Aquela era mais uma noite comum de sexta.
Enquanto os garotos da sua idade estavam por ai se divertindo numa festa, conversando numa praça, ou quem sabe namorando no parque ele preferia ficar em casa no conforto de seu quarto trabalhando em alguma coisa realmente útil.
Ângelo Azuos, o garoto gênio agora trabalhava numa forma de fazer com que o cérebro humano pudesse viajar através da internet para adquirir informações, aumentando ainda mais a capacidade cerebral do indivíduo fazendo-o interagir diretamente com a rede. Se conseguisse descobrir como fazer isso primeiro, ele provaria que era o melhor naquilo que fazia, e deixaria seu maior rival no chinelo.
Depois de horas a fio diante da tela, ele finalmente havia conseguido um progresso significativo na aquisição de informações, em teoria aquele programa faria com que os dados criptografados por ele viajassem através de ondas de impulso elétricos.
Ele só precisaria de um teste.
Mais uma vez, lá estava ela em frente à porta do quarto, olhando-o com ternura, esperando pacientemente a hora certa de falar. A senhora Azuos recostou-se na parede do corredor diante da porta entreaberta tentando não incomodar o filho, que com certeza estava concentrado em algo muito importante e que necessitava de sua total atenção.
— O que você quer? — Ele perguntou sem tirar os olhos da tela do computador. — Não vê que eu estou trabalhando?
— O jantar está pronto. — Ela respondeu com um sorriso meio sem graça. — Eu achei que você gostaria de se juntar a nós essa noite, já que é seu aniversário.
— Eu dispenso. — ele respondeu indiferente.
— Bem… — Iniciou ela temerosa.
— O que foi mãe!
Seu coração disparou com aquela frase repentina, Az acabara de virar a cadeira e agora a encarava. Ele quase nunca a chamava daquela forma, mesmo sendo rude, era raro o garoto chama-la de mãe sem ser na frente dos vizinhos ou dos professores da escola para manter as aparências.
Ouvir aquilo sempre a deixava feliz.
Como mãe Elizabeth Azuos sempre deixou a desejar, era uma modista renomada em todo o mundo, mas nunca teve tempo de cuidar do próprio filho, sempre deixando a cargo de uma empregada, babá ou qualquer outra pessoa que se propusesse fazer esse papel. Ela sabia que não podia exigir nada dele nesse momento, pois nunca esteve presente quando ele mais precisou dela.
Mesmo assim ela arriscou temerosa.
— Eu…, eu… — sua voz falhou. — convidei algumas pessoas para uma pequena reunião.
— Você fez o que…? — Ele disse exaltando a voz.
— Eu pensei que você gostaria de comemorar…, — Ela disse mordendo o lábio inferior. — Afinal não é todo dia que um rapazinho faz quinze anos.
— Eu não sou uma menininha para querer um baile de debutante senhora!
Ela via a raiva em seus olhos.
— Não é um baile de debutante, — retrucou ela, — é apenas uma reunião para os amigos mais chegados, para comemorar o seu aniversário.
— Que amigos… Eu não tenho amigos, e você sabe. A quem a senhora quer enganar? …, você quer me exibir como troféu para as suas amigas como sempre faz.
— Eu não quero enganar ninguém meu querido. Hoje é o seu aniversário… Um dia para se comemorar e sabe do que mais… Ela está lá embaixo. — Ela disse num sínico sorriso indo para o armário.
Ele se levantou para olha-la nos olhos.
— Você acha que pode me chantagear… — Retrucou ele dando ênfase a última palavra com mais raiva.
— Eu apenas uso as armas que tenho meu querido. — Disse ela indo até o guarda roupas retirando uma calça social e uma camiseta azul de mangas cumpridas combinando com o seu vestido. — Você não precisa ficar se não quiser. Basta dizer um oi jantar e subir novamente para o que você está fazendo.
Ela sabia do amor que ele sentia por Alice, desde que ela havia se mudado para a casa no outro lado da rua, o garoto havia mudado, mudado para melhor, estava mais sorridente, calmo, mais feliz.
Ela não hesitaria em usar isso a seu favor.
Ele se deu por vencido.
— Apenas cinco minutos, nada mais do que isso. — Ele respondeu trocando a camisa. — E se você estiver mentindo…
— Te vejo lá em baixo. — Ela disse enquanto se dirigia a saída. ― Coloque o seu melhor sorriso antes de descer.
Ele forçou um sorriso antes de vê-la descer as escadas.
Az foi ao encontro de seus convidados com o sorriso mais sínico que um ser humano poderia ter. Do topo da escada o garoto tinha uma visão geral de tudo o que estava acontecendo.
— Só cinco minutos! — Ele disse a si mesmo ao ver a mãe sorrindo e acenando para ele.
