conseguiu se levantar e seguir a candidata. Ao se aproximar ela questionou. 

— O que houve?  

— A questão é que parece que estamos na direção certa — disse Helena para Jade, enquanto aguardava o elevador. 

— Mas, estava tudo certo. O que mudou? Sua assessora falou alguma coisa? 

Helena sorriu com a ingenuidade de Jade. 

— Aconteceu sim. Aconteceu que você entrou na jogada e isso iria prejudicar gente grande, gente poderosa. O que você acha? Você não conhece o Magno Alves, mas eu conheço!  

— Quem é Magno Alves? 

— Ele é dono do canal, deputado estadual e um dos acionistas majoritários da Prime Security, um dos conselheiros, inclusive. Então o que você acha? Babemco ficou sabendo da sua presença no programa e com uma ligação fez a mágica. Desgraçado! 

— Isso não é possível — Jade fala incrédula. 

— Mas, não se preocupe. Vamos para a minha cobertura falar com meu público. Eu acabei de agendar uma live. Meus seguidores e apoiadores estão divulgando. Você vai ser a estrela da noite, custe o que custar — avisa Helena, decidida. 

O elevador chega e as duas entram. O show não pode parar. 

A cobertura de Helena fica na beira-mar de Recife. Um prédio luxuoso e um dos metros quadrados mais caros da cidade. 

Ao adentrar na sala de estar, Jade se surpreende com Bruno, Licurgo, Yeda e Victória. Todos vieram apoiá-la. 

A assessora de Helena Melo organiza a câmera na varanda externa e aguarda ansiosa para iniciar. 

— Aqui tá tudo pronto! Quando vocês quiserem é só avisar! A galera já tá entrando na live — informa a assessora. 

Jade encara seus amigos. 

— Eu agradeço o apoio. Nem sei o que faria se não fosse vocês me ajudando. 

Licurgo se aproxima. — Amigo serve pra isso, ora. Cê pode contar comigo que eu tô aqui é pra luta mesmo. 

Jade vai até a cozinha e pega um copo com água que está em cima da mesa. Após alguns goles generosos, ela deixa o copo cair ao chão.  

Victória se aproxima, preocupada. — Tudo bem com você, amiga? 

Jade tenta juntar os cacos de vidro, mas a secretária do lar não permite. Victória puxa Jade para o canto da sala. 

— Eu vi que suas mãos estavam tremendo. O que tá acontecendo? — questiona a psicóloga. 

— Eu não sei. Não consigo controlar. 

— Acho que você está sob muita pressão e isso tá causando estresse. Não sei se você deveria fazer essa live — diz Victória, apontando para a varanda, onde a câmera está ligada. 

— É o meu filho, Victória. O que eu tenho que fazer, então? Não dá pra se esconder enquanto meu filho está nas mãos daquele criminoso. Eu não sei o que ele pode fazer com o Cícero. Não consigo dormir. Não dá pra relaxar! Eu só posso parar depois que tiver meu filho comigo! 

— Calma. Você não tá bem. Você precisa ficar bem, senão vai colapsar. Isso não tá te ajudando. Eu sei da aflição de não saber do seu filho, mas você precisa estar bem pra lutar por ele. 

— É só minha mão que tá tremendo. Tá tudo ok. 

— Você tem dormido direito?  

Jade sorri para a mulher. 

— Não! E quando consigo dormir, acordo com pesadelos. 

— Você precisa descansar. Vou atrás de algum calmante. 

— Eu já tenho, mas não quero ficar dopada. Preciso ficar lúcida!  

— Se você não descansar, seu corpo vai te apagar involuntariamente.  

— Deixa que eu consigo sobreviver. 

Victória encara a amiga se afastar. “Jade não está bem. Se continuar assim, vai colapsar rapidamente”, pensa a psicóloga. 

Jade se sentou no sofá ao lado de Helena. A lente da câmera era enorme e de certa forma intimidadora. O silêncio prevaleceu durante alguns segundos. 

Diante da câmera, Jade emudeceu, os olhos marejaram e as mãos voltaram a tremer. Ela queria falar, mas a garganta estava seca e a adrenalina acelerou seu coração levando a uma velocidade absurda. O vento frio causava ainda mais tremor. 

