O Diário de Lucca: Capítulo 2 – Balanço Enferrujado

Lucca pegou seu smartphone e viu que se tratava de uma notificação do WhatsApp, era o seu melhor amigo. Desbloqueou a tela e entrou no chat da conversa. Arthur estava questionando sobre uma publicação feita em sue perfil do Facebook, era a letra de uma música que falava sobre um amor não correspondido e por curiosidade, dizendo que estava preocupado com ele, Arthur questionou se o amigo sofria de amores por alguém. Ao terminar de ler a mensagem, o jovem pensou por alguns minutos em dizer que estava sim sofrendo de amor por alguém e esse alguém se tratava do amigo, entretanto, depois de refletir mais duas vezes a ideia decidiu não contar.

Suspirou e rapidamente elaborou uma resposta em sua cabeça. Explicou que o amigo havia interpretado de forma errada a publicação e optou por usar a palavra “erroneamente” para dar mais sustância ao seu argumento. Disse que não estava apaixonado por ninguém ou sofrendo por culpa daquele sentimento, era só a letra de uma música da qual gostava muito. Arthur não pareceu convencido com a desculpa do outro. A conversa continuou no mesmo tema, então, o melhor amigo sugeriu que eles se encontrassem na praça do bairro onde, provavelmente, naquele horário poderiam conversar pessoalmente e sem companhia, em paz.

Lucca tentou pensar em uma desculpa para fugir da conversa, porém não a encontrou. Respondeu que em poucos minutos estaria na praça e Arthur respondeu o mesmo.

A pracinha aonde iriam se encontrar ficava algumas ruas acima da qual Lucca vivia, no outro lado da rua, em sentido contrário a casa do adolescente, se encontrava o local onde Arthur vivia. Lucca passou reto, como combinaram de se encontrar na pracinha não havia necessidade de fazer uma parada da casa do seu amigo para caminharem juntos até o ponto de encontro, certo?

Ao se aproximar da pracinha conseguiu ver a silhueta do seu amigo sentado em um dos balanços enferrujados. Atravessou o pequeno portão de ferro e com passos largos chegou a frente do rapaz de cabelos curtos.

Arthur era um rapaz de estatura média, caucasiano da pele bem branca, olhos escuros assim como seus cabelos.

— Boa tarde garotão. — sorriu Arthur ao ver o seu amigo, apontou com a cabeça para o banco que estava vazio e logo Lucca sentou ali.

Ficaram em silêncio por alguns segundos.

— Então, tem alguma coisa que você queira me dizer? — o garoto de cabelos negros perguntou encarando Lucca.

— Por que você fixou nisso?

— Não sei, intuição de melhor amigo, talvez? — Arthur respondeu rindo.

Então Lucca suspirou e em seguida soltou outro, desta vez o suspiro foi mais longo. Se preparando para contar um dos segredos que estava escondendo daquele que considerava seu melhor amigo, dos males o pior, não?

— Eu sou… Eu sou gay. — Lucca disse olhando para baixo. Encarando o gramado que deveria ser aparado com urgência.

— E por qual motivo exatamente você estava com medo de me contar isso? — o melhor amigo perguntou como se aquilo, o medo de Lucca, fosse algo completamente fora da realidade, sem nenhum nexo. — Isso até me deixa um pouco ofendido, sabe. Você ter medo de me contar que é homossexual e não me venha dizer que é isso, pois nitidamente dá para ver que é isso.

— Me desculpa?

— Está perdoado, mas eu só vou fazer isso de verdade se você me responder uma pergunta. Sabe, agora eu entendo porque você andava meio retraído e nunca falou abertamente comigo sobre gostar de alguém e essas coisas, mas isso não explica o seu post no Facebook, então, me diga meu grande amigo gay, por acaso, assim… Você está sofrendo os males de um amor não correspondido?

Lucca não conseguiu responder em palavras, somente soltou uma risada que sozinha já bastava por todas as palavras que poderiam ser usadas na elaboração de uma resposta.

— Vou levar isso como um sim. — disse Arthur também rindo. — Então não vai me contar de quem se trata?

— Eu deveria contar? — perguntou Lucca em um tom de desafio e arqueando uma de suas sobrancelhas.

— Claro, acho que a nossa conversa de hoje está se encaminhando para isso.

— Certo, certo. Eu vou contar. — Lucca fez uma pausa.

Ele não iria dizer que estava apaixonado pelo o rapaz sentado ao seu lado, então, sua melhor saída era inventar uma história ou se basear em outra história que aconteceu no passado. Lembrou-se de algo que aconteceu enquanto estava no fundamental dois, aquilo nunca havia sido compartilhado com alguém até o momento atual.

— Eu acho que tudo começou no sétimo ano, naquela época em que eu você não estávamos nos falando. — começou Lucca.

