“Por que?!” – era a pergunta que martelava incessantemente na mente de um profundamente perturbado Saga de Gêmeos ao sair do Salão do Mestre, embora ele dissimulasse habilmente qualquer sinal de contrariedade sob a capa de um semblante calmo e tranqüilo. – “ Por que o Mestre não me escolheu? Por que preferiu a ele e não a mim?! Fui eu que salvei Athena e sua mãe agonizante das chamas! Eu que quase morri pra trazer todos num teleporte impossível até à estátua de Athena!! Eu!!

Saga…

Você, Ayoros de Sagitário, que personifica a bondade, a coragem e a inteligência será meu sucessor. Quero que você e Ying cuidem da pequena Athena e do Santuário, preparando os Cavaleiros para a nova guerra que eclodirá quando o Selo se romper e Hades retornar…Sei que não estarei presente…Meu tempo já passou…Vocês são jovens, cheios de esperança e força. Que a Sabedoria de Athena os guie nessa difícil missão…”

Saga, você está bem?

…E quanto você, Saga de Gêmeos, que é um Cavaleiro de valor indiscutível quero que os auxilie de perto sempre, consagrando-se de corpo e alma ao Santuário, como sempre fez. Você aceita?”

“Sim, meu senhor. Dedico minha vida ao Santuário…”

Saga!! – chamou Ayoros pela enésima vez, segurando-o pelo ombro pra ver se conseguia enfim sua atenção. – O que há com você? Está no mundo da lua?

– Hã?! O que… Ah, desculpe, Ayoros!! – Saga falou depois de uns segundos. – Estava dizendo alguma coisa?

– Parece que você está tão perplexo quanto eu, não é mesmo? – Ayoros falou, fitando-o, pouco à vontade. – Saga, eu…Eu não esperava…Não sei o que dizer ou o que pensar…Sabe, todos pensávamos que você…

Saga pôs a mão amigavelmente no ombro do Cavaleiro de Sagitário, interrompendo-o:

– Ayoros… – ele sorriu, com uma expressão tão sincera e compreensiva que fez o outro relaxar. – O Mestre é o Representante da deusa Athena e ele é o mais velho e sábio de todos nós. Ele escolheu certo. Não fique com essa cara, meu amigo. Especulações sempre se dispersam como um rastilho de pólvora e nós dois sabemos que você também era um dos indicados… – uma expressão estranha passou rapidamente pelos olhos azuis escuros do Cavaleiro de Gêmeos. Como afirmei lá dentro, eu apóio inteiramente a decisão do Mestre Shion e lhe darei toda ajuda que puder. Pode contar sempre comigo!

Ayoros suspirou, parecendo visivelmente aliviado.

– Que bom que compreende, meu amigo Saga…Sempre fomos amigos e companheiros de Santuário e ainda mais agora, que me uni à sua irmã, Ying, o considero como um irmão. Não queria que nossa amizade fosse abalada por isso…

– Ora , assim você me ofende! Acha então que sou tão ambicioso assim? – ele riu, descontraído, mas em seu olhar perpassou um fugidio brilho de ironia, que passou despercebido ao Cavaleiro de Sagitário. – Não fique tão apreensivo, amigo. Procure relaxar e se acostumar com a ideia de ser o novo Mestre do Santuário. Vá contar a notícia à minha irmã. Ela deve estar ansiosa para falar com você.

– Você não vem comigo?

– Tenho assuntos a tratar na Casa de Gêmeos…Depois me juntarei à vocês, prometo.

Dando uns tapinhas amigáveis nas costas de um preocupado Ayoros, Saga se afastou a passos largos, saindo da Mansão. Sua expressão agora claramente tensa. Sentia-se sufocado naquele lugar. Precisava desesperadamente de ar puro, talvez isso desanuviasse sua cabeça e seu coração, no momento tumultuados e confusos como uma noite de tormenta…

Quando deu por si, estava não na Casa de Gêmeos, mas numa das inúmeras áreas de treinamento do Santuário, naquele instante, completamente vazia para o alívio de Saga.

Perturbado, o Cavaleiro de Gêmeos sentou-se numa rocha e escondeu o rosto entre as mãos.

Foi então que uma risada sinistra e conhecida soou à sua volta como vinda do nada, mas Saga sabia muito bem a quem ela pertencia…

– Kannon… – murmurou Saga, amargurado, suspirando impaciente. Resolveu se levantar e encará-lo de uma vez. – Oh, Corvo maldito, mensageiro da desgraça1, apareça!! O que quer desta vez? Veio rir de mim, Kannon?

Seu irmão gêmeo apareceu, andando lentamente em sua direção, como se houvesse se materializado do ar. A fisionomia irônica e maligna como sempre.

– Talvez… – ele sacudiu a cabeça de um lado pro outro com ar de falsa comiseração. – Pobre Saga… O mais forte, honrado e poderoso dos respeitados Cavaleiros de Ouro ser preterido desse jeito… e logo por quem!! O perfeito Ayoros de Sagitário, o amado de nossa querida irmã Ying! Que ironia! – e recomeçou a rir para a fúria de Saga.

– Cale-se!! – gritou Saga, furioso. – Saia daqui!! Como ousa sequer tocar no nome de Ying? Já não basta toda a desgraça que causou? Como se atreve ainda a aparecer na minha frente depois de quase tê-la matado, seu miserável?!?

Saga foi até Kannon e berrou essas últimas frases no rosto do irmão gêmeo, agarrando-o pela gola da túnica simples.

Kannon continuou a rir descaradamente, o que irritou ainda mais o Cavaleiro de Gêmeos, que acabou por perder o último resquício de paciência e autocontrole. Um poderoso soco no queixo de Kannon, que o atirou ao chão poeirento foi a resposta de Saga ao cinismo do outro.

Kannon não pareceu surpreso nem ofendido com a agressão. Sorrindo ainda, ele se levantou e, com as costas da mão, limpou o sangue que escorria do lábio cortado com lentidão enquanto observava a fúria crescente de Saga com uma expressão divertida no olhar.

– Hum…Parece que consegui afinal fazer o “deus vivo”, o “Anjo do Santuário” perder a calma…Que proeza a minha…Hahahaha…

– CALE-SE!!!

– Venha me calar, então! – desafiou Kannon, empertigando-se. Não tenho medo de você, Saga! Você pode ser um Cavaleiro de Ouro poderoso, mas pelo visto seu prestígio anda meio em baixa, não é? E então, me diga, de que adiantou você quase se matar para romper a barreira energética que impede teletransportes nos limites do Santuário? Athena reconheceu seu esforço? Mestre Shion reconheceu? Não, não é mesmo? Ele apenas deu uns tapinhas na sua cabeça, como se fosse uma criança, elogiou o bom desempenho de seu marionete e mais nada!

– EU NÃO SOU UM MARIONETE!!! – Saga estava prestes a se atirar sobre o irmão novamente, mas fez um esforço sobre-humano para se controlar. Inspirando profundamente, ele falou, devagar. – Kannon, você está louco…Primeiro atenta contra a vida de Ying da maneira mais covarde, quando ela estava sozinha e indefesa, prestes a dar à luz, e por que, Kannon? Por que fez isso? Tentei encontrá-lo e você desapareceu para não ser castigado como merecia! Agora, pelo que posso entender, está tentando fazer com que me revolte contra uma justa determinação do Grande Mestre! Isso é alta traição!!

Olhando atentamente pro rosto de Saga, Kannon continuou com aquele insuportável ar de zombaria. Um sorriso especialmente malicioso se desenhou lentamente em seu rosto e ele falou bem devagar sem tirar os olhos do irmão, como se acabasse de descobrir algo muito importante:

– Entendo…Agora finalmente compreendi…

– Do que você está falando, infeliz? – esbravejou Saga. – Perdeu o juízo de vez?