Helena continuava sorrindo aguardando a iniciativa da mulher, mas nada acontecia, nenhum movimento, apenas uma imagem congelada e insegura. 

— A Jade passou por uma barra e com certeza é difícil falar o que ocorreu e lembrar os horrores pelos quais ela passou — Helena disse para os espectadores. 

— Você quer um minuto? — Helena perguntou para Jade. 

— Quero… 

A assessora veio, tomou a mão de Jade e a carregou até à sala. 

Licurgo foi um dos primeiros a se aproximar. — Ei, você não precisa fazer isso. Se não tá ok, é só falar e a gente pensa em outra coisa. 

— Eu, eu… tô bem — mente Jade. 

— Não precisa mentir para mim. 

— Eu só preciso de um tempo. 

Jade retorna e encara a câmera novamente. Helena percebe que de alguma forma ela retorna mais confiante. 

— Vou deixar a Jade conversar um pouco e contar a história dela — declara a candidata. 

Jade abre a boca e começa a falar. A interação com o público é positiva. Babemco é exposto. 

Um susto! Jade acordou sobressaltada. Não estava em sua cama e não lembrava de como fora parar ali. 

Victória entrou no quarto, abriu um pouco a cortina deixando o sol entrar, e em seguida, sentou-se na cama, ao lado de Jade. 

— Você conseguiu descansar? Teve mais um pesadelo? — perguntou a psicóloga. 

Jade se sentou na cama. 

— Eu acho que tô bem. Preciso de um café. 

— Eu vou pegar pra você. Só queria te dizer algo: sou sua amiga e psicóloga e não posso deixar de notar que você não tá bem. Se precisar te internar compulsoriamente eu não vou hesitar. Então, por favor, coopera com você mesma. Precisa comer, dormir e se hidratar. Eu chamei um médico pra ver como você está. Espero que não se chateei com isso. 

— Não. Eu agradeço pela preocupação. 

Jade olha para suas mãos e percebe que os tremores foram embora. 

Depois do café, Jade foi para a sala de estar. Todos dormiram na cobertura de Helena Melo. O lugar era enorme e aconchegante e deu a oportunidade perfeita de concentrar esforços e repensar os planos. 

Ao chegar à sala, Jade foi recebida com entusiasmo por Bruno, que lhe acolheu com uma xícara de café. 

— Você não sabe o que tá acontecendo!! — ele diz um pouco eufórico. 

— O que houve? — Jade pergunta. 

Helena surge, carregando um notebook. — Vem aqui! — chamando Jade. 

— Vocês estão me assustando. 

— Nós estamos assustados também, mas, de uma forma positiva — declara Helena. 

Jade se senta ao lado da candidata e mira a tela do notebook. 

— Nossa live ontem foi um sucesso estrondoso. O vídeo viralizou nas redes sociais. 

— Sério? 

— Nós já temos mais de dois milhões de visualizações em menos de vinte e quatro horas e milhares de apoiadores enviando mensagens e se solidarizando — informa Bruno. 

— Parece que o seu rosto hoje é o mais famoso da internet — endossa Yeda, entrando na conversa. 

— Ainda bem que eu tava de peruca — Jade diz, arrancando gargalhadas de todos. 

— De alguma forma eu me identifiquei muito com você, Jade. Você representa uma pauta que eu defendo: os direitos das mulheres. Não dá pra viver numa sociedade em que mulheres são tratadas como lixo e isso fica impune. É importante que nenhum tipo de violência seja normalizado. Eu comprei a sua causa e vou te ajudar no que puder — diz Helena, convicta. 

— Eu sou grata por tudo — Jade abraça a candidata. 

A assessora de Helena se aproxima. 

— Tenho notícias! 

— Notícias boas? — pergunta Helena. 

— Acho que sim. 

— Fala logo! — Bruno diz, ansioso. 

— O canal 10 acabou de ligar dizendo que eles querem retomar a entrevista com o Dial ainda esta noite. 

— Não acredito! — Bruno em êxtase. 

Helena olha preocupada para Jade. — Isso com certeza foi por causa da repercussão da live de ontem.  

— Isso é bom, não? — Jade questiona. 

— Vou deixar na sua mão. Não posso exigir que você se exponha desse jeito — avisa Helena. 

— Seu pedido de socorro se estenderia para o país inteiro. Ou seja, vai todo mundo ficar sabendo quem é Babemco — alerta Yeda. 

