O Diário de Lucca: Capítulo 14 – Tá na Moda

— Oi… — disse Lucca entrando no quarto do amigo. — Como você tá, melhorou?

— Sim, eu me sinto melhor. — respondeu Arthur com uma expressão neutra.

Tinha se passado um bom tempo desde a última vez em que os dois se viram, lá quando houve o questionamento sobre Lucca ser, praticamente, o último que ficou sabendo sobre a depressão e bipolaridade que o melhor amigo estava enfrentando naquele momento.  Várias coisas haviam mudado na vida de Arthur durante esse tempo em que ficaram conversando somente pelo WhatsApp.

Muitas águas rolaram debaixo dessa ponte durante as semanas em que os dois amigos ficaram sem se ver pessoalmente, mesmo morando na mesma rua. Arthur havia deixado a turma do turno da manhã e foi cursar o ensino médio em outra escola, agora estudava no período da noite e por isso passou a ver Lucca com menos frequência. Mas agora, graças aos medicamentos que estava tomando e também com suas visitas semanais com uma psicóloga, Arthur estava se sentindo muito bem e chamou Lucca para eles passarem um tempo juntos em um sábado ensolarado.

Se para Lucca as coisas estavam um pouco melhores, seus pais já sabiam de sua sexualidade (seu pai também, mas já chegamos lá) e faltava pouco para ele abrir o jogo sobre o seu relacionamento com o Dario que era a parte que lhe dava mais dor de cabeça e enjoo na barriga. Para Arthur, apesar da sua melhora os acontecimentos andavam em passos curtos, porém com a ajuda da sua psicóloga ele já conseguia visualizar os sentimentos de raiva que o fizeram explodir da última vez e também a luta interna que estava acontecendo dentro de si mesmo só que não queria revelar isso para ninguém ainda.

— Como está indo com o Dario? — perguntou Arthur enquanto jogava videogame,

Lucca estava sentado em sua cama, mexendo em seu aparelho celular.

— Estamos bem, agora que eu saí do armário para a minha mãe que sou gay e aparentemente ela me aceitou muito bem, estamos pensando em como apresenta-lo como o meu namorado…

— Seu pai sabe? — perguntou Arthur sem desviar a atenção da tela da televisão.

— Sabe que eu acho que sim? Bem, tudo começou assim: Eu estava sentado no meu quarto e em frente ao meu notebook, como sempre escrevendo a minha fanfic invés de estar estudando já que na semana seguinte eu tinha prova… Já falei que era uma noite de sábado, enfim, era uma noite de sábado. Então, eu ouvi uma conversa do meu pai com a minha mãe na sala de casa… Eu acho que eles não perceberam que eu estava ouvindo ou que eu estava em casa, mas escutei a minha mãe contando para o meu pai que eu sou gay.

— E o que ele disse?

Arthur pausou o jogo e ficou de frente para Lucca que antes de responder se ajeitou na cama do amigo:

— Foi uma surpresa para mim porque sempre pensei que quando eu me assumisse… Meu pai principalmente, claro, fosse me expulsar de casa ou, então, nunca vai olhar na minha cara, mas… — surgiu um sorriso de canto nos lábios do nosso protagonista. — Ele disse que independente de tudo que acontecesse eu ainda seria filho dele e que iria gostar de mim mesmo sendo gay ou não porque como pai ele tem que me aceitar.

Arthur também sorriu.

— Isso é muito legal e fofo também.

— Sim, eu sei. Eu to me sentindo muito bem, sabe? Leve… Acho que feliz… Assim que é a gente se sentir em paz todos os dias porque eu acho que ultimamente ando me sentindo assim.

— Eu não sei te dizer se é assim, mas deve ser.

— Desculpa…

— Tudo bem. — Arthur levantou e sentou na cama ao lado de Lucca. — Então você está feliz, isso é bom.

— Obrigado. — sorriu Lucca. — E você? Hmm? Já conseguiu se acertar com a Letícia?

— Eu e ela conversamos e me desculpei, mas ela disse que não precisava porque entendia pelo o que eu estou passando. Não vamos voltar, ela está bem sem mim e eu preciso ficar um tempo sem namorar com ninguém.

— Entendi. Quer um abraço?

— Quero. — respondeu Arthur.

Lucca levou o seu braço até as costas do seu melhor amigo, então, Arthur deixou a sua cabaça pousada naquele ombro enquanto o outro braço fechava aquele abraço. As mãos do melhor amigo ficaram pousadas no corpo do nosso protagonista e as de Lucca acariciavam as costas do outro da forma mais meiga que conseguia fazer.