– Oh, não! – Kannon sorriu, ainda olhando fixo nos olhos do irmão. – Nunca estive tão lúcido, meu caro irmão. Agora vejo tudo claramente…Você a ama….Desesperadamente, com todas as suas forças…E não é um inocente amor fraternal…Ah, não é mesmo…Você a deseja como mulher, Saga! Por isso está tão furioso pelo que eu fiz com sua querida Ying!!

Essas palavras atingiram Saga com a força de uma bofetada, chegando a fazê-lo recuar, como se houvesse sido mesmo atingido fisicamente. Lívido como um cadáver a

princípio, subitamente todo o sangue refluiu novamente para seu rosto e, furioso, como nunca se sentira antes, ele agrediu Kannon com socos ininterruptos, até fazer como que o outro caísse ao chão, atordoado e ferido.

– Como…Como se atreve… – O Cavaleiro de Gêmeos tremia de pura cólera. – DESGRAÇADO!! Você está louco!! Louco, seu miserável!!! Ying é minha IRMÃ! NOSSA IRMÃ!!! CALE ESSA SUA BOCA IMUNDA!!

Cambaleando um pouco, Kanon se levantou, cuspindo e limpando o sangue que escorria da boca e também do nariz abundantemente.

– Quanto mais você nega, mais certeza eu tenho, querido irmão…E quanto a se revoltar com a decisão de Shion…Eu não disse nada, caro Saga! Você disse! A ideia está dentro de você. Eu não fiz nada! – e levantou as mãos pra enfatizar o gesto de se eximir da culpa.

*******************

Não muito afastado dali, uma sombra espreitava muito interessada ao entrevero entre os irmãos. Alguém que se orgulhava de estar sempre na hora certa no lugar certo.

Então é como eu sempre suspeitei…o Íntegro, o Perfeito Saga de Gêmeos no fundo não passa de um hipócrita dissimulado e… Oh, surpresa inesperada! De um pervertido também!! – pensava, calculista, ninguém mais do que Arles, o viperino assistente de Mestre Shion, que em nenhum momento desistira de seus sonhos malignos de grandeza, mesmo sob severa vigilância do Grande Mestre. – Esta é a chance que eu esperava! Shion, seu velho idiota e decrépito…Saga, seu arrogante modelo de perfeição que na verdade não passa de um ídolo de barro…Vocês não perdem por esperar…O Santuário será meu…e depois… – ele sorriu, os olhos faiscando de cobiça. – Bem, não haverá limites para mim, e você, Gêmeos, será meu inocente instrumento…meu instrumento para a grandeza…

Ele não podia ver mas outra sombra, absolutamente invisível, na verdade apenas uma consciência, uma vontade extremamente poderosa de um ser divino e infinitamente maligno, também sorria… Sorria da humana ingenuidade daquele ser desprezível.

Sim…Sim, meu jovem inescrupuloso… Ele será um mero instrumento, talvez não tão inocente mas por isso mesmo perfeito…Mas para o meu usufruto…Eu, Ares, o onipotente Deus da Guerra, tomarei este Santuário de minha doce e amada irmã Athena e terei o prazer de fazer desses insignificantes e tolos humanos que ela tanto ama o que eu bem entender. Zeus então compreenderá quem é o mais digno de o suceder como rei de todos os deuses…Se iniciará uma nova Era de Ouro…a Minha Era de Ouro, banhada em sangue e destruição… – e deu uma risada sinistra, se aproximando mais de Arles, tomando conta de sua vontade e consciência assim como fizera e ainda fazia com Kannon.

**************

– Cínico!! Hipócrita miserável!! – gritava Saga, fora de si. – Além de me acusar da absurda infâmia de…desejar minha própria irmã… – ele sufocava de tanto ódio. – Ainda quer me fazer acreditar que sou…que pretendo me tornar um desprezível traidor e covarde como você, que sempre quis trair Athena!! Eu não sou você, Kannon!! Eu já disse isso! Kannon não mais sorria agora, assumindo uma postura de defesa. Parecia finalmente disposto a revidar os ataques de Saga.

– É…Pode ser…Você é…pior…Muito pior do que eu, meu irmão. Ao menos, eu não escondo o que sou… Há um demônio sedento de poder e luxúria dentro de você, Saga! Demônio que você esconde sob a capa desse olhar angelical! Mas veja como está agora! Eu sempre o vi como realmente é, Saga! E agora todos verão também!!

– MALDITO!!!

Saga lançou-se sobre Kannon e este dessa vez não se fez de rogado. Uma terrível luta corporal se seguiu. Os cosmos elevadíssimos, mas a fúria de ambos, especialmente de Saga, era grande demais para permitir a concentração necessária para um golpe energético. Além do mais, a raiva que sentiam parecia necessitar de algo mais concreto para se extravasar.

Mas como tamanha demonstração de violência não chamava a atenção de ninguém no Santuário? Simples. Sem sentir realmente o que faziam, os irmãos, num acordo tácito, haviam se retirado para uma dimensão paralela onde poderiam lutar à vontade sem serem interrompidos. E eles pareciam mesmo dispostos a se matar! O ódio era tanto que extravasava pela barreira dimensional e afastava qualquer um daquele local, sem que ninguém pudesse atinar com o que estava acontecendo. Mas uma pessoa sentia que algo estava muito errado. Ying.

Saga!!! – ela pensou, aflita.

A linda menina em seus braços choramingava, como se pudesse sentir a mesma inquietação que tomava conta da Amazona.

Embalando o bebê, Ying olhou em volta, como se buscasse o motivo de seu nervosismo. Ayoros ainda não retornara. Shion o chamara para mais uma conversa acerca de suas futuras responsabilidades. Ayoros havia contado o porquê do Mestre convocá-lo para aquela reunião extraordinária com seu irmão Saga e Ying se alegrara por seu amado, ao mesmo tempo que temia como Saga pudesse estar se sentindo. Ela se lembrava muito bem da conversa que ambos haviam tido sobre o assunto e ainda estremecia ao pensar no que julgara vislumbrar nos olhos dele…

Saga está com problemas…Eu sinto isso…E Kannon está envolvido! Posso sentir as energias de ambos…Só não sei bem aonde! Preciso ir procurá-los…Antes que seja tarde demais!!

Ying beijou carinhosamente a testa da deusa-menina, pedindo que a aguardasse e velasse por ela e seus irmãos.

Chamou então uma serva do templo e confiou o bebê aos seus cuidados, dizendo que em breve voltaria e que se perguntassem por ela que dissesse que havia ido procurar seu irmão.

*****************

Após lutarem pelo que pareceram horas, Saga e Kannon finalmente deram uma pausa, exaustos. Mas sem baixar a guarda um só instante, fitando-se mutuamente como um predador fitando sua presa, enquanto procuravam recuperar o fôlego.

E então, irmão? – Kannon, ainda ofegante, tomou a iniciativa de quebrar aquele tenso silêncio. – Desiste?

– Não seja tolo! – bradou Saga, indignado. – Eu vou acabar com você, Kannon, se não se render a mim e se dispor a se apresentar diante do Grande Mestre e confessar seus crimes!

– Huh… E manchar sua reputação irrepreensível de Cavaleiro de Ouro com a mácula de um irmão delinqüente? – ironizou Kannon. – Jamais sonharia em fazer isso, meu caro Saga!

Seu…

– Calma! – Kannon ergueu as mãos num gesto de trégua. – Isso tudo é uma insensatez! Mesmo que não queira admitir, nossas forças são equivalentes. Quer transformar isso numa disputa de Mil Dias? Não nos levaria a lugar algum, eu garanto, a não ser ao túmulo e ainda temos muito por que viver, irmão…

Kannon sorriu, maligno.

– Deixe de ser um maldito cumpridor de regras idiota e me escute, Saga! Ninguém sabe de minha existência. Você mesmo se encarregou disso…Pense nas possibilidades do que podemos fazer!

– Do que está falando? Por acaso está pensando em tomar o meu lugar?

