– Até que enfim!! – foi o grito impaciente de Ayolia que os esperava à porta da cabana. Eu estava morrendo de fom… – ele atrapalhou-se, gaguejando. – quero dizer de preocupação! Por acaso, se esqueceram do almoço? Onde estavam? A aldeia não é tão grande assim!

– Ayolia!! – ralhou uma senhora gorducha e de ar simpático que se aproximou apressada, limpando as mãos no avental. – Isso é maneira de falar com seu irmão mais velho? O que a nossa convidada irá pensar?

Ayolia abaixou ligeiramente o olhar maroto, mas sem desviá-lo um instante do irmão e de Ying.

– Não se preocupe, senhora. Ayolia não falou por mal, não é mesmo, irmãozinho? – disse Ayoros, piscando-lhe discretamente um olho.– Realmente nós perdemos a noção do tempo. Espero que nos perdoem. – voltando-se para Ying, passou às apresentações: – Ying, essa é Nísia, esposa de Alceus. – e dirigindo-se à Nísia – Senhora, esta é a nossa nova companheira, Ying de Gêmeos.

Ying lançou-lhe um rápido olhar de agradecimento por apresentá-la daquela maneira, reconhecendo antecipadamente sua condição e estendeu a mão para cumprimentar Nísia, murmurando uma saudação, quando se viu envolvida em um caloroso abraço de boas-vindas.

– Seja bem-vinda à Grécia e à nossa aldeia, filha! Espero que tenha gostado do passeio.

– Muito, senhora. – disse Ying, um pouco surpresa. – A aldeia é muito bonita e agradável e todos são muito gentis. Agradeço mais uma vez a acolhida tão generosa.

– É um grande prazer recebê-los, minha jovem. – disse o velho Alceus, juntando-se a eles. – Estou contente que tenham chegado.

Eles ouviram, então, um ligeiro pigarro e olharam todos na direção de Ayolia. Ele não se fez de rogado.

– Agora que estamos todos aqui, podemos comer, por favor? – suplicou Ayolia.

Todos riram, com exceção de Nísia que franzia o rosto em reprovação para o rapaz, mas mesmo ela tinha um brilho divertido no olhar.

Ayoros, às gargalhadas, abraçou o irmão com um braço enquanto com a outra mão livre esfregava a cabeça dele, o qual tentava em vão se desvencilhar, despenteando-lhe os já revoltos cabelos castanho-claros.

– Ah, sim! Ia me esquecendo…Ying, este rapazinho esfomeado aqui é o meu irmão caçula Ayolia, futuro Cavaleiro de Ouro de Leão. Em geral, costuma ter boas maneiras, mas sabe como são as crianças; espero que leve em consideração.

Ayolia conseguiu, enfim, soltar-se do irmão mais velho e ajeitando-se rapidamente, protestou:

– Pare de me chamar de criança!! – e curvando-se numa graciosa reverência, disse polidamente: – É um prazer conhecê-la, senhorita.

Contendo a custo um sorriso, Ying retribuiu à reverência, respondendo:

– O prazer é todo meu, jovem Cavaleiro. Posso sentir pelo seu cosmo em desenvolvimento que tem o potencial para ser um dos mais fortes defensores de Athena.

Tenho a certeza de que se empenha nos treinamentos nesse sentido, não é mesmo?

Empertigando-se, ele confirmou, com todo o orgulho e entusiasmo juvenil.

– É claro que sim! – e olhando rapidamente para o irmão, acrescentou, em tom de censura. – Principalmente quando ele não foge para passear…

– Ayolia!! – protestou Ayoros.

– Ora, não brigue com ele, Ayoros. – interrompeu ela, apaziguadora. – Afinal, ele não deixa de ter uma certa razão. – voltando-se para Ayolia, ela acrescentou, com o seu mais belo sorriso. – Não fique chateado com seu irmão, Ayolia. Creio que, em parte, a culpa é minha, pois se ele interrompeu seu treinamento foi para me mostrar o Santuário. Não se preocupe; nós já conversamos sobre isso e não mais se repetirá, está certo?

Completamente fascinado, ele balançou a cabeça, concordando.

– Ótimo! Agora vamos comer para que possa se tornar um Cavaleiro de Ouro forte e poderoso. – ela deu uma piscadela cúmplice para Ayolia. – Também estou faminta, apesar de não estar mais em fase de crescimento.

