Mais uma semana se passara e Ying já se sentia bem mais forte, tanto de corpo quanto de espírito, embora um certo vazio angustiante lhe apertasse o coração ocasionalmente, mas nada que a impedisse de seguir em frente. Havia providências sérias a serem tomadas e Ying nunca fora do tipo que ficava parada se lamentando.

–Ying!! Aonde vai? Por que está tão agitada? – perguntava Ayoros, quase correndo atrás da Amazona que seguia célere descendo as escadas em direção à saída do Santuário, embora tivesse estado às portas da morte há poucos dias atrás.

– À Rodórios. – disse simplesmente, acrescentando depois, telepaticamente. – E não fale tão alto! Quer chamar a atenção de todo o Santuário?

Mas por que todo esse mistério? – replicou também telepaticamente, segurando-a pelo braço para que parasse e o encarasse.

– Só vou visitar o chefe da aldeia e sua esposa. Quero tranquilizá-los quanto ao meu bem-estar. Sei que eles devem estar muito preocupados comigo ainda. – e mentalmente – Pallas deve estar prestes a dar à luz. Eu sinto isso! A diferença entre o tempo de gestação entre a minha gravidez e a dela era de pouco tempo, cerca de dois meses, então, ela deve estar pra completar os nove meses. Precisamos ficar atentos, Ayoros! Em vista da situação de ameaça que estamos vivendo, é preciso que estejamos prontos a protegê-los de qualquer eventualidade e você sabe a que me refiro. Já conversamos sobre isso.

Você quer dizer… – Ayoros empalidecera, a fisionomia muito séria.

Ying apenas acenou afirmativamente com a cabeça, a expressão grave em seu olhar desmentindo sua fisionomia aparentemente despreocupada , mas só para um observador atento e que a conhecesse muito bem como Ayoros de Sagitário.

– Muito bem, então… – suspirou ele, resignado. – Nesse caso, vamos juntos, mas não com tanta pressa. – Ayoros passou o braço pela cintura de Ying, trazendo-a mais para junto de si e obrigando-a a andar num ritmo mais suave. – Lembre-se de que ainda está convalescendo.

Ying riu, sacudindo a cabeça, impotente.

– Está bem, está bem… – sorrindo, ela olhou para Ayoros de uma maneira que sempre fazia o coração dele derreter de ternura. – Sabia que adoro quando cuida de mim assim?

– Hummm… – ele brincou. – pra uma Amazona como você admitir isso deve ser mesmo verdade! Acabei de ganhar meu dia!

– Ayoros!! – ela exclamou, fingindo-se indignada.

Ayoros parou, tomando-a nos braços.

– Sabia… – continuou ele, respondendo à pergunta dela, com voz rouca, o rosto muito próximo ao de Ying. – Sabia sim, e como seria diferente? Você é a minha vida. Nasci somente pra te proteger…E à Athena, é claro!

Ying empalideceu ligeiramente, sentindo um estranho arrepio percorrer-lhe rapidamente a espinha, como um mau-agouro. Pra afastar aquela sensação ruim, ela se aconchegou ao peito de Ayoros, que a apertou contra si, protetor.

Eles ficaram assim algum tempo, relutantes em se separar. Por algum motivo, ambos pareciam pressentir que talvez seus doces momentos de felicidade poderiam estar com seus dias contados e suas almas protestavam contra isso, mas infelizmente não se pode deter o Destino…

Finalmente, Ying o afastou com delicadeza.

– Vamos. Não temos tempo a perder.

Ayoros concordou em silêncio e se puseram à caminho.

******************

De trás de uma coluna, não muito distante do casal de Cavaleiros de Ouro, uma figura encapuzada espreitava, interessado, a conversa dos dois.

Não creio que se trata de uma simples visita de cortesia… – Arles sorriu consigo mesmo. – Não é preciso ser um telepata ou segui-los para saber aonde vão e com que objetivo. O cerco se fecha, minha cara deusa-criança. Agora eu já sei de tudo que precisava! Seu poder será meu, assim como já é o do Grande Mestre Shion de Áries, que pouco mais é do que uma decrépita casca vazia à minha inteira mercê.

Nesse instante, uma voz, aparentemente vinda do nada, o deteve.

Arles de Altar, posso falar com você um instante?

Aborrecido pela inoportuna interrupção, e ainda mais por não ter sentido a aproximação do intruso, ele se voltou para dar com o olhar severo e a expressão de poucos amigos de Saga de Gêmeos.

– Como se atreve a se referir a mim nesses termos, Gêmeos? – respondeu, com arrogância, medindo o outro com o olhar. – Deve se reportar a mim como Mestre Arles, devo lembrá-lo.

Saga respirou fundo, tentando se controlar. Afinal, ele tinha razão. Era o Mestre Assistente, designado pelo Grande Mestre Shion, gostasse ele ou não daquele arrogante pomposo.

– Mestre Assistente Arles – Saga fez questão de enfatizar a segunda palavra. – Posso saber, ou seria muito atrevimento de minha parte, o porquê de estar espionando a minha irmã e o seu consorte?

O outro deu um sorriso zombeteiro, por trás da máscara cerimonial. Saga sentiu isso pelo olhar dele e franziu o cenho, aborrecido.

– Eu não estava espionando ninguém. Acaso é proibido andar pelas escadarias das Doze Casas? – respondeu, irônico. – Creio que o atentado à vida da sua irmã o deixou um tanto quanto paranóico, mas isso não é motivo para me abordar dessa maneira atrevida. Acho bom rever essa sua atitude insolente, meu rapaz…O Grande Mestre pode levar isso em consideração quando tiver que tomar a decisão…

O Cavaleiro de Gêmeos cerrou os punhos, ainda num esforço violento para se manter controlado quando a sua vontade era acertar com todas as suas forças aquele estúpido Cavaleiro de Prata, elevado à categoria de Mestre Assistente por uma peça do Destino. Nem ele mesmo sabia explicar exatamente o porquê, mas desde que Arles chegara ao Santuário, Saga antipatizara com ele de uma forma veemente, beirando mesmo às raias do ódio, sentimento que ele nunca experimentara antes. Até agora…

– Não sei do que está falando…Mas já que se referiu ao Mestre, pode me dizer como ele está? Há dias que ninguém consegue se aproximar da mansão por ordens suas de não incomodá-lo.

– Já que perguntou…O Grande Mestre está bem. Apenas está num período de profunda meditação, tentando, eu creio, descobrir a razão dos estranhos eventos ocorridos nos últimos tempos…Além de…

O vislumbre de interesse no olhar de Saga não lhe passou despercebido. Arles continuou.

– Além de ser bem provável que esteja decidindo qual dos Cavaleiros de Ouro será seu futuro sucessor. Isso lhe interessa, não é, Saga de Gêmeos?

Sua raiva era visível aos olhos argutos de Arles, Saga bem sabia, mas ainda assim não iria dar a ele o gosto de lhe ver perder a calma. Foi em tom glacial que se dignou a responder.

– Isso não me diz respeito. Essa é uma decisão que cabe apenas à ele e creio que nem mesmo o senhor tem poderes pra influenciá-lo. – e foi mais longe. – Por mais que a escolha do Sucessor entre os Doze Cavaleiros de Ouro possa desagradar às suas ambições…

– Cuidado, Saga de Gêmeos! – disse Arles, num tom de voz firme e ameaçador, erguendo a destra em atitude de alerta. – Uma acusação como essa pode ser classificada de alta traição! Para mim, como Mestre Assistente, a decisão do Grande Mestre é a lei suprema e incontestável e é bom que isso fique bem claro! Não admitirei que faça insinuações maldosas e sem nenhum fundamento acerca de minha pessoa!!

Saga deu um sorriso quase imperceptível ao ver que acertara na mosca, mas ainda assim resolveu assumir uma atitude diplomática por hora e se desculpar com fingida humildade. Arles o dispensou com um gesto e tomou o rumo da Mansão do Grande Mestre.

Saga ficou observando discretamente enquanto ele se afastava.