– Oh, não! Não o seu… – ele sorriu enquanto se aproximava, insinuante do irmão. – O que quero dizer é que…bem… Você tem influência junto aos altos escalões daqui… Quero dizer, tem livre trânsito pela Mansão do Mestre e Templo de Athena… E se um de nós se infiltrasse e assumisse o lugar daquele oportunista do Arles como Mestre Assistente? Temos a mesma altura e corpo e quanto ao rosto, aquela máscara cerimonial vem bem a calhar! Pense, querido irmão! Com o Mestre e aquele frágil bebê a que chamam de deusa fora de nosso caminho, o Santuário seria nosso! Bastaria…afastar Ayoros e Ying…

Saga observava enquanto Kannon discorria sobre seus delírios de traição, estupefato com sua desfaçatez.Com a fisionomia sombria e impenetrável, ele se aproximou lentamente do irmão gêmeo. Lento e ameaçador como uma tempestade iminente e mortal.

Afastar… Afastar, você diz… – ele repetiu a palavra de um modo que fez mesmo o irônico Kannon estremecer. – Muito bem…farei isso…Afastarei você de nossas vidas…definitivamente!

O que?!? – gritou Kannon, atônito.

Tarde demais para reagir. Duas mãos poderosas como tenazes de ferro, agarraram Kannon pelos cabelos, o qual se viu arrastado dolorosamente em direção ao litoral. Um suor frio escorreu pelo rosto do rebelde enquanto em seu coração sombrio crescia uma terrível suspeita.

– Ugh…ahhh… – ele se debatia tentando se libertar. – Saga! Enlouqueceu?! Onde…Onde está me levando?

A voz glacial do outro o assustou.

– Não lhe parece óbvio? – disse Saga, impassível, indo em direção da prisão famosa onde aqueles que, através das eras, atentavam contra Athena eram encerrados para morrer com a subida da maré. – Como seu irmão mais velho, tenho o direito de ser juiz e júri e você foi declarado culpado de traição contra Athena e deve ser punido.

– Você não tem esse direito!! Somente o Grande Mestre pode julgar isso!

– Não foi você mesmo que insinuou que eu poderia vir a tomar o lugar dele? Pois estou fazendo isso agora. Adeus, irmão! Que Hades tenha piedade de sua alma, pois eu não tenho mais.

Dizendo isso o atirou dentro da temida jaula do Cabo Sunion, trancando a porta com estrépito diante de um perplexo Kannon, que se atirou às grades, tomado de desespero.

– Saga!! Me tire daqui!! Você vai se arrepender!! Eu juro!!

– Já me arrependi… – ele murmurou, soturno, dando às costas. – …de não ter feito isso antes. Talvez a filha de Ying estivesse viva. Você merece morrer aí…

– Não, Saga!!

Ele se virou imediatamente ao ouvir a voz aflita da irmã. De fato Ying estava ali em pé, muito pálida, um ligeiro tremor percorrendo seu corpo da cabeça aos pés.

– Ying!! O que faz aqui?!

__ Eu senti pelo seu cosmo que alguma coisa estava muito errada e os segui até aqui. Não foi fácil encontrá-los, mas aqui estou. – ela tocou em seu braço, suplicante.__ Movido pela ambição e talvez algo mais…Ele tentou me matar e ao meu bebê, eu sei, mas…Isso é cruel demais, Saga! Ele é nosso irmão!!

– Saia daqui, mulher! Eu não preciso da sua piedade! – gritou Kannon.

Impassível, Saga tomou o braço de Ying, conduzindo-a à força para longe dali.

– Está vendo? – ele disse calmamente. – Ele está louco. Como pode apiedar-se desse covarde miserável depois do que ele fez a você?

Ying olhou para Kannon, tomada de profunda tristeza.

– Sim, é uma pena que ele tenha se entregado ao Mal…mas Kannon não foi criado como nós, Saga. Você sabe o que houve. Só os deuses sabem o que ele teve que passar…

– Isso não justifica nada. Ele é um criminoso! Pelo que fez a você e à sua criança e pelo que quase fez à Athena. Tenho certeza de que está envolvido naquele incêndio terrível! Ele merece ser punido!

– Saga, ele deve ser julgado! O Mestre precisa saber disso!

Um estranho brilho maligno passou pelo olhar de Saga.

– O Grande Mestre está muito doente e não deve ser incomodado por causa desse verme. Ele me pediu que ajudasse seu consorte a cuidar do Santuário. É o que estou fazendo! Agora volte para o Templo e vá cuidar de Athena! – ele a agarrou rudemente pelos braços, olhando-a fixamente nos olhos. Um fluxo de cosmo passou da mente dele para a dela, que foi pega de surpresa. – Esqueça tudo o que viu aqui e volte!

– Sa…Saga?!

A mente de Ying ainda tentou lutar contra aquele controle mas foi uma batalha perdida, pois se encontrava ainda debilitada pelo esforço descomunal da véspera e pelo que passara recentemente. Além disso, Saga era mais forte e sua força estava acrescida de uma vontade poderosa. Uma vontade externa a ele. Como um autômato, ela se voltou, tomando o caminho de volta para o Templo de Athena.

É melhor assim… – pensou ele, sombrio. – Assim não sofrerá por quem não merece…

Kannon continuava protestando aos gritos, enquanto tentava em vão arrancar as grades.

– Saga!! Eu sabia!! Eu sempre soube! Você é maligno!! Vai assassinar seu irmão de forma covarde e providenciou pra que a única testemunha fosse silenciada! Me tire daqui, desgraçado!! Eu vou mostrar pra todo mundo a farsa que você é!!

– Não, não vai. – Saga falou, lentamente, enquanto lhe dava às costas. – Adeus Kannon… – ele lançou-lhe ainda um último olhar. Olhar este, que não parecia mais ser do plácido Saga e que fez gelar o atônito Kannon, que compreendeu imediatamente o quanto fora ludibriado por Aquele que lhe jurara o poder absoluto. E lhe falou com a voz grave e autoritária, que ouvia a tanto tempo que já julgava ser a sua própria. – Estás dispensado, seu grande tolo. Eu finalmente cheguei naquele que queria, aquele que pode ser meu verdadeiro instrumento de poder, graças a você e aquele outro ambicioso que se abriga nas sombras e acredita que está no controle… – e deu uma risada. – Como vês, tua utilidade para mim terminou…Morra. – e finalmente virou-lhe as costas afastando-se a passos lentos e postura régia.

Kannon, estupefato deixou-se escorregar pelas grades até ajoelhar-se no chão pedregoso da gruta-prisão.

**************

Muito satisfeito consigo mesmo, o astuto Mestre-assistente olhava, orgulhoso e altivo, para sua pretensa marionete.

– Muito bem, meu caro Saga…Muito bem…Agora que seu inconveniente gêmeo está fora do caminho, partiremos pra a próxima etapa: matar o decrépito Mestre Shion…Antes que ele anuncie para todo o Santuário a estúpida escolha que fez … e é claro eliminar todos os que sabem dela, ou seja, sua irmã Ying e o feliz escolhido Ayoros de Sagitário.

Arles ficou observando por alguns instantes o impassível Saga, que parecia lhe devolver um olhar vazio, isento de vontade própria.

– O que? Nenhuma reação? Nem mesmo quando eu o ordeno destruir a criatura que mais ama neste mundo?! – ele jogou a cabeça para trás numa risada selvagem. – Ótimo! Excelente! Meu Satã Imperial é tão perfeito que transformou o orgulhoso e poderosíssimo Saga de Gêmeos num boneco sem alma à minha mercê! E foi tão fácil dominá-lo…Como um Cavaleiro experiente como você pôde abrir a guarda daquele jeito enquanto lutava com seu irmão, seu grandíssimo parvo?! Era a deixa que eu esperava para te dominar! Achou mesmo que ninguém os encontraria onde se retiraram para resolver suas diferenças? Tolo!! Agora vá! Faça o que lhe ordenei e seja discreto, não esqueça! Shion já deve ter acabado de conversar com Ayoros e se dirigido à Star Hill para meditar. É a nossa chance! Você o matará e eu assumirei o lugar de Mestre do Santuário. – Arles ainda sorriu, maligno, tirando uma bela adaga dourada de dentro das vestes. – Quanto à Athena…Eu piedosamente pouparei a Ela pessoalmente os dissabores e dificuldades de uma vida mortal.

