Custódio, abrindo a gaveta da mesa, na sala de atendimento, pega o papel que recebeu do outro médico. Desdobra-o e fixa o olhos no endereço escrito. Ele volta a se lembrar das palavras de Afonso: “A dor de perder um filho é a mesma dor de perder um pai. Nós dois conhecemos bem como é essa dor! Amor de pai. Amor de filho, jamais é substituído.

Estela entra na sala.

Sem perceber a presença dela, Custodio murmura, muito aborrecido: — Filhos!

Estela — Disse alguma coisa, doutor?

Custódio — Pensando alto. — Amassa o papel e joga no lixo.

Cristovam, coloca o pé na frente e o papel cai próximo aos pés de Estela.

Custódio, nada percebe. — Estou indo para casa. — e passa ao lado do pai, que interage novamente.

Cristovam se refere a Estela, que pega o papel do chão — É o endereço de Raquel. Eu coloquei no bolso do Roberto.

Estela ameaça jogar no lixo, muda de ideia, e fica surpresa ao ler o nome Raquel. — Não pode ser! É o endereço de Raquel. O doutor sabe onde ela está. E porque jogou fora?

Cristovam — Sua missão ainda continua, Estela. Custódio precisa da sua ajuda para curar a ferida que ainda traz dentro da alma. Você é parte dessa ferida, que renasceu dentro do coração dele, através da morte de Roberto.

Estela, fica com olhos parados, pensativa e depois conclui: ¬¬— O doutor está com medo de que Raquel nunca o perdoe, pelo que ele fez com ela. Só pode ser isso! E eu mandei Raquel embora. Eu que tirei ela de dentro daquela casa. ¬— Fecha os olhos, e agradece — Ainda bem que esse papel caiu fora do lixo. Obrigada, meu Deus. Estou indo para Goiás buscar a minha amiga. E vou trazê-la de volta para o doutor.

Custódio, entrando na sala da casa, para de frente a foto do pai, e recorda Cristovam bravo com ele, segurando um beija-flor morto.

Cristovam — Olha o que você fez?

Custódio, sete anos. — Foi sem querer, pai!

Cristovam — Como sem querer? Se não quisesse matar o bichinho não teria jogado pedra — mostra a ave — Isso aqui tinha uma vida e você tirou a vida dele. Ninguém tem o direito de tirar uma vida, mesmo que seja de um passarinho. Promete que nunca mais irá fazer isso? A vida é o bem precioso que Deus colocou no mundo. Somente ele tem o direito de tirar a vida de um ser. Um pássaro é como nós humanos. Como fica a família dele agora?

Menino, surpreso — Pássaros têm família?

Cristovam — Claro que tem! Tudo que têm vida tem família. Têm pai, mãe, irmãos, filhos, que vão sentir a falta dele agora.

Custódio voltando a si, não mais consegue encarar a foto do pai, ao se lembrar novamente os gritos de Beto batendo na porta. — Doutor, abre a porta, está começando chover. Vai me deixar tomar banho de chuva?

Sem querer continuar de frente a foto do pai, Custódio se afasta, e se depara com tudo jogado ao chão, e, no quarto, a cama desarrumada e as garrafas vazias esparramadas. Rapidamente sai na rua, deixando a casa. Logo depois, bate na porta de outra casa. Ba o recebe. Ela estava na casa da irmã.

Ba — Estou triste pela morte do seu irmão, e feliz pelo doutor sair de dentro da casa.

Custódio nada responde, olhava o chão.

Ba acrescenta: — Amanhã de manhã coloco tudo em ordem, ou, vai querer que faça ainda hoje? Posso chamar a minha irmã que já está dormindo, e vamos lá arrumar tudo rapidinho.

Custódio — Pode deixar para amanhã. Está tarde.

Ba — O doutor jantou?

Minutos depois, ela coloca um prato feito na frente dele. — Vê se come tudo que coloquei no prato, já está bem grandinho para que eu o obrigue a comer, como fiz, muitas vezes, depois que o seu pai morreu.

Custódio deprimido — Eu queria entender a morte?

Ba — Se você que estudou para salvar vidas não encontra a resposta, eu que vou saber? Bom, dizem que a resposta está na palavra de Deus. Na bíblia.

Custódio — Não li completa. E sei, cada um entende de uma maneira, e não concordei com algumas partes. Não aceito ser a morte o fim de todos os sofrimento, onde o espírito adormece esperando o julgamento final, se a dor continua dentro daqueles que ficam.

Ba — Eu acredito que ninguém recebe uma cruz maior que não consegue carregar.