– Esperem!! Não podemos comer ainda! – exclamou Nísia, de repente. – Pallas ainda não chegou!

Ayolia lançou-lhe um olhar aflito. Nísia então explicou à sua convidada de quem se tratava:

– Pallas é nossa filha mais nova. Ela e o marido, Períclides, moram na ilha vizinha e ao contrário de nosso outro filho, Alceus como o pai, que mora em Rodes e nos visita uma vez por mês, sempre vem almoçar conosco aos domingos. Só que hoje eles estão um pouco atrasados…

– Não se preocupe, minha cara. – tranqüilizou-a Alceus. – Vindo para casa passei pelo correio e lá avisaram-me de que havia um recado de Períclides: parece que nossa filha estava com uma pequena indisposição e por isso eles perderam a barca da manhã, mas que Pallas já estava melhor e sendo assim eles pegariam o próximo transporte, depois do meio dia. Já devem estar à caminho.

– Indisposição?! – exclamou Nísia, preocupada. – Mas Palas sempre teve uma saúde de ferro! Ou será que… – o rosto rechonchudo iluminou-se com um sorriso esperançoso. – Oh, Alceus, será que é aquilo pelo qual esperamos há tanto tempo? Afinal, um neto!!

– Calma, Nísia! – Alceus sorriu, compreensivo. – É possível, mas ainda não podemos ter certeza. É melhor deixar que eles nos comuniquem. Não vamos criar expectativas que podem não se confirmar. – lançando um olhar compassivo para o jovem Ayolia., acrescentou. – Já se faz tarde. Tenho certeza de que Palas e Períclides chegarão à tempo. Além disso, não é educado deixar nossos convidados morrendo de fome.

– Quanto a mim, não precisa se preocupar. Posso esperar, se for necessário. Entretanto, creio que Ayolia não irá agüentar por muito tempo. Crianças, ou melhor, jovens rapazes em fase de crescimento precisam de muita energia.

– Tem razão. Na verdade, é melhor todos comermos. Desculpe-me por minha falta de hospitalidade. – disse Nísia. – Mas é que sou mãe. Não consigo ficar sossegada enquanto eles não chegam. A travessia por mar pode ser perigosa, às vezes. Ainda mais agora… – ela sorriu, sem jeito. – Sabe como é… Estou torcendo para que a felicidade deles se complete com a chegada de uma criança desde que eles se uniram há três anos. Quando tiver filhos irá entender.

Dizendo isso, Nísia lançou um olhar bastante significativo para Ying e Ayoros, que fez a primeira corar intensamente e o segundo dar um sorriso imperceptível.

Para desfazer o embaraço Alceus conduziu os convidados para a sala da cabana onde se daria a refeição.

A peça era bem ampla apesar de muito simples. O chão era composto de um piso de cerâmica escura e as paredes formadas por pedras vulcânicas. Haviam três grandes janelas, cercadas por floridas jardineiras, que estavam abertas, enchendo o local de luminosidade e frescor primaveril. Dominando o interior, se destacava uma grande mesa de madeira tosca cercada por muitos bancos, indicando que os donos da casa estavam habituados a receber muitas visitas. No fundo da sala havia uma grande lareira, onde fumegava uma enorme panela de onde vinha um aroma delicioso, o qual atiçou o apetite em todos.

Em meio a atmosfera animada e familiar, Ying se sentia cada vez mais descontraída. Nem parecia que estava a tantos quilômetros de casa. Era como se tivesse vivido sempre ali. Enquanto Nísia servia a comida, instada por Ayoros e Alceus, ela começou a falar sobre suas irmãs Amazonas e seu dia à dia no vale onde nascera, sob o olhar ávido e atento de Ayolia, que enchia a boca de azeitonas e pedaços de peixe cozido, saciando enfim sua fome.

