A vista que se tinha lá de cima no Templo de Athena era magnífica. A paisagem que se descortinava à sua frente, dos prédios de mármore branco resplandecentes ao sol, que eram as moradas dos Cavaleiros de Ouro e, mais além dos limites do Santuário, a vila de Rodórios com suas belas casinhas brancas e os casebres simples dos pescadores, lembrou a Ying, com nostalgia, a paisagem que ela via todas as tardes ao pôr do sol, quando subia ao monte mais alto dos muitos que cercavam o Vale das Amazonas. Ela deixou que sua mente voltasse ao passado, quando ainda era uma jovem aprendiz de Cavaleiro.

– Vamos, Hermíone! Levante mais esse bastão agora! Isso mesmo! Ataque com mais força! Ótimo! – incentivava Ying.

Ela e sua amiga Hermíone praticavam com bastões de luta enquanto Ying aguardava a chegada de seu irmão Saga para mais uma sessão de treinamento. Ofegante, Hermíone pediu uma pausa:

– Por favor, Ying, vamos parar um pouco. Eu estou exausta! Acho que já não consigo mais nem sequer levantar o meu bastão.

– Ora, não se consegue nada sem bastante prática, amiga. E você precisa melhorar um pouco mais o seu desempenho com essa arma. Lembra-se do a mestre-de-armas disse?

– Eu sei, eu sei! Você tem razão! – admitiu Hermíone, rindo. – Puxa, não sei como consegue manter toda essa energia depois de um dia inteiro de treinamentos. E ainda vai treinar com seu irmão! Será que você é incansável, Ying?

Ying riu também e respondeu:

– É claro que não! Entretanto, por algum motivo que desconheço, o nosso treinamento comum não gasta nem um décimo da minha energia. Acredito que tenha a ver com o meu cosmo, pois, em contrapartida, sempre depois do treinamento para Cavaleiro de Ouro com meu irmão, o qual exercita diretamente a minha cosmoenergia, sinto-me como se estivesse estado lutando por dez dias em uma batalha ininterrupta sem comer, nem dormir. Mas nada que uma boa noite de sono não resolva. No dia seguinte estou pronta para recomeçar.

– Às vezes, eu invejo você por isso. Gostaria de ter essa disposição! – disse Hermíone, sentando-se.

– E às vezes eu invejo você. – confessou Ying, muito séria, sentando-se ao lado dela.

Hermíone encarou-a, surpresa:

– A mim?! Você está brincando!

– Não, minha amiga. Estou falando sério. O cosmo pode ser um fardo muito pesado de se carregar se você não estiver preparado para isso e eu tenho dúvidas vez por outra se eu estou ou algum dia estarei. É uma responsabilidade muito grande, Hermíone. Você nem pode imaginar o quanto…

Hermíone pareceu captar seus pensamentos.

– Você se sente diferente, não é? – perguntou, colocando a mão gentilmente sobre a dela.

Ying assentiu e continuou:

– De qualquer forma, eu nunca fui tratada realmente como igual às outras. Afinal, além de ser uma princesa, sou a primeira na linha de sucessão ao trono até que minha irmã mais velha tenha filhas e isso sempre acarretou uma série de protocolos e cerimoniais que sempre me aborreceram por me destacar das demais.

– Mas no exército todas somos iguais. – protestou Hermíone.

– Você realmente acredita nisso? Teoricamente até pode ser, mas tem que admitir que as outras recrutas não me olham da mesma maneira que a você.

Hermíone deu de ombros.

– Seja como for, tudo tornou-se mais evidente para mim depois do cosmo começar a se manifestar. O respeito e deferência de antes transformaram-se em medo ou quase reverência, adoração! É como se eu fosse uma coisa sagrada, uma deusa! Ao mesmo tempo, também percebo olhares de inveja e despeito, como a nossa amiga Mariska, lembra-se?

– Mariska já estava se afastando há algum tempo, Ying, mas é tudo culpa da influência perniciosa daquela Calipso. Ela é um mau elemento e tenho certeza de que não tardará a ser expulsa do exército.

– Tem razão, mas não é só isso… Se elas soubessem que também possuem o potencial…

– O que está me dizendo, Ying?! Por Artêmis!! Pode ser desastroso um poder tão grande como esse nas mãos de alguém como Mariska ou Calipso! Isso é muito grave, Ying. Nevara já sabe?

– Já, foi ela que chamou a minha atenção em relação a isso, na verdade.

– E então? – perguntou a outra, alarmada.

– Acalme-se, Hermíone! A cosmoenergia delas é inferior em comparação a minha, embora também perigosa, considerando-se principalmente o caráter egoísta e belicoso de Calipso. E pensar que Mariska antes tão doce e amiga está indo pelo mesmo caminho! Entretanto, como eu já disse, elas ainda não sabem que a possuem, pelo menos Mariska ainda não, e espero que ela nunca venha a descobrir enquanto não modificar o seu mau gênio e voltar a ser a Mariska que nós conhecíamos.

