Para Lucca a escola estava chata como sempre, não conseguia se conectar com nenhum dos seus colegas em um nível mais profundo de amizade, mas claro que havia aqueles com quem o adolescente tinha uma afinidade melhor e passava a hora do intervalo conversando, entretanto, não os via presentes em sua vida após o ensino médio encerrar. Existiam muitas coisas que faziam com que ele perdesse o interesse em sua escola, matemática é um dos exemplos e não porque detestava realmente a matéria, mas não conseguia aprender nada com aquela professora e acabou criando um ranço. Diferente de Física que, por incrível que pareça, Lucca se saía melhor.
Mas tudo o que existia no prédio pequeno de sua escola, o que mais fazia o rapaz se desanimar em ir para a aula é o professor de química, aquele que a gente já falou aqui… O homofóbico. Eram poucas as aulas daquele docente em que Lucca não saia se sentindo mal, sempre existia algum aluno para interromper a aula e perguntar ao professor o que ele achava de tão assunto relacionado à causa LGBT e o homem sempre interrompia suas explicações da matéria para dar uma aula sobre como ser intolerante com todas as minorias possíveis.
Quando pensava em cabular as aulas de química para não ter mais que ver o rosto do preconceituoso, Lucca parava para pensar no que aconteceria se seus pais descobrissem porque eles iriam descobrir e ao mesmo tempo ele nunca reprovou um ano na escola e não seria um professor homofóbico que o faria perder esse recorde pessoal. Tinha que prosseguir firme mesmo não sabendo se aguentaria até o final do ano letivo por mais que estivesse próximo.
Na sua casa as coisas voltaram ao normal, não existia uma comunicação entre seus pais e parecia que isso nunca iria acontecer. Já tinha saído do armário, mas ainda aquela conversa que teve com sua tia a pedido da sua mãe o incomodava todos os dias. Não se sentia seguro ainda em sua casa para ser quem era. Talvez se sentisse preso até o momento em que deixaria a construção para viver a sua vida… Quer dizer, se isso acontecesse algum dia.
A essa altura do jogo as irmãs de Lucca também já sabiam sobre a sua sexualidade, apesar de que a irmã mais velha já sabia desse fato por dedução própria e foi exatamente ela que levou ao irmão um acontecimento da parte de sua mãe. — Julieta sempre teve um discurso muito contra redes sociais e celulares até o dia em que decidiu comprar um smartphone para ela e ter um perfil no facebook. A irmã mais velha de Lucca lhe enviou um print com o comentário da mãe na foto de uma garota com a seguinte legenda:
“A mãe sabe que tu é gay, né?”
Antes de ver a foto, ele respondeu:
“Sim”
Quando o print terminou de carregar, Lucca sentiu mais um golpe vindo da sua mãe. Era uma coisa pequena, uma simples frase comentada na foto de uma garota que ao mesmo tempo dizia tanta coisa, mas tanta coisa. “Ela nunca vai me aceitar” pensou o garoto quando leu o seguinte comentário da sua mãe feito na foto de perfil de uma guria qual ele nunca conheceu:
“gostaria que você fosse minha nora” Foi o comentário.
O adolescente teve que largar o celular de lado, se sentindo mal e lutando para não chorar. Pensava que apesar de tudo ela estava começando a entender que ele não mudaria, que nasceu assim e seria assim pelo o resto da vida. Agora sabia que as coisas não estavam acontecendo assim. Talvez Julieta pensasse que aceitava o filho como ele é, porém para Lucca aquele comentário, talvez inocente e sem intenção de magoar, significava que poderia fazer o que fizesse nunca seria aceito pela sua mãe.