Custódio — Minha cruz está ficando pesada, cada dia que passa, Ba. Essa é a verdade!

Ba — Quando você perdeu seu pai, queria morrer ou ele de volta. Deus colocou pessoas boas no seu caminho, onde conseguiu superar a sua dor. Com a morte da sua mulher não vai ser diferente. Outra vai aparecer na sua vida.

Custódio lembra o momento em que esteve com Raquel. Os dois se amando apaixonadamente e depois, ele louco da vida, pedindo que ela desapareça da sua vida. — Eu a perdi, talvez para sempre!

Ba, pensa ele falar de Giza. — A morte é para sempre. Sua esposa não vai volta.

Custodio — A morte dela e do meu irmão foram erros que cometi. O remorso que sinto, vou levar como castigo o resto da minha vida. — levanta — Estou indo para casa.

Ba — Seu jantar, você não mexeu no prato.

Custódio — Perdi a fome.

Ba — Come pelo menos a sobremesa, vou buscar.

Custodio — Não precisa! Desculpe pelo trabalho. Voltamos nos ver amanhã.

Na rua, ele caminha vagarosamente, abrindo a porta que se dá de frente a foto do pai, e tem a impressão de vê-lo o reprimir novamente: — Olha o que você fez?

Custódio aperta os olhos, suspira profundo, volta olhar ao redor, abre a porta e sai novamente na rua.

Estela, no único cômodo onde mora, com as costas apoiada na cabeceira da cama, fixa ao endereço de Raquel, lembra o momento em que vê Custódio conversando com Beto, na sala da casa, e depois, ela passando rápido pela passagem secreta, e entrando no quarto de Raquel, encontra-a, dormindo. — Raquel, acorda, levanta.

Raquel assustada — O que foi, Estela?

Estela — Psiu! Não faça barulho. O doutor está lá em baixo. Ele veio à sua procura, e pelo que entendi o Beto disse que você não está aqui. Que foi embora. Então, decida agora minha amiga, o que deseja. Correr para os braços do homem que lhe quer, ou, continuar dentro dessa casa para sempre.

Raquel não se manifesta. Estela pega-a pelos braços. – Não fique aí parada pensando, Raquel, você não tem tempo! Vá agora, ou, perde para sempre a chance que está recebendo. Se o doutor veio aqui é porque ele realmente quer você.

Raquel fica de pé – Preciso me arrumar! Estava dormindo!

Estela impedi: — Não, Raquel! Não dá tempo! Vá como está, assim ele vai saber como você vai acordar ao lado dele, todas as vezes que dormirem juntos. E não fala o meu nome. O Beto não pode saber que te avisei, ele não sabe que estou aqui.

Raquel — Por onde você passou?

Estela — Não tenho tempo de explicar. Vou sair por onde entrei, e você desce a escada. Faça o que pedir seu coração, sem medo de se ariscar nesse amor. Não tenha medo de se jogar nos barcos dele e ser feliz, minha amiga. Agora vamos.

Ela ainda faz sinal positivo, antes de Raquel descer a escada, e escondida, pode ver a alegria do casal se encontrando na sala.

Estela — Eu uni os dois e depois separei.

E sentindo agonia fica de pé. — Não vou conseguir dormir.

Lava o rosto, troca de roupa e sai na rua, andando em meio a escuridão.

Custódio chega no hospital. Doutor Pedro fica surpreso — O está fazendo aqui? Deu formigas na sua casa?

Custódio — Aquilo lá está tão vazio que preferi vir procurar alguma para fazer. Pelo menos aqui tenho com quem conversar. — vê Estela chegar. — O que está fazendo aqui a essa hora Estela?

Estela — Não imaginei que doutor estivesse aqui! E como eu não conseguia dormir, resolvi ver com o doutor Pedro se tem alguma coisa para fazer. Pelo menos aqui sempre tem alguém para conversar.

Dr Pedro, rindo — Vocês dois combinaram?

Estela — Combinaram o quê?

Dr Pedro — Esquece o que falei, Estela! — tira o avental. — Na minha casa tem pessoas que vão adorar a minha companhia essa hora da noite. Bom serviço aos dois.

Estela — Não entendi porque o que doutor Pedro saiu rindo?

Custódio, tenso balança a cabeça negando, enquanto pega os formulários, deixado na mesa pelo outro médico. — Vamos ver o que temos, a noite ainda é uma criança.

De manhã, doutor Pedro retorna.

Custódio decidi: — Vou descansar aqui no hospital, se precisarem de mim, pode chamar. — e sai passando por Estela, que fica parada, pensativa.

