No casarão. Glória abraça Clara – Eu não esperava que viesse, filha.

Glória – Precisava vir! Precisava saber como à senhora está. – vê

Eduardo que parecia em transe, olhando as duas abraçadas, vai até ele, abraçando-o também – Como está, vovô?
Eduardo suspira fundo e a voz está mais rouca – Mais velho a cada dia que passa. — sorri — Ainda quero viver até ver um bisneto meu, vindo de você. – estende a mão a Caio. – Estou feliz em revê-lo novamente, soldado. Naquele dia, depois que saíram, lembrei que deveria ter-lhe entregue algo importante. Ainda bem que voltou. Faço questão de entregar pessoalmente nas suas mãos. – Com dificuldades, passos lentos, pernas cansadas, vai ao baú, no canto da sala, e pega alguns papéis.

Clara fala com a filha – Vamos deixar eles conversarem a sós. Sua avó vai adorar saber que está aqui. Ela está no quarto. Não anda bem de saúde, está de repouso. – As duas saem. Eduardo entrega os papéis para o rapaz que lê, com os olhos, sem pressa.

Eduardo – É a escrituras desta fazenda, e agora pertence a você. Seu bisavô José Carlos fez um testamento, passando a fazenda para o nome do filho, tornando Neto único herdeiro das terras. Encontrei a escritura depois que José Carlos morreu. Procurei Neto, na época, e ele estava em combate, fora do Rio de Janeiro. Deixei recado, ele nunca apareceu. Anos depois voltei a procurá-lo. Fiquei sabendo que ele tinha falecido, e não tinha deixado herdeiros. Como você apareceu, e é mesmo neto dele, sua família é herdeiro do que seria do seu avô. Após minha morte, não sei como tudo ficaria. Minhas filhas não pretendem continuar aqui. Minha filha Noemi, como você já sabe, tem uma vida feliz e bem-sucedida com o esposo, na Capital, e não pensam em trocar aquela vida por outra. Minha filha Clara, eu não gostaria que ela ficasse aqui sozinha, depois que eu e Francisca partir. Queria que você e minha neta cuidassem de Clara por nós.

Caio – Não se preocupe quanto a isso. Minha sogra será bem-vinda, junto de nós.

Eduardo – Quanto à está fazenda, mantive os impostos em dia, e tudo que existe aqui. Fiz isso em nome de Glorinha.

Caio – Quando, o pai dela fez o testamento?

Eduardo – Assim que perdoei uma dívida dele. Fiz isso em troca de Glorinha se casar comigo.

Caio – Estou surpreso em saber que meu bisavô trocou a filha por dinheiro.

Eduardo — Não diga o que não sabe, rapaz. Meu casamento com Glorinha foi surpresa inclusive para ele; uma decisão dela, quando soube que o pai tinha perdido as terras para mim. Aceitou se casar comigo de caso pensado, tanto que fiquei louco de raiva, quando descobri. Pensei que José Carlos estava de conluio com ela, mas comprovei, depois, que era armação dela para continuar morando aqui até que o soldado voltasse para buscá-la. Você já sabe o que veio a acontecer depois.

Caio — Conheço parte da história por meu pai. Quando estive aqui, o senhor me disse que José Carlos seria capaz de deixar os filhos viverem juntos, como marido e mulher, se assim Neto e Glorinha preferissem.

Eduardo — Exato.

Caio — Posso imaginar o que teria acontecido depois.

Eduardo — Como assim?

Caio — Se tudo é verdade ou obra do acaso, não sei. Perdi um primo chamado José Carlos. Era de pouca prosa. Sempre sozinho, quase não se relacionava com ninguém. Minha tia, muitas vezes, dizia não entender o comportamento dele, diferente do dos irmãos. Foi surpresa para todos quando ele resolveu seguir carreira no Exército. Meus tios pressentiram que poderia acontecer algo ruim, como, de fato, aconteceu. Resumindo: meu primo se matou depois do meu casamento. Deixou um bilhete dizendo que preferia viver no inferno, pagando seus pecados, a imaginar Glória dormindo em meus braços. Será que não teria acontecido o mesmo com meu bisavô? A morte dele teria sido em vão. Os filhos não ficariam juntos, como marido e mulher, ao descobrirem, através do testamento, que eram irmãos. Eu, no lugar do meu avô, enlouqueceria se descobrisse que dormia com minha meia-irmã. Pior ainda se ela esperasse um filho meu.