A semana havia sido difícil, aquele mês havia sido difícil e os próximos também foram. Lucca se encontrava exausto emocionalmente e fisicamente, não dormia direito à noite porque vários problemas voltavam a sua mente e muitos deles relacionados como sua sexualidade era vista pela mãe ou passava as noites pensando em Arthur e naquela tarde ou, então, no futuro. O futuro enchia Lucca de medo, era desconhecido e não sabia o que esperar. Glee lhe disse que ele era especial e que se perseguisse seus sonhos tudo ficaria bem, mas será que a vida era tão glamorosa assim?
Lucca não se sentia especial, queria ter certeza de que tudo daria certo no futuro. De que seus sonhos se realizariam, queria ter certeza de um monte de coisa e assim quase sempre o peso do mundo caía sobre suas costas e o sono deixava seu corpo fazendo com que o rapaz chegasse à escola ao amanhecer exausto. Sem vontade de aprender, sem vontade de viver.
Seus amigos lhe davam alegria. Gabriela era uma boa companhia, ela o entendia perfeitamente e não julgava como, geralmente, Arthur começou a fazer com a desculpa de que estava sendo sincero. Os amigos que conheceu no RPG de Glee, naquela rede social russa, também o ajudavam a se sentir melhor. Apesar de pensar que Arthur também deveria cumprir esse papel como o seu melhor amigo (será que era mesmo?) o nosso protagonista não deixava de sentir o que sentia por ele desde que entrou no ensino médio. Quando estava com Dario e sentimento foi amenizado, mas depois de ter perdido sua virgindade com Arthur já era impossível controlar.
Estava há um tempo sem conversar com Arthur quando o rapaz o chamou do chat, a conversa começou bem inocente até a informação de que o namoro com Andressa ter acabado foi jogada por Arthur do nada. Lucca disse que sentia muito e perguntou o motivo deles terem terminado a relação e o melhor amigo somente disse que não se gostavam mais. A conversa continuou inocente até que Arthur pediu uma nude para Lucca.
Deveria aceitar a proposta? Tinha vontade de aceitar ao mesmo tempo em que um medo lhe dizia para não fazer. Durante o processo de pensar, Arthur enviou duas fotos do seu órgão sexual. Quando abriu as fotografias o nosso protagonista se perguntou se na verdade não era apaixonado pelo o que o amigo poderia oferecer fisicamente invés do rapaz de olhos brilhantes, na verdade esse questionamento iria surgir mais vezes do que o normal no futuro. Lucca correu para o banheiro, trancou a porta e tirou suas roupas, deixou o seu smartphone em uma posição boa e tirou algumas fotos daquilo que o rapaz de cabelos negros gostaria de ver.
Fotos da sua bunda.
Aliás, foi assim que Lucca começou a gostar da sua bunda mais do qualquer outra parte do seu corpo. Enviou duas fotos e Arthur respondeu cheio de elogios em relação aquela região do corpo de Lucca, o que inflou seu ego com toda a certeza do mundo. Então, surgiu mais uma proposta:
“quer vir aqui em casa?” perguntou o rapaz do outro lado da linha.
“para?” perguntou Lucca, mas ele sabia do que se tratava.
“para a gente se divertir, pra gente brincar”
Quando leu aquela mensagem Lucca sentiu o tesão indo embora, ele não poderia dizer apenas que queria fazer sexo? Qual era a dificuldade daquilo? Porém respondeu que estava a caminho, pois como todos os homens ele pensou com sua cabeça de baixo.
Quando chegou a casa de Arthur, o avistou já o esperando vestindo somente um calção de pijama que tinha uma abertura para o seu membro sair com facilidade. Sentou na cadeira ao lado do amigo, jogaram a conversa fora por alguns instantes até que Arthur colocou um filme pornográfico para eles assistirem. Um pouco depois do inicio do filme, as mãos quentes tocaram as coxas de Lucca que voltaram em uma temperatura gelada — quando que o seu corpo voltou a ficar gelado novamente? Não sabia. — os olhares se encontraram e o adolescente gordinho sentiu todo o arrepio do seu corpo se direcionarem para só uma região, seu pênis.
Os lábios se encontraram.
