O Diário de Lucca Capítulo 15 – A Chácara

— Isso deve ter sido bem chato.

Disse Arthur, o garoto de cabelo preto se encontrava sentado em sua cadeira estufada da mesinha do notebook. Lucca estava sentado na cama.

— Foi terrível… Logo agora que eu tava pensando em falar sobre o meu namoro com Dario antes do Natal para ele passar lá em casa… Sabe, Arthur, eu fiquei mal de verdade.

— E o que vocês vão fazer agora?

— Nada. Eu conversei com ele no mesmo dia, achamos melhor que não era uma boa ideia revelar o nosso namoro agora. Ele é bem compreensivo, eu adoro isso nele. — disse Lucca rindo.

Nesse momento Arthur notou um brilho diferente no olhar do amigo, aquilo já estava lá no passado? Não se lembrava, sentiu uma sensação estranha e um novo sentimento, antes de começar o seu tratamento já havia passado pela a sua cabeça o medo de perder o melhor amigo para o namorado, agora tinha medo de que Dario machucasse os sentimentos de Lucca que sempre foi um rapaz que precisava de atenção.

— O que vai fazer nas férias? — Arthur perguntou para tentar tirar esses pensamentos da sua mente antes que transparecesse em seu rosto.

— Depois do Natal eu vou para a chácara dos meus avós em um vilarejo pequeno, fica entre Formigueiro e aqui. — respondeu Lucca.

— Não vai ser difícil ficar longe do Dario?

— Vai, mas ele também vai passar as férias dele fora da cidade, vai voltar para a casa da mãe passar o natal e ano novo. Ele vai ficar até o começo das aulas, então, é melhor eu ir para outro lugar também ao contrário de ficar mofando em casa. E você?

— Vou ficar mofando em casa. — Respondeu Arthur rindo, em seguida o amigo o acompanhou na risada.

Mais tarde naquela semana Lucca se encontrava nervoso sentado a sua carteira na sala de aula, depois das provas finais e muitas chances para os alunos que tiraram notas péssimas, finalmente ficariam sabendo quem passou de ano direto, quem conseguiria recuperar a nota durante o verão e quem nem com recuperação passaria para o segundo ano.

O sinal avisou que já era o horário do intervalo, no quadro de aviso do corredor já haviam as folhas de oficio com as notas impressas e como no primeiro dia de aula uma multidão se formou ao redor da parede. O nosso protagonista ficou esperando que o aglomerado de alunos diminuísse, escorado ao longe em uma parede. Durante todo o seu ensino fundamental nunca reprovou, no máximo ficou uma vez em recuperação, existia todo um orgulho em torno de ele não ter que reprovar.

Não posso reprovar.

Não posso reprovar.

Não posso reprovar, nunca reprovei, não posso.

Repetia incansavelmente em sua mente.

Já haviam poucos estudantes quando Lucca se aproximou do mural da escola, encontrou rapidamente o seu nome e arrastou seu dedo até o outro lado daquela folha onde em caixa alta estava escrita a palavra: APROVADO.

Deixou escapar um sorriso, se sentiu mais aliviado.

— Passei… — sussurrou.

— Isso é perfeito meu amor. — disse Dario sorrindo enquanto terminava de preparar sua mochila cheia de roupas.

— Eu sei. — sorriu Lucca se aproximando do namorado.

Pousou suas mãos na cintura do universitário que em seguida se virou para ele, sorrindo deu a Lucca o que sabia que ele queria fazer, um beijo demorado com seus corpos envolvidos na mesma dança. Quando Dario se afastou, Lucca o segurou e disse:

— Eu acho que quero… Eu quero dizer que eu acho que estou pronto para a gente, bem, você sabe.

— Você quer dizer que está pronto para fazer sexo?

— Sim. — um balançar de cabeça ajudou a reafirmar o desejo do adolescente, mas rapidamente ele notou pela a expressão do namorado que ele não compartilhava da mesma vontade. — Desculpa, mas isso é algum problema?

— Não… — disse Dario coçando sua cabeça, se afastou do mais jovem e tentou esconder seu nervosismo, porém a coloração da sua face o desmentia. — É que eu não tenho camisinha aqui… E estou indo viajar em breve, acho que deveríamos resolver isso quando eu voltar das férias. Não acha melhor?

— Claro. Vamos resolver isso depois que você voltar das férias.

Lucca respondeu também tentando esconder seu sentimento em relação ao que acabou de acontecer, na verdades eram vários sentimentos: descontentamento, frustração e, talvez, raiva. Logo um silêncio pairou sobre o casal e o resto da tarde foi com Lucca e Dario em silêncio terminando de arrumar as coisas para a viagem.

Quando percebia que o namorado estava distraído, Lucca o ficava observando tentando compreender se alguma coisa mudou entre eles ou se era uma implicância passageira por ele estar indo passar as férias em outra cidade. E quando Lucca se encontrava distraído com seu celular, Dario o observava procurando uma resposta para o seu próprio comportamento, será que tinha mudado a maneira que ele enxergava aquele jovem estudante, poderia ser sua volta para a casa dos pais afetando seu relacionamento.