Eduardo — Isso não tinha como acontecer. Eu não permitiria que ficassem juntos antes do meu herdeiro nascer. Fiz um acordo com Glorinha de que me daria um filho em troca da liberdade para ficar com o soldado. Confesso que foi armação minha. Meu objetivo era prendê-la a mim, através dele. Queria acreditar que não abriria mão dele para viver com outro homem. Isso seria decisão apenas dela. E sei que Deus estava do meu lado. Dias antes de acontecer o pior, Glorinha me pediu que deixasse a criança sua companhia; estava se apegando a ela, de quem não queria se separar. Como eu não estava disposto a ceder, quem sabe não daria tempo de ser descoberta a verdade?

Caio — Fico feliz e aliviado ouvindo isso. Mas há outra dúvida que está mexendo comigo: será que Neto teria voltado para a moça que amava se tudo fosse esclarecido sem que Glorinha morresse? Tenho medo de pensar na resposta.

Eduardo — Você está querendo dizer que é apaixonado por outra e não ama a minha neta? Foi isso que entendi.
Glória, que chegava com a mãe à sala, volta alguns passos, para não alertá-los, querendo ouvir a resposta do marido.

Caio — Gosto da sua neta. Tenho grande carinho por ela. Quanto à outra, é difícil imaginar que estamos de volta a esta terra para resgatar algo do passado, como o senhor acredita. Se for, não será fácil. Estou passando por uma grande provação. Pelo que sei, minha avó e Glorinha não se conheciam. Porém Dalva e Glória são amigas desde a infância. Todas as vezes que penso nisso sinto uma sensação estranha. É muito forte o que sinto. Entre mim e Glória falta alguma coisa. Não imagino o que seja. Talvez uma paixão e não aquele amor que vem da alma. Não sei se entende o que digo.

Gloria se afasta, sem querer continuar ouvindo a conversa. Clara a segue.

Eduardo — Sim, entendo perfeitamente, pois amei outra mulher. O que sentia era muito forte. Quando ela se foi, perdi uma parte de mim que continua vazio. Mas também tive momentos bons ao lado de Francisca, por quem tenho grande carinho, uma paixão como a que você disse sentir por minha neta. Nunca consegui amar Francisca como amei Glorinha. Por ela sim, eu sentia profundo desejo, aquele que nos faz enlouquecer e pelo qual cometemos loucuras. Tanto assim que me tornei inimigo do meu próprio pai desde o dia em que vi Glorinha pela primeira vez. — Sentou-se no divã e prosseguiu: ─ Naquela época, ele acabou me aprontando uma que não gosto de lembrar. Até aquele momento meu pai era, para mim, um homem perfeito, admirado por ser forte; determinado em tudo o que fazia. Alguns dias depois que meu pai aprontou comigo, José Carlos foi procurá-lo. Soube que tinha uma casa para vender. Meu pai pediu bom preço por ela. José Carlos não questionou, pois ficava ao lado da casa da irmã de Júlia; esposa do coronel. Assim Carolina podia ajudar a cuidar de Glorinha, que chorava o tempo todo. Ela não queria morar na Capital; desejava voltar para a fazenda. E, acabei impedindo que José Carlos fizesse o negócio. Na verdade, eu o alertei do risco que estava correndo, caso, ficasse morando na capital.

Eduardo rebusca as lembranças do passado. Carregando uma pasta de couro, ele Chega à porta de uma mansão. Quando ameaça bater o sino, vê Glorinha no jardim, cabisbaixa, sentada em um balanço. Vai até ela e puxa conversa, perguntando por José Carlos. Glorinha não se manifesta. Suas lágrimas pingam, olhos fixos no chão. Vendo que ela não reage, tocou-lhe o rosto para que o olhe: — Alguém bateu em você?

Glorinha corre rumo ao portão. Eduardo consegue alcançá-la na rua. Júlia, que chega apressada, briga com a filha: — Eu lhe pedi que me ficasse no balanço, enquanto fui buscar água?

Eduardo — A culpa foi minha, madame. Falei com ela no jardim. Vim trazer o contrato de compra da casa para seu esposo assinar.

Júlia — Ela tem de aprender a me obedecer. Não importa com quem fale. — E sacudiu a menina: — Será que pretende me enlouquecer e a seu pai com sua teimosia?

Glorinha, chora — Quero voltar para casa, mamãe. Não quero ficar aqui. Eu quero ir embora.

Julia — Viu como a culpa não é sua, garoto? — procura ser gentil com

Eduardo, enquanto voltam para casa conversando. Ela leva a filha para o quarto, enquanto Eduardo é recebido pelo coronel. Ficam a sós na sala.