Beijar Arthur era completamente diferente do que beijar Dario. Parecia que a sua boca foi feita para beijar a do seu melhor amigo, seu corpo respondia positivamente cada toque e cada olhar do mesmo. Ficava bêbado pelo o sentimento que nutriu quase uma vida toda por aquele rapaz, quando estavam naquela situação não tinha escapatória para Lucca porque ele queria do fundo do seu coração sentir o corpo do amigo invadir o seu.
E as coisas seguiram assim:
Quando Arthur estava solteiro chamava Lucca para sua casa e os dois conversavam um pouco e acabavam fazendo sexo. Nas primeiras semanas em que isso começou — antes do garoto de grandes olhos brilhantes engatar outro relacionamento — o pai de Arthur quase que pegou Lucca ajudando o seu filho a bater punheta. Mas o mais velho chegou sem permissão no quarto, provavelmente não esperava encontrar aquilo, mas encontrou.
Arthur sempre aparecia com uma namorada de surpresa, o que deixava Lucca bravo porque se sentia usado, mas quando o mesmo se encontrava solteiro novamente procurava por Lucca para ir a sua casa, em seu quarto e tudo aquilo acontecer novamente e os meses foram seguindo assim até a metade do ano seguinte quando o nosso personagem título já estava fora da escola.
…
Lucca terminou o ensino médio completamente feliz e mal esperava para entrar na universidade federal, mas toda sua felicidade foi quebrada quando as suas notas saíram e já ficou com um pé atrás sobre conseguir entrar no curso que gostaria. Mas não desistiu e se inscreveu no SISU, todavia no final das contas realmente não conseguiu entrar. Ficou triste, não com raiva do sistema, mas não queria deixar aquilo lhe abalar mesmo com todas as noites antes de dormir sua mente lhe dizendo o quão inútil ele era.
Acreditou que era especial e no final das contas a vida lhe deu um golpe, mostrando que talvez as outras pessoas fossem especiais menos ele. Apesar de Glee já ter terminado na sua sexta temporada, o RPG na rede social russa respirava através de aparelhos. Era a única alegria que Lucca tinha o luxo de ter. Foi aí que Lucca conheceu um garoto no rpg chamado Rocco.
Os dois demoraram para se dar bem, mas conversando pessoalmente acabaram se entendendo e mais uma vez Lucca se viu apaixonado. Talvez o problema fosse que, no menor sinal de afeto e atenção ele já se apegava demais ao autor desse afeto e não pensava nas consequências que isso poderia gerar no futuro, bem esse rapaz também dava alguns sinais que poderiam significar uma reciprocidade aos sentimentos de Lucca. Só que em um momento dessa história toda Rocco deixou claro para Lucca que o mais provável é que não aconteceria nada entre eles.
Roco já enfrentava seus próprios demônios, tinha acabado de sair de duas tentativas de suicídio e de um relacionamento abusivo, não achava justo envolver em seus problemas pessoais uma pessoa que havia acabado de conhecer. Esclareceu para Lucca que não gostaria de ter um relacionamento naquele momento por causas desses problemas já que sempre acabava se ferindo emocionalmente e, às vezes, ferindo a outra pessoa.
Do outro lado da história temos um amigo de Lucca do mesmo ambiente virtual, a rede social VK, que durante uma conversa sobre Rocco disse para o nosso protagonista que na verdade ele estava sendo usado como um step, uma segunda ou quem sabe quarta opção, para que quando o guri levasse um fora da sua opção principal tivesse o nosso personagem título como um troféu de participação.
Esse amigo apresentou provas bem concretas sobre o caso, o que acabou despertando em Lucca uma sensação e pensamentos horríveis dos quais ele nunca teve contato antes.