Então, eu estava certo… – pensou consigo mesmo. – Esse sujeito pernóstico quer de fato tomar o poder sobre o Santuário e sobre os Cavaleiros de Athena para si mesmo…Temo que Mestre Shion esteja em perigo. Talvez o melhor a fazer seja alertar os outros Cavaleiros de Ouro… – Mas algo dentro de si protestou contra esse impulso. – Não, ainda não…e se eu estiver errado? É melhor continuar observando…Talvez dar um jeito de falar com o Mestre em pessoa…

******************

Ele suspeita… – pensou Arles, aborrecido, enquanto subia para a Mansão do Mestre. – Por todos os deuses infernais, maldito Saga de Gêmeos!! – pensou, cerrando os punhos, com fúria.

Só há uma coisa a fazer…Por enquanto, pra despistar, vou retirar minha influência e parar de drenar a energia do velho Mestre. Que ele torne a aparecer para seus preciosos Cavaleiros e escolha seu Sucessor. Veremos quem será o Escolhido…Quando chegar a hora certa então, eu agirei…

******************

Foi agradável a visita à Alceus e sua acolhedora família. Todos ficaram muito felizes em ver Ying tão bem disposta, mesmo depois de tudo que acontecera. E a Amazona não errara em suas contas. O clima também estava agitado por lá em virtude do iminente nascimento da criança da jovem Pallas. Períclides, seu esposo, era todo sorrisos, orgulho e preocupação. Enquanto Ying conversava com Pallas, Ayoros, compreensivo e solidário, procurava tranqüilizá-lo, mas também não podia negar para si mesmo uma ponta de inveja e tristeza por sua filha perdida. Esperava com todas as suas forças que aquela criança de Pallas, fosse ou não Athena renascida, pudesse trazer alegria e esperança a todos.

Mais tarde, quando o sol já se punha no horizonte, Ying e Ayoros retornaram à Casa de Sagitário.

E então? Você sentiu aquele Cosmo, Ying? – perguntou Ayoros, tenso e maravilhado ao mesmo tempo. – É ela, não é? Você estava certa!

– Sim… – respondeu Ying, pensativa. – Me pergunto se os outros Cavaleiros não estão sentindo isso também. E o que é realmente preocupante: se Ares e seus marionetes não estão sentindo! Será a qualquer momento, meu querido! Talvez essa noite! Precisamos ficar atentos!

– Não estou gostando nada disso… – disse Ayoros, com uma expressão muito séria. – Um momento tão importante como esse e… – ele parou de falar, olhando para Ying, como se tivesse deixado escapar algo que não devia.

– E? – estranhou Ying, alerta. – Ayoros, o que está me escondendo?

Ele suspirou, aborrecido consigo mesmo.

– Com exceção de Saga, que se recusou terminantemente a ir por sua causa, todos os outros Cavaleiros de Ouro estão fora do Santuário, dispersos pelo mundo, em missões a mando do Mestre Arles.

– Por isso sentia o Cosmo deles tão vago…Mas o que deu nesse sujeito para deixar o Santuário desprotegido num momento como esse?! – perguntou, Ying, perplexa. – E por que me escondeu isso, Ayoros?!!

Ayoros segurou as mãos dela, olhando-a com ternura.

– Perdoe-me, querida. Eu não queria preocupá-la. Você ainda estava muito fraca e temi que isso a prejudicasse, pois sabia que se afligiria com isso.

Ying segurou as mãos dele também e suspirou.

– Bom, só espero que ele saiba o que está fazendo. Se pelo menos pudéssemos falar com o Mestre Shion…Ele também estava preocupado com a iminente vinda de Athena. Lembra como ele me tratou na casa de Alceus?

– É verdade… – disse Ayoros, pensativo. – Bom, mas agora já é hora de você descansar um pouco. Foi uma longa caminhada e você ainda não está totalmente recuperada.

– Mas eu…

– Nada de mas! – antes que ela pudesse protestar, ele a pegou no colo e a carregou até o quarto, sob os protestos risonhos e pouco convincentes de Ying, pondo-a delidamente sobre a cama e cobrindo-a com carinho. – Fique tranquila, minha adorada. Vou agora mesmo até a Mansão do Mestre e só sairei de lá quando ele me receber e Arles também terá de me dar uma explicação bem convincente sobre o que tem feito.

– Tome cuidado, Ayoros. Eu não confio nele.

– Parece que seu irmão Saga também não. – disse Ayoros, muito sério, enquanto vestia sua armadura dourada. – Começo a pensar que ele pode estar certo… – e acrescentou, suavizando a expressão. – Agora durma. Mandarei um recado à Saga pedindo que venha ficar aqui com você. – e voltando ligeiramente a cabeça para trás, ele alteou um pouco a voz, se dirigindo as duas jovens figuras que se acotovelavam atrás da porta semi-aberta: – Quanto a vocês, Ayolia e Hargos…

Ele riu disfarçadamente quando ouviu o barulho dos dois rapazes perdendo o equilíbrio e caindo um por cima do outro. Beijando Ying, que também ria da situação, calmamente se levantou e foi ao encontro deles que se apressaram a se levantar, um tanto envergonhados.

– Mes…Mestre Ayoros…Eu…Nós…quero dizer… – gaguejou Hargos, tentando em vão justificar a presença deles ali naquela situação constrangedora.

– Mes…Mestre Ayoros…Eu…Nós…quero dizer… – gaguejou Hargos, tentando em vão justificar a presença deles ali naquela situação constrangedora.

Ayoros levantou a destra pedindo silêncio. Então, sorrindo compreensivo, acariciou a cabeça de seu discípulo e de seu querido irmão caçula.

– Tudo bem, não precisam explicar nada. Eu sei o quanto gostam da Ying e o quanto se preocuparam com ela durante esses dias. Perdoem-me se os mantive um pouco afastados. Vejo agora que fui um pouco egoísta, cercando-a de tantos cuidados e talvez deixando-os um pouco de lado. Afinal, à sua maneira, vocês a amam tanto quanto eu… – ele lançou um rápido olhar à Hargos, que corou até a raiz dos cabelos. – Mas também sou responsável por vocês e não queria que se descuidassem dos treinamentos por motivo nenhum. Aliás, quero que me mostrem seus progressos quando eu voltar.

– Sim, senhor! – disseram Ayolia e Hargos ao mesmo tempo.

Ele sorriu.

– Fiquem agora com Ying mas não a cansem muito. Vou pedir que Saga venha aqui mais tarde e irei até à Mansão do Mestre. Talvez eu demore um pouco, portanto, cuidem de tudo por aqui. Confio em vocês.

– Pode deixar, meu irmão! Cuidaremos da Casa de Sagitário e de Ying com nossas próprias vidas! – disse Ayolia, empertigando-se.

Hargos, ao lado dele, lhe deu uma discreta cotovelada.

– Menos, Ayolia!! Não precisa ser tão dramático!! – disse o Lince, baixinho. E em voz alta: – Fique tranqüilo, mestre Ayoros. Pode deixar que cuidaremos de tudo por aqui. Prometo que não incomodaremos a senhora Ying. – concluiu, assumindo ares de rapaz ajuizado e responsável.

Com um sorriso nos lábios e ainda segurando um pouco a vontade de rir, apesar da seriedade da situação geral, Ying se pronunciou:

– Bom, ninguém me perguntou nada, mas será um prazer pra mim ficar na companhia de dois rapazes tão fortes e valentes. Estava mesmo sentindo a falta de vocês. No entanto… – ela fez uma pausa olhando para todos, incluindo Ayoros, que já ia saindo. – Preciso repetir que não sou um bibelô e já estou muito bem, portanto não exagerem! Todos vocês. Entenderam?

– Sim! – disseram Hargos e Ayolia ao mesmo tempo. – Entendemos!

Ayoros riu e se despediu da porta, vendo de relance Ying chamar os dois garotos para perto de si e abraçá-los com carinho. Seu coração se encheu de ternura vendo sua pequena família tão querida…Mas também de uma certa angústia…Um sentimento estranho e incômodo ameaçava tomar conta, crescendo sorrateiro dentro de si. Aborrecido consigo mesmo, Ayoros pensou, determinado a afastar isso de sua cabeça:

Chega de presságios!! O momento é sério!! Athena está prestes a nascer e é nisso que devo me concentrar. Se algo de maligno ronda o Santuário deve ser identificado e detido sem demora ou hesitações!!

