Licurgo não sabia, mas ao abrir a porta do apartamento de Yeda, percebeu que colocara Jade em uma situação ainda mais complexa.  

Lucas estava em pé aguardando. Ele engordara e tinha uma aparência saudável, bem cuidada. Jade ficou trêmula ao ver o marido. Ela havia perdido as esperanças de vê-lo vivo. 

O abraço foi a resposta automática para o reencontro. Um abraço longo, apertado e regado a lágrimas. Sentir o afago de Lucas, o calor do seu corpo e o seu cheiro foi a volta para casa que Jade tanto queria. Estava segura, ancorada, apoiada pelo amado. 

— Eu tive tanto medo. Onde você estava? — ela perguntou, ainda sem conseguir acreditar que Lucas estivesse ali mesmo. 

— É uma longa história e eu vou contar tudo. Mas, antes preciso que você venha a um lugar comigo.  

Jade se afastou estranhando a situação. 

— Você tá sabendo o que houve comigo? Você lembra que você tentou me matar no Complexo Fantasma. O que aconteceu? — ela questionou. 

— Eu tive uma perda de memória e o capanga do Babemco me fez acreditar que você era uma pessoa muito ruim. Nós não temos tempo. Preciso que venha comigo — ele fala, puxando-a pela mão. 

Os dois seguem até a caminhonete de Licurgo. Ele dá partida e dirige rumo à avenida. Ela ainda enxuga as lágrimas sem entender muito o que está acontecendo. 

— A minha vida tá um inferno. A polícia tá me acusando de ser a mandante de um crime. Você tá sabendo? 

— Eu fiquei sabendo sim. — ele responde, de olho na via. 

— Me conta mais o que te aconteceu. Você perdeu a memória, foi isso? 

— Eu cai e bati muito forte com a cabeça. Fiquei sem lembrar de absolutamente nada do meu passado por semanas. Aos poucos as memórias foram retornando, mas eu ainda tenho dificuldade de resgatar algumas imagens. 

— Você sabe quem eu sou, agora? 

— Claro! Foi por isso que eu retornei. Não queria envolver nossos pais, por isso procurei o Licurgo.  

Jade estranha tudo aquilo. 

— Lucas, o que tá acontecendo? O que você não tá me contando? 

— Você vai entender quando chegarmos. Eu só preciso que você saiba de tudo. 

— Me conta logo. Tá me assustando — ela pede. 

— Você vai ver. Eu vivi com isso por muito tempo, mas quando eu recuperei a memória, eu percebi que não era certo guardar isso de você. Mesmo sabendo que não é o mundo real, a verdade sempre deve prevalecer. 

— Eu tenho medo de outras coisas, não da verdade — ela responde. 

O carro para em frente ao Hospital Geral de Recife. Lucas encara a mulher. 

— Você lembra do dia em que o Cícero nasceu? Tava caindo uma tempestade! 

— Como esquecer… 

— Foi um dia especial. Inesquecível. Mas, eu consegui esquecer. Até recuperar a memória novamente — ele lamenta. 

Lucas sai do carro e chama por Jade. Os dois entram na recepção do Hospital e Lucas caminha em direção a uma mulher que está parada próximo ao balcão. 

Ela é uma mulher na casa do quarenta. Tem cabelos negros e desgrenhados e a pele ressecada, maltratada pelo tempo. 

— Jade, eu quero que você conheça, Amélia. Ela é enfermeira chefe do Hospital — apresenta Lucas. 

Jade se aproxima e aperta a mão da mulher. Ela não está entendendo absolutamente nada. 

— Sinceramente eu não queria fazer isso. Você pode culpar o seu marido por isso — diz, Amélia, um pouco sem saco. 

— O que tá acontecendo, Lucas? — Jade questiona, ansiosa. 

— Sabe no dia que o Cícero nasceu? Foi um dia diferente. A nossa médica tinha sofrido um acidente e o médico que nos atendeu não sabia absolutamente nada sobre nós. Estávamos no escuro e com muito medo.  

— Eu lembro — Jade confirma. 

— O nosso filho demorou para nascer. Ele não suportou o processo e morreu.  

Jade encara Lucas sem acreditar. Ela custa a entender o que ele falou e pede que ele repita novamente. 

— O nosso filho não resistiu. Ele não conseguiu. Ele morreu durante o parto — enfatiza Lucas. 