Apesar do ambiente simples, a comida era farta e deliciosa, parecendo melhor que ambrosia1 ao apetite voraz de Ying. Aos tira-gostos, sucederam-se o peixe preparado de várias formas, carnes e cozidos de legumes verdadeiramente divinos. Conforme a tradição, as refeições na Grécia costumam demorar horas e assim tudo corria como deveria ser; entretanto, conforme as horas passavam, Ying notou que a inquietação de Nísia e até mesmo do imperturbável Alceus, embora disfarçassem muito bem, começava a crescer em virtude da demora de seus filhos. Essa inquietação acabou se transmitindo também a ela que começou a sentir novamente aquela estranha sensação de perigo. Discretamente, ela começou a projetar seus sentidos em busca da origem daquilo: seu olhar tornou-se vago, como se olhasse para dentro de si mesma ou para muito, muito longe; seus ouvidos começaram a captar estranhos ruídos que ela custou a identificar, parecendo com o barulho de coisas se quebrando com estrépito, pessoas correndo e gritando em pânico, barulho de cascos em desabalada carreira; às suas narinas chegava cada vez mais intenso o acre cheiro do medo misturado com uma incrível fúria animal…

Instintivamente, seu olhar procurou o de Ayoros, que apresentava a mesma expressão vaga, mas que entrou em foco assim que encontrou o dela, como se ambos despertassem de um sonho.

– Você também viu? – perguntou ele, alerta.

– Vamos! – respondeu ela, simplesmente, levantando-se e saindo correndo da cabana.

– O que houve? O que aconteceu com ela? – perguntaram Nísia e Alceus, alarmados.

– Não se preocupem. Fiquem aqui que eu vou verificar e sobretudo não saiam de casa. – aconselhou Ayoros. – Você também, Ayolia. – acrescentou, vendo que o jovem rapaz fazia menção de acompanhá-lo.

Ayolia tornou a sentar-se, contrariado, resmungando que ele nunca o deixava participar de nada. Alceus insistiu:

– Está acontecendo alguma coisa na aldeia? O que vocês viram?

– Pode não ser nada. No entanto, eu insisto para que fiquem aqui até que voltemos. Não se preocupem. Tudo vai ficar bem. – disse Ayoros, despedindo-se apressado e saindo em alcance de Ying.

Do lado de fora, Ayoros parou, olhando para si mesmo, e pensou:

Não sei ao certo o que iremos enfrentar, mas não é algo comum, posso sentir isso! É melhor convocar minha armadura. Alcançarei Ying depois.

 

*********

Onde estará Ayoros? – pensou Ying, já quase chegando na fonte do distúrbio, olhando à sua volta e notando a ausência do Cavaleiro. – Como homem que é, achei que já estaria à minha frente, querendo enfrentar o perigo. Não pensei que fugisse como um covarde! – concluiu com uma ponta de ironia, aonde se percebia um pouco de decepção. – Seja o que for, parece que terei de fazer tudo sozinha e… – Ei!!! – gritou ela, sentindo-se subitamente suspensa no ar.

– Sou eu, Ying, Ayoros! – disse o Cavaleiro, agora devidamente protegido por sua armadura dourada, cujas imensas asas os levaram pelos ares com velocidade espantosa. – Perdoe-me pela demora.

– Tire suas mãos de mim! – vociferou ela, furiosa.

– Desculpe se a assustei, mas achei que assim chegaríamos mais rápido e então resolvi lhe dar uma carona.

– Parece que você adora chegar dessa maneira, não é mesmo? – Pois fique sabendo que não preciso de suas asas. – tornou ela, com desdém. – Esqueceu qual a constelação que represento? Gêmeos é um dos signos que rege o elemento ar, portanto, posso manipulá-lo, se quiser, para me manter suspensa nele e vencer à gravidade. Veja!

De fato, ela soltou-se dele e continuou voando ao seu lado.

– Humm! Estou impressionado… – fez ele, sem se ofender com a pretensa agressividade da outra. – Posso perguntar então por que estava correndo?

