O final de tarde apontava no horizonte quando Lucca chegou e sentou-se junto a escada de saída que dava acesso ao pátio central da escola, a leve brisa tornava o local perfeito para o que ele queria fazer, todos já estavam em seus devidos lugares na fila demarcada pelo instrutor segurando cada um, um instrumento, prontos para o ensaio da Banda da escola.
Não que ele achasse aquilo muito entusiasmante, mas, esse era o acordo que o garoto acabara de assumir para o pai. Participar mais das atividades escolares e em troca, ter todo o tempo do mundo para as suas experiências.
Sem perguntas ou cobranças, simples assim.
Ele duvidava que aquilo desse certo, que magicamente faria amigos só por participar de uma atividade extracurricular, mesmo assim acabou aceitando apenas para tirar o pai do seu pé, pelo menos por um tempo. O plano era bem simples, se inscrever numa atividade extracurricular, comparecer e ficar escondido em algum canto esperando que aquilo acabasse por pelo menos duas vezes por semana.
Tudo estaria na mais perfeita ordem, se não fossem as inúmeras perturbações que era forçado a aguentar diariamente dos ditos “colegas”, em especial Alan e David, os encrenqueiros da escola.
Lucca nunca foi um garoto atlético, nem bom com as palavras, ou um ás no que diz respeito a interação social, mas ele podia perfeitamente conviver com isso.
Seu mundo era totalmente diferente gostava de computadores, cálculos, livros e jogos de raciocínio, revistas e heróis, um mundo onde alies e humanos interagiam livremente, sem toda aquela pressão social. Nas páginas das revistas e dos livros tudo era possível, e principalmente aceitável.
A vida dos outros sempre lhe parecera melhor que a dele.
***
Ser um garoto magrelo e ter dez anos de idade não contribuí em nada para ele ser o senhor popularidade, e para falar a verdade ele não queria isso, mas também não queria ser alvo de xingamentos e piadas constantes por causa da aparência, das roupas que usava e até mesmo pelo simples fato de ele ter sido educado em casa até os nove anos.
E por conta disso, decidir se isolar e não contar a ninguém o que estava acontecendo foi sua melhor jogada, afinal para ele nada daquilo valia realmente o esforço, ele não podia revidar, pois não tinha força física para isso, contar para alguém isso só faria aumentar a provocação e as agressões já sofridas.
Como de costume, sentou— se o mais longe possível do grande grupo de alunos e começou a desenhar nas ultimas folhas do caderno, que segundo ele eram separadas justamente para aquele fim, rabiscos aleatórios com a caneta esferográfica.
“Os momentos de tédio. ”
Ficou alguns minutos concentrado em seu desenho, apenas rabiscando nada em especial, quando a voz dele o trouxe de volta a realidade.
— E aí quatro olhos.
Lucca decidiu ignora— ló como sempre fazia.
— Ah, o esquisitão não vai falar. — Disse uma segunda voz que ele também já conhecia, seguida de um peteleco na cabeça do garoto. — O que você trouxe para a gente hoje.
— Nada! — Lucca respondeu voltando sua atenção para eles.
— Tu sabes o que acontece quando não faz o que a gente manda né? – Disse o mais alto chegando mais perto.
O garoto pode sentir o hálito de sardinha e maionese, proveniente do almoço servido no refeitório. Enquanto o menorzinho, a quem todos chamavam de Hall, carrancudo e magricela assim como ele apenas observava enquanto David fazia o serviço.
Os dois tornaram— se uma pedra no sapato fazendo da vida dele um inferno naqueles primeiros meses. Ou ele obedecia ou apanhava quando saiam da escola, as vezes nem esperavam a saída, apenas um momento em que o menino estivesse sozinho.
Como agora!
— O que você trouxe!? — David repetiu dando um tapa na cabeça dele que acabou deixando cair o material que trazia.
— Nada! — O menino retrucou pondo— se novamente de pé.
— Resolveu ser corajoso? — Disse David dando um soco bem na boca do estomago do garoto.
A dor lhe rasgou as entranhas, enquanto o ar deixava seus pulmões. Ele não conseguiu aguantar e aos poucos se pôs no chão encolhido massageando a barriga com ambas as mãos.
Pela primeira vez em meses Lucca se permitiu chorar em meio a todo aquele caos que sua vida se tornara. Ele não era capaz de resolver uma coisa simples, tudo por causa do medo.
A raiva tomou conta dele.
Seu corpo tremia, as lagrimas rolavam soltas em seu rosto. E pela primeira vez em sua vida ele desejou que todas as histórias que seu pai lhe contara sobre sua linhagem magica fosse realmente verdade. Sua descendência direta com grandes magos da extinta Atlântida, reino há muito perdido. Orfeu sempre lhe contou as velhas historias e o ensinava sobre os antigos costumes das grandes civilizações.
A alquimia e a lei da troca equivalente… A magia dos homens.
“Uma bela troca equivalente” — ele pensou.
Levar uma surra de brutamontes sem cérebro apenas por ser diferente e não se encaixar nos padrões. Tudo não passava de uma ilusão, todas as histórias, todas as magias não passavam de uma grande mentira.
Por um instante ele sentiu o sangue em suas veias ferver, e num súbito avançou contra os dois garotos dando socos e pontapés desordenados que não atingiam seu alvo.