Dr Pedro, ainda grilado com a coincidência, pergunta em meio a risos. — E você, Estela, vai descansar no hospital também?

Estela — Vou para o meu quartinho.

No corredor, ela para, pensativa. Tira o papel, anotado o endereço de Raquel, do bolso do jaleco e decidida segue o corredor. Se aproxima de Custódio, em um quarto, já se preparando para dormir.

Estela – Doutor, podemos conversar, só mais um minuto?

Custódio — Espero não estar pensando em dormir comigo.

Estela ri — Claro que não! Estou querendo fazer uma viagem. O doutor me libera por alguns dias?

Custódio — Onde vai? Desculpa, não é da minha conta. Pode ir onde quiser, sem pressa de voltar.

Estela — Não vou demorar! Obrigada! Com licença – Volta — Não vai me desejar boa viagem?

Custódio sorri — Promete que não demora mesmo?

Estela — Quinze dias é o suficiente para ir e voltar.

Custódio — Boa viagem.

Estela agradece e deixa o hospital.

Custódio, se sentindo cansado logo adormece. Em sonho, se vê, com setenta anos, caminhando na areia da praia. Ele vê um homem com vestes brancas surgindo do nada.

Ezequiel lhe toca nos ombros, com as pontas dos dedos e desaparecesse. Muito assustado, Custódio gira o corpo para trás, com dores no peito, cai de joelhos no chão. Entra em desespero. (Com medo da morte)

Custódio implora — Meu Deus! Meu Deus! Deixe eu chegar vivo em casa? Não posso morrer sem antes falar com a minha mulher. Não quero ser jogado no fogo do inferno, pelo que já fiz em minha vida!

Tenta ficar de pé, mais a dor no peito não o deixa se levantar, e implora novamente. — Não me leve, pai, sem antes eu confessar os meus pecados.

Ezequiel surgi novamente e toca no mesmo ombro. Dessa vez, Custódio não o vê, apenas sente o toque e consegue ficar de pé.

Custodio — Obrigado, meu Deus. Obrigado, por aliviar a minha dor. Quero morrer em paz. Dê-me essa chance.

Com as pernas bambas, caminha, quando chega em outro lugar, avista um grupo de crianças brincando. Caí novamente sem conseguir firmeza. Um dos garotos o reconhece, e sai em disparada dizendo: — Vou chamar a mulher dele.
Custódio, quase sem conseguir manter os olhos abertos, e com dificuldades para respirar, se alegra com Estela chegando. Dois mulatos(escravos) chega com ela, pega-o e levam embora.

Ao ser colocado na cama, ele segura a mulher — Não posso morrer, sem antes lhe confessar a verdade. Lhe dizer o que fiz com a minha primeira mulher. Deixe Raquel, levar a culpa de não me dar um filho, e me casei com você, para tirar essa dúvida minha.

Ester — Não precisa me dizer nada. Pelo menos a mim você nunca me pediu um filho.

Custódio — Eu tinha medo de admitir o meu erro, diante de Raquel, que nunca soube da verdade. Uma verdade, que você também não sabia. E preciso…

Ester — Não precisa confessar nada. Guarde o seu tempo. Pense numa única coisa, que Raquel possa perdoá-lo, quando se encontrarem novamente. Quando a mim, não tenho mágoas em meu coração.

Custódio — Não sei se mereço o perdão de Raquel. Não sei se terei coragem de olhar ela nos olhos, e pedir perdão.

Ester sorri: — Quem sabe, você não precisa pedir a ela que lhe perdoe. Quem garante que Raquel não está ouvindo a sua suplica e o espere de braços abertos.

Custódio — Não sei se terei coragem de olhar ela nos olhos, e pedir perdão.

Estela — Arrependido, possa reconhecer os seus erros diante dela.

Custódio se alegra — Deus permitiu que eu chegasse vivo aqui, como pedi a ele, que não me levasse, sem antes falar com você, irá permitir que eu encontre Raquel. Desejo reencontrá-la, mesmo não recebendo dela o amor que desejei.

Uma enfermeira derruba francos de vidros no chão.

Custódio acorda, olhando ao redor: — Estela?

Enfermeira — Estela foi viajar, doutor.

Custódio — Pensei que ela já tinha voltado.

Estela chega no sitio. Desce da charrete e vendo um senhor selar um cavalo. — Bom dia?

Senhor — Em que posso ajudar, moça.

Estela — Meu nome é Estela. Estou procurando Raquel. O endereço que tenho foi indicado aqui.

Senhor — Dona Raquel se mudou faz uma semana. Comprei a propriedade.