– Ora, eu… – ela hesitou, corando intensamente. – Ora, não é da sua conta! Digamos que não gosto de ficar me mostrando como você!
Ele deu um sorrisinho significativo.
– Entendi. Você tem medo de altura… – e antes que a indignada Ying pudesse responder, ele gritou, apontando:
– Olhe!! É aquele touro negro que vimos no mercado que está causando toda a confusão. Parece que ele enlouqueceu e agora está indo direto para aquela carroça parada mais adiante.
– Oh, não!! – exclamou Ying, empalidecendo, esquecida da discussão. – Veja, há uma mulher na carroça… Ela parece desacordada. Há um rapaz tentando ajudá-la, mas não sei se irão conseguir escapar a tempo. Temos que deter aquele animal antes que os alcance!
– Vou dar cabo dele com uma de minhas flechas! – resolveu Ayoros.
– Não! Pressinto que toda essa fúria não foi provocada por motivos corriqueiros; se o matarmos, talvez nunca descubramos o que a provocou. Além disso, acredito que seja um excelente arqueiro, Ayoros, mas um alvo móvel como aquele é sempre mais difícil, e se não conseguir matá-lo ou imobilizá-lo, ele pode se tornar ainda mais furioso.
– Então o que sugere?
– Precisamos arrumar uma rede bem forte para segurá-lo e, caso não haja outra solução, aí sim o mataremos.
– Bem pensado. Mas será que dará tempo?
– Não será necessário ir longe. Tenho o que precisamos bem aqui. – disse ela desembainhando a espada.
– Não entendo. O que pretende com essa espada?
– Fique olhando… – disse ela com um sorriso malicioso e erguendo a espada, gritou: – Por Athena, transforme-se em rede…Agora!
Diante dos olhos atônitos de Ayoros, a cintilante espada se converteu em uma enorme rede dourada, mas de resistência tão forte quanto o aço, como aquelas usadas pelos antigos gladiadores romanos.
Estendendo a rede para que Ayoros também a segurasse, Ying explicou:
– Apresento-lhe Excalibur. Foi um presentinho de minhas irmãs Amazonas. Contarei os detalhes algum dia. Agora, deixe de fazer essa cara de bobo e me ajude a deter aquele touro!!

– Está bem. – concordou Ayoros, segurando a rede. – Vamos ver o que o seu presente mágico pode fazer. Pronta para atirar? Agora!!

Eles lançaram a rede sobre a fera, que parou, a princípio, assustada com o obstáculo inesperado. Entretanto, para a total surpresa dos dois Cavaleiros de Ouro que procuravam detê-lo segurando as pontas da rede com toda a sua força, o animal após dar alguns pulos, buscando se livrar da incômoda rede, passou a arrastá-la, continuando a avançar sobre o indefeso casal, tão lépido quanto se nada houvesse em seu caminho e arrastando também, é claro, os dois defensores.

– Você tinha razão, Ying! – gritou Ayoros, vermelho com o esforço de tentar em vão segurar o touro furioso no mesmo lugar. – Ele não é um animal normal. Com certeza está possuído de alguma força maligna e… incrivelmente forte! Só que a sua idéia da rede parece não estar dando muito certo. Ele é mais forte do que nós dois juntos! O que faremos?

Ela pensou por alguns segundos até que seu semblante se iluminou com uma idéia que lhe ocorrera.

Ah!! Já sei!

– Ying!! O que… – murmurou Ayoros, perplexo.

Ying inspirou profundamente, tomando fôlego e em seguida mergulhou veloz como um corisco na direção do touro. Como um peão ou um cowboy de filmes americanos, ela montou nas costas dele. Assustado e ainda mais furioso com aquele novo ataque, o animal começou a dar coices e a rodar em volta de si, como se estivesse em um rodeio, tentando se livrar da intrusa. Segurando-se como podia, ela principiou a dar golpes, com toda a sua força, na nuca do touro. Foram longos segundos angustiantes, pois a fera enlouquecida parecia nada sentir até que (quando Ying já começava a desesperar-se) de repente tonteou e caiu há poucos metros da carroça avariada.

Afogueada pelo esforço, Ying suspirou de alívio e satisfeita consigo mesma foi verificar como estavam os dois aldeões.

Lá em cima, Ayoros gritava:

– Ying, você é maravilhosa…mas também completamente louca!!!

Quando se aproximou, Ying viu que a mulher que aparentava ser muito jovem, apesar de ainda estar muito pálida parecia estar voltando a si sob os cuidados atenciosos do rapaz, que lhe esfregava as mãos e as têmporas com compressas de água fresca retirada de um poço próximo.

– Vocês estão bem? Ela está ferida? – perguntou Ying, solícita.

O jovem respondeu, visivelmente aliviado:

– Graças a Deus e a senhora, não. Ela só está um pouco tonta, em razão do susto. No estado dela, isso é normal. – concluiu ele, sorrindo.

– Oh! Parabéns aos dois! – disse ela, sorrindo também. – No entanto, deixe-me verificar se está mesmo tudo em ordem com ela e a criança.