Jade sorri, incrédula. 

— Essa é a verdade que você queria me contar? — ela pergunta, engasgando-se. 

— Eu sinto muito, Jade. Muito mesmo. Eu não queria que as coisas fossem assim, mas aconteceu. Eu tentei viver sem pensar nisso, mas eu sabia que não conseguiria por muito tempo. 

Jade se afasta sentindo sua garganta fechar. Havia algo lhe impedindo de respirar, talvez uma mão invisível, um bolo de incredulidade, com choque e desespero. 

Sua barriga parecia conter um furacão sem controle. A ânsia de vômito lhe tomava por inteiro. Ao seu redor parecia que o piso abria buracos e valas prontas para lhe engolir. Ela de fato sentia o chão frágil. Não é que o seu mundo caíra. Seu mundo estava sendo exterminado. As lágrimas, a mudez da fala, e o olhar de horror. 

— E o Cícero?… 

— Ele ficou órfão no mesmo dia. A enfermeira me entregou e disse que eu cuidasse junto de você — Lucas fala, chorando. 

— Eu não acredito, Lucas… — a voz sai embargada, regada a lágrimas de profunda tristeza. 

— O meu filho… por que Lucas? 

— Eu lamento, mas o que seu marido relatou é a mais pura verdade — confirma a enfermeira. 

Jade perde as forças das pernas e precisa ser apoiada por Lucas. 

— Por que você tá fazendo isso comigo? 

— Eu precisava te contar a verdade. 

— Essa verdade dói demais — ela fala. 

Os dois permanecem ali. Sozinhos, tristes e em silêncio. 


 

 

EPISÓDIO: A DOR DA VERDADE 

 

 


A polícia invade a sede da Prime em peso atrás de Babemco, mas não o encontram em lugar nenhum. 

O delegado Humberto lidera as buscas por Jade e Babemco. No momento eles são considerados foragidos pela polícia. 

Na mansão de Babemco, uma multidão de policiais inunda todos os cantos da casa em busca do magnata. Vários equipamentos são apreendidos, e o lugar se torna um verdadeiro inferno.  

Mas, não há nenhum sinal de Babemco. 

Yeda se aproxima e fala com Humberto. 

— Quais as pistas que você tem? — ela pergunta. 

— Você quer ajudar, é isso? 

—Por favor, Humberto. Se você soubesse que eu ajudei a divulgar o vídeo do Babemco… 

— Se eu fosse você eu ficaria com o bico calado. Pra não dizer que eu estou contra você, eu preciso te alertar de que há rumores de que você ajudou Jade a matar Helena. Disseram que você acobertou tudo quando era delegada. Então, faz o favor e dá o fora, Yeda. Você tem que voltar pro seu interior e cuidar da sua delegacia. 

— Isso é mentira! Eu nunca iria participar de algo assim! 

Humberto dá as costas e retornar para a mansão. Enquanto Yeda liga para Licurgo. Pelo jeito, ela não vai poder contar com a ajuda da polícia. São os amigos que vão ajudar a encontrar Babemco. 

— Licurgo, nós vamos ter que falar com o Brutus novamente. Chama a Victória e vamos atrás do Babemco. Esse cara não pode fugir — ela diz pelo telefone. 

— Eu tô indo te buscar. Vamos nos encontrar no Edifício Plaza — Licurgo diz, animado. 

Algumas horas depois, a mansão do Babemco ficou um deserto. Nenhum agente de polícia, somente os funcionários da casa.  

Dentro de um quarto qualquer, atrás de um armário que cobre toda uma parede. O móvel se mexe para a direita revelando uma porta de aço maciço. É o bunker em que Babemco escondia Cicero.  

A porta abre e Babemco sai acompanhado de Capeto e Logan. O lugar está frio e bem iluminado. Babemco acende o seu charuto, enquanto Capeto prepara uma bebida. 

— Eu preciso falar com Diógenes. Ele tem que parar isso imediatamente — Babemco conclui. 

— O que ele pode fazer, Babemco? Você foi flagrado atirando na mulher! Ninguém pode te livrar dessa! — afirma Capeto. 

— Eu estou prestes a abrir os dados confidenciais dos clientes da Prime. O conselho vai cair em cima e eles vão expulsar a Jade. Depois da acusação e com os dados vazados, não vai ter a menor chance dela voltar pra presidência — diz Logan. 