Poderia ser tudo.

Dario viajou no dia seguinte, mas Lucca só iria para chácara dos seus avós depois do natal. Tinha uma semana antes desses acontecimentos.

O natal costumava ser uma época da qual Lucca esperava o ano todo, isso começou a mudar quando algumas coisas começaram a mudar nos encontros da sua família nesse feriado. Antigamente todos se reuniam e traziam o que faria parte da ceia, mas o que Lucca mais gostava era da vida que a casa ganhava com as conversas e movimentação que os seus parentes traziam, revia alguns primos que somente tinha contado naquela época do ano e brincavam na rua até a hora de comer. O tempo passou e as coisas mudaram, poucos apareciam na casa no dia de véspera do natal e assim a magia natalina começou a morrer.

Não tinha mais graça porque o número de pessoas que iam passar a data em sua casa diminui, às vezes eram apenas os seus pais e suas irmãs, então, a magia parecia que foi embora porque as conversam sessaram, a conversa com os primos, a troca de presentes no amigo secreto, tudo acabou. Lucca tentava recuperar a magia do natal se apegado aos velhos clássicos do cinema e televisão, não dava muito certo porque faltava alguma coisa da qual o adolescente não sabia explicar.

Sempre faltava alguma coisa.

Naquele natal o nosso protagonista ganhou um smartphone novo da cor branca, agradeceu seus pais com um abraço e em seguida colocou o aparelho na tomada.

Uma das coisas que nunca mudaria entra natal e passa natal era a comida da ceia, pelo menos alguma coisa teria que se manter. A comida da ceia de natal na casa da família de Lucca consistia em: o bom e tradicional chester/ farofa caseira com bacon, uvas passas e calabresa; arroz branco; salada de batata com maionese e mais algumas coisas que eram servidas na sobremesa.

Lucca não era um jovem tradicionalista, mas adoraria manter a tradição de fazer comidas tão gostosas quanto sua mãe, quem sabe até mais saborosas.

Em um momento daquela noite, antes da ceia servida e de abrir o seu presente ele foi para o seu quarto ter privacidade para poder enviar uma mensagem ao seu namorado, o texto foi enviado, mas não lido. Lucca levou em conta que Dario deveria estar distraído ao passar o feriado com sua família, então relevou. Depois da meia-noite voltou a enviar uma mensagem, mas agora desejando feliz natal ao namorado, a resposta chegou depois de meia hora.

“Desculpa não poder responder. Feliz Natal.” Foi a resposta enviada por Dario.

Lucca não sabia se responderia aquilo ou deixaria quieto, sentiu um clima diferente naquela mensagem e, então, desligou seu velho celular e o deixou em um canto em sua cama enquanto o novo carregava. Deitou olhando para o teto desejando que fosse um mal entendido.

Dario não respondia Lucca desde o dia vinte e cinco, o nosso protagonista havia desistido de tentar manter contato com o namorado e agora esperava que ele o procurasse ou, então, esperaria o final das férias. Uma playlist de músicas tristes fez a trilha sonora da sua viagem até a chácara dos seus avós, as árvores davam um toque a mais no sofrimento adolescente do nosso protagonista.

A casa da chácara não era grande, muito menos o terreno. Quando o carro estacionou no pátio e Lucca retirou os fones de seu ouvido, escutou com clareza as caturritas gritando entre as árvores de eucalipto no campo do outro lado da rua e algumas passando voando sobre a casa.

Aves são os animais preferidos de Lucca.

Depois que colocou suas coisas sobre a cama em que iria dormir até a ultima semana em que ficaria ali, Lucca deu uma espiada no seu WhatsApp para ver se Dario havia lhe enviado alguma mensagem, mas nada. Clicou no chat e percebeu que a ultima vez em que o namorado ficou online foi alguns minutos atrás.

— Que diabos tá acontecendo com ele? — se perguntou em um sussurro.

Os dias foram se passando e quando Lucca não estava lendo na sombra de uma árvore, estava ajudando os seus avos indo pegar ovos no galinheiro ou, então, colhendo alguma verdura. Uns dias mais tarde dois de seus primos chegaram para passarem as férias também, mas quando tinha um tempo livre continuava com suas leituras ou escrevendo e não trocava muitas palavras com eles. Quando casava de ler ou escrever, pegava a bicicleta do seu avô — isso quando a mesma não estava ocupado por um dos seus primos — e saia pedalando pelo pequeno lugarejo, mas sem se distanciar muito dos locais que conhecia, tinha medo de entrar em uma estrada de terra e nunca mais voltar.

Alguns dias após a chegada dos seus primos a pequena chácara, sua avó lembrou que no dia seguinte haveria uma festa na igreja e fazia questão de que todos comparecessem. Lucca não gostou muito da ideia, mas não teria como escapar daquilo.

