– Ying!!! Que bom vê-la!! – exclamou Nísia, feliz, recebendo a Amazona com seu habitual abraço caloroso, ainda que com cuidado, em virtude da gravidez de Ying já se apresentar bem evidente. – Fico feliz que já se sinta melhor, mas não deveria estar repousando?

– Foi o que eu disse a ela! Mas quem consegue convencê-la a ficar parada? – disse Ayoros, sorrindo e cumprimentando efusivamente os donos da casa.

– Já disse que não estou doente! – protestou Ying pela milésima vez, embora devolvesse o sorriso ao seu querido e exagerado Ayoros, que parecia sempre estar prestes a carregá-la no colo ao menor sinal de indisposição.

Naquela mesma noite em que eles se entenderam finalmente, Ying sentiu que concebera. Parecia um presente dos deuses, coroando aquela ocasião tão mágica. Sabia que os homens se tornavam meio tolos nessas circunstâncias, mas o deslumbramento de Ayoros quando ela contou chegou a ser comovente, embora ele parecesse pensar desde então que ela era de cristal. No entanto, não podia culpá-lo, ainda mais depois do que contara sobre a maldição de Ares que pesava sobre sua família. Para reforçar os temores, ela não passava nada bem ocasionalmente, deixando a todos muito preocupados, principalmente Ayoros e Saga. Ying passara a viver a maior parte do tempo em Sagitário, embora ainda dividisse a guarda de Gêmeos com seu irmão e este procurava estar junto a ela sempre que podia. Isso sem falar dos jovens Hargos e Ayolia, que para desespero dela, sempre estavam prontos a mimá-la, com uma solicitude exacerbada no entender da independente Ying.

Nísia riu da atitude da Amazona.

– É o que nós sempre dizemos a eles, minha querida, mas os homens acham que o vento mais fraco pode nos derrubar quando estamos nesse estado. Eu tive dois e meu querido Alceus parecia querer me colocar numa redoma!

Ayoros, inteiramente corado, tentou em vão se defender:

– Ora, vocês entendem…Ying, eu tenho motivos para me preocupar, você mesma me contou sobre a maldição e nós vimos, quando fomos ao hospital em Atenas, que é uma menina…

– Oh, então já sabem o sexo do bebê?! – exclamou a velha senhora, encantada. – Você deve estar radiante, Ying! Afinal, sendo uma Amazona…

– Sim, estou, mas ficaria feliz se fosse um menino também. – agora foi a vez de Ying corar. – Nossos costumes mudaram um pouco…Mas… – ela voltou-se de novo para o Cavaleiro de Sagitário. – …Ayoros, eu já sabia que era uma menina, mesmo sem aqueles exames modernos e você viu que está tudo bem. É normal uma mulher grávida se sentir indisposta de vez em quando, não acho que tenha nada a ver com maldições ou coisas do gênero. Relaxe, querido, não lhe contei aquilo para deixá-lo aflito desse jeito!

Ayoros a abraçou, olhando-a com ternura e sussurrou com a voz cheia de calor:

– Você sabe que é a pessoa mais preciosa pra mim, não sabe? Esse bebê é o fruto de nosso amor e eu já o amo demais, mas você…eu fico louco em pensar que algo a ameaça, assim como ficaria louco se algo de mau acontecesse com você…

– Ayoros… – ela acariciou o rosto dele, deliciada, mas apontou para o casal, que os observava discretamente. – Querido, nós não estamos sós…Lembra-se de onde estamos?

– Oh!! – Ayoros se virou para o casal de anfitriões, ainda mais vermelho. – Queiram me perdoar, por favor!!

– He, he, he…Não se preocupe, meu jovem amigo. – disse Alceus, complacente. – Nós entendemos. Fiquem à vontade, meus filhos! A casa é humilde, mas é de vocês.

– Hoje é um dia muito feliz para nós realmente! – exclamou Nísia, batendo palmas de entusiasmo. – Adivinhem quem veio nos visitar também? Minha filha Pallas e seu marido Períclides! Não é maravilhoso?

Ying arregalou os olhos, tomada de uma inexplicável emoção, a qual foi compartilhada pela criança em seu ventre, que se mexeu, agitada.

– Ela… Pallas está aqui? – perguntou Ying, ansiosa. – E ela está bem?