— De alguma forma, vamos despertar a ira dele — Helena complementa. 

— Eu não posso ter medo. Ele tá com o meu filho e eu quero que ele me devolva — sustenta Jade. 

— Eu ainda não acredito que estamos fazendo isso — Bruno incrédulo. 

— É isso aí. Vamos à luta!  

Quando Jade e Helena chegaram na emissora, eram quase oito da noite. Jade tentava manter a calma enquanto pensava na ordem dos fatos que iria descrever. Já Helena continuava a conversar com o coordenador de sua campanha. Ele estava preocupado com a entrevista. 

As duas caminhavam pelos corredores do estúdio e por onde passavam todos a encaravam com certo respeito e admiração. A história de Jade correu a internet inteira e a cidade ficou ciente dos horrores que ela viveu e da sua coragem em denunciar um dos homens mais poderosos do país. 

Agora, era aguardar e ter todas as câmeras voltadas para si.  

Foi com bastante empolgação que o apresentador Dial convidou a candidata Helena Melo em seu divã. Os dois conversaram cerca de uma hora e a candidata mostrou toda sua desenvoltura e competência. 

Além de almejar a prefeitura, Helena era empresária bem-sucedida no ramo da construção civil e do setor imobiliário, e comandava uma rede de lanchonetes por todo o país. Ela tinha segurança em debater temas como economia, saúde, planejamento e bem-estar social. Sua política era de centro, mas, ela tinha uma visão muito humanizada sobre tudo. 

Dial chamou Jade, que sem demora se sentou ao seu lado. O apresentador era grisalho, bem-humorado e seus óculos lhe deixavam ainda mais inteligente. 

— A minha primeira pergunta, seria se está tudo bem com você, Jade. Mas, eu imagino que nenhuma mãe na sua situação possa estar bem. Então, quero iniciar me solidarizando por tudo que você tem passado. Não posso imaginar sua aflição em saber que seu filho não está com você, mas, quero muito entender como isso aconteceu. Vamos esclarecer todas as coisas hoje aqui, tudo bem? — declara Dial, inicialmente. 

Jade sorri concordando. Ela tenta ao máximo disfarçar o nervosismo. 

— Antes, eu gostaria de te conhecer um pouco mais, Jade. Saber quem é essa mulher tão bonita que tem passado por essa barra que nós testemunhamos nos últimos dias. Você é daqui mesmo de Recife? 

— Sim, eu sou da cidade. Nasci e me criei em Boa Vista. Meus pais são médicos então era o lugar mais próximo do trabalho deles, já que o bairro é conhecido como o bairro das clínicas. 

— Perfeito. E qual sua formação, Jade? 

— Evidentemente com pais médicos, eles queriam muito que eu seguisse carreira na medicina, mas eu sabia que não era minha área. Eu cursei arquitetura um tempo e depois administração, mas acabei por abandonar a faculdade, essa é a verdade. 

— Bem normal, por sinal. 

— Sim, eu acabei passando muito tempo na praia e nos mangues e comecei a trabalhar com escavações. Virou minha paixão. Então eu ganhava uma grana assim. Escavando relíquias, ossadas e sambaquis e cuidando de crianças em uma creche perto de casa. 

— Seus pais aprovavam sua forma de ganhar a vida? 

— Não! Quer dizer, eles não estavam felizes comigo. Creio que esperavam algo mais estável. Mas, eu não seria feliz trancada em um escritório ou tendo que lidar com sangue e doenças ou coisas assim. Gosto de cuidar das crianças e creio que é uma forma de cuidar do nosso futuro. 

— Isso não deixa de ser nobre — declara Dial. — Mas, e como chegamos em sua família. Seu marido, onde está? 

— Ele está desaparecido. A polícia chegou a identificá-lo, mas houve uma explosão na delegacia do interior, onde ele foi reconhecido, e daí ele sumiu novamente. Inclusive eu trouxe uma foto dele e se alguém reconhecer, entrar em contato, por favor. 

— Nós iremos exibir a foto e o telefone de contato. Agora me diga, o que aconteceu? Você foi sequestrada, é isso mesmo? 