– Não entendo por que está com medo de seu cosmo, Ying. Conhecendo você como eu conheço, tenho certeza de que jamais faria mal uso dele. Os deuses depositaram o poder nas mãos da pessoa certa.

– Será, Hermíone? Como pode ter certeza de que me conhece de verdade? Muitas vezes as pessoas não conhecem totalmente nem a si mesmas, sendo capazes de coisas que nunca antes imaginariam fazer. Saga me disse que os Cavaleiros de Athena têm o poder de destruir estrelas com as próprias mãos, se quiserem. Tem idéia do que isso significa? Detesto admitir, mas isso me preocupa e me amedronta um pouco.

Hermíone respirou fundo, sentindo a angústia interior de sua amiga e respondeu, segurando as mãos dela e fitando-a nos olhos:

– Ying, só o fato de você se preocupar com o uso que fará de seu poder já é um bom sinal. Minha mãe sempre me diz que quando recebemos algum dom, o recebemos por algum motivo e que, mais cedo ou mais tarde, descobriremos qual é. Quanto ao uso que faremos dele depende apenas de nós mesmos, pois sofreremos posteriormente as conseqüências de sua boa ou má utilização. Acredite, minha amiga, é bom que se preocupe, pois assim pensará duas vezes antes de fazer qualquer coisa da qual poderá se arrepender mais tarde. Mas, também não se esqueça do que a comandante Penélope nos disse: “Confie em seu instinto…

– …ele poderá salvar sua vida quando a razão parece não encontrar uma saída.” – completou Ying, com um sorriso triste. – Espero não tomar decisões erradas.

– Nenhum de nós é perfeito, Ying. Todos tomamos decisões erradas de vez em quando, mas sempre podemos tentar consertar as coisas. É só ter humildade para admitir os erros e sabedoria para procurar repará-los da melhor maneira possível.

– Você fala como Nevara, Hermíone. Como alguém tão jovem pode dizer coisas tão sensatas?

Hermíone riu.

– Gosto muito de me aconselhar com Nevara também. Quanto a ser jovem…Bem, ela me disse certa ocasião que o nosso corpo pode ser jovem, mas não sabemos há quanto tempo o nosso espírito existe. Ele pode já ter visto e aprendido muitas coisas em diversas existências nesse mundo ou em outros. Espero poder aprender muitas coisas ainda e assim poder ajudar as pessoas.

– Assim como está me ajudando agora. Vou sentir muita falta dessas nossas conversas quando tiver que partir para o Santuário.

– Eu também. É uma pena que eu não tenha o mesmo dom, pois assim poderia acompanhá-la e conhecer um pouco do mundo exterior.

– Gostaria de me acompanhar também em minhas dúvidas, Hermíone? Já lhe contei sobre o dilema pelo qual estou passando. Como você mesma me disse, os deuses sabem o que fazem. Pelo menos, sabe o que esperam de você aqui e eu também sabia, mesmo que não gostasse muita da minha posição e agora…

– Quanto às suas dúvidas, eu já lhe disse o que penso. Não se preocupe tanto; todos temos dúvidas de vez em quando e isso é bom, pois nos obriga a pensar nas conseqüências de nossos atos. Não há vergonha em se sentir um pouco insegura…

– Não acho que isso seja digno de uma Amazona. – interrompeu Ying, ainda sombria.

– Nós somos apenas seres humanos como os outros, Ying. Temos direito a ter nossas fraquezas, mas devemos aprender com elas e então superá-las. Aquelas pessoas que aparentam ser sempre seguras ou fazem isso apenas como uma espécie de mecanismo de autodefesa ou demonstram possuírem um orgulho desmedido e este é um defeito muito perigoso.

– Acho que tem razão. – admitiu Ying, suspirando.

– É tudo uma questão de bom senso, minha irmã. Agora, quanto ao que se espera de você…Bem, sei que não deve ser fácil conviver com todos esses sentimentos contraditórios e deixar a segurança de uma posição já firmada e bem definida para enfrentar o Desconhecido, mas veja pelo lado bom: quando for para o Santuário, você não será mais a princesa Amazona, mimada e reverenciada, como diz. Será apenas mais um Cavaleiro, do corpo de elite, é verdade, mas dividirá os encargos com outras doze pessoas e o que se espera de todos os Cavaleiros, do mais simples ao mais poderoso, ao que eu saiba, é que lutem pela Justiça e defendam a Paz na Terra em nome de Athena.

– Você está certa, Hermíone. Entretanto, é um mundo masculino lá fora, mesmo no Santuário. Terei que lutar muito para impor respeito.

– E isso a assusta?

– É claro que não! Estarei pronta para qualquer desafio, tenho certeza, mas espero que eles logo entendam que podemos lutar lado a lado, de igual para igual.

– Eles entenderão, você verá. Além do mais, certamente terá ajuda. Afinal, nem todos os homens consideram as mulheres como seres frágeis necessitados de proteção. Seu irmão Saga é um exemplo vivo disso.