– Sim… – Nísia sorriu, mas Ying não pôde deixar de perceber um certa preocupação dissimulada em sua voz. – Bem, assim, como você, ocasionalmente não passa muito bem, mas, como já disse, isso é normal…No entanto, é incrível como, a cada dia que passa, Pallas se torna ainda mais bonita… – a voz dela se tornou um sussurro e seu olhos distantes e sonhadores. – Sei que isso acontece com todas nós quando estamos assim, mas…

– Senhora Nísia? – Ayoros interrompeu seus devaneios. Ele também se sentia estranhamente emocionado, como se estivesse prestes a ser introduzido na presença de algo ou alguém extremamente sagrado. – Será que poderíamos falar com eles agora?

– Oh!! – fez a matrona, parecendo despertar de um sonho. – Sim, sim, é claro!! Vamos entrando, meus filhos. Eles estão no quarto dos fundos. Pallas está repousando um pouco.

– Será que não iremos perturbá-la então? – perguntou Ayoros, preocupado.

– Oh, não! De jeito nenhum! Tenho certeza de que ela ficará feliz em vê-los. Sigam-me, por favor.

Ao fim de um curto corredor, que se abria próximo à acolhedora lareira, se encontrava o quarto onde se encontrava o referido casal. Após aquele insólito episódio do ataque do touro furioso, Ayoros e Ying já haviam se encontrado com eles mais uma duas ou três vezes ao longo daqueles meses, mas um forte vínculo de amizade havia sido criado entre eles. Isso sem falar do estranho sentimento que surgira entre os quatro… Uma sensação de que eles precisavam ser protegidos a qualquer custo, especialmente a doce e etérea Pallas. Mesmo sem falar nisso, num acordo tácito, tanto Ying quanto Ayoros, sentiam que ela era alguém especial…e mais especial ainda, o ser que Pallas carregava em seu ventre…

Erguendo uma delicada cortina de tecido róseo, Nísia introduziu o casal de Cavaleiros de Ouro no modesto aposento.

– Filhos queridos, vejam só quem veio nos visitar nessa linda manhã! Ayoros e Ying! – exclamou Nísia, toda orgulhosa.

Períclides imediatamente se levantou cumprimentando-os com abraços calorosos.

– Que bom que vieram!! Pallas tem falado muito em vocês, especialmente em você, Ying. Como está? – perguntou, abraçando-a com bastante cautela.

– Bem…Estamos todas bem. – Ying acrescentou com um sorriso.

– Então é mesmo uma menina… – Pallas murmurou com sua voz suave e sussurrante. Um leve vislumbre de tristeza passara por seus olhos límpidos ou havia sido impressão dela? – Deve estar feliz, Ying. – ela acariciou o ventre rotundo com extremo carinho. – Tenho certeza de nossas filhas serão grandes amigas… Eu desejo a vocês três muita felicidade. Jamais poderemos agradecer o que fizeram por nós naquele dia…

Sentando-se na cadeira ao lado da cama onde Pallas descansava, Ying segurou as mãos dela, dizendo:

– Algo me diz que elas já o são…mais do que pensamos…E quanto àquele dia, já dissemos que não são necessários agradecimentos, não é mesmo, Ayoros?

– Sim, é claro. Ainda que não fossemos Cavaleiros de Athena, não podíamos ficar de braços cruzados vendo vocês em perigo e além de tudo… – Ayoros coçou a cabeça, envergonhado. – Isso já faz parte do passado.

– Vocês já descobriram o que causou tudo aquilo? – perguntou Períclides, muito sério. – Sei que touros podem se enfurecer de vez em quando, mas…aquilo não pareceu um simples acidente, quero dizer, o gado de Nikholas sempre foi muito manso e nada de anormal aconteceu antes

– Então você também percebeu, não é? – disse Ying. – É verdade. Uma grande e poderosa cosmoenergia agia naquele momento, influenciando aquele animal, mas…

– Infelizmente, por mais que investigássemos, nada conseguirmos descobrir… – complementou Ayoros, passando instintivamente as mãos pelos ombros de Ying, que sentiu seu toque protetor e preocupado. – Até parece que desapareceu como por encanto e sem deixar nenhum vestígio…

– Tudo será esclarecido a seu tempo, meus jovens. Acontecimentos há muito tempo previstos, estão prestes a se desencadear. – disse uma voz grave, enquanto uma figura imponente e mascarada adentrava o pequeno quarto.

– Mestre!! – disseram todos que estavam ali, surpresos com aquela entrada inesperada.