Um velho e conhecido calor voltou a preencher o interior de Lucca, pensava que havia superado aquele sentimento quando conheceu Dario, mas na verdade somente o escondeu o mais fundo que conseguiu e agora, com aquele abraço, havia surgindo das profundezas da sua alma. Muitas luzes vermelhas brilhavam em relação ao que estava acontecendo ali, a primeira alertava sobre o seu namoro e a segunda sobre a situação frágil do seu amigo, a terceira alertava sobre o obvio: a heterossexualidade de Arthur.

— Quer assistir alguma coisa? — perguntou Arthur ao encerrar o abraço.

— Sim, claro. — respondeu o nosso protagonista.

Arthur levantou e sentou em frente ao seu notebook e enquanto abria a posta em que ficavam as séries baixadas por torrent, Lucca puxou uma cadeira para sentar ao lado do adolescente.

— Já assistiu Glee?

— É aquela série musical, não?

— Sim. Eu ainda to na primeira temporada, eu to gostando mais do que eu esperava, aliás, quero te mostrar uma das músicas que eles cantam que eu adorei!

—Mostra aí. — sorriu Lucca.

Arthur abriu o arquivo de vídeo do episódio vinte da primeira temporada, existia uma atmosfera instigante naquela série, algo chamou a atenção de Lucca enquanto uma performance de uma música da Lady Gaga acontecia na tela do notebook.

[…]

Como quase todos os domingos os tios e tias de Lucca se reuniram em sua casa para mais um grande churrasco familiar, cada um trazendo um pouco de carne, frango e linguiça de porco. Alguns de seus primos também se fizeram presente desta vez, coisa que nem sempre acontecia e alguns desses domingos o nosso protagonista queriam poder não comparecer ao churrasco de domingo em sua casa igualmente como estes primos.

Enquanto os homens assam a carne na churrasqueira do pátio, as mulheres estão na cozinha cozinhando o arroz, preparando a salada de verduras e maionese com batata. Os adolescentes, garotas e garotos, sentados nos dois sofás da sala assistindo a televisão e, enquanto isso, Lucca em seu quarto assistindo a um anime yaoi. — Yaoi ou Boy’s Love é um gênero de histórias em quadrinhos japonesas, famoso mangá, com a intenção de conta histórias românticas entre pessoas do sexo masculino. As histórias não são consideradas representativas, na verdade elas são escritas como um fetiche porque, geralmente, são escritas e desenhadas por mulheres para mulheres. São histórias bem românticas, água com açúcar e com muita cena de sexo também.

Lucca encontrou o gênero quando procurava alguma animação nipônica nova para acompanhar, logo se apaixonou quando deu de cara com uma série animada chamada “Junjou Romantica”. Em uma tradução mais ou menos literal seria “Puro Romance”. Na época o adolescente não procurava por nada que satisfizesse sua necessidade por representatividade, então, o anime caiu bem ao seu gosto mostrar histórias de três casais diferentes e mais tarde Lucca ficou conhecendo outros animes do gênero, alguns bem pesados.

A sua sessão de animações japonesas foi interrompida quando sua tia formada em pedagogia entrou em seu quarto. Sempre quando essa tia ia conversar com um de seus sobrinhos era porque os pais haviam pedido para ajudar a resolver algum problema da família e Lucca sabia disso, então, seu coração começou a bater mais forte quando seus olhos encontraram a sua tia parada em frente a entrada do seu quarto.

— Lucca, precisamos conversar.

Disse a tia, aliás, ela se chama Andreia.

— Conversar? Sobre o quê? — perguntou o adolescente se fazendo de bobo, entretanto, havia uma ideia do que poderia ser.

— Sim, a sua mãe me contou sobre o que você… O que você revelou a ela e, então, me pediu para que a gente conversasse. — Andreia senta na cama ficando assim na altura do adolescente e frente a frente com o mesmo. — Eu fiquei preocupada com você sobre o que você contou para a sua mãe, pois na sua idade, geralmente, a cabeça está cheia de ideias novas e, às vezes, pensamos uma coisa que não é verdade.

— Como assim?

— Hoje em dia, os jovens da tua idade acham legal ser gay… Isso tá na moda, sabe?

