A suave brisa noturna, que corria pela reserva, fazia Alice se lembrar do tempo em que tinha passado com a mãe nas montanhas do Himalaia uns sete anos antes, a temperatura amena do lugar tornava mais fácil a percepção de movimentos e assim ela poderia caçar animais maiores para aplacar sua sede de sangue.

O sangue animal não tinha o mesmo poder nutritivo do sangue humano, mas dava a Alice o que era necessário para a sua sobrevivência, sendo assim, ela era conhecida como uma vampira vegetariana, por se alimentar de forma diferente dos demais vampiros.

Aquela parte da reserva era relativamente nova para ela, que nunca tinha fugido tanto da trilha de 10 km habitual em que ela e Eurídice vinham seguindo. O local era belíssimo, cachoeiras percorriam enormes paredões escondendo cavernas onde os animais da noite se abrigavam durante o dia, os lagos eram tão límpidos que era possível ver o emaranhado de vida que ele continha à noite tudo se revelava de forma surpreendentemente bela e dos 200 mil metros quadrados, apenas 90 quilômetros quadrados eram disponível ao público, sendo desse total apenas 10% usado pelo parque.

Ela já estava ali há algum tempo, pensando no que vinha acontecendo desde o primeiro encontro com aquele garoto, até então ela nunca sentira isso em sua vida (se é que aquilo podia ser chamado de vida).

Seus sentidos estavam confusos, um misto de raiva e medo fazia seu coração bater mais forte, pulsando o sangue em suas veias, espalhando-o por todo seu corpo e fazendo seu rosto corar. Alice estava um tanto intrigada com o ocorrido e isso fez com que ela se deixasse levar por uma pessoa que ela nunca havia visto na vida até fazendo seu rosto corar três semanas atrás.

Sentada em um galho grosso da árvore mais antiga do parque, Alice observava a forma e o brilho da lua sendo encoberta por uma nuvem errante. Levantando uma das mãos na frente do rosto Alice se perguntava como aquela lua havia ganhado aquele tom vermelho intenso, igual aos seus olhos.

Essa lua é igual a mim”. Ela pensou. “ Um lado escuro e imperfeito, escondido de tudo e de todos, e um lado belo e iluminado que faz com que as pessoas se apaixonem“.

A praça da reserva servia como centro de eventos da cidade, tudo acontecia ali: movimentos culturais, festas e eventos de caridade, piqueniques e acampamentos de verão. Aquele lugar era praticamente o centro turístico local.

Este era o evento mais esperado do ano para a população de Rairá do Sul, pois o evento comemorava os 205 anos de fundação da cidade, a semana estava cheia de atrações culturais e artísticas, uma oportunidade anual para as pessoas daquele lugar afastado serem o centro das atenções, pelo menos por alguns dias.

Exposição de artistas locais, músicas, peças teatrais, espetáculos de dança e palestras estavam entre as atrações da semana. Uma espécie de feira artesanal ficava exposta com a produção dos moradores, entre iguarias e produtos rústicos vindos da terra. Doces, compotas, chapéus e colares eram apenas parte do que era vendido ali.

O festival era organizado pelos professores do Instituto Para Jovens Eugênio Salomão, com o auxílio da prefeitura municipal, para atrair compradores e investidores para a cidade, o que rendia alguns trocados a mais no fim da semana de trabalho.

 O show de abertura era apenas o começo, e tinha como propósito fazer os jovens participarem das festividades locais, as apresentações eram uma espécie de serviço comunitário que os jovens tinham a obrigação de fazer para obter uma espécie de crédito extra.

  É com o imenso prazer. Iniciou um homem de terno e gravata que acabara de subir no palco improvisado. Que eu inicio as festividades do 59º festival cultural da cidade…

 

***

 

O palco era relativamente pequeno, mas os cinco já estavam acostumados a tocar para poucas pessoas. Eram sempre umas poucas pessoas, que se juntavam na praça para ouvir e cantar junto algumas músicas de bandas antigas e atemporais. Os Anjos de Metal tocariam daqui a poucos minutos, e tudo tinha que estar simplesmente perfeito.