Babemco caminha pela sala preocupado. 

— Eu preciso falar com a Yeda. Eu sei que é o meu fim, mas não queria que as coisas entre nós terminassem assim — lamenta Babemco. 

— O que você planeja fazer?  

— Comida resolve muita coisa. Eu vou fazer um jantar. Vocês irão fazer os convites. Vamos jantar como uma família feliz — declara Babemco, em delírio. 

Enquanto Logan e Capeto saem na busca pelos convidados. Babemco começa a preparar as suas bombas caseiras.  

Ele sai puxando fios e carregando baterias. Pela casa é possível notar artefatos espalhados pela sala, nos quartos e até nos banheiros.  

Babemco sai puxando fios e mais fios. Entra no Bunker e implanta uma bomba no local. Ele fecha a porta que somente é aberta por senha e continua o seu trabalho. No fim da tarde a mesa está posta. Um verdadeiro banquete regado a lagosta, porco, caviar, camarão, ostras, vieiras e uma cornucópia para o paladar.  

Babemco desfila pelos salões da mansão dançando em êxtase. Ele derrama vinho branco sobre si, enquanto os funcionários correm para limpar. Porém, o magnata dispensa a todos. A noite vai ser especial. Um jantar à luz de velas e a emoção. O fim está preparado! 

** 

A pick-up preta de Capeto estaciona diante do edifício Plaza. O velhote bafora o seu cigarro amarrotado, enquanto Logan continua digitando em seu notebook.  

— O que você acha que o Babemco vai fazer? Você sabe que ele tá morrendo? — Logan pergunta, pausando tudo e fixando o olhar em Capeto. 

— Eu sei de tudo. Mas o que ele planeja agora, me dá medo. Ele provavelmente vai acabar com tudo. E, conhecendo o Babemco, não vai ser nada bonito de se ver. 

— É uma verdadeira missão suicida, então? 

— Se a delegada for inteligente e aceitar a grana, ele pode aquietar os ânimos. Mas, se ela bancar a santa e quiser ser a dona da moral e dos bons costumes, não vai acabar nada bem.  

— Eu acho difícil ela aceitar qualquer coisa dele. Do jeito que ela se porta… 

Os dois saem do carro e entram no edifício. O destino fica no décimo sexto andar, no antigo escritório da Jade.  

Lá, os dois homens conseguem entrar com facilidade, pois Logan ainda tem a cópia da chave, eles acabam flagrando Yeda, Licurgo, Victória e Brutus.  

— Nós precisamos conversar. O seu pai quer muito falar com você — Capeto fala para Yeda.  

Mais três capangas de Babemco entram na sala.  

— Vocês foram convidados para um jantar especial — Logan completa. — Espero que colaborem — ele diz, enquanto os homens mostram que estão fortemente armados. 

Yeda foi pega desprevenida. Ela é obrigada a ir com os homens. 

** 

Enquanto isso, a casa da mãe de Jade é palco de outro embate. Este, mais pessoal e também mais doloroso. 

Jade está inconsolável por saber que não é mãe biológica de Cícero, porém, outro baque estava por vir. 

Lucas ajudou a esposa a sentar em uma poltrona e lhe serviu água. 

— Você vai ficar bem, Jade — ele afirma. — Mas, eu preciso que você seja forte. 

Uma garota entra na sala. Ela não tem mais do que vinte anos. Está grávida, de mais ou menos uns quatro meses. É bonita e singela. Não parece feliz com tudo e mantém a cabeça baixa, envergonhada. 

— Jade, eu preciso que você conheça Eva — Lucas fala, apontando para a garota. — Nós nos conhecemos enquanto eu estava ferido e sem memória. Ela me ajudou muito e nos envolvemos. Ela tá grávida e vai ter um filho nosso — ele diz, com pesar na voz. 

Jade sorri enquanto lágrimas escorrem pelo seu rosto.  

— Você tá me dizendo que engravidou essa moça? — ela questiona, incrédula. 

— Eu não sabia que eu tinha vocês. Não lembrava que era casado e muito menos pai. Não foi nada planejado — ele afirma, chorando. 

— Como em menos de vinte e quatro horas você consegue destruir todos os meus sonhos e projetos? Você diz que o Cícero não é meu filho e agora revela que me traiu com uma criança! 

— Eu peço perdão por não ter te contado sobre o Cícero. Mas, sobre a Eva, não foi nada planejado. Você não pode me culpar sobre isso.  