Como a festa era oferecida pela a igreja em nome de alguma santa da qual Lucca não guardou o nome, ele não esperava que tocasse alguma música para rebolar a sua bunda no meio da pista ou bebida o suficiente para ele ficar bêbado o suficiente e acabar dançando no meio da pista. Pegou uma camisa preta e uma bermuda jeans que ia até o meio dos seus joelhos, calçou tênis relativamente novos e estava pronto para passar a noite toda entediado. Seu plano era ficar por, pelo menos, uma hora na festa e depois dizer para a sua avó ou o seu avô que estava com sono e voltaria para a casa.

Para um lugarejo pequeno haviam muitas famílias da região naquele salão de tamanho médio que fazia parte do terreno da Igreja. Sentou a uma da mesa com seus avos e seus primos, seu olhar cheio de curiosidade analisava cada uma das pessoas que fossem da sua faixa etária, poucos, não teve vontade de iniciar uma conversa com nenhum deles. Ficaria sentado por um tempo, beberia e talvez comesse se servirem comida e em seguida voltaria para a casa da chácara.

Lucca não aguentou ficar por muito tempo no salão, estavam no inicio no meio de Janeiro e muitas pessoas aglomeradas num local só, o calor quase insuportável não era a sua praia. Quando sua pele foi agraciada pelo o ar puro do campo se sentiu mais aliviado e o embrulho que o calor corporal do salão havia feito em seu estômago tinha dando um tempo. Sentou na escadaria da Igreja e ficou observando o céu negro e estrelado, pegou o seu telefone celular que demorou a encontrar rede. Queria que houvesse uma mensagem de Dario, mas não havia nenhuma, somente aquelas que foram enviadas por ele e não tiveram resposta e nem leitura.

Por que ele estava fazendo aquilo? Tinha sofrido um acidente? Tinha perdido o celular ou o seu número? Alguma coisa de muito ruim havia acontecendo ao seu namorado e talvez só iria saber do que se tratava em Março quando o mesmo voltasse das férias. Esperava que Dario estivesse bem, pensar em algo acontecendo ao namorado lhe deixava triste, porém também pensava que estava sendo ignorado de proposito, nem sempre chegava a essa conclusão, mas ficaram mais frequentes. Havia um motivo para estar sendo ignorado? Lucca não se lembrava de nada que pudesse ter feito o namorado partir para esse tipo de atitude.

Arthur havia enviado algumas mensagens mais cedo, perguntando como ele estava e o que estava fazendo. Lucca respondeu com uma foto mostrando a porta da Igreja logo atrás dele e explicando sobre a festa e o calor insuportável. Arthur enviou uma foto mostrando que estava, só de cueca, assistindo a um filme em seu quarto. O nosso protagonista desligou a tela do celular depois de ver a foto do melhor amigo somente de cueca e levantou, voltaria para a chácara sem avisar ninguém.

— Lucca? — ouviu uma estranha e familiar voz enquanto levantava da escadaria.

Os olhos do adolescente se arregalaram com a surpresa, não esperava rever aquela pessoa e muito menos naquela situação, nunca havia passado pela sua cabeça ou em qualquer enredo de fanfic. O universo parecia que queria brincar um pouco com ele, entretanto Lucca não entendeu — naquele momento — por qual motivo aquela brincadeira com seus sentimentos que haviam sido guardados em um baú dentro da sua mente começou.

— Higor… — disse o adolescente gordinho finalmente, o rapaz loiro e forte por quem teve uma breve e arrasadora paixão durante o final do ensino fundamental dois estava bem a sua frente, bonito como sempre, o tempo só foi mais generoso com aquele garoto. — Higor…

— Sim, sou eu. — respondeu o loiro alto sorrindo. — O que você faz aqui?

— Eu? — ainda não acreditava no que acontecia. — Eu… Bom, eu… Meus avos tem uma chácara aqui, vieram para a festa de Igreja, meus primos estão lá dentro e eu aqui fora por causa do calor…

— Tá muito quente mesmo. — sorriu Higor dando um tapinha nos ombros do outro.

Lucca olhou para a região em que a mão grande e forte do mais alto encostou, voltou a olhá-lo, ainda estava difícil de acreditar que aquele fantasma do seu passado estava a sua frente, mas não parecia nada furioso. Será que Higor havia esquecido daquela história toda e a confusão que deu? Bem, ninguém esquece um acontecimento daqueles. Então, por qual motivo?

— Eu vou entrar para a festa, te vejo outra hora… Onde fica a chácara dos seus avos?

— É a chácara da parada de ônibus em frente aos eucaliptos. — respondeu nosso protagonista.

— Qualquer hora eu passo lá. — Higor se inclinou e abraçou Lucca com só um dos seus braços, o cheiro dos cabelos dourados o azul dos olhos que ficaram mais nítidos com a aproximação instalaram naquele jovem estudante do ensino médio uma sensação de nostalgia.

Quando o loiro entrou no salão, Lucca caminhou o mais rápido que conseguiu de volta para a chácara dos seus avos.

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