Eduardo — O senhor deve gostar muito da vossa filha. Sua esposa me disse que também na fazenda ela fugia e que, por essa, razão, o senhor decidiu morar na Capital — sorriu. — Meu pai jamais faria isso por mim.

J. Carlos — Seu pai me falou bem a seu respeito, outro dia, quando conversamos. Disse do orgulho que lhe tem e que você está seguindo bem os passos dele.

Eduardo coloca a mão sobre papéis, evitando que José Carlos os assinasse: — Nem tudo que diz meu pai merece crédito.

José Carlos franze o cenho, sem entender o gesto do garoto.

Eduardo insiste — É verdade mesmo que o senhor deixou a fazenda. Tudo que construiu lá, para vir morar na Capital só por causa da vossa filha?

J. Carlos — Glorinha é tudo que tenho de maior valor. Desejo o melhor a ela em primeiro lugar. Eu a amo mais que tudo.

Eduardo fixa os olhos nos dele, sem mover a mão de cima dos documentos. — Um dia, ela terá muito orgulho do pai. Infelizmente, eu não posso dizer isso do meu, mesmo sabendo que muitos têm admiração e respeito por ele. — Estica os lábios: — As recomendações são tantas que ninguém duvida da honestidade do meu pai. Até um mês atrás ele era quem eu mais admirava.

J. Carlos — Por que está me dizendo isso?

Eduardo — Meu pai jamais poderá imaginar, o que vou lhe dizer. Estou fazendo isso pelo amor que o senhor diz sentir pela sua filha. E tem um bom motivo para desistir da compra desta casa. É só dizer que resolveu voltar para a fazenda. — Tira do meio dos papéis, um em branco: — De vez enquanto é colocado uma folha, como está, no meio das demais. A pessoa a assina sem perceber, sem nada conferir, porque está preocupada demais à vida e não só com os bens materiais. Meu pai percebeu que o senhor seria uma presa fácil por não questionar o valor do imóvel, que teria sido vendido a outro pela metade do preço.

J. Carlos — Seu pai foi quem lhe disse isso?

Eduardo — Ele e as pessoas que vieram lhe dar as boas recomendações do senhor Roberto Lacerda. São amigos e sócios, que praticam esse tipo de golpe. Onde os herdeiros acabam na miséria com a morte dos responsáveis, que acontece de uma hora para outra, sem que ninguém entende o motivo.