E seguiu, resoluto para a Mansão do Mestre.

***************

– Senhor Ares, eu suplico!! – gritou, Jisty, de joelhos, aflita, temerosa de seu destino e do de seus companheiros. – Nós suplicamos!! Nos dê mais uma chance!! Nós acabaremos com Ying!! Destruiremos todos que atravessarem seu caminho, só nos dê mais uma oportunidade!! Athena não atrapalhará seus planos!! Eu e meus homens juramos à Vossa Excelência!!

Ares, ou melhor, Kannon, com o semblante totalmente modificado, os encarava como se estivesse diante de vermes desprezíveis e os quatro cavaleiros de bronze tremiam, sabendo o que podiam esperar da fúria de um deus.

O Deus da Guerra, através dos olhos do irmão de Saga, os fitou um a um. Ainda estavam bastante feridos, os miseráveis. O cosmo de Ying, embora fraco e fugidio na ocasião, fizera um estrago, ainda mais que ela fora inteligente e soubera como voltar a própria força daqueles parvos contra eles mesmos. Com uma voz baixa e ameaçadora, que não era a de Kannon, ele finalmente se pronunciou:

Vós falhastes em matar uma mulher grávida e praticamente indefesa…Ademais, ela nem é realmente quem eu pensava que fosse, mas ainda assim precisava ser eliminada!! Uma missão tão simples e vós, criaturas ignóbeis, falhastes miseravelmente…O Deus da Guerra não perdoa falhas!! – sua voz reverberou de modo a fazer estremecer as paredes do antigo templo onde se encontravam. – Vejam como tremem de medo…Vocês, miseráveis Cavaleiros de Bronze, são tão patéticos que não merecem nem a minha fúria somente meu desprezo e é isso que terão! Retirem-se da minha presença!! Desapareçam da minha frente!

Os quatro se apressaram a se levantar, trêmulos ante a fúria terrível daquele ser poderoso, no entanto, tinham os pés como que pregados ao chão e não conseguiam despregar os olhos Dele.

SAIAM!!! SAIAM, EU JÁ DISSE!! – uma ofuscante explosão de cosmo acompanhou a voz tonitruante do Deus da Guerra.

Quando tudo voltou ao normal não se via nem sombra de Jisty e seus cúmplices.

Passos pesados se ouviram atrás de Kannon ainda transfigurado como Ares. Um Cavaleiro de Ouro se aproximava, seu semblante oculto pelas sombras.

– Por que não eliminou esses inúteis? Será que o implacável Deus da Guerra está se tornando misericordioso? – o Cavaleiro perguntou com ousada ironia.

Kannon/Ares nem se deu ao trabalho de se voltar.

Estás muito cheio de si para quem foi tirado do vazio onde o encontrei, Máscara da Morte…Posso mandá-lo de volta a qualquer momento, ou melhor ainda, posso mandá-lo para Hades numa viagem só de ida, portanto, modere suas palavras e lembre-se de com quem estás falando!

O poder emanado daquele ser era tão grande que o Cavaleiro de Câncer se viu forçado a se ajoelhar.

– Perdoe-me…meu Senhor…Sou seu mais fiel servo e aguardo suas ordens. – disse, fingindo uma humildade que estava longe de sentir. – Ele é forte, é um deus muito poderoso e representará a Justiça para mim, enquanto isso durar…

Sei… – Ares sorriu para si, conhecendo os pensamentos mais íntimos daquele Cavaleiro. – Não que lhe deva satisfações, mas assim como você mesmo, eles ainda podem ser úteis no futuro, nem que seja para ser eliminados em prol de meus planos de conquista. Mas não percamos mais tempo, Máscara da Morte…Athena pretende vir ao mundo esta noite, portanto, é sua missão eliminá-la e a todos que colaborem para isso, estás me entendendo? Todos. Não importa como farás isso, se pessoalmente, ou se utilizando de algum instrumento descartável, como um cavaleiro menor, para que não sujes as mãos .Mas faça de maneira discreta…Não é ainda hora de aparecer e já há muita especulação sobre possíveis inimigos atacando o Santuário…Só quero aparecer para tomar posse do meu triunfo, somente na hora certa…Que a morte daquela infeliz família de camponeses seja apenas vista como um lamentável acidente…Estarei te observando, renegado.. Veremos então se você não merece ser eliminado…

– Perfeitamente, meu Senhor. – ele curvou reverentemente a cabeça, erguendo-a em seguida. Seu olhar brilhava de antecipação e malícia e um sorriso cruel se desenhou levemente em seu rosto.__ Já tenho a pessoa certa para isso

Então, o que esperas?. – ordenou Ares. – Retira-te da minha presença e cumpre tua missão. A mulher já está sentindo as dores. É questão de horas. Vá!!

O Cavaleiro de Câncer se levantou e, com mais uma respeitosa reverência, despediu-se, se retirando do templo em ruínas.

Kannon sorriu consigo mesmo. Ares havia se afastado um pouco agora. Seu semblante cruel também se abriu num sorriso.

Falta pouco agora…Falta muito pouco…

Seguindo discretamente por caminhos e passagens secretas que só ele conhecia, Máscara da Morte voltou para a Casa de Câncer e encontrou lá à sua espera exatamente aquele com quem queria falar. Um menino franzino de pele clara, curtida pelo sol, com cabelos vermelhos e compridos, aparentando cerca de 14 anos, olhos negros cruéis e expressão fria. Impassível, o garoto se levantou assim que o cavaleiro entrou, postando-se então diante dele numa reverência formal.

– Excelente, Hefestos. Vejo que atendeu prontamente ao meu chamado. Tenho uma missão para você. Como futuro Cavaleiro da constelação de Fornalha1, este será mais um teste para você. Quero que incendeie a casa do chefe da aldeia de Rodórios, mas seja discreto. Que todos pensem que foi apenas uma triste fatalidade, um fogão que explodiu, quem sabe… – Máscara da Morte falava displicentemente, como se estivesse enfadado com algo sem importância alguma. – Eu estarei lá observando. Espero que faça tudo à contento, meu caro…Ninguém deve sobreviver, entendeu?

– Sim, senhor. – o menino respondeu, ainda impassível, como se o outro tivesse apenas mandado ele fazer 100 flexões.

– Ótimo… – Máscara da Morte sorriu. – Mas se alguém sobreviver, até será bom, pois então me encarregarei pessoalmente. Mais cabeças enfeitarão as paredes da minha Casa esta noite e mais almas torturadas seguirão para o Yomotsu… Incluindo Athena em pessoa…Deusa fraca e tola em sua misericórdia estúpida por esses seres humanos desprezíveis…Terei o prazer de enviá-la eu mesmo aos Campos Elísios?

****************

Já era noite. Uma belíssima lua cheia reinava majestosa no céu coalhado de estrelas do Santuário, mas Ayoros nem parecia perceber o esplendor daquela noite. Com o semblante bonito carregado de tensão, ele andava pra lá e pra cá em frente da gigantesca estátua de Athena, num vaivém de fera enjaulada, tentando inutilmente se acalmar e colocar as idéias em ordem antes de voltar para a Casa de Sagitário.

Droga!! O que está acontecendo afinal de contas neste Santuário? – ele se perguntou pela enésima vez. – Fiquei horas esperando para falar com Mestre Shion para finalmente Arles me dizer que ele realmente estava indisposto e que não poderia me atender. No entanto, se recusou categoricamente a me dar qualquer explicação acerca de seu real estado de saúde ou sobre os estranhos acontecimentos ocorridos no Santuário, inclusive o atentado à minha Ying e que resultou na morte da minha filha!! – ele franziu o cenho, cerrando os punhos. – “Tudo está sendo investigado.”, ele disse, pois sim…

De repente, uma mão em seu ombro o fez voltar-se, assustado.