— Ah, ele quer brigar!
Alan segurou Lucca pelos braços forçando— o a ficar de frente para David que não demorou muito a revidar a provocação.
Um… dois… três… quatro socos seguidos no estomago.
O garoto provou o gosto de sangue na boca.
***
— Dois contra um é covardia, não acham? — Jimmy interferiu, finalmente saindo das sombras.
— Fica fora disso Jimmy…
— Deixem ele em paz. — Disse chegando mais perto.
— Eu já disse para você ficar fora disso! — Ordenou David.
— E eu mandei deixa— ló em paz!
— Tudo bem então! Você acaba de equilibrar as coisas, o que facilita tudo para a gente.
Os dois garotos trocaram olhares agressivos, e Jimmy já esperava pelo pior, mesmo eles sendo eles o dobro de seu tamanho e força ele iria ajudar mesmo que não adiantasse muita coisa.
Não era da natureza de um Guimarães ver alguém sofrendo e não fazer algo a respeito.
Ele se pôs em posição de luta, seu corpo inteiro tremia tomado pelo medo, os punhos fechados tentavam sem sucesso esconder tudo o que ele estava sentindo.
— Dois contra dois. Equilibramos as coisas então! — Repetiu Hall dando mais alguns pontapés em um Lucca caído no chão, desmoralizado de tanta vergonha.
— EU MANDEI PARAR!
Seu corpo parecia ferver de tanta raiva, o sangue lhe subia a cabeça, aquela não era nem de longe uma luta justa para nenhum deles. O garoto a sua frente estava agora desacordado, e ele era o único que poderia fazer algo por aquele completo desconhecido.
— O que você vai fazer mocinha? — Questionou Alan esboçado um sorriso macabro em seu rosto, dando chutes em Lucca.
Jimmy avançou contra ele, jogando— o no chão enquanto golpeava com socos seguidos na face.
— É bom apanhar de alguém? — O garoto perguntou em meio aos socos.
— O que você acha que está fazendo? — Disse David jogando o peso de seu corpo em cima dele.
Jimmy cai no chão com o impacto, sendo espancado pelo outro, usando as mãos na frente do corpo como defesa.
— PARA! — Lucca grita pondo— se de pé tentando separar a briga.
O garoto é empurrado mais uma vez por Allan caindo no chão.
Lucca se põe de pé mais uma vez, tomado por uma sensação de desespero o garoto clama com todas as forças que por uma única vez algum resquício de magia aconteça e ele possa sair daquela situação.
Ela fecha os punhos com força antes de fechar os olhos e ser tomado pelo ar a sua volta fazendo com que seus inimigos voem para longe deles.
No instante seguinte ele desmaia de cansaço.
— Ei garoto, hora de acorda. — Ele houve uma voz distante. — Acorda, bela adormecida.
Ao abrir os olhos Lucca se depara com um garoto duas vezes maior do que ele batendo em seu rosto.
— Quem é você? — Ele diz num susto.
— Relaxa eu não vou te fazer mal, eu sou Adam. — Disse o garoto sorrindo. — Bela surra hem.
— Não enche! — Jimmy retrucou sentado na escada com outros dois garotos ao seu lado.
— O que deu em vocês para se meterem com eles? – Perguntou o mais baixo.
— Eu nunca fiz nada… — Lucca respondeu com a voz embargada. — Eles me enchem o saco sempre que me veem quieto.
— Onde estão aqueles dois? — Jimmy perguntou indo até eles — O que vocês fizeram?
— Nós não fizemos nada, eles simplesmente saíram voando. — Respondeu o outro garoto.
— Para de graça Adam! — Jimmy brigou.
— Não é brincadeira… fala para eles Drew.
— É verdade. Quando nós percebemos o que estava acontecendo, nos dois viemos ajudar enquanto o Tony foi chamar o diretor. Quando chegamos aqui vimos aqueles dois voando para longe como se a Carie estivesse aqui.
— Foi bizarro, todo mundo saiu correndo.
— Deu certo então.
— Você fez isso? … como?
— Acho que sim… não sei. — Lucca respondeu — quem são vocês?
— Relaxa cara, eles são meus amigos! — Jimmy respondeu pondo— se de pé para ajuda— ló a se levantar. – Você fez mesmo aquilo?
— Espero que sim.
— Ela é tipo… um bruxo? — Adam perguntou surpreso com o que acabara de presenciar.
— Mais ou menos. — Ele respondeu ainda sem entender o que acabara de acontecer.
— Como assim mais ou menos?
— Eu nunca tinha conseguido fazer isso antes, pelo menos não assim.
— E como é que você fez isso.
— Meu pai é Alquimista.
— Que irado!
— Vocês não podem contar isso para ninguém.
— Ou… — Adam interrompeu.
— Eu não sei…
— Relaxa, teu segredo está guardado Lucca. — Disse Drew. — O Tony é um piadista e tanto. Vai se acostumando.
— Vai chamar o Tony, a gente tem que sair daqui. – Disse Jimmy com os olhos arregalados. — Você vem com a gente.
— Para onde?
— O covil dos Anjos cara!
— Bem-vindo aos Anjos de Metal.
Nenhum deles poderia imaginar que depois daquele encontro a vida dos cinco mudaria por completo.