Olha para Caio, que perplexo ouvia o relato — Não preciso lhe dizer quem era o mandante das mortes. E, as filhas, muitas delas ainda meninas inocentes, eram levadas a um certo lugar, onde não tinha mais nada a perder, não ser a existência, sujeitando a qualquer tipo de homem para continuar vivendo. — Suspira fundo e continua: — Naquele mesmo dia José Carlos levou Glorinha para o internato e voltou com a esposa para a fazenda. Doze anos depois, ele voltou a me procurar. Precisava de ajuda para refazer o canavial. Por azar, um raio queimou toda a plantação. Eu tinha, em mãos, a quantia necessária de que ele precisava. Cheguei a vir aqui para ver o estrago. Na verdade, eu queria rever Glorinha. Eu sempre me lembrava da garotinha chorona querendo voltar para a fazenda. E o destino nos colocou frente a frente outra vez. José Carlos não conseguiu devolver o empréstimo na data combinada e as terras entraram como garantia. — Mirou Caio, antes de continuar: — Vou lhe dizer algo que nunca contei a ninguém. Perdoei a dívida de José Carlos não por Glorinha se casar comigo, como deixei que todos pensassem. Fiz por mim e pela minha mãe. Na época, eu ainda continuava magoado com o meu papai. Não conseguia esquecer o que fez comigo. Quanto mais eu crescia, mais me lembrava. Quando completei 13 anos, ele me levou a uma das casas que possuía. Disse que eu tinha idade para saber de tudo. Escolheu uma das meninas quase da minha idade, e acabamos nos entendendo. Dias depois, ao fazer um serviço na rua, resolvi fazer uma surpresa. Entrei pela porta dos fundos para que ninguém me visse lá àquela hora do dia. Meu pai estava na cama com a garota. Ele havia me dito que ela seria minha, exclusiva, para quando eu quisesse, e que outro homem não a teria como mulher. Não sei explicar o que senti. Foi uma sensação horrível. A partir daí comecei conhecer quem ele era: um homem que não tinha amor por ninguém. Quando descobri que fui enganado pela mulher que amava, aquela por quem enfrentei meu pai tantas vezes, ainda mais quando impedi José Carlos de assinar aqueles documentos, salvando-o e também sua esposa e Glorinha de cair nas garras dele, comecei a pensar igual: que meu pai estava certo em tudo que fazia. E decidi matar Neto no meio do caminho, antes de chegar aqui. Fui ao Rio de Janeiro esperá-lo. Eu tinha amigos, na milícia, que me mantinham informado do andamento da guerra. Alguns chegaram a me pedir uma boa quantia para acabar com ele no meio da guerra. Ninguém suspeitaria de ter sido assassinato. Mas eu quis conhecê-lo. Estava determinado eliminá-lo com minhas próprias mãos. E Neto não veio com os demais, e como não tinha dia marcado para ele voltar porque estava ferido, parei para pensar melhor. Desisti. Que culpa tinha ele do meu sofrimento? De minha vida ser tão errada? E depois da morte de Glorinha descobri que meu pai tinha tomado providências para acabar com o meu casamento, por não se conformar com a escolha que fiz. Tinha esperança de que eu me casasse com a filha de um sócio para manter os negócios em família. Havia capangas dele, por todos os lados, esperando a hora certa para aniquilar os que estavam aqui na fazenda. Esperavam meu filho nascer. Meu pai não queria carregar, nas costas, a culpa da morte do neto, sobretudo se fosse um menino. Por isso, festejou a morte do meu filho, dizendo ser eu um fracassado em todas as escolhas que fazia. Por amor e ciúmes, fui capaz de matar alguém inocente, sangue do meu sangue. Seu desejo era que eu admitisse ser pior que ele. Alegava que não me queria mal. Dizia ser um homem bom, incapaz de prejudicar a família. Eu estava certo de que isso era falso. Ele desconhecia o amor. Tudo para ele se resumia numa única palavra: poder. A fim de conseguir seu intento, era capaz de ferir os sentimentos dos que o amavam. Casou-se com minha mãe apenas por ser filha de milionário. Falsificou documentos que meu avô assinou sem saber do que se tratava e foi encontrado morto alguns dias depois. Meus tios perderam o direito na fortuna que lhes pertencia. Quando minha mãe descobriu, nada pôde fazer pelos irmãos, que passaram viver na miséria. Foi espancada, quando tentou ajudá-los, e não encontrou outra saída a não ser aceitar as determinações que lhe foi colocada para não ficar sem mim, que, na época, tinha dois anos de idade.

Caio – Posso imaginar a decepção que sentiu ao constatar tantas coisas ruins feitas por quem o senhor antes admirava tanto.

Eduardo fez pequena pausa, olhar longe, continua: ─ Mesmo assim, conhecendo todos os defeitos dele, eu procurava ser um bom filho. Quanto a mim, ele foi contra minha união com Glorinha. Chegou a me dizer que era bobagem um homem se casar por amor. Meu casamento com ela não me daria lucros, porque a fazenda já me pertencia. Esse foi o motivo maior que me levou a perdoar a dívida de José Carlos para comigo. Eu queria mostrar a meu pai que o amor, ainda mais entre familiares, deve estar acima do poder e da fortuna. Quando ele soube que tinha uma neta branca, filha de uma escrava, não a aceitou. Quis vendê-la, por valer muito dinheiro. Como não aceitei, desapareceu. Manteve minha mãe em cativeiro, por mais de vinte anos, para que não entrasse em contato comigo. Ela conseguiu voltar depois que ele se foi, dormindo, como um passarinho. — Solta um suspiro de tristeza: — Meu pai morreu no dia em que meu neto, Zequinha, nasceu. Um menino que sempre foi rejeitado pelo pai e dói-me pensar que… Não. Prefiro nem dizer o que acredito, em relação a você e minha neta. Porque eu também já cometi muitos erros, principalmente em relação à minha filha. Clara não precisava existir. Mas existe porque busquei, em outra mulher, o amor que Glorinha me negava. Por causa da ignorância do meu pai, sou culpado pelo sofrimento maior que Clara, o esposo e o filho sofreram, e, para redimir o meu erro com eles, não me importo de voltar a nascer através de Roberto Lacerda, quando eu partir deste mundo para outro. Creio que um filho deve amar aquele que o gerou, sem se importar com o que ele é. O pai dá ao filho a oportunidade de viver, e isso não tem preço. Não há tesouro maior que ela, e agradeço a ele pela que me deu, mesmo tendo sido tão atropelada. Não acredito que ele era o que era apenas porque queria ser. Tudo tem uma explicação. Podemos não encontrar a resposta enquanto vivemos. Mas, do outro lado, Deus, com certeza, a tem para tudo e para todos.