– Teve algum sucesso, Ayoros? – perguntou Saga, mas sua expressão séria e preocupada, diziam que ele já sabia a resposta.

Ayoros suspirou, sacudindo a cabeça, desanimado.

– Não…Arles não deixou que eu me aproximasse do Mestre, mas disse que o veremos nos próximos dias. Também não quis dizer nada sobre a situação do Santuário… – então ele olhou bem para Saga. – Mas, o que está fazendo aqui, meu amigo? Não deveria estar com Ying? Aconteceu alguma coisa? – perguntou, preocupado.

– Não, ela está bem… – ele sorriu sem vontade. – Apenas se preocupou com sua demora e pediu-me que viesse atrás de você. E não foi fácil convencê-la a ficar na cama. Ela queria vir pessoalmente a qualquer custo.

Ayoros não pôde deixar de sorrir. Ele conhecia bem o gênio forte de Ying e era isso que a fazia tão preciosa…Ayoros sabia que a impulsividade dela muitas vezes lhe toldava o julgamento racional e que isso podia lhe custar a vida. Mas ele nunca permitiria que nada de mal lhe acontecesse, não outra vez, não se pudesse evitar. E rogava a todos os deuses que pudesse…

– Ayoros?

O Cavaleiro de Sagitário piscou.

– Desculpe, estava distraído… – Ayoros então olhou pra cima pela primeira vez e reparou na extraordinária beleza daquela noite. – Veja, Saga, apesar dos problemas e ameaças ocultas que enfrentamos, os deuses hoje nos presentearam com uma noite de encanto sem igual, não é mesmo?

Saga olhou pro céu e teve que concordar.

– É verdade…É como se algo de mágico estivesse acontecendo no mundo, no meio de tanto caos e guerras…

Ayoros ficou calado enquanto fitava o céu, pensativo.

Athena…É ela…A Deusa está descendo ao nosso mundo. Deve ter chegado a hora dela nascer. Preciso avisar Ying.

Nesse instante, um enorme clarão seguido do som de uma forte explosão se fez ouvir ao longe, chamando a atenção dos dois Cavaleiros de Ouro que procuraram sua origem, alarmados.

– Veja, Ayoros!! – gritou Saga, apontando. – Ali, a leste do centro de Rodórios…

– Pelos deuses!!! – exclamou Ayoros, atônito. – Athena!! O novo avatar de Athena está prestes a nascer naquela casa, a casa de Alceus, o chefe da aldeia!! Precisamos ir até lá!! Rápido!!

– Como é? – exclamou Saga, perplexo. – Então os boatos tinham mesmo fundamento? Cheguei a pensar…Por que não me falaram nada?

– Eram somente especulações e o Mestre Shion não queria chamar a atenção. Muitos devem ter pensado o mesmo, inclusive o monstro que atacou Ying… – Ayoros olhou pra ele, com uma expressão estranha. – Mas não há tempo pra explicações! Vamos!

– Sim!! – e partiram na velocidade da luz em direção de Rodórios.

************

Uma figura encapuzada e velada por uma máscara, como sempre espreitava.

Maldição!! – ele cerrou os punhos. – Alguém parece ter chegado à minha frente. Pelo visto Ares não dorme mesmo no ponto…Mas não devo me preocupar. É só ficar atento e tentar tomar o melhor partido possível da situação… Se Athena morrer, tanto melhor… Caso contrário, eles terão de trazê-la pra cá…E então… – ele deu um sorriso sinistro por trás da máscara cerimonial.

************

– Ying!! Não vá!!! Você ainda não está totalmente recuperada! Pode ser perigoso! – implorava Hargos, tentando deter a impulsiva Amazona, já vestida com sua armadura de ouro e pronta pra ir verificar a origem daquela confusão. – Deixe que eu e Ayolia iremos! E o mestre Ayoros com certeza já deve estar à caminho!

Ying de costas pra ele caminhava a passos largos pra saída sem lhe dar muita atenção.

– A situação é grave, Hargos. Eu preciso ir, pois sinto que estou diretamente envolvida. A segurança de Athena está em jogo. – ela parou um instante e se voltou para o desesperado rapaz com um sorriso sereno que destoava da expressão grave dos seus olhos. – Hargos, meu caro e dedicado amigo, não se preocupe. Prometo não fazer nenhuma loucura.

– Ying, ele tem razão. – insistiu Ayolia em apoio ao amigo. – Pelo jeito é um ataque ao Santuário e você ainda não está em condições de lutar!

Ying ficou séria. Sua expressão sombria assustou aos dois garotos.

– Não…Não é um ataque ao Santuário…Pelo menos não na escala que imaginam…Mas fiquem aqui vocês dois e tomem conta da Casa de Sagitário. Eu e Ayoros voltaremos logo.

– Ying…

– Estou indo.

– Mas…

Ying já desaparecera rumo à Rodórios, deixando dois frustrados protetores pra trás.

****************

A casa modesta estava em chamas. Houvera uma terrível explosão antes e toda a aldeia estava em polvorosa, tentando apagar o fogo. Ninguém tinha idéia do que poderia ter acontecido e não havia tempo pra especulações. O fogo podia se espalhar pelas outras casas próximas e todos tentavam evitar isso carregando e despejando sobre as chamas baldes e mais baldes de água enquanto procuravam por Alceus e sua família que moravam ali. Oh, terrível tragédia! Será que ele, sua esposa, seu genro e sua jovem filha grávida haviam perecido na explosão? Isso parecia muito provável.

Bem próximo dali, um rapazote de cabelos vermelhos e olhar maligno parecia observar com sombria satisfação, o que ninguém desconfiava, era o resultado de seu trabalho. Fora algo extremamente fácil, até mesmo banal, para ele provocar uma explosão no fogão da casa com o seu Cosmo. Tudo pareceria uma lamentável fatalidade. Seu mestre Máscara da Morte estava próximo dali, podia sentir, observando satisfeito também como se desempenhara à contento de sua missão.

Foi então que um movimento na entrada da casa em chamas chamou a atenção dele seguido por uma comoção dos espectadores do sinistro. Um vulto encurvado saía do meio daquele inferno.

– Mestre Alceus!!! É o chefe!! Ajudem-no!! – gritavam várias pessoas.

Vários vizinhos o cercaram, o afastando com cuidado da casa, prestes a desabar. Deram-lhe água, tentando reanimá-lo. O velho tossia sem parar e chorava desesperado.

– Nísia!! Minha… querida… Nísia!! Ela ainda está lá!! – outro acesso incontrolável de tosse o obrigou a interromper-se. – Ela estava na …cozinha quando…explodiu…tudo! E minha filha!! Períclides! Onde… eles estão?

**************

Abrindo caminho entre a assustada multidão de espectadores, Saga e Ayoros, finalmente conseguiram se aproximar da casa e do velho Alceus.

– Senhor Alceus!! – exclamou Ayoros, apreensivo, enquanto Saga ao constatar que o velho estava bem, começou a vasculhar em volta em busca dos responsáveis por aquela tragédia. – O senhor está bem? O que houve?

O pobre ancião ainda estava em estado de choque e tossia sem parar, intoxicado pelo excesso de fumaça.

– Ayoros, cuide dele! – bradou Saga. – Estou sentindo um Cosmo muito familiar por perto. Eles só podem ser os responsáveis por esse incêndio! Eu vou pegá-los!

– Saga! Espere! – gritou Ayoros, mas o outro já havia desaparecido.

Ayoros voltou-se para Alceus, que com voz débil, balbuciava, desesperado.

– Oh, meu filho, salve-os!! Nísia…Pallas, minha pobre filha…Períclides… Ele me fez sair…Para salvá-las, mas…Onde ele está?

– Farei o que for possível, meu amigo. Descanse! Tudo vai ficar bem.

Ayoros o deixou aos cuidados dos vizinhos e olhou, resoluto, para as chamas, que cresciam assustadoramente, tomando conta de quase toda a construção. Uma pessoa normal não conseguiria sequer se aproximar, pois o calor era infernal e a entrada parecia um portal do inferno, de onde somente se enxergavam chamas devoradoras, mas ele era um Cavaleiro de Athena e tudo faria para salvá-la e aos que precisassem dele.