Arles tornou a rir, muito orgulhoso e seguro de si mesmo. Nem percebeu que Saga não se movera um milímetro de onde estava. A cabeça um pouco baixa, fazendo com que o longo cabelo negro como a noite lhe ocultasse as feições.

– Vamos, seu idiota! Vá logo! Não perca mais tempo! – gritou, estridente.

O Cavaleiro, ainda de cabeça baixa, se moveu um passo…Na direção de Arles.

– Ora, mas o que…?!

Saga, ou aquele que parecia ser ele, ergueu o olhar, iluminado por um estranho fogo interior.

Achas mesmo que tens o controle deste corpo, ingênuo mortal? – uma impressionante e majestosa voz que parecia vir de toda parte se fez ouvir, no lugar da voz de Saga. – Tolo! Tu também já cumpriste teu papel me proporcionando acesso mais facilmente a este homem que antes parecia ser inacessível de tão incorruptível. Agora…dê meus cumprimentos a meu amado tio Hades…

Foi a última coisa que ouviu. No instante seguinte teve o coração perfurado pelo poderoso punho do Cavaleiro de Gêmeos, agora nada mais do que um joguete do deus da Guerra.

Pronto! – A face e a voz de Saga e Ares se confundiam numa só. – Agora rumo à Star Hill. Não deixemos Vossa Santidade esperando. – e se afastou, arrastando consigo o corpo do ambicioso Arles de Altar.

**************

Enquanto isso, na Mansão do Mestre, Ayoros aguardava ansioso por Ying e foi com preocupação que a viu chegar com a expressão alheia de quem andava dormindo.

– Ying? – correu até ela, apreensivo. – Ying, minha querida! O que você tem? – aflito a segurou pelos braços, sacudindo-a levemente ao ver que ela custava a responder.

– Hã?…Ayoros…Eu…Saga…meu irmão… Ele…Eles. – ela balbuciou, um tanto confusa.

Agora realmente preocupado, Ayoros a levantou nos braços, sem que ela esboçasse o menor gesto ou palavra de protesto, carregando-a até o quarto, até à cama larga de casal, depositando-a cuidadosamente sobre os travesseiros.

– Meu amor… – ele murmurou aflito, acarinhando-lhe o rosto pálido. – Estranhei quando Elisea, a babá, me disse que você havia saído às pressas para procurar seu irmão! E agora volta neste estado! – Ayoros beijou-lhe sucessivamente a testa, os olhos, as faces e a boca, tentando fazer com que Ying voltasse a si. – Querida, fale comigo! Aconteceu alguma coisa entre você e Saga?

Ao ouvir o nome de seu irmão, Ying pareceu esboçar alguma reação, piscando, confusa. Abriu a boca para contar o que sucedera entre ele e Kannon, mas uma férrea barreira em sua mente tornou inúteis seus esforços. Devagar, ela respondeu:

– Não…Está tudo bem…Pra falar a verdade, nem o encontrei, apesar de ter ido até Gêmeos… – ela fechou os olhos e suspirou, como se aquele simples esforço para falar lhe fosse extremamente extenuante. – Estou tão cansada…

Terno, Ayoros beijou-lhe a testa e a cobriu com um grosso e macio cobertor de pele para protegê-la do frio da noite que se aproximava.

– Alma de minha alma, descanse. Você não deveria ter saído depois do tremendo esforço que fez ontem à noite para vencer a barreira contra teleportes. Eu nunca deveria ter permitido que tentasse aquilo debilitada como estava.

– Mas era preciso. – Ying protestou. – Athena…

– Shhh…Fique quietinha e procure repousar. – ele pôs um dedo delicadamente sobre os lábios dela. – Sei que era necessário, mas nossa pequena deusa entenderá quando digo que para mim você é ainda mais preciosa do que meu juramento de lealdade a Ela.

Lutando contra a sonolência que ameaçava dominar-lhe, Ying retrucou

– Não diga isso, mo chride2...Nossa lealdade a Athena… significa nossa lealdade e compromisso com a defesa da paz da Humanidade inteira…Nunca esqueça disso… Nem mesmo por mim…Prometa!

Como que tomado por um súbito e terrível pressentimento, Ayoros estremeceu.

– Sim… tem razão…Sim, meu amor, eu prometo…Mas agora durma um pouco e tenho certeza de que acordará mais disposta. – disse, beijando-lhe os lábios suavemente em seguida, tomado por violenta e inexplicável emoção, que lhe levava lágrimas aos olhos.

– Cuide de Athena… – Ying murmurou antes de cair em sono profundo.

Ayoros se empertigou, solene.

– Cuidarei…Darei minha vida por Ela, se for necessário, pode apostar…E por você também, minha querida…Foi pra isso que nascemos e dessa vez resolveremos tudo que ficou pendente…O ciclo se fechará…Eu juro!

E se voltou para dar atenção à criança que arrulhava satisfeita em seu berço, enquanto Ying dormia profundamente.

– E você, minha pequena deusa… – ele sorriu, embevecido, embalando a encantadora menina no colo com muito cuidado. – Irá seguir o exemplo de sua nova mãezinha e dormir um pouco, não é mesmo? A senhorita passou maus bocados ontem… – ele estremeceu ligeiramente lembrando a tragédia ocorrida na aldeia. – E também precisa descansar e se fortalecer!

A criança o olhava atentamente com seus grandes olhos violeta. Um olhar estranhamente adulto para um bebê de menos de 24 horas, um olhar cheio de amor e inteligência. A menina lhe sorriu, enchendo de ternura o coração leal de Ayoros de Sagitário.

– Ah, então não está com sono? Muito bem… – ele sorriu e, enquanto a embalava suavemente, começou a cantar baixinho uma canção de ninar de sua infância, que também usara muitas vezes com seu jovem irmão Ayolia. Aliás, onde estava aquele garoto? Havia pedido que ele e Hargos fossem à Rodórios ajudar no que fosse preciso visto os funestos acontecimentos da noite anterior e até agora não haviam voltado. Esperava que tudo estivesse correndo bem. Mais tarde iria verificar pessoalmente como estava o velho Alceus…

Ainda cantando, sorriu ao ver que a pequena Athena adormecera confiante em seus braços.

Bela cena familiar, sugerindo um paz que estava longe, muito longe de habitar o Santuário…Infelizmente, naquela mesma noite muita coisa iria mudar…As Trevas se acercavam.. O Destino seguia seu curso…

***************

As estrelas formavam, ao invés do belo quadro celeste de costume, um cenário lúgubre de pressentimentos funestos aos olhos cansados do Grande Mestre, outrora conhecido como Shion de Áries.

Há meses que vejo que um novo período de trevas se acerca da Terra e deste Santuário… – pensou Shion, tristemente. – A reencarnação de Athena, embora nos encha de alegria, é apenas o sinal definitivo de que os tempos são chegados. O Selo está prestes a se romper e os deuses já começam a reclamar seus domínios e a posse dos destinos da Humanidade… – ele suspirou, fitando ainda o estrelado céu noturno. – Já faz muito tempo desde a última Guerra…tanta morte, tanta dor e destruição…Mas, nós, Cavaleiros de Athena cumprimos nosso papel com honra, com nossas próprias vidas e tornaremos a cumprir quantas vezes forem necessárias… Dohko, meu amigo… – seu olhar perdeu-se ao longe, buscando a distante China. – Da Elite dos Cavaleiros, você e eu fomos os únicos sobreviventes…Temos agora uma nova Athena e novos cavaleiros surgirão para defendê-la. Que a Vitória sorria para eles…

Shion sorriu, lembrando-se da jovem e intrépida Amazona de Gêmeos.