Ezequiel, ao surgir na sala, fica comovido com as palavras de Eduardo. Caio também — Com certeza, o senhor irá encontrar a resposta do outro lado. Pelos relatos que ouvi, vejo que tem um coração puro, capaz de amar, perdoar, recomeçar tudo sem medo de novos obstáculos.

Eduardo, com emoção — E que meu pai não fique contra eu me apaixonar, mais uma vez, por aquela que não teve culpa de não me amar. Quero ainda viver com Glorinha, em algum lugar, um grande amor. Esse é o desejo que ainda carrego. Ela ser minha Alma Gêmea, e compartilhar o amor que ainda carrego em meu coração.

Na cozinha, Glória pega a mão da mãe, que está cabisbaixa, pensativa: — O que fizemos de errado, mamãe, para que nascêssemos para a infelicidade? — sorri para dissimular a tristeza. — Pelo menos a senhora teve mais sorte que eu. Depois de casada viveu feliz alguns anos ao lado de papai. Ele a amava muito. Sabemos que ele só teve a senhora como mulher. Morreu provando isso.

Clara — Você parece que não ficou surpresa ao ouvir seu marido dizer que ama sua melhor amiga e que tem por você apenas paixão.

Glória — Estaria me descabelando se não soubesse. E, depois, não quero me comparar a outra pessoa do passado. Loucura meu avô acreditar que sou Glorinha. Não consigo me ver como parte daquela que morreu sem dar a ele uma oportunidade. É uma história absurda. Meu avô acredita, pela idade que já tem. Mas sei que minha vida está repleta de erros. Não é como a desejei. E não culpo Dalva nem Caio. A única coisa que desejo, neste momento, é ficar aqui, perto da senhora e do vovô, nesta casa. — Olha ao redor: — Gosto deste lugar. É como se esta casa falasse tudo sobre mim, o que não sei o que é.

Clara – Quem sabe seu avô está certo, e Glorinha seja quem ele realmente pensa quem é.

Glória olha seriamente a mãe. Se encolhe sentindo arrepios.

Clara – O que foi?

Glória – Senti uma sensação ruim, pelo corpo, ouvindo à senhora falar assim.

Clara palmeia a mão da filha, esboça um largo sorriso, querendo confortá-la. – Uma coisa é certa. Se não fosse por Glorinha eu não seria filha de quem sou. Acredito que seu avô não procuraria em Francisca o amor que desejava com a esposa.

Glória abre a boca para dizer algo, vê Caio e Eduardo chegar.

Caio fala com ela – Estou voltando para o Rio de Janeiro. Volto para buscá-la daqui alguns dias.

Glória – Vou ficar aqui esperando. – Os dois entreolham tensos.

Caio segura ela – Não, Glória, não vou deixá-la aqui. Melhor voltar comigo. Bom, ficarei com você aqui, alguns dias, depois voltamos juntos para casa.

Glória – Não! Prefiro que volte sozinho para o Rio, e não se preocupe comigo. Ficarei bem. Não vou cair da escada e morrer, como Glorinha. Nós dois não somos irmãos e o nosso amor não é pecado. Existe uma Dalva no nosso caminho e você precisa descobrir se é ela, ou comigo que deseja ficar. Caso, seja ela, prometo entender e o deixarei livre para ser feliz. Não precisa voltar aqui, se não quiser, nunca mais. Viva a sua vida com ela, sem mágoas entre nós dois. – Vira para o avô – Posso morar aqui, vovô, com vocês, talvez, para sempre?

Eduardo – Esta fazenda nunca foi minha, e acredito que o novo dono não vai se importar que você fique morando aqui, o tempo necessário. E desculpe lhe dizer, soldado, já que minha neta sabe a respeito da outra. Ela está tomando a decisão correta. Um homem não pode viver dividido entre duas mulheres. Ou ele vive um amor verdadeiro, ou se torne livre para encontrar o amor que possa lhe fazer feliz de verdade.

Glória e Caio entreolham calados. Ele faz um gesto positivo com a cabeça, olha Clara, Eduardo e depois novamente Glória, e sai levando com ele os documentos. Clara e Eduardo também se olham, em silêncio. Glória vai na sala e pela janela vê Caio sair de charrete, em companhia do cocheiro. Senta na diva, leva a mão no peito, e chora sentindo forte dor.