Ayoros e Ying se apressaram a se postar em reverência, mas o próprio Shion impediu Ying de se mexer:

– Não, minha jovem. Não faça isso. Não é necessário. Na verdade, eu é que deveria me postar de joelhos ante você e a jovem Pallas… – o olhar dele brilhou de maneira que Ying não soube definir, mas que ela entendia em seu íntimo, embora não soubesse explicar. – A maternidade sim é algo sagrado e digno de reverência, mas minha idade não permite tanto, mas ainda assim… – e ele se curvou o quanto pôde ante as duas mulheres atônitas, de uma forma repleta de dignidade e respeito.

– Mestre, eu… não entendo…Não devia… – balbuciou Pallas, confusa.

– Como disse, tudo será devidamente explicado em seu devido tempo.

– Mestre, é uma grande honra tê-lo sob nosso humilde teto. – disse dignamente Alceus, reverenciando Shion juntamente com Nísia e Períclides.

– Eu é que me sinto honrado em poder estar diante de pessoas como vocês. – disse Shion, pausadamente, seu olhar brilhando de maneira enigmática. – Mas como vocês duas estão? Soube que não tem passado muito bem, minha jovem Amazona. Não deveria estar repousando?

Ying ficou vermelha, mas se conteve a tempo, conseguindo responder de maneira calma, mesmo sob o peso do olhar de Ayoros, que parecia dizer: “Viu? Eu não disse?”

– Algumas mulheres enfrentam alguns problemas durante a gravidez, mas eu estou muito bem agora.

– É verdade. – Shion olhou-a novamente, de maneira penetrante e avaliadora e em seguida, olhou para a jovem Pallas. – Desmaios e enjôos são comuns mesmo em seu estado, mas você sabe que deve se cuidar e o porquê…Ayoros, leve-a pra casa agora. Nas atuais circunstâncias não podemos facilitar.

– Sim, Santidade.

– Mestre!! – protestou Ying, indignada. – Já disse que estou bem!

– Sei disso, minha cara. – Shion sorriu por trás da máscara, embora estivesse verdadeiramente preocupado com a palidez das duas gestantes. Aquelas crianças eram de fato especiais e estavam exigindo demais do corpo e energia espiritual de suas mães escolhidas. Uma delas era o bebê da lenda, a tão sonhada e esperada reencarnação da deusa Athena, a Esperança Prometida para um mundo que ameaçava mergulhar no Caos e nas Trevas…O que significaria que a outra, provavelmente seria, sua inseparável companheira, cujo nome a deusa até incorporou ao seu próprio quando de sua perda…1Mas qual? Nem mesmo ele, o Mestre do Santuário, conseguia definir.

Ele suspirou, afastando aqueles pensamentos e voltou a falar, como se estivesse em frente a uma criança teimosa.

Por favor, falta pouco tempo agora…Um pouco menos de dois meses…é pelo bem de sua filha e pelo seu, minha jovem rebelde. Será que não pode fazer a vontade de um velho?

Boquiaberta, Ying não conseguiu esboçar mais nenhuma reação. Nunca poderia imaginar o Mestre se comportando daquela maneira! Afinal, o que estava acontecendo? Deixou que Ayoros a conduzisse gentilmente para fora, enquanto se despediam do outro casal e dos donos da casa. Shion permaneceu no quarto conversando com Pallas e Períclides.

**********

– Ying!! Mano Ayoros! Por que saíram sem me avisar? – protestou o jovem Ayolia ao vê-los sair da casa de Alceus. Ele chegava ofegante, demonstrando que havia corrido bastante para alcançá-los.

– Ayolia, por que você e Hargos não estão treinando? – perguntou Ayoros, parecendo aborrecido pela súbita aparição do irmão caçula.

– Perdoe-nos, mestre Ayoros, mas estávamos preocupados com Ying. – disse Hargos, um tanto sem jeito, surgindo de outra direção, mas nem um pouco ofegante (“Seu condicionamento físico está muito bom!”, pensou Ayoros) Pensamos que algo de ruim pudesse ter acontecido…

– Eu só queria dar uma volta! – bradou Ying, exasperada. – Querem todos vocês parar de me tratar como uma doente!! Por Athena!! Já disse que estou ótima!

Libertando-se dos braços de Ayoros, foi andando sozinha.

– Ei, volte aqui, Ying! – ele gritou, perplexo. – Onde pensa que vai?