– Senhor Ayoros!! – muitos gritaram ao vê-lo entrar na casa em chamas.

*************

Ying chegou logo depois e nem precisou que lhe contassem que seu amado havia entrado na casa para tentar um quase impossível resgate. Seu coração pareceu parar de bater e o pesadelo que a perseguia desde a mais tenra infância a assediou com um realismo assustador, deixando-a estática. O abismo de chamas! Será que Ayoros seria tragado agora por ele e arrancado de seus braços?

– NÃÃÃOO!! AYOROS!!! – ela gritou, fazendo menção de segui-lo mas foi detida por dois braços poderosos.

– Calma, Ying! – gritou Saga segurando-a firmemente junto a si. – Não permitirei que se arrisque naquele inferno!!

Por cima do ombro, Ying olhou pra ele, aflita. Saga estava com o semblante fechado pela frustração e raiva impotente. Não fora rápido o suficiente para deter os malditos assassinos e sabia que um deles era um Cavaleiro de Ouro, embora apenas desconfiasse de quem se tratasse. Mas como era possível? Esse miserável não havia sido banido a meses por sua própria irmã? O cosmo de Kannon, embora muito diferente, também parecia estar por perto, mas nada encontrara…Nada fazia sentido e isso o deixava furioso!

– Deixe-me ir!! – ela gritou, suplicando a seu irmão que a largasse. – Ele está lá dentro!!

– Ayoros sabe se cuidar… – então apontou para a entrada da casa. – Veja!! Ele vem vindo!!

De fato, Ayoros, com alguma dificuldade, carregava dois corpos inertes. Eram a pobre Nísia e o jovem marido de Pallas.

– Ayoros!! Você está bem? – Ying se desvencilhou dos braços de Saga e correu ao encontro dele. – E… eles?

Mas ela já sabia a resposta.

– Estou bem, minha querida… – ele os deitou delicadamente no chão e tossiu por causa da fumaça. – Mas eles…Estão mortos… – ele sacudiu a cabeça, desolado. – Cheguei tarde, mas… – ele se levantou, num repente. – Sinto que há alguém vivo…Lá no quarto dos fundos, onde as chamas não tomaram conta completamente…

– Pallas!! Só pode ser ela!! – Ying falou, ansiosa.

– Eu vou voltar lá e salvá-la! – ele falou, decidido.

Mas uma mão em seu ombro o impediu.

– Não. Eu irei.

– Saga! Mas, eu… – protestou Ayoros.

– Você está ferido. – disse o outro calmamente, olhando-o de alto a baixo, para seu corpo coberto de queimaduras, apesar da proteção da Armadura de Ouro. – Eu vou. Não suportaria ver o sofrimento de minha irmã se algo lhe acontecesse.

E entrou correndo na casa.

– Saga… – murmurou Ayoros, surpreso, com o tom que o outro usara.

– Saga!! Tome cuidado!! – gritou Ying, aflita.

As chamas aumentaram de intensidade. A casa parecia realmente prestes a desabar. Ninguém que não fosse um Cavaleiro conseguiria penetrar naquele verdadeiro inferno, mas mesmo para um deles a situação já se tornava insustentável. Todos permaneciam em expectativa. O que pareceram longos minutos se passaram e nenhum sinal do Cavaleiro de Gêmeos. Então, com grande estrépito, desabou o portal da casa. Não havia mais passagem, só se viam chamas devoradoras e furiosas!

– Saga!! SAGA!!! – Ying gritava, fazendo menção de entrar.

– Fique aí! Eu vou! – gritou Ayoros.

– Não!! – gritavam várias pessoas em volta. – Vocês vão morrer também!! Não há mais nada a fazer!!

Então quando ambos já se posicionavam para entrar na casa, um portal dimensional se formou onde antes era a porta da casa do chefe da aldeia. Carregando Pallas nos braços, surgiu, imponente e ileso, Saga de Gêmeos.

– Por que essas caras assustadas? – disse Saga, pondo a jovem delicadamente no chão. – Não acharam que um incêndio seria capaz de me derrotar, acharam?

– Oh, Saga!! – Ying o enlaçou pelo pescoço, num impulso, quase o derrubando. – Graças à Athena, está bem!! Tive tanto medo!

Um tanto corado, Saga retribuiu o abraço da irmã. Tossindo um pouco, por causa da fumaça e para disfarçar o embaraço, Saga a afastou gentilmente e falou:

– Olhem, falando em Athena…Bem, eu não entendo nada dessas coisas, mas acho que essa jovem está dando à luz!

De fato, a jovem inconsciente, tinha o corpo percorrido por espasmos regulares. Havia sangue escorrendo entre suas pernas, misturado a um líquido incolor.

– Athena vai nascer! – Ying falou, atônita. – Precisamos levá-la agora pra um lugar mais limpo! Ivanna!! A curandeira.. Precisamos chamá-la ou levar Pallas até ela!

Um murmúrio quase inaudível chamou a atenção dos três.

– Não…Não há …tempo…Ela vai nascer…agora! – Pallas abriu os olhos, olhando sem ver, como se estivesse em transe ou delirando, seu corpo contraindo-se em espasmos de dor.

– O que faremos? – disse Ayoros, apreensivo. – Por favor, chamem alguma parteira da aldeia! – ele pediu, olhando as pessoas em volta deles.

– Já procuramos, mas parecem estar todas fora essa noite. – respondeu um senhor vizinho do chefe Alceus.

– E as poucas que encontramos… – uma mulher tremia, extremamente pálida como se tivesse visto a Morte com os próprios olhos. – …Estavam mortas.

– Ivanna!! –exclamou Saga, levantando-se repentinamente, parecendo perturbado. – Vou buscá-la!

– É tarde demais, meu amigo… – uma voz serena e triste soou atrás deles. – Ela também…

– Mu! – exclamou Saga, atônito. – Não… – ele sacudia a cabeça, incrédulo. – Não pode ser…O que está acontecendo?

– Como chegou aqui tão rápido? – perguntou Ayoros, surpreso. – Pensávamos que todos os Cavaleiros de Ouro estavam fora do Santuário em missão.

– E estávamos…Mas o Mestre Shion, pessoalmente, antes de … adoecer, avisou a mim e ao Shaka que ficássemos de prontidão…Para qualquer eventualidade nesse sentido… – ele examinava atentamente a jovem Pallas enquanto falava, sacudindo a cabeça, consternado ao final. – Além disso, pude sentir o cosmo de Athena aumentando e não devo ter sido o único…

Ying ergueu a cabeça, olhando em volta.

– Precisamos tirá-la daqui! Ela não pode dar à luz no meio desse caos! – disse Ying, apreensiva.

– Tem razão. – disse Ayoros, fazendo menção de tomar a parturiente nos braços. – Vou voar com ela até o Santuário! Lá é onde Athena deve nascer!

– Não, Ayoros! – alertou Mu. – Ela está fraca demais para agüentar uma viagem assim e a criança vai nascer a qualquer momento…Por mais rápido que voe, meu amigo, é arriscado demais!

– Mas então…

Mu olhou significativamente para Saga e Ying. Saga entendeu de imediato e concordou.

– Muito bem…Mas não será fácil… – ele disse com a expressão mais séria que Ying já vira em seu rosto. – Você conhece a lei, Mu. Quando Athena desce à Terra é praticamente impossível se teleportar nas dependências do Santuário…Como ela ainda não nasceu, pode ser feito, mas será um esforço descomunal…Não conseguirei sozinho e Ying talvez não suporte…

– Eu agüentarei o que for necessário junto com você, meu irmão. – afirmou Ying, muito séria.

Saga a olhou de forma intensa e concluiu.

– De qualquer forma, precisaremos de ajuda, Mu.

