A rotina da casa de Alice era diferente das de todos naquele bairro, e Az não demorou muito a descobrir isso.

Definitivamente nada acontecia naquela casa durante o dia, o que aumentava ainda mais a curiosidade de toda a vizinhança.

Ele passava horas observando o movimento em frente à casa, e durante meses essa também fora a atividade predileta de sua mãe, assim como a de vários vizinhos fofoqueiros.

As crianças paravam diante da porta e ficavam ali por horas esperando que algo acontecesse, mais nada acontecia, elas ficavam de cara colada na janela, tentando ver o que realmente tinha ali dentro, mais nada se via por causa dos vidros pretos.

A família Pacheco era o assunto do momento naquele bairro, as senhoras de conduta e moral respeitosa não perdiam tempo em comentar sobre como Eurídice e a filha andavam mal vestidas, os vestidos escandalosos que a mulher usava não condizia com a vestimenta de uma senhora de respeito.

Alice era vista como esquisita, usava em sua maioria roupas pretas, saias e jaquetas na maioria das vezes. E sobre a rotina duvidosa da casa, ninguém saia para apanhar o jornal, que era entregue todos os dias às sete da manhã. Nunca se via Alice ou a mãe do lado de fora, fazendo qualquer coisa que fosse, mas a casa era excepcionalmente limpa e bem cuidada. Não se viam empregados entrando ou saindo, e elas nunca faziam compras no supermercado, ou ligavam para lugar nenhum pedindo comida, ou qualquer tipo de entrega que fosse.

Nem Alice nem Eurídice nunca foram vistas conversando com ninguém, não recebiam visitas, não procuravam fazer amizade com o pessoal do bairro e muito menos faziam questão de ser convidadas para nada.

Parecia que a casa continuava sem ninguém.

 

***

 

Elizabeth tentou algumas vezes convidar Eurídice para o chá das 17 horas das senhoras, mas ela nunca aparecia e sempre arrumava uma desculpa para não comparecer as reuniões.

  Eu tenho que apresenta-la à sociedade. Disse Elizabeth uma vez. Você é uma simples desconhecida.

Alice precisa de cuidados. Ela respondia de imediato.

Fica para a próxima então. Confirmava Elizabeth.

Será um prazer. Ela retrucava em resposta.

E assim mais uma vez Eurídice fugia do povo daquela cidade esquisita.

Corriam boatos de que Alice sofria de uma grave doença degenerativa, e elas haviam se mudado para a cidade pela qualidade de vida que o lugar tinha a oferecer. O ar fresco e o contato com a natureza fariam bem a garota.

Az acabara levantando a hipótese mais aceitável no que dizia respeito à família Pacheco, mãe e filha sofriam de foto sensibilidade, e por esta razão elas só saiam durante à noite, e sua casa era toda protegida contra os raios solares.

Todas as noites que se seguiram depois da mudança tornaram-se iguais na residência da frente, sempre às 17h45, Alice se sentava no teto da varanda que ficava embaixo de sua janela e apenas admirava as cores do anoitecer, a cor alaranjada desaparecendo no céu, dando lugar ao roxo fúnebre e só depois o breu noturno tomava lentamente todo o espaço celeste.

Ela usava sempre o mesmo estilo de roupas, todas bem chamativas, saias cheias de babados e bicos esquisitos, botas cumpridas e meias, casaquinhos e vestidos pomposos como uma verdadeira boneca frágil de porcelana pronta para a brincadeira.

Exatamente às 18 horas ela ia para o parque florestal e ficava por lá cerca de meia hora, 40 minutos no máximo, quase sempre sozinha, o que facilitava o trabalho de espionagem que ele vinha fazendo todos os dias. Quando Eurídice raramente a acompanhava ele as perdia de vista com facilidade.

Assim como Alice, Eurídice só era vista à noite, sempre muito bem vestida e de salto, saia sempre depois das 22 horas e só voltava por volta das 04 da madrugada. O que certamente davam razões às suspeitas de Elizabeth e do marido.

Vira e meche Eurídice era o assunto preferido das beatas na hora do chá, isso porque era Elizabeth que fazia questão de servi-lo em sua casa todos os dias às 17 horas em ponto na varanda de sua casa, como uma desculpa escancarada para a espionagem e o falatório sem sentido.

Aquela mulher deve ser uma perdida, ela só sai à noite. Disse Elizabeth. Certa vez eu a vi sair às escondidas.

Ela deve trabalhar num bordel na cidade vizinha. Disse uma das senhoras com idade avançada que parecia mais um rato de laboratório raquítico de óculos e chapéu engraçado.

A filha vive sozinha em casa, pobre coitada. Disse Elizabeth pondo mais um pouco de chá. Pálida feito macarrão sem molho.

Ela deve fazer ponto no parque, junto com os viciados, eu a vi vindo daquela direção às 03 horas da manhã ontem. Disse outra, bebericando o que parecia mais uma xícara de água suja.

Quem é esta mulher? Perguntou outra, cujos olhos estavam esbugalhados para a última fatia de torna na mesa.