Lucca checava em seu notebook a apresentação de imagens que apareceriam no telão enquanto a banda tocava, o jogo de luzes no palco e os diversos ritmos e formas usadas para entreter o público durante o show.

No centro do palco Adam checava o encordoamento de sua guitarra, Jimmy acompanhava a melodia sem sentido entoando uma sequência de tons e semitons rapidamente, Drew batucava atrás na bateria e Tonny ajustava os microfones.

Um grupo de meninas próximas ao palco, com idade entre onze e quinze anos gritavam o nome de Adam repetidamente, soltando beijos para o ar e jogando cartas e pequenos presentes.

O nosso fã clube está com tudo hoje. Disse ele enquanto ajustava o microfone.

Nosso fã clube? Disse Lucca pelo interfone, — nós não temos um fã clube Adam. Esse é o seu fã clube.

O que eu posso fazer se elas me amam. Respondeu ele devolvendo um beijo para o grupinho que se derreteu em gritinhos escandalosos.

Exibido.

Adam entendera o recado, ele sempre dera uma de gostosão, todas as garotas do colégio viviam aos seus pés, se bem que seu porte físico ajudava muito para isso, a voz grossa e a barba por fazer e os músculos torneados atraiam todas, e ele sabia tirar vantagem disso.

Vocês estão prontos? Perguntou o organizador do evento. Ainda tem cinco minutos.

Os garotos se encararam por alguns segundos, era como se comunicassem mentalmente uns com os outros.

Tudo pronto pessoal. Disse Lucca acendendo os holofotes.

Os quatro garotos já estavam posicionados, o som da bateria anunciou a primeira música e com ele os outros instrumentos iniciaram uma melodia forte que fez todos ali presentes se agitarem.

Com vocês os Anjos de Metal! Disse o homem de terno.

É hora do show pessoal!

 

***

 

 Lucca havia acabado de sair do show na reserva onde a banda dele tinha se apresentado para uns poucos adolescentes. Ele usava uma camiseta azul desbotada e gasta pelo tempo, sua calça estava mais puída que um trapo velho, quase virando pó, seu tênis preto tinha desenhado o logo da banda, um “A” com asas e um círculo em volta, e em letras gritantes e coloridas o nome Anjos de Metal, em suas costas o case do contra baixo quase caindo de seu ombro, e o notebook em uma das mãos.

O garoto acabava de colocar um envelope no bolso, o que parecia ser o pagamento por mais um dia de trabalho.

Samuel estava seguindo o grupo há algum tempo para ter certeza se o que a joia, conhecida como O Coração, dizia era real. A pedra que ele guardava pendurada em seu pescoço o guiou até aquela cidade estranha, ele acreditava que era ali que encontraria o que procurava.

Há algumas semanas esse homem de idade duvidosa havia encontrado o primeiro de seus objetivos, Helena, o grande amor de sua vida, e aquele momento lhe deu a certeza de que seria interessante permanecer nessa cidade por mais algum tempo.

 O rapaz caminhava despreocupado pela calçada até uma van onde o resto do grupo estava guardando os instrumentos da banda. Samuel ficou escondido nas sombras até ter certeza de que eles eram as pessoas certas.

 Jimmy batucava alguma coisa na lataria do carro, seguido pelos amigos que cantarolavam algo inaudível de onde ele estava. O rapaz trajava uma jaqueta de couro com uma blusa preta por baixo com o mesmo “A” do tênis de Lucca desenhado nela e calça jeans com uns rasgões nas pernas e nos bolsos.

O cabelo um tanto comprido e solto escondia um rosto afilado e jovem, ainda com poucos pêlos no rosto, sua pele clara estava ainda mais realçada graças à luz do sol que batia na van e refletia em seu rosto.