— Eu lembro dessa época.

— Então, eu precisava muito de um amigo e eu não tinha isso, com certeza não vou ter isso quando começar a aulas no ensino médio, enfim…

“Um dia, na metade do ano letivo, estava lá como sempre, sentado na minha carteira e tentando prestar atenção na aula, mas sem muito sucesso por causa da conversa da turma do fundinho. A diretora entrou na sala de aula acompanhada de um garoto novo, naquela época eu ainda estava tentando entender se eu realmente era gay ou se não sei, talvez poderia ser uma fase como todos os conservadores dizem… Mas quando meus olhos bateram nele, eu tive a certeza de que eu sou homossexual e que loiros eram meu tipo preferido. Eu sabia que ele era… Que ele é heterossexual, mas ainda assim eu queria ser amigo dele, tipo seria bom estar ao lado dele e ter sua amizade mesmo que não tivesse a sua atenção romântica.”

“A gente se deu bem de inicio, pensando agora é até meio surreal o quanto nos tornamos amigos. Quer dizer, não erámos próximos ao ponto de frequentarmos a casa um do outro, mas na escola sempre conversávamos e, às vezes, os professores tinham que nos pedir para ficarmos quietos. Um ano depois de tudo isso, meu peito não aguentava mais e eu tinha que por para fora o que eu sentia, sabe?… Eu precisava contar para alguém que estava gostando dele… Eu não disse o nome dele, não é? Higor é o nome dele. Continuando, eu precisava contar para alguém o que eu sentia, mas não tinha ninguém para isso e então bolei um plano.”

Arthur estava observando o amigo enquanto ouvia a história, sua expressão denunciava que a narrativa havia mexido com pouco com ele.

— Qual foi esse plano? — perguntou Arthur depois de perceber que Lucca ficou em silêncio por muito tempo.

— Eu escrevi uma carta. Uma carta anônima, então, eu esperei a hora do intervalo e entrei escondido na sala de aula. Deixei a carta sobre a mesa do Higor e saí o mais rápido que consegui.

— O que você escreveu nela?

— Eu disse que havia alguém… Alguém próximo dele…  Que gostava muito dele e estava apaixonado, mas ele nunca saberia quem era só que sempre teria um grande amigo.

Os dois ficaram em silêncio.

Arthur tinha achado aquilo um pouco assustador, mas depois de pensar rapidamente sobre as ações do amigo e na época em que elas se passaram, levar em conta a idade que ele deveria ter durante o ocorrido, conseguiu compreender, mesmo que por cima, as atitudes do outro. Lucca estava segurando suas lágrimas, aquela não era a história sobre os seus sentimentos atualmente, mas era uma história sobre como a sua primeira paixão foi uma experiência de merda.

— Duas garotas viram quando eu deixei a sala de aula e depois elas entraram, as duas acharam a carta na mesa do Higor. Para ter certeza de que havia sido escrita por mim, elas compararam a letra com todos os cadernos… E depois, bem… E depois elas contaram tudo para ele e assim a nossa amizade chegou ao fim.

Relembrar aquela história para omitir o atual alvo do seu afeto estava sendo difícil, era a primeira vez que falava sobre aquilo depois do acontecido e entendeu o porquê de não ter tocado no assunto mais cedo, era dolorido e por alguma razão deixava seus ombros e seu peito pesados. Sentia seus olhos doerem por causa das lágrimas que queriam sair, mas estavam sendo impedidas.

— E o que você fez? — Arthur perguntou preocupado.

— Segurei o choro, sempre faço isso. — deixou uma risada escapar. — Fui para a diretoria e menti que estava com dor de barriga e elas me deixaram ir para casa. — Lucca soltou outra risada nervosa. — Se você soubesse quantas vezes me livrei de problemas com essa desculpa… Enfim, quando cheguei me tranquei no banheiro e comecei a chorar muito. Felizmente meus pais estavam trabalhando, então, nunca ficaram sabendo disso.

O silêncio voltou a predominar na pracinha. Lucca deixou que as lágrimas saíssem finalmente e para a sua surpresa não foram tantas quanto imaginava, mas mesmo assim as limpou com rapidez.

— Bem, eu fico feliz que você tenha dividido isso comigo, sabe? Eu prezo muito pela a nossa amizade. Ter você se abrindo assim comigo é algo… É uma coisa especial para mim.

Lucca forçou um sorriso.

Arthur levantou do velho balanço com as correntes enferrujadas e ficou de frente para seu melhor amigo, o abraçou com força e isso foi bastante para que Lucca deixasse a dor que sentiu naquele passado escondido transbordar e se traduzir simultaneamente em lágrimas. Finalmente se livrando daquela péssima experiência. Aos poucos o peso em seus ombros e peito foram ficando mais leves.

 

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