Respeitoso, o rapaz abriu passagem para que Ying se aproximasse mais da jovem desmaiada. Dominada por uma forte emoção que não conseguia explicar, Ying caiu de joelhos diante dela com a estranha sensação de estar perante algo muito sagrado. De fato, para os olhos treinados de Ying, parecia que uma belíssima aura branca, muito brilhante cercava a jovem e erguendo o olhar foi com grande surpresa que a amazona vislumbrou por trás da simples mortal a imagem da deusa Athena em todo o seu esplendor.

Quando a imagem sumiu e sua visão voltou ao normal, Ying piscou os olhos, tentando entender o que significava aquilo tudo e acendeu o seu cosmo, fazendo o seu corpo brilhar com uma leve luminosidade azulada e estendo a mão direita em direção à jovem, cuidadosamente, começou a monitorá-la, verificando o estado dela e da criança por nascer; pelo que ela pôde perceber, somente a pulsação estava um pouco acelerada, mas começava a se normalizar e o embrião, que não tinha mais do que dois meses, parecia estar muito tranqüilo e em boas condições.

Vendo que tudo estava bem, Ayoros resolveu sobrevoar os arredores para ver se alguém havia se ferido. Para sua satisfação, tudo parecia calmo agora, pois as pessoas começavam a sair, ainda um pouco temerosas, e arrumar as barracas e outras coisas espalhadas e quebradas pelo touro raivoso. Dando um aceno tranqüilizador para os aldeões que o viram, ele apressou-se a voltar para junto de Ying. Apesar de saber que o perigo já estava dominado, alguma coisa o incomodava em seu íntimo como algo ainda estivesse por acontecer.

Quando retornou, Ayoros observou, intrigado:

Engraçado… Agora que estou reconhecendo aquele casal… Ora vejam, são Palas e Períclides! Alceus ficará contente em saber que sua filha e genro estão bem. Graças aos deuses Ying conseguiu salvá-los! Mas…Por que ela está estática daquele jeito? Até parece que viu um fantasma! – Não é possível! – exclamou Ayoros, branco como cera, parando no ar. – Talvez tenha realmente visto…Em nome do grande Deus! Aquele cosmo maravilhoso em Palas… Aquela visão celestial…É…É…Athena!!

Tão extasiado quanto Ying ficara, Ayoros, de repente, foi despertado por um ruído assustador e uma visão que fez gelar sua espinha: o touro acordara e estava de pé, livre da rede que o estorvava e mais furioso do que nunca, escarvando o solo e olhando, ameaçador, para o grupo adiante.

– Ying!! Cuidado!! – gritou Ayoros.

Alertada, ela olhou para trás e empalideceu, soltando uma exclamação abafada. Imediatamente, ela se colocou em posição de defesa e ergueu uma barreira energética.

– Saiam daqui rápido!! – gritou Ying, olhando para trás, mas sem desviar sua atenção da fera. – Procurem um lugar seguro enquanto tento segurá-lo aqui! Depressa!!

Quase carregando a esposa, Períclides apressou-se a procurar um refúgio para ambos, apesar de sua vontade ser ficar e ajudar a valente Amazona.

Esperando que os dois se colocassem a salvo, Ying mantinha estoicamente a barreira. Entretanto, para sua surpresa e desespero, ela parecia querer fraquejar diante do olhar magnético e terrível do touro, que parecia sugar a sua cosmoenergia.

Vendo a situação delicada em que Ying estava, Ayoros decidiu usar seu arco.

Não vou esperar mais! Esse monstro vai pagar caro por sua ousadia! Depois investigaremos essa situação insólita… – pensava ele, fazendo cuidadosamente a mira.

Com um grito de raiva e triunfo, Ayoros disparou a flecha que voou, célere, em direção ao alvo. Entretanto – Oh, surpresa! – o corpo formidável do touro começou a brilhar com uma estranha luz avermelhada muito intensa, e a flecha inverteu o seu curso, visando agora o coração do Cavaleiro de Ouro!

– Ayoros!! A flecha!! – gritou Ying.

Tudo então pareceu ocorrer em câmera lenta, embora não tivesse durado mais do que alguns segundos: Ayoros conseguiu segurar a flecha a poucos centímetros de seu peito; aflita com o perigo que Ayoros corria, Ying, sem querer, deixou a barreira energética ceder por uma fração de segundo; aproveitando-se disso, o touro avançou e a atingiu em cheio com os chifres, arremessando-a à grande distância.

– Nãaaoo!!! Ying!!! – gritou Ayoros, desesperado.