– Vou até a Vila das Amazonas. E nem pensem em me seguir até lá. Preciso falar com Denora.

– Mas… – Ayoros ainda tentou protestar, mas ela já ia longe.

Ayolia e Hargos se entreolhavam, confusos, buscando então apoio e esclarecimento no sensato Cavaleiro de Sagitário.

– Foi alguma coisa que nós dissemos? – perguntou Ayolia.

Ayoros custou um pouco a responder, olhando para sua amada que seguia célere, ereta e orgulhosa, apesar da adiantada gravidez. Seu coração sentia um estranho aperto e pensamentos sombrios teimavam em passar por sua mente, mas ele tratou de afastá-los com impaciência.

– Não, Ayolia. Não se preocupe. As mulheres ficam um pouco alteradas mesmo quando estão assim… – ele sorriu, compreensivo, lançando ainda um olhar pro vulto de Ying mais distante. – Acho que todos nós a estamos sufocando um pouco também. Afinal não devemos esquecer que Ying é uma Amazona genuína, uma raça de mulheres fortes e independentes… e digamos que Ying é um pouco mais Amazona do que todas as Amazonas… – ele riu, observado pelos dois jovens, que ainda tentavam captar totalmente o sentido do que seu irmão e mestre havia dito.

Ayoros percebeu a confusão deles e concluiu:

– Não se preocupem. Quando forem mais velhos vocês irão entender os mistérios das mulheres… Talvez

************

Ying tratou de aproveitar aquele momento de liberdade e solidão. Não que não apreciasse a companhia e o carinho de seu consorte escolhido, seu amado Ayoros, mas os carinhos e cuidados, excessivos algumas vezes a estavam deixando irritada e, no fundo de sua alma, apreensiva. “Será que os pesadelos dele também voltaram?”, ela pensava. Nós juramos não pensar no futuro e viver intensamente cada minuto, mas…Era difícil definir o que se passava em seu íntimo. Era se como a areia da ampulheta de sua felicidade em comum estivesse prestes a se esgotar, grão por grão, se esvaindo inexoravelmente…

Ying sacudiu a cabeça, passando a mão pela testa, nervosamente, como que para afastar os pensamentos ruins.

Preciso parar de ver fantasmas onde não existem. Não podemos nos deixar amedrontar e paralisar por maldições, profecias ou sonhos “premonitórios”. Nós fazemos o nosso destino! Nós somos felizes e continuaremos sendo e daqui há muito pouco tempo essa felicidade estará completa… – pensou ela, acariciando o ventre rotundo.

Foi nesse momento que ela sentiu uma presença que não sentia há muito tempo, tempo demais até, como se fosse uma outra vida. Quando fora a última vez? Quando ainda uma jovem aspirante à guerreira Amazona? Não, fora mais recentemente, há alguns meses, pouco depois de chegar ao Santuário, mas antes do Conselho…No dia em que Ayoros a levara para conhecer a Vila das Amazonas de lá…

Ela estacou, alerta. A energia estava tão ou mais maligna do que naquele dia em questão. Ying sabia quem era, mesmo que ainda não estivesse à vista, por detrás daquela máscara horrenda de vampira. Só podia ser aquela renegada miserável, que fora expulsa de seu povo por sua conduta perversa e vil. E o que era pior de tudo para Ying: ela infiltrara o germe da inveja e da crueldade no coração de sua querida amiga jurada, Mariska, com quem lutara pouco antes de deixar sua terra natal, a outra parte de seu trikonas2 junto com Hermione. Um pensamento passou rápido por sua mente como naquele dia em que seus caminhos tornaram a se cruzar: “O que diabos ela estaria fazendo ali no Santuário? Como a aceitaram como Amazona de lá?” E até: “Como ela aceitou usar a Máscara?”, pensou com uma careta de repulsa.

A intrusa não aparecia e isso já estava irritando Ying, que não suportando mais aquela expectativa, chamou, desembainhando Excalibur:

– Calypso!!! Apareça!! Não adianta se esconder, eu sei que está aí! Vamos!! Mostre-se, eu te ordeno!

Continua…

1 O Mestre Shion se refere ao mito de Pallas, companheira inseparável de Athena, a qual numa disputa a matou acidentalmente, ficando inconsolável com o fato.(N.A.)

 2 Trikonas: grupos de três guerreiras que formam um juramento de lealdade eterna na infância, prática comum entre as amazonas. (N.A.)

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