O andar térreo da casa era bem dividido e amplo, seus dois ambientes foram transformados em um único espaço para acomodar os convidados, os sofás e poltronas foram empurrados para as paredes junto com o centro e seus apetrechos caros, a única coisa que não fora mudada de lugar foram a TV de 56 polegadas onde estava passando uma sequência de fotos mostrando os melhores momentos da vida de Az, os prêmios recebidos por ele durante os longos anos de escola, e o aparelho monstruoso de som ligado a cinco caixas acústicas espalhadas pelo ambiente tocando uma música suave abafada pelas conversas das pessoas ali presentes.
Aqueles seriam os cinco piores minutos de sua vida, — ele fez uma nota mental a si mesmo, — tempo ao qual ele jamais desejou ter desperdiçado participando daquela besteira apenas para agradar a mãe. Eram as mesmas pessoas de sempre, pessoas para as quais ele não dava a mínima importância, magnatas da alta sociedade, alguns dos sócios da empresa de seu pai e suas esposas, além de algumas amigas da mãe que estavam ali apenas para paparica-la mais uma vez por um mérito que não era dela, e para as quais ele teria de fazer o velho teatrinho de bom menino apenas para manter as aparências.
A única coisa boa naquilo tudo era ela.
***
Um anjo… debruçada sob a soleira da varanda banhada pela luz do luar. Alice continuava tão linda quanto à primeira vez que ele a viu, no dia em que ela e a mãe se mudaram para a casa da frente, com o mesmo charme que o cativou, a mesma atitude firme de garota que sabe o que quer. Usando um vestido escuro de alças finas colado ao corpo terminando em uma saia pregueada realçada por várias camadas de tules coloridos dando volume ao tecido, por cima, uma jaqueta jeans preta sem mangas que ela mesma havia rasgado, arrematava aquele visual esquisito de menina rebelde aparentemente sem causa, no rosto a mesma maquiagem pesada que a deixava ainda mais misteriosa, a pele pálida, nos lábios o batom vermelho em contraste com os olhos escarlate destacados com o contorno escuro.
Era o momento perfeito para ele, aquela noite o convidava a ser ousado, a se permitir fazer o que ele nunca havia feito antes. Az se aproxima sorrateiro, sem fazer barulho para não quebrar o clima.
— Olá! — Ele diz com um sorriso gentil quebrando o silencio.
— Olá! — Alice responde retribuindo o sorriso.
— Uma bela noite, não?
— Sim. Isso é para você.
Ela empurra pelo parapeito da sacada o que parece ser uma caixa embrulhada em um papel de presente simples com um laço de fita vermelho.
— Obrigado. — Ele responde analisando o embrulho com calma. — Mas não precisava.
— Espero que goste, é um dos meus favoritos.
Tomado pela curiosidade Ângelo desembrulha o presente aproveitando cada segundo que aquele simples ato continha.
— “A Mestiça.” — Ele disse analisando a capa com cuidado. — Camila Deus Dará.
— É uma autora brasileira. — Disse ela olhando o horizonte. — É uma boa história.
— Obrigado. — Ele respondeu chegando um pouco mais perto. — Dessa vez sua mãe não te usou como desculpa para não vir.
— Na verdade ela me obrigou a vir. — Um leve sorriso se formou em seus lábios. — Eu não sou muito sociável, então ela achou melhor eu me enturmar com alguém da minha idade.
— Eu sei bem como é. — Ele respondeu folheando o livro. — Você é linda sabia.
Era agora ou nunca.
Az se aproximou ainda mais de Alice, ele podia sentir o frio vindo de sua pele, ele estava quase levando seus lábios aos dela num súbito e incontrolável desejo de beija-la, seu coração estava acelerado, parecia que o dela havia parado, sua respiração oscilou, a dela não existia.
Esse é o momento. Um beijo… Uma certeza.
— Eu te amo! — Ele lhe disse junto aos lábios.
— O que… — A garota o empurrou com força, fazendo-o cair a poucos metros da porta. — o que você acha que está fazendo?
— Eu te amo. — Disse ele pondo-se de pé. — eu pensei que você quisesse…
— Eu nunca quis nada… — ela disse exaltada. — entendeu. Eu nunca dei a entender que queria ser beijada por você.
— Então o que é tudo isso? — Perguntou ele desconcertado. — Esse livro… Você veio à minha casa, e me chamou pra cá.
— Primeiro… Lá dentro estava muito cheio, e, eu não gosto de multidões. Segundo… sua mãe me obrigou a vir dizendo que era o único jeito de você aceitar uma festa… Já o livro é uma mera cortesia, um presente para o aniversariante. E isso não te dá o direito de me beijar.
— SAI DAQUI! — Ele gritou deixando escapar uma lagrima.
— Aaaah, o bebezinho vai chorar. — Ela disse fazendo bico e esfregando as costas das mãos nos olhos. — Que coisa comovente. Você é um idiota sabia.
— Então sua verdadeira natureza vem à tona.
Ele respirou fundo mais uma vez, antes de encara-la novamente.