— Então… Então, você quer me dizer que você tem certeza de que eu não sou gay? Mais do que eu? — perguntou Lucca em um tom irônico, mas antes da sua tia responder ele continuou. — Tá na moda… Tá na moda sofrer preconceito, ser ridicularizado, apanhar na rua, ser expulso de casa e ser apedrejado em alguns países. — deu de ombros. — Que moda legal, não?

— Não foi isso que eu quis dizer, eu quero dizer que você pode estar sendo influenciado. Só isso.

— Mas não sou, eu sei quem eu sou. Eu sou gay, eu sei que sou assim desde quando eu era muito novo, sempre soube e tive medo, mas… Eu não tenho mais motivos para temer, quer dizer, eu acreditava nisso até saber que a minha mãe mandou você aqui para tentar mudar que eu sou.

— Lucca…

— Pode me deixar sozinho? — pediu o adolescente visivelmente sem paciência.

A mulher mais velha não falou mais nada, somente deixou o quarto do rapaz que não saiu para almoçar quando avisaram que o churrasco estava pronto.

Lucca estava um tanto chocado, pensava que as coisas iriam se encaminhar para algum tipo de final feliz, entretanto havia se esquecido de que a vida não é uma ficção, uma história muito bem planejada com acontecimentos muito bem pensados e interligados. A conversa com a sua tia, com toda a certeza a pedido de sua mãe, tinha acendido uma luz vermelha alarmante em sua cabeça que se desligou após sair do armário para Julieta e depois ouvir seu pai lhe dizendo, não diretamente, que o aceitava da maneira que fosse.

Seu namoro com Dario teria que ficar nas sombras por mais algum tempo, mas por quanto tempo? Não sabia responder. Esse relacionamento iria durar quanto tempo tendo que ser escondido, também não tinha essa reposta porque não conhecia um número de casos semelhantes o suficiente para fazer uma média.

Ele conseguiria ter forças para manter um relacionamento por quanto tempo? — essa era uma das duas perguntas das quais ele deveria fazer para si mesmo, pois isso dependia somente dele e de Dario, então, a segunda pergunta questionava por quanto tempo o namorado conseguiria ficar em um namoro escondido com ele.

Aquele domingo havia sido o mais, até agora, de se aguentar. Os pensamentos de inseguranças martelavam na mente de Lucca com insistência, os minutos não passavam e uma hora se transformava em quatro horas. Não queria deixar o seu quarto porque não tinha vontade de olhar para a cara da sua mãe, estava triste, muito triste por ela ter mentido quando disse que tudo ficaria bem pelo o motivo de ele ser filho dela. A roda da vida deu um giro de 360º graus e as coisas voltaram a ser complicadas como antes, com a mesma rapidez que deixaram de ser.

Mandou uma mensagem para Dario, dizendo que precisava conversar com ele, mas sabia que a resposta somente chegaria a noite quando o namorado acordasse do seu descanso de domingo. O tempo precisava ser gastado, mas o que seria feito para que essas horas fossem gastadas até o momento de Dario acordar, ver a mensagem e responder? Escrever não porque não havia animo para isso naquele momento, então, Lucca abriu sua pasta de animes do notebook e foi até a que dizia “Sekaiichi Hatsukoi”. Outro anime do gênero yaoi que o nosso protagonista gostava de assistir.

Foi o suficiente para ele aguentar até a resposta do namorado, quando o dia escureceu e deu lugar a noite, Lucca estava começando a segunda temporada do anime, são doze episódios de uns vinte e dois minutos por temporada. Quando chegou ao sexto da segunda temporada seu celular emitiu o assovio que denunciava uma mensagem nova via WhatsApp. Lucca pegou seu telefone e pausou a animação quando viu que se tratava de uma mensagem do namorado.

“O q aconteceu?” perguntou Dario via mensagem.

“minha tia venho conversar comigo hoje. Minha mãe pediu. Ela me perguntou se eu tinha certeza sobre ser gay. Também disse que eu achava isso porque tá na moda”. Respondeu Lucca.

“que ridículo”

Dario enviou mais outra mensagem:

“vc tá bem?”

“um pouco triste… chateado”

“eu tbm ficaria”

“Dario, eu te amo muito, mas a gente poderia continuar namorando escondido por mais um tempo até eu ter certeza de que posso contar aos meus pais sobre a gente?” perguntou Lucca nervoso, existia um medo de aquela relação terminar ali mesmo.

“claro que sim meu amor. Não tem problema, eu entendo” respondeu Dario e em seguida enviou vários emojis de corações. Lucca respondeu com vários emojis de corações também.

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