Sim, até mesmo Nike em pessoa nos honrou com sua presença nesses tempos difíceis que se avizinham…Sinal de que esta não será uma Guerra como a outra. Como se não bastasse a ameaça iminente de Hades, Ares, o sanguinário Deus da Guerra, está se tornando cada vez mais forte e ousado. Ele quer assumir a posse deste Santuário…Precisamos impedi-lo à todo custo…

– Senhor, peço permissão para lhe falar. – uma voz grave e solene soou às suas costas.

Shion voltou-se devagar e olhou para o Cavaleiro de Gêmeos, sem surpresa.

– Saga…Meu caro Saga de Gêmeos…Então mais uma vez atreve-se a subir até aqui, um lugar sagrado e proibido, onde somente os Mestres do Santuário de Athena podem entrar… – o olhar de Shion era penetrante e arguto, devassando a alma sombria do intruso. – Pena que desta vez seus objetivos não sejam tão nobres e inofensivos como da última vez…

O Cavaleiro de Gêmeos estava ajoelhado sobre um dos joelhos, a cabeça baixa. Mechas do longo cabelo negro azulado ocultavam-lhe as feições, afastando-se aos poucos conforme ele lentamente erguia o olhar para encarar Shion. Havia um clima de tensão crescente no ar.

Como se tentasse à custo manter uma atitude respeitosa, Saga começou, com um tom de voz contido e tenso, os olhos eram um misto de luz e sombra, como se uma tempestade interior se desencadeasse em sua alma.

– Por que…Eu não entendo… Por que, Grande Mestre? – as mãos fecharam-se lentamente em punhos. – Por que o escolheu? – a voz saiu num sibilo de ódio.

Por trás da Máscara cerimonial, Shion ergueu uma sobrancelha. Aconteceu o que eu temia! , ele pensou, consternado.

– Você quer dizer na verdade por que o escolhi e não a você, não é mesmo?__ disse ele devagar, observando a estranha atitude de Saga, cujo corpo inteiro tremia como se estivesse prestes a entrar em convulsões.

– SIM!! EU DEVERIA SER O ESCOLHIDO!! – controlando-se à custo, ele baixou o tom de voz. O tremor em seu corpo aumentava gradativamente, gotas de suor frio porejavam em sua testa. – Todos me vêem como se eu fosse quase um deus, tanto no Santuário como em Rodórios, jamais em minha vida tive um comportamento que pudesse ser considerado repreensível! ENTÃO POR QUE ME PRETERIU?? – sua voz parecia o ribombar ameaçador de um trovão.

Shion respondeu calmamente, embora já adivinhasse o que estava prestes a acontecer.

– Na verdade, não fui eu que escolhi meu sucessor, mas a própria Athena, no entanto…É verdade… Muitas vezes, quando meditava sobre o assunto acreditava piamente que você, Saga de Gêmeos, cuja força, bondade e Cosmo, igualam quase os de um deus, seria o mais indicado para me suceder, mas…

Mas?

Shion suspirou.

– Como sabe, já sou bem velho… Aqueles de minha raça vivem muito mais dos que os outros homens. Eu tinha a sua idade quando lutei na última Guerra Santa e vi coisas que você nem consegue sonhar…Conheci seu bisavô, o Cavaleiro de Gêmeos na época…Ele era um homem bom e honrado, Assim como seu avô e seu pai, Yang. Neles sempre pude confiar cegamente, mas você…Por mais que me doesse admitir, sempre pressenti em você, meu rapaz, uma estranha…dualidade. Sei que isso é algo que todos temos ou enfrentamos em certos momentos da vida, em especial, aqueles que nascem sob as suas estrelas, mas em você isso sempre foi mais forte, embora nunca ninguém percebesse… Como um inimigo à espreita na escuridão, uma força do mal pronta para assumir o controle na primeira brecha que abrisse… E parece que isso finalmente aconteceu…

Transtornado, Saga fazia de tudo para se libertar do controle férreo de Ares, daí sua perturbação, mas, infelizmente, sua própria ambição, que foi a que abriu a brecha para que o deus da Guerra o dominasse, e a dor de vê-la frustrada, destruíram a pouca consciência que lhe restava. Dali em diante, Saga de Gêmeos praticamente deixara de existir, tornando-se um prisioneiro de seu próprio corpo, controlado agora por um mal sem precedentes…

Uma risada sinistra se fez ouvir, subindo de tom gradativamente até se transformar num riso selvagem e assustador.

Shion o observava, impassível. Alguém que apenas se parecia levemente com o Cavaleiro Saga de Gêmeos estava em pé à sua frente numa atitude arrogante e imponente. O brilhante negro-azulado dos longos cabelos havia dado lugar a um tom mais sombrio e opaco, os olhos azuis escuros com tons de violeta agora eram vermelhos cor de sangue, a expressão do rosto uma máscara selvagem, misto de ódio e sarcasmo feroz.

– Ares…Enfim, o famigerado deus da guerra se mostra. Então eu estava certo. As estrelas me avisaram…

Mas o outro o interrompeu com um gesto, enquanto se aproximava lentamente. Uma voz profunda e autoritária se fez ouvir, ecoando como se viesse de toda volta.

Basta de suas asneiras, velho! Suas estrelas devem tê-lo avisado de que eu, Ares, de agora em diante assumirei os domínios de minha tola irmã Athena. O tempo é chegado. Renda-se a mim, criatura decrépita, ou terminarei o que Hades não foi capaz de fazer!!

Numa atitude de claro desafio, Shion se colocou em guarda, acendendo seu Cosmo, em postura de ataque.

– Minha juventude pode ter me abandonado com o decorrer desses dois séculos juntamente com a maior parte da minha força mas eu fui um Cavaleiro de Ouro e ainda sou um servo de Athena! Jamais me renderei de boa vontade!! Este Santuário jamais ficará sob seu controle! Terá antes de enfrentar a mim e a todos os Cavaleiros!!

Ares sorriu.

Não, meu caro…Enfrentar é uma palavra um pouco forte…Digamos que simplesmente removerei um incômodo do meu caminho…Quanto aos demais escravos de minha querida irmã… – Ares olhou displicentemente em volta. – Estamos isolados aqui neste observatório. O poder dimensional dos Cavaleiros de Gêmeos me vem bem a calhar…Ninguém saberá do que se passará aqui…Ninguém chorará sua morte… Somente quando me for conveniente…Todos os Cavaleiros me servirão de bom grado sem imaginar o que estão fazendo até que me seja conveniente…

– Como assim? O que quer dizer com isso?

Não se preocupe… – disse Ares, sombriamente, enquanto esticava o braço direito com o punho fechado exceto o polegar. Num gesto de sinistra lentidão, ele virou o polegar para baixo, como nas antigas arenas romanas. Um sinal de morte. – É hora de partir, já se faz tarde, Shion de Áries, Mestre do Santuário. Seu parente, Arles de Altar, com certeza o aguarda ansioso do outro lado dos Portões de Hades. Não o farei esperar por mais tempo…Adeus!

Shion nem teve tempo de reagir e muito menos de sentir algo. Numa velocidade em muito superior a da luz, Saga (ou Ares) lançou-se sobre ele, atravessando-lhe o tórax com seu punho, traspassando o coração, assim como fizera com Arles. Sem um só gemido, o corpo do Grande Mestre tombou ao chão.