— Fui, sim. Eu estava em uma cidade do interior com meu esposo e filho, quando um homem invadiu o quarto em que estávamos, me agrediu e levou meu filho. Eles me levaram para um lugar dentro da mata fechada. Chamavam de complexo fantasma — declarou Jade. 

— Certo, agora… — Dial foi interrompido. Alguém entrou no estúdio e veio em direção ao apresentador. Todos ficaram paralisados. As câmeras filmavam o homem se aproximando e sentando ao lado de Jade. Ela ficou em choque ao perceber que Babemco estava ao seu lado. 

— Ok, parece que temos mais uma participação especial. Seja bem-vindo senhor Babemco. Um dos principais empresários dos nosso país e também um dos envolvidos nessa história. 

— Eu que agradeço por estar aqui — Babemco disse, após receber um microfone. 

Dial percebeu a cara de choque em que Jade ficou e logo tomou uma atitude. 

— De frente com Dial volta em instantes após os comerciais.  

O estúdio ficou em polvorosa. A plateia percebeu o climão e os cochichos eram inevitáveis. Helena correu até Jade e sem pensar arrancou-a do lado de Babemco. Em seguida, os assessores da candidata foram falar com Dial sobre a presença de Babemco no estúdio.  

“Ele não deveria estar aqui!” 

“Que palhaçada é essa?” 

— Calma, eu preciso falar com o diretor do programa — Dial tentava acalmar. Mas, o caos estava instaurado. 

Naquela noite, o programa do Dial virou um campo de guerra. Os apoiadores de Babemco gritavam na plateia atiçando o grupo que cercava Jade e Helena. 

Nos bastidores, Helena conversava com seu coordenador de campanha, enquanto Bruno, Licurgo e Victória conversavam com Jade. 

—Você sabe que não precisa fazer isso! — disse Victória. 

— Vamos embora, vamos sair desse circo imediatamente! — bradou Licurgo. 

Bruno se aproximou com o celular em mãos. — O insta e o twiter estão uma loucura. Babemco reuniu vários apoiadores e eles estão fazendo coro nas redes sociais. Estão chamando Jade de oportunista! 

— Jade, me perdoe por isso, eu não sabia e pelo visto o Dial também não tinha ciência de nada. Isso com certeza foi coisa do Magno Alves — disse Helena. 

— Esse cara não pode ficar no mesmo espaço que a Jade, isso é inconcebível. É tudo uma armadilha! — disse Victória. 

— Dial informou que o diretor quer o Babemco no palco — disse Helena. 

— A hashtag #FalaBabemco já está no topo dos trendings do twiter. Ele tá ganhando na rede. Parece que os espectadores querem ouvir a versão dele — informou Bruno. 

— Vamos embora, Jade — pede Licurgo. 

— Acho que você deve ficar e encarar ele. É uma oportunidade de mostrar que você não tem medo, e que está disposta a tudo pra conseguir ter seu filho de volta — fala Bruno. 

— Ele não pode fazer nada comigo. Estamos na frente das câmeras — diz Jade. 

— Você tá segura pra falar toda a verdade? Você precisa entender isso. O Babemco não é o mocinho. Ele sequestrou o seu filho. Você precisa ser forte, determinada e buscar o apoio do público — Helena encoraja. 

— Eu vou voltar. Torçam por mim — diz Jade, tentando mostrar segurança. 

Dial chama Jade e Babemco. Ele diz algumas coisas para os dois e senta em sua bancada. O programa vai começar em alguns segundos. 

— Estamos de volta com o De Frente com o Dial! Então, nos diga Jade como você sobreviveu a esse Complexo Fantasma? Pode falar mais sobre esse lugar? — pergunta Dial. 

Jade está nervosa. Suas mãos começam a tremer novamente. Ela tenta disfarçar, mas, é impossível. 

— Eu…eu…sofri bastante. Eles…eles….é…bem. — ela trava. 

— Era uma prisão, é isso? — Dial tenta ajudar. 

— Sim. Eles tinham várias mulheres presas. Eu fiquei em uma das celas. Nós…uff….um momento. Nós vimos outras mulheres morrerem. Foi horrível. 

Babemco está sério, observando Jade tentando narrar algo. 