O outro por sua vez era um pouco mais baixo, tinha os cabelos claros que pareciam estar fora de controle, trajava calça jeans, um tênis velho e uma camiseta laranja sem mangas, em seu rosto eram visíveis as sardas e os olhos verdes expressivos.

A luz do medalhão brilhou fortemente revelando a todos o segredo por trás de seus poderes. Para Adam, o brilho laranja deu-lhe a sabedoria dos gnomos, os segredos da floresta e a força da terra. Para Jimmy, a luz se tornou vermelha, dando-lhe a generosidade das ninfas através do indomável fogo. Tonny, cercado por um brilho azulado, recebeu o incontrolável poder da água e junto com ele a resistência dos seres do mar.

Drew era o mais racional dos cinco, a leveza e a liberdade do ar foi concedida a ele assim como a esperteza dos leprexaus. Enquanto Lucca, talvez o mais treinado de todos eles em magia recebeu o poder do coração e consigo o dom da criação, também conhecido como tecnologia, que fora concedida aos seres humanos.

 

***

 

Como em uma espécie de transe coletivo, os cinco jovens ficaram parados apenas observando o fenômeno que para eles parecia tão natural quanto uma das brincadeiras de Orfeu.

Vocês são realmente os verdadeiros escolhidos. Disse uma voz estranha.

Quem está ai? Perguntou Jimmy. Sr. Orfeu, é o senhor?

Não precisam ter medo crianças, eu não vim para machucar. Disse a voz.

Uma espécie de campo luminoso envolveu todo o lugar fazendo com que o tempo ficasse cada vez mais devagar, e assim as coisas ao redor começaram a ficar cinzentas e sem vida.

— Quem é você? Perguntaram os cinco em uníssono.

Saber quem sou não é importante nesse momento. Disse ele aproximando-se dos garotos.

Uma atmosfera de paz e tranquilidade tomou conta do lugar, os garotos não sabiam como, mas Sam transparecia confiança e eles se deixaram levar pelas palavras do desconhecido.

Deixem que eu lhes conte uma história meus amigos. Iniciou Sam ao sair de seu esconderijo. Uma história tão antiga quanto o próprio tempo, quando a magia fazia parte do mundo. Um mundo único que acabou por causa da maldade que habitou o coração dos homens.

E como isso aconteceu? Quis saber Lucca.

Aquele mundo único se dividiu entre aqueles que acreditavam e os que não acreditavam na magia, essa magia rege o equilíbrio do mundo e sem ela esse mesmo mundo perecerá em pouco tempo. E vocês não estão aqui por acaso.

E o que nós cinco temos a ver com isso? Perguntou Drew, achando tudo aquilo fantástico demais para ser realidade.

A maldade e a ignorância do homem, continuou Sam. A falta de maturidade e o descontrole estão fazendo do mundo um lugar mais fraco. O homem perdeu a consciência de que o mundo tem uma cadeia natural e dela depende toda a sobrevivência do planeta…

Os recursos naturais são renováveis, mas não são inesgotáveis. Completou Jimmy.

Isso mesmo, afirmou Sam, o papel de vocês é proteger essa energia elementar, reensinando aos seres humanos o uso conjunto de todos os elementos. Assim como a terra depende da água e do fogo para criar vida, o ser humano depende da tecnologia e da natureza para existir.

Supondo que tudo o que você nos contou seja verdade, qual é o seu papel nisso tudo? Indagou Lucca.

Meu papel é o de ensinar a vocês o uso consciente de seus poderes, como um dia fizeram comigo. Respondeu Samuel. Cabe a vocês decidirem se querem ou não essa responsabilidade.

O que vai acontecer com os Anjos de Metal se a gente fizer o que você diz? Perguntou Adam.

Não estou pedindo que vocês abandonem suas vidas, nenhum de nós fez isso. Mas em algum momento terão de fazer concessões e escolhas, e não poderão desistir, pois esse é um caminho sem volta. Se aceitarem levarei vocês a uma viagem para conhecer toda a historia da magia. Se não quiserem essa responsabilidade estão livres para ir. Essa decisão só cabe a vocês.

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