– Meu cosmo estará à disposição de vocês. – prontificou-se Mu, de imediato. – Shaka está na Casa de Virgem em profunda meditação e também fará o mesmo. – Como diz a profecia, Athena surgirá aos pés de sua estátua no Templo… – ele concluiu, então, com sua voz sempre serena e suave, mas com uma expressão solene e grave, nunca antes vista. – Somente lá ela estará protegida, eu creio, do imenso cosmo maligno que cresce a cada minuto e nos cerca como um nevoeiro insidioso… Não estão sentindo?

– Sim… – confirmou Ying, apreensiva. – Venho sentindo faz tempo…Tem razão, Mu! Precisamos tirá-las daqui!

Ayoros entendeu a gravidade da situação.

– Eu os ajudarei também direcionando meu cosmo para que o utilizem no transporte e no que mais for preciso. Contem comigo.

– Mas… E o incêndio? – lembrou Ying, preocupada com a confusão em volta que só fazia aumentar. O fogo ameaçava se espalhar pelas casas próximas e os aldeões estavam tendo dificuldades para debelá-lo.

– Saiam daqui todos vocês e cuidem de Athena que do incêndio cuido eu! – uma voz grave e glacial reverberou.

– Kamus!!! – exclamaram os Cavaleiros de Ouro.

– Que bom que também veio, meu amigo. – saudou-o Mu.

– Vamos tirem-na daqui, já disse! – Kamus disse, sério, mas seus olhos azuis brilhavam com um brilho cúmplice. Ele começou a concentrar seu cosmo. – Eu também farei minha parte. Façam a de vocês!

Mu anuiu e olhou para os outros.

– Ayoros, você nos seguirá pois calculo que precisaremos muito de você ao chegarmos lá. Afinal se conseguirmos fazer o transporte, é muito provável que nenhum de nós esteja em condições para fazer mais nada…Saga, Ying, preparem-se!

– Sim! – disseram os três ao mesmo tempo.

Saga e Ying se levantaram, os Cosmos em ressonância, se harmonizando e crescendo como se fossem um só. Concentrando-se intensamente em seu objetivo, os movimentos e pensamentos perfeitamente sincronizados, como só os gêmeos conseguem fazer, eles ergueram os braços, direcionando sua cosmoenergia para um ponto adiante deles, começaram a construir um portal que os levasse, junto com Mu que segurava Pallas delicadamente nos braços e também concentrava seu cosmo para apoiá-los, até o Templo de Athena, no ponto mais alto do Santuário. Ayoros, que também os auxiliava com seu cosmo, os acompanharia voando.

***********

As expressões dos irmãos eram de quem fazia um esforço sobre-humano. Suor frio escorria de suas frontes e corpos. Eles rangiam os dentes na tentativa desesperada de manter a energia necessária. Sentiam-se prestes a desfalecer, mas mantinham-se firmes à custo de suas férreas vontades e da ajuda dos outros Cavaleiros de Ouro. Se fosse antes, quando Athena ainda não se preparava para descer à Terra, ele conseguiriam promover o transporte com a facilidade de quem dá um passeio no parque, mas conforme a deusa se fazia mais e mais presente a simples tentativa parecia consumir até sua última gota de energia vital.

Ying… – Ayoros acompanhava, aflito. – Resista, minha querida, por favor…Saga, Mu…Força!!

Uma imensa esfera de energia se formou, cercando-os. Saga e Ying gritaram num último esforço. Então o espaço se torceu e dobrou ao redor dos quatro e eles desapareceram numa explosão de cosmo. Imediatamente, Ayoros os seguiu, após lançar um rápido olhar de agradecimento para Kamus que já cuidara das chamas com seu cosmo gélido e verificar que tudo se encontrava sob controle.

******************

Malditos!! Malditos sejam! Todos eles!!! – esbravejava Máscara da Morte, frustrado. Ares deveria estar furioso e sabia que sua fúria não tardaria a desabar sobre ele assim que o encontrasse.

Furioso, ele descontava toda a sua frustração em cima do garoto Hefestos, espancando-o cruelmente.

– Eu não disse para matar todos?! Idiota!!! – gritou, dando-lhe um soco que fez o garoto chocar-se violentamente contra uma das paredes da Casa de Câncer mais uma vez. Por sua causa, o Deus da Guerra com certeza vai me matar ou me exilar novamente!! Droga!! Se pelo menos não tivessem aparecido aqueles intrometidos…

Athena deve estar nascendo…Ares com aquele marionete do Kannon ainda devem estar muito ocupados tentando impedir isso… – Máscara da Morte pensou, frenético, deixando cair o garoto no chão, quase morto. – Preciso sair daqui! Isso!! Vou fugir!! Ninguém vai me mandar de novo para aquele lugar…

Onde pensas que vai, Cavaleiro de Câncer?– uma voz grave e terrível soou às suas costas no mesmo instante, seguida por uma gargalhada baixa, sombria, irônica e sinistramente ameaçadora.

Máscara da Morte se voltou devagar, pálido como uma estátua de mármore. Olhou em volta. Nada se via. Mas a voz estava lá. Ele estava lá como se estivesse em todos os cantos ao mesmo tempo.

Achaste mesmo que escaparias de mim? De Ares, deus da Guerra? Tolo mortal!!! Insignificante e torpe em tua mesquinha covardia!! Acreditaste por um instante sequer que poderia haver um lugar no mundo inteiro onde poderias te ocultar da minha fúria?!! És mesmo um imbecil da pior espécie!

Kannon então surgiu aparentemente do nada, transfigurado e terrível, na frente de Máscara da Morte, que caiu de joelhos, implorando misericórdia.

Eles foram para o Templo de Athena agora… Por sua causa, por enquanto, não poderei fazer nada. Mas não importa. A vida de um recém-nascido é muito frágil…

Senhor!! Eu imploro! Dê-me mais uma chance!! Eu a matarei, juro!!!

Ares/Kannon olhou-o como a um verme asqueroso.

Tu, Máscara da Morte?! Ora, não foste tu que me admoestaste por não eliminar imediatamente aqueles idiotas de bronze? Por que deveria te dar outra chance se provaste ser tão inútil quanto eles? Mas… – ele sorriu, de um modo que fez o Cavaleiro de Câncer se encolher de pavor, pois sabia que estava perdido. – …Pra que não se diga que Ares não é misericordioso…Muito bem, lhe darei outra chance… – Kanonn se aproximou, vagarosa e inexoravelmente, como um predador encurralando sua presa. – Mas não agora.

– NÃO!! – gritou Máscara da Morte. Um portal dimensional, para onde se viu literalmente arremessado, se abriu diante dele.

Volte para o vazio de onde o tirei!! Se precisar de ti, chamarei…talvez.

Dirigindo-se, majestosamente à saída, pensou, sombrio:

E agora, minha divina irmã…veremos por quanto tempo se mantém neste planetinha medíocre que tanto amas…Garanto que muito menos do que pensas…

****************

A imponente estátua de mármore e ouro do Templo de Athena olhava com olhos compassivos e pétreos para o insólito grupo que ousara se materializar aos seus pés. Eles haviam conseguido. Levaram a jovem Pallas até o Templo. Lá estariam protegidos, ou assim acreditavam, das forças malignas que insidiosamente cercavam o Santuário.

A jovem mãe estava fraca demais até para gemer, o corpo percorrido por espasmos cada vez mais freqüentes e violentos, embora com débeis reações da parte dela. Mu ainda um pouco atordoado em virtude do esforço tremendo de auxiliar no teleporte, estava preocupado. Começava a duvidar de que ela fosse conseguir dar à luz à pequena deusa e não havia por perto ninguém habilitado que pudesse ajudá-la. Fosse qual fosse a entidade maligna que estava por trás de tudo, parecia que tomara todas as providências para dificultar ao máximo as coisas para a volta de Athena.

Olhou em volta. Ayoros estava lá e tinha o mesmo olhar perdido e aflito que ele, dividido entre a preocupação com sua amada Ying, que jazia semiconsciente em seus braços e a parturiente ao seu lado. Saga, que tomara para si a maior parte da responsabilidade e da carga energética necessária ao transporte dimensional, jazia inerte ao lado de Ying.