— Eles me espancaram e o Babemco foi até lá com o meu filho no colo. Ele disse que o Cícero era filho dele agora. Depois ele me fez matar uma mulher, eu fiquei muda, e veio a Olívia e disse que eu estava no inferno e que era um estágio do inferno e eu não podia falar, porque a Ester descobriu que eu tinha matado o irmão dela no caminhão… 

— Como? Você matou quem? — pergunta Dial.

Jade percebe a derrapada que deu. 

— Pelo visto não é o primeiro que ela mata — informa Babemco. 

— Eu…não foi porque eu….eu estava tentando sobreviver… — ela tenta se explicar. 

— Parece que Jade cumpriu nove anos na cadeia por matar um homem chamado Roberval. E, ele morreu inocente. Jade queria matar o irmão do Roberval, mas matou o homem errado. — diz Babemco, satisfeito olhando para a plateia. 

— Isso é verdade, Jade? — Dial pergunta, um pouco perplexo. 

— Sim…mas, não foi porque eu quis… — uma lágrima escorre pelo rosto da mulher. 

A plateia assiste indignada. Alguns levantam mostrando reprovação. As redes sociais explodem contra Jade. 

— Na verdade, Jade busca me incriminar porque ela mesma matou meu filho. Não foi, Jade? — Babemco provoca ainda mais. — Eu trouxe as fotos do inquérito que investiga o assassinato do meu filho. Tem fotos do Oscar morto na sala de estar da casa da Jade. E, o martelo que atingiu a cabeça do meu filho foi encontrado no local do crime. As digitais encontradas no martelo são da senhora Jade. — Babemco mostra para as câmeras as fotos do seu filho caído sobre o piso — Jade matou meu filho, e agora quer me incriminar sem prova nenhuma. Eu, eu tenho as provas dos crimes que ela cometeu. Eu sei que ela quer me caluniar diante de todos, mas eu me proponho a ajudar essa mulher em tormento. Eu fiquei sabendo que ela fazia terapia, mas a psicóloga dela perdeu a licença. Então, se você quiser eu tenho recursos para lhe ajudar psicologicamente. Eu sei como é perder um filho. Eu sei como é ter um filho arrancado dos seus braços. Se você quiser. Posso te ajudar, mas se não desejar ajuda, a única forma de te ajudar vai ser abrindo uma queixa-crime contra você. Eu estou disposto a esquecer tudo, mas se você não quiser, a justiça vai ao seu encontro — finaliza Babemco estendendo a mão para Jade. 

Jade não consegue olhar para os lados. Está em choque. Suas mãos tremem ao ponto de ela deixar cair o microfone. O pesadelo se materializa diante de si. 

Helena e Bruno testemunham tudo boquiabertos. Dial também parece perdido. O mundo mais uma vez conspira contra Jade. 

Ao chegar na casa dos seus pais, Jade se trancou em seu quarto. O lugar estava frio, mas ela retirou a roupa por completo, jogou a peruca no chão e despencou sobre a cama. Seu desejo era apagar aquele dia. Apagar a vergonha, o medo e o estresse. Ela havia falhado e seu filho parecia estar mais distante ainda.  

As redes sociais condenaram Jade. 

“Oportunista” 

“Criminosa” 

“Assassina” 

“Caluniadora” 

Ela não conseguiu ficar muito tempo no estúdio e pediu para ir pra casa dos seus pais. Porém, ela sabia que não haveria nenhum lugar que pudesse deixá-la segura. O terreno da sua mente era o lugar mais abalado da sua existência. Os muros da sua cidade interior foram bombardeados e ela estava em ruinas. 

Babemco ganhou na justiça, ganhou com a polícia e venceu no Tribunal da opinião pública. Era um homem poderoso, influente e extremamente inteligente. E o que Jade era próximo dele? Uma mulher frágil, traumatizada, sem recursos, sem influência e sem esperança. E, agora, estigmatizada como assassina nas redes sociais. Era de fato o fim! 

Jade tomou uma dose extra de calmantes e dormiu. Na verdade, apagou. Ela perdeu as esperanças de vez. 

Jade foi exposta. 

Os dias seguiram tristes e vagarosos.  

Victória tentou conversar com Jade, mas ela ignorava. Licurgo por várias vezes foi à casa dos pais dela, mas ela não atendia.  

Yeda ligou um número sem fim de vezes, mas, sem respostas. Bruno chegou a bater na porta do quarto, porém ela não atendeu. 