– É verdade. E por falar nisso, acho que ele não tardará a chegar para o treinamento de hoje. Obrigada, Hermíone. É sempre bom conversar com uma pessoa sensata como você. Sou mesmo afortunada por ser sua amiga.

– Eu é que me sinto afortunada, Ying. Apenas sinto que um dia tenhamos que nos separar, mas…Bem, não vamos nos preocupar com o futuro agora. Quando ele chegar, nós o enfrentaremos e seguiremos cada uma o seu destino.

– Certo. Mas antes me diga uma coisa: você disse que tem vontade de conhecer o mundo exterior. Por favor, não se ofenda com a minha pergunta, sabe o quanto eu a prezo, mas… Por acaso, está pensando em desertar?

– Ying! – exclamou Hermíone, surpresa, levantando-se de um pulo. – Como pode pensar isso a meu respeito? Se você não fosse tão minha amiga, a desafiaria para um duelo, mesmo sendo quem é…Entretanto, sei que você não quis me ofender; nos conhecemos o suficiente para que eu saiba que, mesmo que realmente fosse esse o meu intento, você procuraria entender e até me apoiaria. Mas não se trata disso em absoluto, não se preocupe. Na verdade, o que pensei, depois de me tornar uma guerreira, é claro, foi em me oferecer como espiã.

– Espiã?! – Ying pensou um pouco. – Sim, é uma boa maneira de conhecer o mundo, apesar de bastante perigosa. Mas…Hermíone, eu…quero dizer…você sabe que será obrigatoriamente incluída no programa de reprodução e, portanto, provavelmente, terá de voltar grávida, não sabe?

Hermíone suspirou tristemente, assumindo uma expressão grave:

– Eu sei. Já pensei muito sobre isso e tomei uma decisão: apesar de compreender que o programa de reprodução é necessário para a sobrevivência da nossa raça, não vou me submeter a ele. Pode parecer tolice, mas, às vezes, tenho sonhos muito ruins em relação à gravidez e parto, principalmente este último. Sinto que posso não sobreviver a ele. É realmente uma tolice, não acha?

– Também sou atormentada por sonhos proféticos, minha amiga, bem sabe disso. Mas Nevara já nos disse que não devemos guiar nossas vidas unicamente pelos sonhos que temos, pois muitas vezes eles não têm o significado que parecem ter.

– Sei disso. E, na realidade, não são os sonhos que me preocupam, pois ainda que predigam o que verdadeiramente acontecerá, não me importam. O que me fez tomar essa decisão é a minha convicção pessoal de só me entregar ao homem que agradar ao meu coração e não somente aos meus sentidos, e de não usá-lo como um mero reprodutor. Se algum dia tiver um filho, ele será o fruto de um grande amor.

– São idéias um tanto românticas para uma Amazona, não acha?

– Antes de ser uma Amazona, Ying, sou uma mulher, um ser humano com sonhos como os de qualquer outro.

– Mas você aceitaria se submeter aos caprichos de um homem, ainda que fosse o homem que amasse?

– Você não me entendeu. Como você mesma disse, homens e mulheres podem lutar lado a lado, como iguais, e não um à frente do outro ou contra o outro. Também acredito nisso e é esse o meu ideal.

– Creio que o meu ideal não é tão romântico quanto o seu, Hermíone, e eu não tenho ilusões de que será fácil. A maioria dos homens não está preparada para encarar a nós, mulheres, dessa maneira. Tenha cuidado para não se deixar enganar, irmã. – disse Ying, abraçando-a – ou poderá acarretar um grande sofrimento para si mesma.

– Tomarei cuidado, prometo. Mas o que tiver de ser, será. – respondeu Hermíone, retribuindo, emocionada, ao abraço.

– Bem, vamos deixar de sentimentalismos! Ainda falta muito tempo para que tudo isso aconteça. – disse Ying, piscando para afastar as lágrimas. – Afinal, antes de se tornar uma espiã, precisa ser primeiramente uma guerreira e não conseguirá ser uma, a menos que aprenda de uma vez por todas a lutar direito com o bastão. Vamos continuar. Quero que aprenda esses golpes antes que o meu irmão chegue!

– Oh, precisamos mesmo? Acho que nunca conseguirei lidar com essa coisa como você.

– Será ainda melhor do que eu se você se esforçar e praticar bastante. Vamos! Erga esse bastão e defenda-se! – incentivou Ying, rindo.

Rindo também, Hermíone apanhou sua arma e recomeçaram a treinar.

Estando assim, embevecida pelas recordações, Ying nem percebeu que um jovem Cavaleiro se aproximava, silenciosamente, tentando não assustá-la. E não teria notado a sua presença se ele não falasse:

– Saudades de casa, princesa?

Continua…

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    • ^^ que bom! Ela é mesmo uma amigona.Ainda falar dela.Ela é peça importante de um dos mistérios da história de Cdz que será desvendado na segunda temporada.^~

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