Estela — O senhor sabe onde ela se mudou? Ela deixou um endereço?

Senhor — Não senhora. O que sei é que ela comprou o sítio para o pai, que tinha o sonho de ter umas terrinhas para plantar, mas desfrutou muito pouco. Assim que o pai morreu, ela vendeu o sitio e foi embora daqui com a mãe. Onde as duas foram não tenho a menor ideia.

Estela agradece, e monta na charrete.

Na casa de Dudu. Ele termina de colocar o pijama e deita ao lado da esposa.

Francine, com a costa apoiada na cabeceira, acaricia a barriga, enquanto fala. — Dudu, estou com tanta vontade de comer pudim de leite feito pela sua mãe. Ela faz um pudim que é uma delícia.

Dudu — Por que não foi falar com ela, durante o dia? Com certeza, não iria lhe negar.

Francine — Fiquei com vergonha.

Dudu — Vergonha da minha mãe? Dona Noemi é mais doce que mel. Não precisa ter receios em falar com ela.

Francine encolhe as sobrancelhas, sem nada dizer.

Dudu — Amanhã, na fábrica, falo com o meu pai. Na hora do almoço ele avisa minha mãe, e á noite levo você lá para comer o pudim. Está bom assim?

Francine, ainda com a mão na barriga. — Acho que nosso filho aguenta até amanhã à noite!

Dudu surpreso. — Filho? Tem certeza!

Francine — Esperei ter a certeza antes de falar.

Dudu — Tem leite em casa? Não é tão tarde, talvez, minha mãe ainda esteja acordada. Vai que o nosso filho resolve nascer essa noite e eu não quero que ele nasça com cara de pudim de leite. — Os dois riem.

Noemi, servindo pudim de leite para Afonso e Custódio. — Tainá quase comeu todo o pudim. Sobrou um pedaço que dividi com os dois. Não deu tempo de preparar outra sobremesa.

Naquele instante, os três olham a porta se abrindo. Dudu entra com a esposa. Noemi fala com os dois. — Oi, filho? Como vai, Francine?

Dudu para Custódio. — Oi, mano? Não imaginei que estava aqui?

Custódio – Vim jantar com os dois. Acabamos agora.

Dudu estende para a mãe o latãozinho.

Noemi olha dentro. — Leite! Temos bastante leite em casa, porque trouxe?

Dudu alegre. — Eu trouxe por precaução! Sua nora está com vontade de comer pudim de leite. Achei melhor não esperar até amanhã.

Noemi, Custódio e Afonso riem. Os dois colocam os pratos com a sobremesa em direção a Francine, de pé ao lado da mesa.

Dudu fica sério — Você já tinha falado com eles?

Francine — Não!

Noemi — Sua irmã Tainá esteve aqui hoje á tarde. Ela também estava com vontade de comer pudim feito por mim. Ela também está grávida. Parabéns, filho, e você também Francine os meus parabéns. Vou ser avô em dose dupla.

Afonso aponta os pratos — Sua cunhada deixou só um pedaço. Vai ver já era pra você. Vai comendo, enquanto a sua sogra faz outro.

Francine pega um dos pratinhos, e já comendo. — Não precisa, esse pedaço está bom.

Custódio — Melhor comer os dois pedaços. Por precaução. Vai que tem dois e eu não quero um sobrinho com cara de pudim de leite. – todos riem. Custódio completa – Espero que esse meu sobrinho ou sobrinha, não resolve nascer na mesma hora que o bebê da minha irmã. Vocês duas se casaram no mesmo dia, e só faltava os bebês nascerem na mesma hora, vai ser um problemão pra mim. Vou ter que escolher qual das duas fazer o parto. – todos riem novamente.

Dudu para a esposa – Eu também quero um pedacinho, está com cara de delicia. – ela coloca na boca dele.

Afonso — Cria vergonha, rapaz? Deixa o pudim para o teu filho, ele que está com vontade.

Dudu saboreia o doce. — Meu filho já tem bom gosto. Vai puxar pro pai.

Custódio abaixa os olhos, muito aborrecido.

Afonso percebe — A vida é surpreendente, ela nos dá tristeza, mas também nos dá alegria. – e se refere ao filho Dudu – Estou muito feliz com você filho.

Custódio esforça a sorrir. Fica de pé. — Parabéns, meu irmão. Eu também estou feliz. Você merece toda a felicidade que a vida possa lhe oferecer. – os dois se abraçam.

Noemi — Enquanto vocês conversam, vou fazer outro pudim.

Custódio — Estou de saída. Obrigado pelo jantar. — Se despede e vai embora.

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