O rosto de Jade tornou-se uma piada nas redes sociais. Ninguém mais acreditava nela. No outro dia após a fatídica entrevista, os jornais noticiavam a tentativa absurda de Jade em manchar a carreira imaculada de Babemco. O homem tornou-se uma vítima, um mártir. Caluniado, injustiçado, perseguido. Da noite para o dia, Babemco foi alçado à herói, com direito a vilão e tudo. Uma jogada do destino que contribuiu ainda mais para a glorificação de um homem corrupto. 

Até que em uma segunda-feira pela manhã, Jade acordou sobressaltada. Teve vontade de caminhar. Saiu do quarto, tomou um banho decente e em seguida, um pouco de café. Vestiu um blusão qualquer e uma calça de moletom. O boné vermelho e surrado não podia faltar. Estava pronta. 

O parque ficava próximo. Era uma área arborizada, alegre e viva. Cercado de crianças, ciclistas e atletas correndo. Jade conseguiu respirar direito. A opressão do quarto evaporou no ar límpido do parque. Sentiu-se renovada. 

Encontrou um banco que tinha uma bela vista para o lago e sentou-se. Uma brisa com cheiro de infância soprava por ali, e o aroma de algodão-doce dançava entre os caminhantes. Jade absorveu tudo enquanto observava a vida surgir mais uma vez. 

Queria ficar ali o máximo de tempo possível, apreciar tudo: as crianças brincando, os pais atentos, gansos destemidos que tentavam compartilhar o espaço com os humanos e o verde pujante da natureza acolhedora. Tudo era inspirador. 

Um homem sentou ao seu lado. Carregava um tablet e uma carteira de cigarros. Seu boné preto também era surrado, porém, mais estiloso. Um blusão azul escuro e a calça jeans lhe davam um ar de despojado. Ele estava focado na tela do aparelho.  

— Esse lugar é incrível — disse o homem, encarando Jade. 

Ela sorriu, concordando. 

— Você fuma? — ele perguntou, mostrando um cigarro para ela. 

Jade meneou a cabeça, negando. 

— Eu sei quem você é! — ele afirmou. 

Ela se assustou. Fez menção de levantar. 

— Espera. Eu acredito em você. Acredito na sua história. Eu sei quem você é e inclusive conheci a sua sogra, a Marieta. Fui visitá-la na prisão alguns dias atrás — disse o homem. 

Jade mostrou-se supressa.  

— Quem é você? — ela perguntou 

— Me chamo Logan, prazer! — ele estendeu a mão. 

Jade ainda ressabiada pegou na mão dele. 

— Tem muitas coisas que você precisa saber sobre mim, e creio que nós vamos nos conhecer ainda mais, porém, hoje eu vou ser bem específico: preciso da sua ajuda — ele fala olhando fixamente para ela. 

— Eu tenho que ir. 

— Eu posso te ajudar a resgatar seu filho. Eu sei como atingir Babemco e trazer o Cícero de volta — avisa Logan.

Ela mudou a expressão. “Resgatar seu filho? Atingir o Babemco? Isso é real?”, pensou. 

— Não sei o que você tá falando. 

— Você sabe, sim — ele acende o cigarro e dá uma tragada generosa. — Babemco não é páreo pra você. Ele é milionário, corrupto, disposto a fazer qualquer coisa pelo poder, tem as autoridades da cidade na palma das mãos. Você acha mesmo que pode derrotar um homem desses acusando-o na TV? 

Jade volta-se por inteira para Logan. Ele tem sua atenção agora. 

— Eu… nós denunciamos ele, mas não tinha nenhuma prova concreta. A polícia entrou na mansão, na empresa, mas não encontraram meu filho e nenhum vestígio dos crimes dele. Ir pra TV foi meu último recurso. 

— E olha no que deu! Você acha mesmo que valeu a pena?  

Jade sorri, incrédula. — Você tem algo! Mas, isso vai me custar!  

— Nada é de graça. Mas, eu juro que vai valer a pena — sorri Logan. 

— Eu preciso ir — Jade levanta. 

Logan permanece sentado. Ele retira um cigarro de maconha do bolso.