Está feito. – pensou Ares, satisfeito, olhando displicentemente o cadáver a seus pés. – Que aqui, nessa dimensão perdida, fique para sempre sua carcaça inútil no lugar onde caiu… Já quanto ao ambicioso Mestre Assistente… – Voltando ao Star Hill verdadeiro, ele fingiu refletir, olhando para o corpo de Arles que jazia próximo. – …Que na morte obtenhas a honra que tanto quis como se o Grande Mestre fosses…Teu corpo descansará no altar principal deste sagrado observatório, Arles de… Altar… – ele soltou uma risada cruel. – Eu assumirei o controle para você com prazer, mas antes…Preciso eliminar o futuro Grande Mestre e mandar minha irmã em sua forma inofensiva de criança de volta para o Olimpo com uma pequena escala no Mundo Inferior… Aliás… – ele tornou a sorrir, enquanto a adaga de ouro reluzia em sua mão. – …Graças a isto, sua permanência por lá pode muito bem se estender permanentemente…E é claro! – seu olhar sombreou-se com um brilho lúbrico. – A deliciosa Ying…Saga, meu caro, tu que tão acolhedoramente me cedeu teu corpo como veículo de vingança terás teus mais secretos desejos plenamente satisfeitos, além de teus mais loucos sonhos…O poder de Nike, que reside nela será todo meu assim como o belo corpo da mortal Ying de Gêmeos, que carregará em seu ventre meu sucessor, o filho da Vitória com o supremo deus da guerra…

Ele riu triunfante, seguindo, célere, para a Mansão do Mestre.

****************

MESTRE!! NÃÃÕOO!!! – Ayoros gritou, erguendo-se de um pulo, o corpo banhado em suor.

Olhou em volta, assustado. Aquele não era o lugar desconhecido e inóspito que lembrava um pouco o observatório de Star Hill. Ainda estava no quarto que fora destinado a ele e a Ying, como guardiões da pequena deusa.

Foi apenas um pesadelo… – Ayoros suspirou, aliviado, secando a fronte com a ponta do lençol. – Ainda bem que não as acordei… – pensou, lançando um olhar preocupado à jovem adormecida a seu lado e ao berço próximo da cama.

Atordoado ainda, levantou-se e foi até o banheiro contíguo lavar o rosto para tentar despertar inteiramente do horrível pesadelo que tivera. Mas não conseguiu seu intento. A terrível pressão em seu peito, a sensação de urgência e perigo continuavam…Onde estariam os outros Cavaleiros? Estariam eles sentindo o mesmo que o afligia? Talvez…Sentia o Cosmo deles mais próximo agora… Talvez estivessem voltando…Isso era bom, mas ao mesmo tempo preocupante…Estaria a ameaça que rondava o Santuário prestes a atacar novamente se é que já não o fizera?

Apressado o suficiente para se mostrar imprudente, o que não era de seu feitio, Ayoros saiu sem mesmo vestir sua armadura à procura do Grande Mestre, parando apenas para pedir aos sentinelas que reforçassem a guarda nos seus aposentos para que ninguém perturbasse Ying e a menina Athena enquanto estivesse fora.

****************

– Ande, Ayolia!! Vamos mais rápido, seu leãozinho lento!! – exortava Hargos, praticamente voando pelo caminho escarpado de Rodórios até os limites do Santuário.

Ayolia arfava, cansado, mas tentava imprimir mais velocidade à suas pernas tentando em vão seguir o amigo mais velho.

– Estou… indo… o mais rápido… que posso! E não me chame… assim, seu Lince metido à besta!!

– Vou dizer ao mestre Ayoros para ser mais rigoroso no seu condicionamento físico!! – Hargos olhou pra trás um instante, com ar de reprovação, sem parar a corrida desenfreada. – Uma garota seria mais rápida que você!! Ah, mas claro! Ia me esquecendo…Os leões não estão acostumados a correr…As leoas que fazem essa parte pelos preguiçosos reis da selva… – e riu, embora sentisse uma grande apreensão inexplicável dentro de si.

Ayolia ficou vermelho como um pimentão de raiva.

– Grrr…Quando eu te alcançar, você vai ver só, seu…

– Ha, ha… Só quero ver, Leãozinho! – provocou mais, embora estivesse satisfeito por ter conseguido seu intento.

– Pare de me chamar assim, já disse! Mas afinal, pra que toda essa pressa?

Hargos olhou pra trás, parecendo surpreso.

– Não está sentindo?! Tem um Cosmo muito estranho e hostil cercando o Santuário…Não sei o que é ou de quem possa ser, mas estou com um terrível pressentimento… – ele franziu a testa e tornou a se concentrar no caminho. Por isso, corra, pirralho! Ou vou te deixar pra trás!! “Ying!!”, ele pensava, aflito, “Não vou deixar nenhum mal te acontecer…Nunca!! Já estou indo!!”

E disparou na frente, já alcançando as escadarias das casas, enquanto Ayolia o olhava, atônito.

*************

Como um predador, Saga, inteiramente dominado pela influência maligna de Ares, adentrou lentamente no quarto, olhando tranqüilamente em volta, para as inocentes e indefesas figuras adormecidas ao fundo. Uma vez que estava revestido pela Máscara Cerimonial, os paramentos e a indumentária inerentes ao Mestre Assistente Arles nenhum guarda sequer cogitou de impedir sua entrada, o que teria sido considerado um inadmissível sacrilégio, uma ofensa imperdoável à dignidade de sua posição. Ele estava livre para agir como bem entendesse e ninguém iria interrompê-lo ou questioná-lo…

Aproximando-se da grande cama de casal, ele ficou observando o sono de Ying, que agora parecia um pouco agitado, pois ela se remexia levemente e murmurava palavras ininteligíveis, como se seu espírito pudesse sentir o perigo que corria. Sorrindo levemente pela inutilidade dos esforços da Amazona em despertar do sono forçado, ele murmurou, enquanto erguia lentamente o cobertor que a cobria:

– Calma, menina… – ele sentou-se na cama ao lado dela e pôs-se a acariciá-la delicadamente. – Não vê que é inútil? Ninguém escapa do Satã Imperial do Grande Mestre do Santuário de Athena… Nem mesmo Nike, a deusa da Vitória, ou o seu avatar… Aquele tolo do Arles foi muito útil…Seu lindo corpo…Sua alma…Seu poder… – retirando a máscara cerimonial, que ocultava sua identidade, ele pôs-se a beijá-la nos olhos, rosto, boca e pescoço, enquanto continuava murmurando: – Você será minha, Ying…Agora!

Ying tentou protestar agitando-se, contorcendo-se mais forte enquanto suava frio e sua boca murmurava, como num terrível pesadelo: Não! Não! Ayoros! Ayoros!!

Já disse que é inútil! – Ares/Saga bradou irritado, se posicionando sobre ela e imobilizando-a com o próprio corpo. – Submeta-se a mim, Amazona! Como deus da guerra, tenho direitos sobre você!

– NÃO!! – Ying despertou em pânico. – SAGA, PARE!!! SOLTE-ME!!

O choro do bebê, desperto por causa dos gritos e do clima tenso, encheu o ambiente, num pranto desesperado. Ele ignorou e sorriu feroz para Ying, pressionando-a ainda mais com o próprio corpo.

CALA-TE, MULHER!!…Não sou Saga…Não mais… – Ares/Saga sorriu, afastando-lhe as pernas.

– NÃO! – gritou Ying.

– PARE!! O QUE PENSA QUE ESTÁ FAZENDO COM ELA?! – gritou uma voz jovem.

– Quem ousa…? – Ares ergueu o olhar, furioso com a interrupção.

– HARGOS!! – gritou Ying. – Fuja!! Chame Ayoros!! Chame os Cavaleiros de Ouro! Rápido!! Ares está…

JÁ DISSE PARA CALARTE! – ele a esbofeteou com força, desacordando-a novamente.

– YING!! MALDITO!! – Hargos gritou, fora de si. Num reflexo, atacou o intruso. – GARRAS DO LINCE!!

O golpe de Hargos, uma seqüência de socos de razoável potência e velocidade foi rechaçado com um simples olhar. O jovem foi então atirado violentamente contra uma das colunas, sem que o outro sequer se mexesse. Embora atordoado pelo impacto, Hargos encarava, completamente perplexo, o rosto bem conhecido à sua frente.