Esses pensamentos experimentados em um momento de explosão de sentimentos, uma mistura de tudo que o adolescente guardou desde o seu término com Dario: paixão, ciúmes e raiva; se misturaram e despertaram o pior do adolescente. Em menos de uma madrugada Lucca perseguiu Rocco pelos os outros grupos em que eles faziam parte fazendo com que o garoto fosse expulso deles e ainda comprou algumas brigas durante o caminho.
Lucca teve seu primeiro surto.
…
Não tinha lembranças claras de como as coisas aconteceram, mas lembra de como as lágrimas escapavam dos seus olhos semelhantes a uma cachoeira e de como suas mãos tremiam. Da raiva que sentia de Rocco, de Dario e de Arthur. Eram muitos sentimentos, muitas sensações e vontade de fazer mil coisas para se vingar de todo mundo. Acabou falando coisas terríveis sobre o alvo do seu surto para esse amigo que lhe trouxe as tais provas e desencadeou o seu primeiro colapso nervoso. Naquela manhã, após cair no sono não se lembrava das coisas que haviam sido ditas, porém seu corpo se encontrava exausto depois de experimentar aquela explosão.
Apesar de Arthur ter feito parte da sua raiva naquela madrugada foi ele quem o adolescente gordinho procurou por ajuda. Afinal o seu melhor amigo já havia passado por um colapso nervoso meio semelhante ao dele. Primeiro começou quando o nosso protagonista enviou uma mensagem ao seu melhor pedindo sua ajuda, então, depois de ser respondido com um pedido de explicação sobre o que havia acontecido Lucca enviou vários áudios a Arthur com a explicação e no final perguntou se poderia ir até ele. Arthur respondeu que o esperava em seu quarto.
Assim que entrou no quarto do seu amigo recebeu um forte abraço que já ajudou a amenizar seus sentimentos e com mais calma Lucca começou a explicar o que de fato aconteceu, queria omitir alguns fatos, mas não conseguia por culpa de sua consciência. Com a ajuda do rapaz de cabelos negros Lucca foi aos poucos conseguindo costurar a basteira que havia feito, apesar de os dois envolvidos (o mais afetado com a situação e outro que trouxe à tona a situação como step do nosso protagonista) estarem bravos com tudo que Lucca disse e fez durante seu surto.
Não conseguiu fazer completamente as pazes com os dois, mas havia conseguindo amenizar a situação com o auxilio e paciência de Arthur.
— Você não me disse a coisa horrível que disse para esse tal de Rocco. — disse o melhor amigo lembrando-se do único fato que o outro guri escolheu esconder durante a conversação.
— Eu não sei se quero dizer. O que eu disse foi horrível, não sei como fui capaz de dizer aquilo sobre uma pessoa que teve duas tentativas de suicídio…
— Lucca… — Arthur segurou a mão do amigo e em seguida fez com que seus olhares se encontrassem. — Eu não vou te julgar, já passei por uma situação parecida, lembra? Também já fiz e disse coisas que me arrependi. Vai te fazer bem tirar isso para fora.
Lucca esperou um tempo até criar coragem de falar.
— Eu disse que se ele não morreu nas duas ultimas vezes… — segurou o choro. — Se ele não morreu nas duas ultimas vezes que tentou, eu faria dar certo da próxima vez…
Em um ato rápido Arthur abraçou o amigo, a cabeça de Lucca ficou pousada no peitoral do outro e, então, suas lágrimas saíram como uma cachoeira.
— Por que eu sou assim?
— Assim como?
— Descontrolado… Por que eu sou assim, Arthur?
— Calma, vai ficar tudo bem. — o melhor amigo se afastou e voltou a encarar o rosto do amigo. — Sabe do que você precisa? De uma ajuda profissional, deve procurar uma psicóloga.
— Eu não tenho dinheiro para isso e a minha mãe não ia me ajudar a procurar um profissional, ela meio que não acredita nessas coisas.
— Vai na nossa antiga escola. Com certeza alguém vai te indicar algum projeto que atenda as pessoas de graça.
— Você acha?
Arthur deu de ombros.