Eu não sei. Responderam as cinco mulheres em uníssono.

Mas eu vou descobrir! Afirmou Elizabeth olhando para a casa da frente.

 

***

 

E mais uma vez Alice olhava o céu esperando o último raio solar deixar a atmosfera celeste, para mais uma vez, como em tantas outras, sair de casa as pressas rumo à reserva.

Qual seria o mistério que envolvia Alice? Az simplesmente não sabia.

Alice não voltou pela janela do quarto para dentro de casa, ela simplesmente saltou a janela como uma gata de rua a procura de companhia.

Az observava-a de longe, da janela do quarto auxiliado por um binóculo de visão noturna ele era capaz de ver cada passo que ela daria aquela noite.

Depois de dois anos vigiando a casa, Alice em específico, o astuto Az era capaz de prever cada movimento que ela dava mesmo de olhos fechados.

Ela vai olhar para trás e checar as ruas. Ele disse.

Ao chegar bem no meio do caminho ela olhou para frente e para trás como ele havia previsto.

Agora eu tenho exatamente 10 minutos. Disse ele pegando a mochila com o notebook e pondo nas costas.

10 minutos era o tempo que o guarda noturno demorava para fazer a primeira ronda noturna e liberar a pista. Por alguma razão (“nada lógica” segundo Az), Alice esperava paciente pelo guarda de trânsito para só então seguir seu caminho.

Em questão de segundos, Az saiu em disparada a caminho da rua, sem pronunciar uma única palavra para as visitas de sua mãe que tranquilamente tomavam o chá na varanda da casa, ele simplesmente pegou a bicicleta e pedalou como louco.

Lá está ela. Disse ele enquanto se aproximava. Preciso manter uma distância segura.

Az sabia todo o itinerário dela, o que ela faria, com quem falaria, onde e por que pararia. Alice era como um anjo para ele e como tal, merecia toda a sua atenção.

Chegando à reserva, o lugar preferido de Alice, o único lugar fora a escola que ela frequentava na verdade, Az jogou a bicicleta de lado e pôs os óculos noturnos ligados por um emaranhado de fios ao laptop em suas costas e adentrou no parque logo atrás dela.

Ela conhecia como ninguém aquele lugar, cada atalho, cada rua, cada bifurcação da reserva. Dentro de minutos Az não reconhecia mais o lugar, eles estavam entrando na parte fechada da reserva aonde as pessoas vinham para acampar e fazer trilhas em pequenos grupos.

  É aqui que ela vem todas as noites? Az perguntou a si próprio. O que ela vem fazer aqui?

Essa era uma pergunta que ele não desejaria saber a resposta, se soubesse o que estava por vir. Uma das cenas mais grotescas que ele viu na vida.

Alice parecia estar à espreita de alguma coisa, ela estava inquieta como se soubesse que estava sendo seguida. Olhava em todas as direções a procura de alguma coisa que claramente Az não podia enxergar.

Ouviu-se um farfalhar de folhas, em questão de segundos a garota desaparecera bem diante de seus olhos, nem com a ajuda de toda a tecnologia que ele trouxera Az foi capaz de segui-la. Por algum motivo todo o equipamento começou a agir de forma estranha, os óculos pararam de funcionar e a partir daquele momento a gravação do notebook havia sido interrompida por alguma coisa.

Ele não teve muito no que pensar, deixou para traz toda a parafernália quebrada e correu na direção em que ele acreditava que a garota havia seguido.

Aparentemente tudo estava bem, ele se guiou pelos sons nas folhas e pela luz da lua, que garantiu uma visão um tanto parcial das coisas ao seu redor.

Depois de andar uns 15 minutos sem saber onde estava, Az ouviu um grunhido estranho vindo a cerca de meio metro à sua frente.

Ao se virar na direção do barulho, o garoto teve uma visão aterradora, olhando para ele com uma expressão de fúria animal, Alice estava agachada próxima a um tronco de árvore podre com a boca e a roupa toda cheia de sangue. Em uma das mãos ala segurava alguma coisa ainda viva se debatendo em busca de liberdade.

Na outra um tufo peludo manchado de sangue ainda pulsava, perdendo seus últimos vestígios de vida. Sem nenhuma cerimônia a garota largou o animal morto em um canto, deu um tapinha na jugular do outro, retirou alguns poucos pelos deixando a mostra a pele nua do animal, assim a garota segurou firme com as duas mãos e abocanhou o animal sem piedade.

Um grunhido semelhante ao anterior foi audível de onde ele estava esguichos de sangue voaram manchando ainda mais a garota que parecia estar adorando tudo aquilo, como se dissesse: Você é o próximo.

Suas pernas simplesmente tremiam, não queriam obedecê-lo, ele estava paralisado, o medo daquele momento fez com que pegasse um graveto com ponta afiada e espetasse em sua própria perna, causando-lhe um pequeno ferimento.

Sem parar para pensar nas consequências do que acabara de fazer Az saiu correndo na direção oposta, com o coração acelerado torcendo para que ela não o tivesse visto e não o seguisse.

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