– O s-s-senhor…M-M-Mestre…S-Saga!! – Hargos murmurava incrédulo, enquanto via o Cavaleiro de Ouro, travestido de mestre assistente se aproximar lentamente, olhando-o com uma expressão fria como o aço e estranhos olhos vermelhos de sangue… – Não pode ser…Não pode…Ela é sua irmã! P-Por que?

O outro sorriu, maligno.

Ela não é minha irmã… – sua voz era de gelar o sangue nas veias do mais valoroso guerreiro. – embora pelo que ela verdadeiramente é, esteja mais próxima de mim do que de vocês, inúteis mortais…Eu não sou Saga, meu tolo rapaz…mas isso não lhe interessa agora…Morra, verme!

Lentamente, ele ergueu a mão direita, enquanto Hargos o encarava, sem conseguir se mexer, mas firme, sem demonstrar medo. Um imenso Cosmo iluminou todo o ambiente, mas quando Hargos pensou que fosse virar poeira cósmica, o outro sorriu, aparentemente mudando de idéia.

Encaras tua morte então de maneira tão corajosa, sem sequer desviar o olhar para não ver sua hedionda face?__ Ares fez uma pausa, observando-o atentamente.__ Como te chamas mesmo, rapaz?

– H-Hargos…Hargos de Lince… – o jovem respondeu com a voz mais firme que pôde encontrar.

Hargos de Lince…Um Cavaleiro de Bronze…Ou quase… És discípulo de Ayoros de Sagitário, pois não? – ele sorriu, parecendo ter uma idéia. – E parece muito dedicado à esta bela jovem…Pois ser-me-ás útil agora, menino. Sinta-se honrado, pois irás servir ao Supremo deus da guerra!!

Antes que ele pudesse esboçar qualquer reação, um filete de energia cósmica vermelho-sangue cruzou seu cérebro.

– O que…O que é… isso!! Eu…mestre Ayoros… – balbuciou Hargos, a mente perdendo-se numa névoa escura. – AAAAARGHH!! – gritou dobrando-se sobre si mesmo, apertando a cabeça entre as mãos.

– Não lute, jovem tolo…É inútil…Somente irá causar-te ainda mais dor. Se queres que ela passe, sirva-me! Ares é seu mestre agora e só tenho uma ordem pra você:! Morte! Mate Ayoros de Sagitário! Ele não deve voltar a este quarto e atrapalhar o que tenho para fazer aqui. Vá, rapaz!! Ares lhe ordena!!

Hargos ainda tentou resistir. Era incrível a lealdade daquele rapaz a seu mestre e a Ying, a quem dedicava seu primeiro amor de adolescente. Mas a força de Ares era grande demais…A mente jovem do cavaleiro de Bronze quase foi destruída nesse embate interno até que…

– Sim, meu senhor. – Hargos, o olhar obscurecido e vazio, voltado para o solo, enquanto se curvava numa profunda reverência. – Seu desejo é uma ordem para mim.

Com um gesto distraído de mão, ele dispensou seu mais novo fantoche, tornando a voltar sua atenção e desejos para à jovem inconsciente e indefesa. Satisfeito por remover mais um incômodo de seu caminho, tornou a aproximar-se da cama…

*******************

Não encontro o Mestre em lugar algum…Droga! – pensava Ayoros, cada vez mais tenso. – Acho que vou me arriscar a ir até Star Hill…Sim, isso mesmo!! Sei que era Star Hill no meu sonho! Ele deve estar lá! Oh, Athena! Espero que esteja tudo bem , ainda que incorra no risco de ser punido por invadir um local sagrado, permitido apenas aos Mestres do Santuário. Se bem que…Já que serei o próximo Mestre… – Ainda sentia uma certa perplexidade ao pensar nisso. – Não será uma falta tão grave. Mestre Shion, já estou indo!

Foi quando sentiu um aperto angustiante em seu coração. Ying!!, pensou, apavorado. Alguma coisa terrível está acontecendo com ela, tenho certeza! Pelos deuses, não deveria tê-las deixado sozinhas…

**************

Por Athena! O que se passa nesse Santuário? – pensou Mu de Áries, alarmado. – Ainda bem que resolvi voltar!!

De fato, o Cavaleiro de Áries estava já à meio caminho de sua missão, uma aldeia no interior da China que estava, ao que tudo indicava, sendo usada como base de operações de um grupo terrorista, quando sua intuição lhe avisou de que havia algo muito errado no Santuário. Não era muito dado a atitudes impulsivas, mas abriu uma exceção dessa vez porque nunca sentira algo tão estranho, nunca tivera um pressentimento tão forte antes.

Imediatamente, resolveu retornar. Elevando seu cosmo, concentrou-se e traçou mentalmente o rumo para um teleporte até o mais próximo que pudesse do Santuário e das Doze Casas.

Conseguiu chegar na entrada para o Santuário, uma passagem oculta num desfiladeiro comum, apenas conhecida pelos cavaleiros e aprendizes, que dava acesso à série de colinas interligadas que constituía o Santuário de Athena. A sensação de urgência aumentava. Athena estaria em perigo? E seus amigos Ayoros e Ying? E seu mestre e também Grande Mestre do Santuário, Shion de Áries?

Mu, contrariando seus modos calmos e comedidos, principiou a correr pela escadaria que dava até sua Casa e daí seguiria pra as outras quando deparou com um menino à beira da escadaria. Ele parecia estar com problemas, sua expressão era de dor e massageava aflito o tornozelo direito bastante inchado.

Ayolia!! – Mu o reconheceu imediatamente ao se aproximar. – O que aconteceu? O que está fazendo sozinho aqui em baixo? Se machucou? – se abaixou, examinando a perna do jovem rapaz.

– Mestre Mu! O senhor está de volta!! – o menino ergueu os olhos, surpreso. – A culpa foi daquele doido do Hargos!! Meu irmão havia nos mandado até Rodórios para ver como estavam as coisas com o velho Alceus e quando já estávamos voltando, Hargos desembestou a correr como um lunático dizendo sentir que havia algo errado no Santuário!

Ele então parou de falar, alarmado.

– Mestre Mu, é verdade então? O senhor voltou por causa disso? – ele tentou erguer-se, mas caiu de novo com uma careta de dor mal disfarçada. – Também estou com uma sensação muito ruim…

Sem perder mais tempo, Mu o ergueu nos braços, apesar dos protestos do garoto que insistia que podia ir sozinho. Seu semblante normalmente calmo, agora tenso e contraído.

– Você é o futuro Cavaleiro da Casa de Leão. É normal que se sinta assim… Acho que todos os Cavaleiros de Athena devem estar sentindo o mesmo. Mas não percamos mais tempo e tiremos isso a limpo antes que algo realmente grave aconteça. Vou deixá-lo a salvo em minha Casa e seguirei célere para o Tempo de Athena. Me reunirei aos outros no caminho.

Mu, leve-me com você! – implorou o garoto, aflito. – Se meu irmão e Ying realmente estiverem em perigo, eu… E Athena!!! Precisamos protegê-la!!!

Mu olhou-o por um instante e sua expressão suavizou-se. Compreendia a angústia do jovem aprendiz, sempre tão entusiasmado, ainda mais estando envolvidos seu idolatrado irmão mais velho, o qual tão cedo assumira para ele o papel de um pai zeloso e a bela amazona Ying, que com sua determinação e carisma, conquistara a admiração de todos ali no Santuário. Compreensivo, ele se ajoelhou para poder encará-lo olhos nos olhos e acariciou os cabelos revoltos do menino.