Acendendo instintivamente o seu cosmo, com uma força que nem sonhava que possuía, Ayoros novamente disparou contra o touro, dessa vez acertando o alvo que tombou fulminado, apesar do estranho cosmo que o envolvia.

Aflito ao extremo, sem dar importância ao animal abatido, Ayoros procurou Ying e a viu caída a alguma distância dali, completamente imóvel.

Ele voou até lá e parou a alguns passos dela, ainda mais pálido que a própria Ying.

Não! Não! Isso não pode acontecer! Não desse jeito! Eu não posso sobreviver a ela… – Ayoros pensava, alucinado. – Como posso perdê-la agora se mal acabamos de nos encontrar?

Recuperando aos poucos o domínio de si mesmo, ele se ajoelhou junto a Ying e tomou-lhe o pulso, que verificou estar muito fraco e confirmou que ela não estava respirando. Imediatamente, Ayoros principiou a fazer respiração boca a boca.

Vamos! Vamos! Respire! Volte pra mim, por favor, Ying! Ainda não é hora de nos separarmos! Volte! – pensava ele entre uma respiração e outra.

Após alguns segundos angustiantes, Ayoros, radiante, sentiu em seu rosto um leve bafejar tépido acompanhado de um quase imperceptível movimento do tórax, indicando que Ying voltava a respirar sozinha. Como a respiração ainda parecesse fraca e irregular, ele continuou com a respiração artificial, quando, sentindo que ela acordava e levado talvez pela emoção do momento a respiração boca à boca transformou-se em ardente beijo.

O êxtase vivido de manhã cedo pelos dois no episódio da queda teve então seu ápice no beijo afinal concretizado. A troca de energias entre ambos e a união entre as duas almas era tão completa que eles pareciam um só. No entanto, assim como da primeira vez, tudo terminou tão repentinamente como começou, pois, no instante seguinte, Ayoros sentiu um forte golpe em seu rosto sendo simultaneamente arremessado à boa distância da Amazona.

– Como ousa me beijar?! – rosnou Ying, furiosa, em pé diante do atônito Ayoros.

Ainda tonto, Ayoros a encarou surpreso pela volta da atitude agressiva e respondeu, irritado:

– Eu não a estava beijando…pelo menos, não inicialmente… – murmurou ele, sem jeito. – E, além de tudo, você retribuiu, não pode negar isso! Na verdade, estava fazendo respiração artificial, pois achei que estava morrendo!! É verdade, Ying! Pensei que aquele monstro havia acabado com você, pois estava deitada no chão completamente imóvel, sem respirar, parecia morta! – e acrescentou, massageando o rosto ferido: – Ainda bem que, pelo visto, continua bem viva.

– É claro que estou viva! Achou mesmo que um simples touro podia acabar comigo? Posso ser uma mulher, mas não sou de cristal para desmanchar com uma pancadinha à toa. Além disso, estou usando minha armadura.

– Então você finge muito bem, pois não estava respirando e me pregou um grande susto. – retrucou Ayoros, irônico. – Agora falando sério, Ying: você mesma havia me dito que aquele touro não parecia normal, lembra-se? Também havia sentido o mesmo, por isso fui buscar minha armadura.

Ying não se pôde furtar a um estremecimento involuntário e, sem responder, aproximou-se do corpo sem vida do touro. Com o rosto franzido, ela murmurou, contrafeita:

– Tem razão… Detesto admitir isso, mas é verdade. Desde que vi este animal lá no mercado que senti algo de estranho, uma sensação que não conseguia definir…Aliás, desde que cheguei aqui no Santuário. – e voltando-se novamente para Ayoros, acrescentou: – Não sei bem ainda como é o protocolo por aqui, mas acho que devemos avisar ao Mestre imediatamente sobre tudo o que se passou aqui. Talvez ele saiba o que está acontecendo.

– Eu farei isso. – disse ele, levantando-se. – Como você ainda é novata e não foi oficialmente aceita só pode ir até a Sala do Trono se for chamada. No entanto, tenho a certeza de que ele irá chamá-la. Iremos desvendar esse mistério custe o que custar!

Ela balançou a cabeça em concordância e fez menção de ir embora. No entanto, foi dominada por uma súbita fraqueza, que a deixou muito pálida e provavelmente teria caído se Ayoros não corresse para ampará-la.

– Espere!! Deixe que a leve até a casa de Alceus e Nísia ou até Gêmeos, se preferir. Você ainda não está em condições de ir sozinha.