A noite caí, no outro dia, Clara se aproxima da filha, dormindo na diva, na sala. – Precisa levantar e comer alguma coisa, filha.

Gloria, sem se mover – Deixe-me aqui, mamãe. Não tenho fome.

Clara, preocupada – Por que está fazendo isso com você mesma?

Gloria, olhos encharcados – Dalva acusou-me ter roubado Caio dela. Não quero continuar pensando nisso, mamãe. Quero acreditar que fiz a escolha certa, devolvendo-o a ela. Não quero atrapalhar a vida dos dois, como vovó atrapalhou.

Clara – Não diga bobagem. Glorinha não era sua avó. Já sabemos disso. Vamos acreditar que tudo estava predeterminado. Assim, será mais fácil de superar sua dor.

Glória – A senhora estava certa, quando não me desejou felicidades, no dia em que me casei, como vovô também não lhe desejou, no dia do seu. — Abraçou-a pelo pescoço — O que temos em comum, mamãe? Por que nascemos para o sofrimento? O que mais irá acontecer em nossas vidas? O que temos que viver ainda para encontrarmos a felicidade?

Clara – Quem sabe, juntas, descobriremos onde está nossos erros.

Glória ainda chora – Não sei se vou suportar mais essa dor, mamãe. Não sou tão forte assim.

Clara — Tudo vai acabar bem, meu amor. Vamos crer que sim. Oremos a Deus para que nos envie forças o bastante para superarmos todas as amarguras. Vamos vencer. — E juntas se colocam em oração.

Eduardo, de pé, entre a soleira, observa as duas. Arrasado, se afasta em passos curtos, com a bengala. Passa ao lado de Ezequiel, também atento as duas. Faz um gesto positivo com a cabeça e desaparece, reaparecendo no galpão, ao lado da alma de J. Carlos encolhida no assoalho. Chamou-o: ─ José Carlos.

J. Carlos — Deixe-me em paz, sozinho.

Ezequiel — Não pode continuar aqui. O que fez estava previsto: quando visse Neto e Glorinha juntos, vivendo como cônjuges, se suicidaria. Lembra que decidiu que a vida uniria ou separaria seus filhos, porque você não tinha coragem de separá-los? Sabemos que também desejou a morte de Neto para que Deus poupasse seu filho de idêntico sofrimento que carregava no peito, ou seja, da dor de perder alguém que amava. Tudo foi providenciado, desde o início, para poupá-los de um desgosto maior. Mesmo sem concordarmos com o que acontecia, levamos Eduardo para junto do corpo daquela que deveria ser a outra metade dele. Agimos com Dalva e Neto de forma semelhante. Aproveitamos os momentos de conflito que todos viviam para uni-los. O objetivo seria que Neto voltasse para Dalva quando encontrasse Glorinha casada. O bebê que ela esperava de Eduardo era a esperança de Helena, se recuperar do trauma que vivera quando você exigiu que lhe entregasse o filho. Helena jurou, em nome de Deus, ficar junto dele para sempre.
J. Carlos sem se mover — Helena! Então era ela que atormentava meus filhos?

Ezequiel — Ela se reencarnou, sem permissão, no corpo de sua filha. Queria corrigir os erros cometidos com você e o filho. O corpo que ela tomou para si tornou-se frágil, sem proteção celestial, e foi danificado com a queda que sofreu, sem que pudéssemos fazer nada para protegê-la. Eduardo suportou a dor de perdê-la, através de Clara, que já estava próximo a ele, em outro corpo. Clara nasceu com a missão de ajudar Helena a lhe devolver, com o tempo, o corpo que, por direito, lhe pertence. E com a decisão de restituir a Dalva o que Glorinha lhe tirou, seu espírito se sente frágil, sozinho, sem mais objetivos. A tristeza que sente poderá levá-la à morte, como fez você, cumprindo a promessa que fez aos filhos. A união de Glória e Caio reatou, na alma de todos, os erros do passado. O trauma vivido por Neto, sem a compreensão de Dalva, poderá prejudicá-lo outra vez, caso o pior acontecer a Glória. Para Helena, será mais fácil superar a dor da separação, com você fazendo parte dos fatos como filho. Helena ainda traz, no íntimo da alma, a promessa que você fez a ela de que estariam juntos para sempre. Lembra-se disso?
José Carlos abre os olhos. Ainda inerte, relembra do grande jardim universal.

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