— Eu sou hacker. Era sócio do Babemco no início da Prime. Eu construí os softwares, conversei com investidores, comprei GPS. Eu dei meu sangue por aquela empresa. Até que o Babemco me traiu. Me escorraçou como se eu fosse um lixo. Menosprezou tudo o que eu fiz por ele e pela Prime. Ele queria reinar sozinho, e veja, ele conseguiu. Desde então tenho vivido à sombra da sociedade. Passei dez anos na cadeia e agora meu único objetivo de vida é tomar o que é meu por direito: A Prime Security! E, eu vou conseguir, com ou sem a sua ajuda. A questão é que a sua ajuda pode trazer o seu filho de volta. Então, acho que é uma troca justa! 

— O que você quer de mim? — Jade pergunta, enquanto tenta para o tremor de sua mão.

— Você é a única ponte que eu tenho para chegar à Marieta. Ela pode liberar o acesso da Prime para mim. Mas, ela se recusa. Apesar de ter sido traída pelo Babemco, ela teme retaliação.  

— Mas, como eu vou resgatar meu filho? 

— Você ainda não entendeu? Se nós tomarmos o controle da Prime, nós temos o Babemco nas mãos. A Prime é um filho para ele. Se ele tem o seu filho, você vai ter o filho dele. Com a Prime sob nosso domínio nós pressionamos o Babemco a devolver o Cícero. 

— Isso não pode dar certo. 

— Você não tem nenhuma outra alternativa. Se não for assim, esquece de vez o seu filho. Ele não vai devolver pra você.  

— Eu… 

— Você tem que derrotar o Babemco com as armas dele. O poder é a arma dele, então você precisa tomar o poder das mãos dele, entendeu? 

Jade continua a tremer as mãos. 

— Você consegue convencer a Marieta?  

— Não sei… 

Logan oferece o cigarro de maconha para ela. 

— Eu não fumo! 

— Isso não é uma opção. Dá uma tragada e eu vou saber que você tá dentro! Estamos fazendo um pacto. Um pacto de confiança e colaboração. Você me ajuda e eu te ajudo. Não é a lei que vai trazer seu filho de volta, não é a polícia que vai trazer ele. Não, Deus está olhando e esperando você agir. Ele não vai pôr o Cícero nas suas mãos se você não fizer nada. Esqueça os meios legais. Nós temos que tomar o poder do Babemco e ferir ele na raiz. Você acha mesmo que tem outra opção? Você não tem! Ou você aceita a droga desse cigarro, ou pode esperar o seu filho, sentada — Logan põe o cigarro diante dela — Sem falar que a maconha vai te ajudar com o tremor das suas mãos.

Jade olha aquilo e pensa. Toma o cigarro e dá uma tragada. A tosse é involuntária.  

Logan sorri satisfeito. Ela o encara, confiante.  

Jade volta a ter esperança. 

A sala de visitas estava congelando. O presídio de Abreu e Lima tinha aquele ar suspenso, sombrio e soturno. O medo e a desesperança eram habitantes fiéis daquele lugar. 

De um lado da mesa, Marieta ostentava espanto e admiração. Não imaginava ver sua nora naquele lugar novamente. 

Do outro lado, Jade, apreensiva, concentrada e um pouco temerosa. Ela reuniu seu último estoque de coragem para voltar ao presídio. 

— Eu não posso fazer isso! Como aquele canalha te enganou? Você acha mesmo que isso vai terminar bem? Babemco vai descobrir que a Prime foi hackeada e vai vir atrás de vocês. Ele vai vir atrás de mim. Não é você que está presa! — Marieta diz, exasperada. 

— Enquanto você recua com medo do Babemco, seu filho está desaparecido e o responsável é o Babemco. Enquanto você tem medo, seu neto está desaparecido e o culpado é o Babemco! O que você acha?! Você acha mesmo que a polícia vai pegar ele? Você acha?  

— Você não pode se meter nisso. 

— Eu já estou dentro. Eu não tenho escolha — diz Jade, firme. 

— Você pode tentar… 

— Tentar o quê? Diz? O que eu posso tentar? 

— Eu não… 

— Você vai carregar pra sempre a culpa nas suas mãos, sabendo que teve a chance de resgatar o seu neto. Saiba que quando eu tiver o Cícero de volta, eu vou fazer questão de deixar bem claro a sua covardia. É bom que você durma com essa culpa. 

Jade levanta e vai em direção à porta. 