– Alto lá! – gritou um soldado que se aproximou a passos largos com outros três atrás dele. – Como se atrevem a invadir o Templo de Athena à uma hora morta dessas? Quem…

Os soldados estacaram perplexos ao reconhecerem de quem se tratava.

– Oh, perdoem-nos!! Mas…O que fazem aqui a essas horas, Cavaleiros de Ouro? – disse olhando intrigado para a mulher coberta de sangue junto deles.

Ayoros tomou a palavra sem perder tempo com preâmbulos.

– Avise ao Grande Mestre imediatamente! Esta jovem está dando à luz à nova reencarnação da deusa Athena! Precisamos de ajuda aqui e rápido!

– Sim, senhor! – e saíram correndo para cumprir as ordens.

************

Mu, concentre-se!!de repente a voz de Shaka de Virgem se fez ouvir, ressonante e grave na mente do Cavaleiro de Áries. – Ajude-me a criar uma barreira de proteção agora! Athena vai nascer, não há tempo pra mais nada! Forças malignas terríveis se aproximam de mais de uma direção…

Shaka, ela está fraca demais! Precisamos de ajuda ou Athena não conseguirá nascer! – Mu estava muito apreensivo. – Preciso ajudar…

Ayoros é o Escolhido de Athena. Ele deve cumprir seu papel. E Ying também… – Shaka falava em um tom estranhamente profético e enigmático. – Você ajudará, assim como eu, meu amigo, se cumprir o seu próprio papel…Forme a barreira! Agora!

Mu aquiesceu. Com expressão solene e reverente fitou Ayoros e disse, com voz suave mas firme, que não deixava margem a dúvidas:

– Meu amigo, agora é com você. Eu e Shaka os protegeremos com nossos cosmos, mas, infelizmente, terá de trazer nossa deusa ao mundo sozinho, ou melhor somente você e Ying.

– Sozinhos?!! – Ayoros fitou-o, atônito. – Mas…Mas, Mu… Eu nunca fiz isso antes! Eu não sei o que fazer! Eu…

Mu pôs a mão direita sobre a dele, encorajando-o.

– Você é o Escolhido. Athena o escolheu…E a Ying também… – completou, lançando um olhar doce a ela que, se levantava resoluta e penosamente, parecendo prestes a desfalecer de exaustão, mas consciente do que teriam de fazer. – Confiem Nela. Você conseguirá.

Ayoros, muito sério, balançou a cabeça afirmativamente. Com palavras e pensamentos de encorajamento e tranqüilidade para a jovem Pallas, posicionou-se entre as pernas dela, sob a orientação de Ying, que se colocou por sua vez empurrando a barriga de Pallas, tentando forçar a criança a descer. Aquela era uma situação muito difícil e dolorosa para ambos em virtude do que haviam passado recentemente com a perda da própria filha; no entanto, não hesitaram um só instante. Eles eram Cavaleiros de Athena e iriam cumprir o seu dever, esquecendo-se de si mesmos.

Mu ergueu-se e, intensificando seu cosmo, formou um espécie de barreira semelhante a um muro de cristal invisível2, que os isolava totalmente.

Vamos, meus amigos! O futuro da Humanidade depende de nós! – foi sua mensagem silenciosa.

*******************

Na entrada do templo, oculto nas sombras, Arles espreitava, decidindo o que fazer. Nesse momento crítico seria fácil acabar com Athena em sua forma tão frágil de humana, que ainda lutava por nascer e, de quebra, poderia se livrar daqueles incômodos Cavaleiros de Ouro. Mas será que ele, Arles de Altar, um simples Cavaleiro de Prata, seria capaz de tamanha façanha de liqüidar três Cavaleiros de Ouro dos mais poderosos? Isso sem contar com Shaka de Virgem, considerado praticamente um deus vivo, e que os auxiliava à distância com seu cosmo.

Sim…Por que não? Esta é a hora! O poderoso e arrogante Saga de Gêmeos está incapacitado e os outros dois debilitados por forçarem o teleporte até aqui…É agora ou nunca!! – eram os pensamentos insinuantes que Ares, invisível ao seu lado, lhe enviava tal como um encantador hipnotizando sua serpente, uma vez que o ardiloso e covarde Arles tendia também a deixar as coisas como estavam por enquanto, se livrando dos “obstáculos” aos poucos e assim manipular a pequena deusa a seu bel-prazer e melhores interesses. Ares até que não desgostava dessa idéia…Mas por que não resolver tudo de uma só vez?

Cedendo enfim à poderosa influenciação de Ares, o Mestre-Assistente deu um passo à frente disposto a atacá-los antes que se dessem conta quando alguém, uma mão em seu ombro o impediu de avançar.

– Não interfira. – disse uma voz cansada e envelhecida, mas ainda repleta de autoridade.

Perplexo pela interrupção inesperada, Arles gelou, sentindo-se descoberto. De repente, sentiu como se um raio de energia cósmica lhe atravessasse o cérebro.

– Vá para seus aposentos, meu rapaz. – ordenou tristemente Mestre Shion. – O seu procedimento ultimamente tem sido muito grave, podendo ser claramente qualificado como alta traição…Justo você a quem criei e amei como a um filho. – Shion fez uma pausa, observando, por trás da máscara cerimonial os olhos vidrados do outro, que se encontrava subjugado pelo lendário golpe de controle mental dos Mestres do Santuário. – Mas ainda lhe darei uma chance de se explicar e se arrepender. Teremos uma longa e definitiva conversa…Depois que a Deusa retornar e estiver devidamente acomodada e protegida… Agora obedeça! Vá!

Como um autômato, Arles se dirigiu a passos lentos para o interior da Mansão enquanto Shion se aproximava de seu antigo discípulo e dos outros.

– Mestre!! – exclamou Mu, surpreso e feliz por vê-lo. – Pensamos que…

– Não há tempo pra isso, meu jovem. – Shion fez um gesto com a mão interrompendo o Cavaleiro de Áries. – Chegou o momento que todos esperávamos. Meu Cosmo, embora não tão forte como costumava ser, se unirá ao de vocês na defesa à nossa Athena. – ele lançou um olhar em volta como se pudesse ver o vulto de Ares/Kannon, que furioso e frustrado, tentava em vão aproximar-se.

Junto à agonizante parturiente, alheios ao que acontecia em volta, o casal de Cavaleiros de Ouro se desdobrava em esforços:

– Vamos, querida Pallas!! – implorava Ying, tentando fazer o máximo que seus parcos conhecimentos de medicina lhe permitiam. Agia mais intuitivamente que outra coisa. – Só mais um pouco! Por favor!

Oh, deuses!! Deveríamos tê-la levado a um hospital em Atenas!! – pensou Ying, aflita.

Não, minha jovem. Isso de pouco adiantaria, infelizmente. – dizia a voz do Mestre Shion em sua mente. – A única chance dela é aqui, conosco.

Os minutos se escoavam numa lentidão enervante…Nada parecia se modificar e a pobre Pallas estava cada vez mais fraca e seus esforços mais débeis quando finalmente:

– Ying!! – gritou Ayoros entre assustado e entusiasmado. – Está vindo!! Estou vendo a cabeça do bebê!!

– Oh, graças aos deuses!! – exclamou Ying, esperançosa. – Agora, força!! Por favor, Pallas!! – ela engoliu em seco, sentindo-se a mais cruel das criaturas. Se ao menos pudesse salvá-la… – Só mais uma vez…

A pobre moça parecia pouco mais do que um corpo sem vida. Os olhos claros estavam semicerrados de dor e exaustão, seus cabelos e sua pele pálida como mármore embora imunda de fuligem, emplastrados de suor e sangue. Os batimentos cardíacos eram cada vez mais fracos e irregulares. Podia-se dizer que somente a força de vontade em trazer a filha ao mundo mantinha o espírito de Pallas ainda preso ao maltratado corpo.

De repente, os olhos dela se focaram ansiosos e brilhantes num ponto à sua direita. Ela virou a cabeça levemente para o lado, como se lhe custasse muito fazer isso, mas um sorriso radiante se lhe desenhou nos lábios sem cor.