— Por que você tá fazendo isso comigo, Lucas? Por que você quer me destruir de vez? — ela clama em profunda dor. 

— Não sou eu que estou fazendo isso. Eu prometo que tudo vai se resolver, Jade. Vai ficar tudo bem… 

A porta é aberta. Capeto e Logan entram na sala.  

— Opa, opa.. Vai ficar tudo bem sim — o capanga afirma, malicioso. 

— O que é isso? Você de novo?! —Lucas diz, reconhecendo Capeto. 

— Meu amigo, Lucas! Que bom te ver e saber que está bem! Quer dizer que o Cícero não é filho da Jade?! E você traiu sua esposa com essa coisinha linda? 

— Não é nada disso! — Lucas fala com raiva. 

— Foi o que nós acabamos de ouvir antes de entrar — Capeto sarcástico. 

— O que vocês querem? — Jade pergunta, preocupada. 

— Espero que não tenha jantado. Vocês foram convidados para um jantar especial — diz o velhote com um sorriso carregado de maldade. 

— Ninguém vai para jantar nenhum — Lucas diz se aproximando de Eva. 

Jade levanta. 

— Saiam daqui, agora mesmo — ela diz, com medo.  

— Nosso convite é irrecusável, literalmente. 

Logan se aproxima de Jade e põe um pano sobre o rosto dela. A mulher desmaia em seus braços. Enquanto, Capeto aponta a arma para Lucas e Eva. 

— Vocês querem ir acordados? — Capeto pergunta, sorrindo. 

Lucas se rende. Mais alguns convidados para o jantar. 

** 

O San Marino Hotel está agitado. Turistas e hóspedes passam de um lado para o outro. Morgana, Leia e Cícero entram no Hall e vão até à recepção. Porém, são interceptados por Bruno e Marcelo que se aproximam como fantasmas. 

— Enfim chegaram — Bruno diz, amedrontador. 

Morgana está com Cícero nos braços. Ela se afasta assustada. 

— Se afasta, tio — ela diz. 

— O que tá acontecendo? — Leia questiona, para Bruno. 

— É melhor não se meter nisso, tia. Eu só quero o garoto.  

Leia pega Cícero e entrega nas mãos de Bruno. 

— Espero que você saiba o que está fazendo. Esse garoto não tem culpa de nada — Leia diz, resignada. 

Bruno dá meia-volta e carregando Cícero sai do hotel acompanhado de Marcelo. Os dois entram no carro. O advogado senta no banco do motorista, enquanto o hacker vai no passageiro carregando o nenê.  

Porém, antes que o advogado dê partida, ele sente o cano de uma arma encostar em sua nuca e ouve a voz rouca e pesada de Capeto. 

— Você já comeu, doutor Bruno? — Capeto questiona, fazendo o seu feliz trabalho. 

— Que merda é essa Capeto? — Bruno questiona.  

A porta do carro é aberta e Logan empurra Morgana e Leia dentro. 

— Mas, que merda é essa Capeto? — o advogado continua questionando, enquanto Logan se aconhega no banco de trás. 

— Aqui tá bem apertado, doutor. Dirige! Mansão do Babemco — Capeto diz, batendo o cano da arma com mais força.  

Logan pega uma faca e encosta no pescoço de Marcelo. — Sem truques, ou você morre aqui mesmo — diz o hacker, opressor. 

** 

Morgana é a última a entrar na sala de jantar. Ela carrega Cícero que está dormindo. 

Todos estão lá. Sentados e amarrados. A mesa é longa e cabe todos. Velas, lustres de ouro e muita comida sobre a mesa. 

Jade chora ao ver o filho. 

Lucas vê Cícero e o seu coração bate mais forte. 

Bruno olha para Cornélio, o presidente do Conselho, que também está ali. 

Yeda se assusta ao perceber que sua mãe Mônica e Diógenes estão ali, sentados e imobilizados. 

Dona Léia chora ao ver Morgana. 

Licurgo troca olhares com Victória. “Que loucura”, ele pensa. 

Brutus destila ódio ao ver Marcelo amarrado do outro lado da mesa. 

Eva chora. 

— Sejam bem-vindos. Essa será uma noite inesquecível — Babemco diz, sentado na ponta da mesa. 

Ele sorri e as luzes se apagam. 

CONTINUA. 

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