Ela desvencilhou-se, irritada:

– Não preciso da ajuda de nenhum homem! Sou uma Amazona e sei como cuidar de mim mesma!

– Antes de tudo você é um ser humano, Ying, e não há vergonha alguma em receber ajuda quando se precisa dela. – disse Ayoros, suavemente. – Não me interprete mal. Você é uma companheira, um Cavaleiro de Athena como eu e quero apenas ajudá-la. Estou preocupado com você.

A ternura na voz dele e a limpidez de seu olhar derrubaram as últimas barreiras da resistência dela que respondeu, sem hostilidade:

– Realmente o estranho cosmo presente naquela criatura parecia funcionar como uma espécie de buraco negro, pois sugou quase toda a minha cosmoenergia deixando-me neste estado lastimável…mas já estou bem agora, não precisa se preocupar comigo, palavra! – e aproximando-se dele, acrescentou, enquanto erguia a mão, envolta em suave luz azulada, e a passava delicadamente pelo rosto machucado do Cavaleiro, fazendo com que toda dor e o inchaço desaparecessem: Sei que não teve má intenção, Sagitário. Posso ler isso em seu coração, mas…Por favor, não torne as coisas mais difíceis ainda. Não posso me envolver com você, eu… – ela parou, hesitante, mordendo nervosamente o lábio inferior e então afastou-se, bruscamente: – Afaste-se de mim, Ayoros! Não devemos nos ver mais até o dia do Conselho, mesmo porque todos os Cavaleiros devem estar presentes de qualquer jeito.

– Mas…Ying, eu não entendo… Por que?!

– Não posso explicar nada, apenas que é pelo seu próprio bem que lhe digo isso… Agora, adeus! – ela se virou para ir embora, mas antes pediu: – Por favor, peça desculpas a Alceus e Nísia por mim e agradeça a eles pela generosa acolhida.

– Está bem, Ying. – Ayoros suspirou. – Se você prefere assim… – ele fez uma pausa, e acrescentou, com ar grave: – Quanto ao Conselho, reafirmo o que já havia dito antes: não contestarei o seu direito de ser um Cavaleiro de Ouro e muito menos a obrigarei a usar uma máscara. Desejo-lhe sorte, Ying de Gêmeos.

Ying olhou ainda um instante para ele e depois se virou e desapareceu.

Ayoros se manteve imóvel, olhando para o lugar onde ela estava, consternado. Vendo que o perigo já passara, Períclides e Palas, assim como os outros aldeões aproximaram-se para examinar a criatura e trocarem impressões entre si sobre o acontecido. Períclides, entre outros, tentaram conversar com o Cavaleiro de Sagitário, mas este se conservava alheio a tudo o que se passava à sua volta.

Eu disse a Ying que não contestarei seu direito de ser um Cavaleiro de Ouro ou de não usar a máscara, pois a apoio inteiramente em suas reivindicações. – Ele pensava. – Mas isso não significa que desistirei dela! Vou fazer a sua vontade; não a verei até o dia do Conselho. Entretanto, será nesse dia que o nosso destino se resolverá de uma vez por todas… – a expressão dele tornou-se obstinada. – Minha mãe era uma Amazona também e me lembro de que quando era bem pequeno e um dia perguntei como meu pai e ela haviam se apaixonado, ela me contou que a única maneira de se conquistar definitivamente o amor de uma Amazona era derrotá-la em combate, como na lenda de Aquiles e Pentesiléia.2 Se ela não admitir que me ama tanto quanto eu a amo, então… – Ayoros suspirou. – Bem, como já disse a Saga não me parece uma perspectiva tão terrível morrer nos braços dela…

1Comida servida aos deuses no Olimpo.(N.A)

2 -Quase no final da Guerra de Tróia, a rainha Pentesiléia veio à frente de um destacamento de Amazonas a fim de defender a cidade sitiada pelos gregos, cujo principal guerreiro era Aquiles. Em certa ocasião, Aquiles e Pentesiléia se defrontaram em combate singular, no qual a rainha Amazona foi ferida mortalmente pelo herói. O último olhar lançado pela guerreira fez com que Aquiles se apaixonasse perdidamente por ela e se lamentasse amargamente daquele desfecho trágico que o separou de sua amada até a sua própria morte pouco tempo depois.(N. A.)

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