– Períclides…Meu amor… – ela murmurou num fio de voz.

O vulto translúcido de um belo jovem de cabelos castanho-claro cacheados e olhos cinzentos lhe sorria, tentando lhe transmitir a força de que tanto precisava.

Nossa missão com Athena está quase no fim, minha querida… – a voz dele era uma carícia em sua mente, fazendo com que toda a dor e cansaço desaparecessem. – E nós conseguiremos cumpri-la à contento graças aos nossos queridos amigos, que infelizmente ainda irão chorar lágrimas de sangue pois tempos de trevas ainda mais terríveis estão por vir… – o olhar de Períclides desviou-se por um instante como se ele enxergasse o perigo espreitando nas proximidades. – Vamos, Alma de minha Alma, só mais um esforço… E então a levarei comigo para os Campos Elísios, onde sua mãe já nos aguarda, ansiosa…

Pallas moveu a cabeça afirmativamente, de leve. Trincando os dentes, ela fechou os olhos, arqueando o corpo, num esforço desesperado para expulsar o bebê. E então, gritou, com todas as forças que ainda lhe restavam…

Ayoros também gritou, triunfante, segurando a criança, banhada em sangue e berrando furiosa com todo o ar que entrara em seus tenros pulmões:

– NASCEU!!! ATHENA NASCEU!!!

Ainda presa ao cordão umbilical, Ayoros a aproximou do rosto de Pallas para que ela a visse. Emocionada, sem palavras, Ying deixou que as lágrimas corressem, sem constrangimento. Mu e Shion observavam, sem conseguir proferir nenhuma palavra. Pallas ergueu a mão para fazer um carinho no lindo bebê de enormes olhos violeta, que ainda chorando a encarava com um olhar que parecia de imensa gratidão.

– Agora posso ir pra junto daqueles que me precederam… – ela murmurou, quase inaudivelmente. – Ying…Ayoros… – ela olhou pra Amazona que a amparava nos braços e o Cavaleiro que segurava emocionado seu pequeno tesouro. – …Obrigada…Cuidem dela, por favor…Adeus…

E fechou os olhos de vez, com um sereno sorriso nos lábios.

– Acabou. – murmurou Ying, simplesmente. Duas lágrimas solitárias, correndo lentamente de cada olho. – Se foram…

Foram? – estranhou Ayoros, que cobria respeitosamente o corpo de Pallas com sua capa.

– Sim…Pallas e seu marido… – murmurou vagamente, sem querer explicar que pôde vê-los partindo. – Ficou a pequena Athena… E agora?

O Grande Mestre se aproximou deles.

– Mu, pode desfazer a sua barreira… – disse sentindo que o Cosmo maligno que os cercava se fora, varrido pela Cosmoenergia poderosa gerada pelo nascimento divino. Por enquanto…

– Sim, Senhor. – e desfez sua proteção de cristal, suspirando aliviado.

Sorrindo para o exausto casal, Mu comentou:

– Parabéns ao dois. Vocês se saíram muito bem…Apenas sinto não termos podido salvar a mãe, mas… – ele concluiu, com a serenidade e objetividade que lhe era peculiar: – Bem, vocês perderam sua filha. E esta criança agora é órfã…O círculo se fecha.

– Não entendo, meu amigo. O que quer dizer com isso? – perguntou Ayoros, confuso.

Mas foi o Mestre Shion que respondeu, após balançar a cabeça, afirmativamente, com um murmúrio de aprovação para a argúcia do antigo discípulo:

– É justo…Significa que de agora em diante, vocês, meus valorosos jovens, são os pais de nossa nova Athena.

– Nós?!! – exclamou o Cavaleiro de Sagitário, perplexo, entregando o bebê nos braços de Ying. – Mas…

– Nada de mas. – Shion ergueu a mão, interrompendo-o. – Claro que, segundo nossas leis, o novo avatar da deusa deve ser criado no Templo e eu peço que vocês, que tão profundamente se envolveram em tudo, sejam os responsáveis diretos pela segurança Dela, tendo em vista os tempos turbulentos que vivemos…

Shion suspirou, parecendo muito cansado:

– Entendo que possa ser difícil para vocês em virtude de sua recente tragédia pessoal…Mas, em nome de Athena, peço que aceitem. Vocês são dois dos melhores Cavaleiros de Ouro…Sei que já fizeram muito, mas…

Teve as palavras interrompidas pelo choro desesperado da criança, que faminta, buscava instintivamente o seio de Ying, batendo com as mãozinhas e a boca no peitoral da armadura dourada.

– Calma, minha pequena… – murmurou Ying, procurando disfarçar a dor em sua voz. – Eu não posso alimentá-la…Não posso… – ela tentou não chorar enquanto Ayoros se aproximava e passava o braço pelos seus ombros, procurando confortá-la.

– Vou providenciar uma ama-de-leite imediatamente. – disse o Mestre, chamando os guardas e servos. – E tudo mais para a higiene e conforto Dela. E…Bem, cuidarei também para que a jovem Palas e sua família sejam enterrados condignamente. Seu pai, Alceus, já está sob cuidados.

– E eu cuidarei de Saga, Ying. – disse Mu, erguendo cuidadosamente o amigo ainda inconsciente. – Não se preocupe.

– Obrigada, Mu.

– Se me dão licença, faço questão de supervisionar os preparativos pessoalmente… – e antes de se afastar, Shion disse, muito sério: – Amanhã, assim que você, Ayoros de Sagitário, e também o Cavaleiro Saga de Gêmeos estiverem descansados gostaria de falar com vocês… É uma decisão que já adiei demais e se faz urgente agora… – disse, enigmático.

– Sim, Grande Mestre. – Ayoros, fez uma reverência respeitosa, enquanto ele se retirava. Estava intrigado. O que será que ele teria querido dizer? Que decisão seria essa? Será que…

Ele sacudiu a cabeça. Não devia ser o que pensara. Cansou de ouvir boatos, mas nunca dera importância a nenhum deles. Com certeza seria algo em relação à segurança de Athena. Apenas isso.

************

Todos entraram no Templo. Ou quase. Ayoros e Ying pararam ainda um momento diante da gigantesca estátua da deusa. O bebê chorava ainda mais alto.

Ying. – pediu Ayoros, hesitante. – Deixe que ela sugue um pouco…Talvez ela se acalme. Sei que deve ser difícil pra você, mas…

Ying suspirou, mas acabou concordando, tirando a armadura e abrindo a túnica interna, expondo o seio direito ao qual a pequenina se agarrou na mesma hora, começando sugar furiosamente.

Ying mordeu o lábio inferior com força, fechando os olhos. Aquilo doía, no corpo e na alma.

– Vamos entrar. – ela tentou sorrir, mas pareceu mais uma careta dolorosa. – Não tem sentido ficarmos aqui fora.

Amparadas por Ayoros, elas adentraram o Templo. No entanto, não tinham dado meia dúzia de passos quando Ying parou, atônita.

– O que foi? – perguntou Ayoros, alarmado.

– A…Ayoros… Veja!! – disse Ying, olhando pro bebê.

Sem entender, ele olhou pra ela e percebeu o que Ying queria dizer, ficando perplexo e maravilhado. Com os olhos semicerrados de prazer, a criança sugava e sugava, sem parar, mas pra surpresa deles, afinal Ying perdera o bebê ainda muito cedo, com menos de sete meses de gestação, um líquido grosso escorria um pouco entre o seio e a pequenina boca da criança. Ying estava amamentando Athena!

Fascinado, Ayoros, finalmente conseguiu falar, acarinhando a cabecinha cabeluda do bebê, que arrulhava de satisfação.

– Parece que ela realmente nos aceitou como seus pais.

Continua…

 

1Fornax, no original segundo o programa E.C.U (earth of center of Universe) anteriormente mencionado.( N.A)

2 Crystal Wall: Escudo de Cristal. Forma uma parede invisível impenetrável a qualquer ataque, sendo, portanto, uma habilidade defensiva. Envolve também gasto cosmoenergético (N.A.)

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