— Você não me conhece garoto.
— Some da minha frente…
— Pode deixar… E já que estamos pondo os pingos nos I’s, vê se para de vigiar a minha vida tá. Eu não te pedi isso também.
Ele ficou parado na varanda vendo ela atravessar a rua e ir embora.
As lagrimas continuaram a correr copiosamente em seu rosto. Aquele momento ficaria marcado em sua memória para todo o sempre. Ela não o amava.
E isso só fez o ódio em seu coração crescer ainda mais.
Ele bateu a porta com toda a força de seu punho tentando descarregar nela a raiva que sentia dela naquele momento. O estrondo fez todos os presentes se votarem para ele num salto sem entender o que estava acontecendo.
— O QUE FOI… NUNCA ME VIRAM? — Berrou Az subindo as escadas.
— Isso são modos querido? — A senhora Azuos apareceu ao pé da escada segurando uma faca para cortar o bolo.
— Não enche. — Disse ele voltando-se para Elizabeth. — Quer saber duma coisa MÃE… Essa porcaria de re-u-ni-ão- zinha acabou.
— O que aconteceu meu querido? — Ela perguntou chegando mais próximo tentando abraça-lo.
— Tudo isso é culpa sua
O garoto se virou possesso de ódio, e, a passos largos seguiu em direção ao seu quarto, ouviu-se por fim mais um estrondo de porta batendo, e por fim… O silencio.
***
— Ela vai me pagar. — Disse ele jogando o presente em cima da cama. — Eu juro que ela vai me pagar.
Parado por um tempo Az contemplava o vazio de sua solidão, as paredes começaram a diminuir de tamanho, o ar era rarefeito e gélido, era como se ele não estivesse sozinho.
– Eu não quero ver ninguém. – Gritou ele, olhando para a porta, mas ninguém respondeu.
Um sentimento estranho tomou conta de seu íntimo, um arrepio frio e medonho tomou conta dele, fazendo todos os pelos se eriçarem.
Como num filme de terror o ambiente começou a girar depressa, as luzes começaram a piscar em ritmo acelerado e cada vez mais forte.
Ele não estava mais sozinho.
— Quem está ai? — Ele perguntou com o coração acelerado, olhando ao redor a procura de alguma coisa… — Não seja idiota Ângelo, você é o único que tem acesso a esse lugar.
— Eu não teria tanta certeza disso. — Disse uma voz vinda das sombras.
O garoto deu um salto para traz pondo-se de costas para a porta Fechada a chave.
— Q… Quem é você? … O… O que você quer comigo?
— Não tenha medo… — Respondeu a sombra que acabava de se formar na parede… — Meu nome é Zaon, filho de Zairon, antigo guardião regente dos antigos povos, protetor dos elementos e guiado pelo fogo. E eu preciso da sua ajuda.
— Eu não sei quem ou o que é você… Mas esse papo exotérico não cola comigo. — Disse ele — Como você entrou no meu quarto?
Era impossível aquilo estar acontecendo.
Az esfregou os olhos e deu um tapa no próprio rosto para se certificar de que o que ele estava vendo não era fruto da sua imaginação. De dentro da parede, saindo de dentro das sombras uma mão veio ao seu encontro. O corpo inteiro de um homem saiu de dentro das sombras contidas na parede.
O garoto tentou tocá-lo, porem suas mãos atravessaram o corpo que se transformou em fumaça bem diante de seus olhos.
— Eu não estou sonhando, estou?
— Receio que eu seja real meu jovem.
— Como isso é possível? — Ele perguntou sentando-se na cama incrédulo.
— Eu fui preso a essa forma injustamente, por um crime que não cometi, há muito tempo atrás, antes mesmo do seu nascimento.
— O que você quer de mim. — Ele perguntou
— Eu preciso da sua ajuda para punir o verdadeiro culpado, e fazer desse mundo um lugar melhor.
— E como você vai fazer isso? — Ele quis saber.
— Destruindo essa realidade, e criando outra em seu lugar. — Respondeu Zaon atravessando o rosto do garoto com uma das mãos. — Mas, para isso, eu preciso de um corpo físico.
— Se te ajudar… Eu terei o que desejar nesse novo mundo?
— Você pode ter os amigos que quiser. Todos vão estar a seus pés. — A voz de Zaon ecoou fria vinda de lugar nenhum. — Pode até ter o amor dela, se assim desejar.
— Eu vivia me perguntando porque nascer num mundo injusto e cheio de preconceitos idiotas e de falsos moralistas que querem apenas enganar as pessoas. — Az caminhou até a janela encarando o outro lado da rua, pensando nas diversas possibilidades que um novo mundo lhe ofereceria. Um mundo onde ela o amasse, um mundo onde os anjos de metal não existissem… Um mundo perfeito. — Esse mundo está podre, e só eu posso concertá-lo.
E … com um sorriso nos lábios ele selou o acordo.
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