— Espera… — pede Marieta. 

— Nós precisamos de você, e eu não vou mais implorar. Você vai ajudar ou não? — sentencia Jade. 

Marieta mantém a cabeça baixa. — Isso vai nos matar. 

— Eu não me importo. 

— Só me promete uma coisa. Traz meu filho de volta. Traz o Cícero de volta. 

— Eu vou usar tudo o que eu puder pra conseguir isso. O Logan vem falar com você. E… muito obrigada. 

Jade sai. Marieta fica pensativa. 

No dia seguinte, Jade foi até o hangar em que Logan usava como escritório. O lugar estava agitado, nerds excitados trabalhando em prol de invadir o sistema da Prime.  

Marieta cedeu os dados para Logan que conseguiu acessar diversos arquivos, porém, ele precisava trabalhar às escondidas para não ser rastreado.  

Logan mostrou toda a operação para Jade e apresentou-a a todos da equipe. Ela estava impressionada com toda a tecnologia e engenharia por trás das telas.  

Marcelo acompanhou-a durante todo o percurso e mostrou como a leitura dos dados de Marieta deram acesso ao sistema. 

Mas, de repente, Brutus gritou em um urro de euforia. Todos correram até sua mesa. 

— Caralho!!! Vocês não vão acreditar o que acabei de encontrar!!! 

— O que foi???? — Logan perguntou. 

— Olha esses arquivos! 

Logan se sentou e começou a investigar. Seus olhos brilharam ao ver os documentos. Não podia ser!  

— Porra! A guerra vai começar!!! — gritou Logan, eufórico. 

Quando anoiteceu, a Polícia Federal estacionou diante do edifício da Prime Security. Agentes armados e homens de terno invadiram a empresa.  

Babemco estava reunido na sala principal com o conselho da Prime. Todos se levantaram ao ver a polícia tomando o lugar. 

Um agente entrou na sala e disse em alto e bom som: — Saiam todos, imediatamente! 

— O que está acontecendo?  — Questionou Babemco. 

— Que merda você fez, Babemco? — Cornélio perguntou, exaltado. 

Todos do conselho estavam assustados. 

O agente esclareceu — Nós temos um mandado de busca e apreensão. O Ministério Público recebeu uma denúncia anônima e vários documentos comprovando fraudes de licitações. Vocês precisam sair agora! 

— Isso não é possível — gritou Babemco. 

O engenheiro de software, Melquiades, apareceu e tomou Babemco pelas mãos. Os dois se afastaram da balburdia. 

— Aconteceu uma merda! — disse Melquiades. 

— Eu não quero saber! Conserta tudo isso! Mas, que merda Melquiades. 

— Nós fomos hackeados. Acharam o arquivo das licitações. Merda! Não sei como isso aconteceu! 

— Você vai limpar toda essa bagunça e achar quem invadiu nosso sistema! Resolve isso agora, agora!! — decretou Babemco. 

Os agentes se aproximaram e escoltaram Babemco. 

O hangar estava vazio. Apenas duas sombras ocupavam o canto do lugar. Uma tv pequena anunciava os últimos acontecimentos. Uma repórter entusiasmada relatava os fatos: 

— Nesta manhã, o Ministério Público teve acesso a todos os arquivos que incriminam a Prime Security de fraudar os contratos com o Governo Federal. A empresa teria pagado cerca de três milhões para ter preferência nas negociações. O CEO da Prime Security, a maior empresa de segurança privada da América Latina, foi preso esta noite e está respondendo um interrogatório. Babemco é acusado de fraude à licitação além de outros crimes. 

Nas redes socais a hashtag #Babemcoladrão está nos tops trendings do twitter e o apoio popular caiu vertiginosamente.  

“Mau caráter” 

“Criminoso” 

“Falso” 

E mais alguns adjetivos vão de encontro ao Babemco. 

Jade e Logan se entreolham. Ele tem em suas mãos duas taças com champagne. Oferece uma para Jade. 

— Não poderíamos deixar de comemorar — ele diz.

Ela, tomando uma taça, sorri, satisfeita — Enfim, uma pequena vitória! 

— A primeira de muitas! 

Os dois brindam e tomam a bebida. 

Babemco foi exposto. Jade quer vingança. 

 

 

 

 

 

 

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