– Não se preocupe, meu jovem amigo. Seja o que for que estiver acontecendo, tenho certeza que Ayoros e Ying estarão bem. Confie neles e na força de Athena. Mesmo sendo um bebê ainda, seu poder nos fortalece a todos nós, Cavaleiros, e nós a guardaremos com toda a força de nosso Cosmo. Eu vou lá verificar, mas você deve ficar aqui porque está ferido… – vendo que Ayolia abria a boca para protestar, ele enfatizou. – Ayolia, sabe que ainda não está pronto pra enfrentar uma situação de provável perigo, embora seja de conhecimento de todos aqui no Santuário o quanto você já é forte. Mas lembre-se, meu rapaz, e estou certo que Ayoros concordaria comigo, se deve ser além de forte, sábio o suficiente para reconhecer quando não se está em condições de lutar.

Ayolia baixou a cabeça sem saber o que dizer diante daquela sensata argumentação.

Mu sorriu, se levantando.

Fique aqui, Ayolia. Vai ficar tudo bem. Voltarei logo para levá-lo até seu irmão e tratarmos desse seu tornozelo.

Dizendo isso, ainda lançou um olhar encorajador para o rapazinho e saiu apressado.

Em seu coração apreensivo, correndo desenfreado durante o trajeto entre as Casas, ele repetia para si mesmo :

Athena…Meus amigos… Já estou indo!”

**************

Ayoros chegou correndo à Mansão do Mestre. Ofegante e pálido, não pelo esforço mas pela imensa sensação de angústia que lhe oprimia terrivelmente o coração, ele olhou em volta, apreensivo. Ninguém. Nenhum membro da guarda do Mestre. Onde, em nome de Athena, estavam todos? Nem soldados, nem servos, nenhum Cavaleiro…Tudo parecia deserto e lúgubre, ainda mais pelas sombras que já se adensavam com a chegada da noite sem que ninguém parecesse estar lá para acender as luzes do ambiente.

Avançando, cauteloso, embora sua vontade fosse voar até os seus aposentos para encontrar Ying (“Deuses! Por que a energia dela parece tão fraca?!, ele pensava, desesperado) e o bebê Athena, a quem já amava tanto como se fosse a filha que perdera, Ayoros ia sondando o ambiente com seus sentidos ampliados. Saindo do amplo salão principal, a Sala do Trono, onde o Grande Mestre costumava receber os Cavaleiros, Sagitário seguiu por um corredor lateral até os aposentos contíguos. Sentiu mais duas presenças ali…Eram familiares mas… – Ayoros parou, franzindo a testa, confuso. – …estranhamente hostis!

Quando, após o que lhe pareceu um tempo absurdamente longo, finalmente chegou na ante-sala dos aposentos que lhe foram destinados pelo Mestre, teve sua passagem impedida por um jovem que se postava ali com expressão carregada e sombria. Absolutamente irreconhecível em comparação com o rapaz alegre e leal que era seu jovem discípulo.

Hargos! O que há com você, rapaz? – Ayoros o repreendeu, estudando sem entender aquela cosmoenergia sinistra que o cercava. Colocou-se ainda mais em alerta. – O que está fazendo aqui? Porque não me deixa passar? Quem está lá dentro com Ying? O que está…

Um choro de bebê, desesperado, urgente, se fez ouvir, fazendo sangue de Ayoros gelar. Sem pensar em mais nada, ele se precipitou para a porta como um louco, mas foi impedido novamente pelo rapaz, que se colocou à sua frente tal uma parede humana.

– Saia da minha frente, garoto!! Ficou louco?! – gritou, fazendo menção de agarrá-lo pelo ombro e retirá-lo dali à força.

– Ninguém irá entrar neste quarto. – o jovem impediu-lhe ainda mais a passagem,

A cosmoenergia que o cercava fez com que Ayoros recuasse um passo, surpreso.

– Hargos… – Ayoros murmurou, perplexo. Cerrando os punhos, ele insistiu, sua própria cosmoenergia manifestando-se, sem que ele percebesse, num tipo de reflexo.__ E posso saber, insensato, por que impede seu próprio mestre de entrar em seus aposentos particulares?!

– O Grande Mestre disse que não deixasse ninguém entrar nem mesmo o senhor.__ a voz era fria, glacial, o olhar sem expressão. – Se insistir serei forçado a impedi-lo… Pela força.

O Grande Mestre?!? – Sagitário repetiu, atônito. – Que coisa mais absurda!! Por que ele faria algo assim?! Não sei quem está neste quarto com minha esposa e a pequena Athena mas definitivamente não é Mestre Shion!! Agora saia da minha frente! – gritou, empurrando-o bruscamente para o lado.

Hargos chegou a cambalear, perdendo o equilíbrio, mas então trincando os dentes de raiva, disparou:

– GARRAS DO LINCE!!

O golpe atingiu em cheio as costas desprotegidas de Ayoros que foi atirado violentamente contra a porta do quarto que estava prestes a abrir. Ele caiu pesadamente no chão, sem acreditar no que acabara de acontecer.

Atordoado e dolorido, ele se ergueu nos cotovelos. Perplexo por ter sido atacado pelo rapaz que criara praticamente desde que era um bebê, juntamente com seu irmão Ayolia. Também pela força e velocidade do golpe, capaz de surpreendê-lo e derrubá-lo.

– Eu avisei… – disse o Lince, sombrio e ameaçador, preparando-se para atacar novamente. – Recebi ordens para detê-lo e é o que farei!

Rapidamente, embora ainda sentindo o golpe, Ayoros se levantou, enfrentando-o.

– Hargos, seu idiota!! Sou seu mestre, esqueceu? Isso é traição! Como ousa me atacar?! O que deu em você? – gritou Ayoros, procurando fitar-lhe os olhos.

– Eu vou matá-lo. Essa é a minha ordem.. E vou cumpri-la! – Hargos ergueu o rosto, se posicionando.

Ayoros arregalou os olhos e abriu a boca, mas não conseguiu emitir nenhum som. O Satã Imperial!!, ele pensou, incrédulo. Esse olhar vazio…Essa energia estranha que parece dirigi-lo como a um marionete… Não! Como é possível?

Cerrando os punhos, ele ativou seu Cosmo erguendo uma barreira energética defensiva.

Arles… – pensou, tentando manter o sangue-frio. – Só pode ter sido ele…Saga andava desconfiado… Devia ter lhe dado ouvidos… Espero que não seja tarde demais…

****************

Saga, completamente dominado por Ares, acariciava suavemente o rosto de Ying, que estava novamente inconsciente, enquanto observava, com um olhar devorador, faminto, seu corpo perfeito, indiferente ao bebê que chorava cada vez mais desesperadamente.

Agora sim, minha bela…Serás minha de todas as maneiras que me aprouver e teu amado não irá nos atrapalhar… – foi sussurrando enquanto ia lhe beijando o pescoço e o colo. – Não que acredite que aquele insignificante Cavaleiro de Bronze irá dar conta, mas o atrasará o suficiente para que eu consiga o que quero…E mesmo que ele não consiga nem mesmo isso, não seria interessante que ele nos visse agora? Imagino que o perfeito Ayoros de Sagitário ficaria chocado… – ele deu uma risada, se preparando para consumar sua volúpia quando sentiu que algo o paralisava.

Aborrecido, ele voltou o olhar ao berço ao lado da cama.

Intrometida! Athena, minha querida irmã, você nunca soube esperar, não é mesmo? Estás usando, mesmo nessa frágil forma de criança, sua energia divina para me impedir de possuir esta mortal? Que dedicada por querer proteger sua inestimável Niké… – ele se levantou, se recompondo e apanhando a adaga dourada. – Muito bem, primeiro o dever, depois o prazer… Se insiste tanto, então eu a matarei primeiro…

Continua…

1 Alusão ao poema “O Corvo”, de Edgar Allan Poe ( N. A)

2“Meu coração”, em gaélico, língua muito usada por Nevara de Avalon, preceptora de Ying. Dialeto usado em muitos lugares da Inglaterra como Escócia e Irlanda .(N.A)

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