Um lugar completamente branco, uma sala, era onde Lucca se encontrava. Ele estava morto? Não conseguia entender muito bem o que estava acontecendo, mas parecia que sim. Cada passo que dava ecoava no infinito daquela sala sem fim. Ficou andando por vários incontáveis minutos ao redor da região tentando encontrar seu começo ou, então, seu final, mas parecia que não existia.
— Você sabe o que aconteceu com você? — uma voz perguntou. Era familiar. Quando Lucca se virou teve uma surpresa ao perceber que se tratava de uma atriz da qual ele gostava muito.
— Meu Deus, Jennifer Aniston. Então eu não posso estar morto, você tá viva. — fez uma pausa para pensar rapidamente. — Você tá viva, né?
— Sim, você está vivo e não, eu não sou a Jennifer Aniston.
— Mas você tá com seu penteado em Friends.
— Sou sua consciência materializada na forma dessa atriz. — respondeu a mulher com uma voz calma e paciente.
— É, bem, faz sentido porque além do penteado você também tá com a mesma idade que estava em Friends… Enfim. Eu to falando com a minha consciência, achei que era um lance que só acontecia na ficção, bom… Eu to em coma?
— Sim, mas não se preocupe porque você vai sair desse coma.
— Ah que bom. — sorri Lucca aliviado.
— Enquanto você não acorda desse coma, vamos conversar e repensar sobre as coisas que você fez que levaram a essa sua situação atual. — disse a consciência na forma da Rachel Green.
— Ah que bom, eu não lembro o que aconteceu. Tipo, eu não me lembro de nada…
— Você teve mais um episódio de ataque nervoso depois de achar que Samuel estava te traindo, a gente sabe que aquele abraço era inocente demais para ser uma traição, todavia a nossa paranoia naquele momento era muito grande para admitirmos.
— É, isso parece como algo que eu faria mesmo.
— Nós precisamos de ajuda. Lembra quando ficamos com medo de procurar outra psicóloga porque a irmã da diretora do ensino médio deu números errados e um que não existia? — Lucca apenas respondeu sua consciência com um balançar afirmativo de cabeça. — Nos sabíamos que precisávamos de ajuda, ainda sabemos que a gente precisa de uma terapia e estou aqui para reafirmar porque mais uma vez suas paranoias atrapalharam mais um relacionamento seu. Agora acontece com namoros e se futuramente acontecer com seus amigos.
— Vai ser pior se eu perder algum dos meus amigos. — sussurrou Lucca pensativo.
— Então… — continuou a consciência. — Não seria melhor se você procurasse por algum profissional ou alguma profissional para nos ajudar? Com certeza você não vai se lembrar do que tá acontecendo nesse instante só que a sensação de que precisa de ajuda vai continuar.
— Certo, vou procurar ajuda. Na universidade que estudo, eles oferecem atendimento gratuito com os psicólogos…
— Sim, eu sei. — sorriu a consciência.
— Eu fiz alguma coisa que me atrapalhou com o Samuel, não? Eu lembro que a gente não se falou por uma coisa boba, mas eu devo ter feito algo que superou isso, não é verdade? — passou a mão em sua cabeça, preocupado tentando lembrar-se das coisas que aconteceram antes de entrar em coma só que não conseguia. — Ele vai me perdoar? Vai continuar comigo?
— Sou sua consciência e não um espirito guia. — sorriu.
— Tudo bem, então…
…
A primeira coisa que sentiu foi sua boca seca e um terrível gosto amargo. Em seguida a dor em sua cabeça e depois a dor que sentiu nos olhos quando a luz entrou em contato com eles, voltou a fechar rapidamente. Não se lembrava do que tinha feito para acordar naquele estado. Aos poucos também sentiu a cama em que estava deitado, não era a sua, era diferente. Também não era a cama de Samuel, parecia a maca de um pronto socorro. Já conseguia escutar o mundo exterior, entretanto tudo ainda era muito confuso e demorou para que se acostumasse com ele novamente. Abriu os olhos lentamente, não doíam mais quando entrevam em contato com a luz, bom sinal. Reconheceu que estava em um pronto atendimento, num quarto com outros pacientes e quando olhou para o lado viu sua mãe sentado com uma expressão nada alegre. Não parecia brava, estava mais para decepcionada e triste.
— O que houve? — perguntou Lucca, também notou que sua voz estava rouca e sua garganta arranhada.
— Você estava em coma alcoólico, Lucca. — respondeu Julieta, voz cansada. Provavelmente não tinha conseguido dormir enquanto o filho não acordasse.
— Como assim? Por quanto tempo?
— Por uma noite toda. Você sabe como eu fiquei quando recebi essa notícia? Você não sabe a sorte que teve, eu nem por onde começar. — dizia a mulher mais velha visivelmente abalada. — Na verdade eu sei sim por onde começar. Conversei com seu namorado, um rapaz muito bom, aliás. Ele me contou o que aconteceu e eu acho que você tem que fazer terapia, Lucca.
— Nossa, isso é engraçado porque parece que eu também penso isso… Estranho.
— Lucca, eu to falando sério. Você me escondeu várias coisas e eu me pergunto como eu não percebi isso… Você namorou escondido, eu sabia que estava acontecendo alguma coisa só que estava esperando você me contar. Eu não estou brava, estou triste por coisas que não vi, que não percebi e que talvez se eu tivesse poderia ter te ajudado. Então, tá decidido, na segunda que vem você vai começar a frequentar uma profissional da mente.
— Tudo bem… E o Samuel?
— Vocês vão se ver mais tarde. — respondeu Julieta.
— certo.
Se encontrava com dificuldades para andar e por isso foi levado até o carro do seu pai por meio de uma cadeira de rodas. Que coma alcoólico tinha sido aquele? Não poderia ser por seu corpo não estar acostumado até porque no tempo que estava no pré-vestibular tinham semanas em que bebia durante três dias, então, poderia ser pela a combinação do seu estado nervoso durante aquela bebedeira. Era uma boa explicação, se não a única. Enquanto assistia através da janela do carro a estrada, os automóveis e as pessoas se mexerem de forma borrada tentava se lembrar do que tinha acontecido. Cenas confusas passavam em sua mente como uma boate, pessoas dançando, um show de rock, Samuel e um amigo dele, uma sala toda branca…
Uma sala toda branca?
Quando chegou a sua casa já conseguia andar sozinho, então, ao entrar em seu quarto teve uma surpresa ao encontrar seu namorado sentado em sua cama, lhe esperando.
— Samuel… — disse o garoto gordo sorrindo.
— Você tá bem. — sorriu o roqueiro.
Os dois se abraçaram forte, Lucca sentiu seu peito apertar e as lágrimas tentando chegar até seus olhos. Não iria chorar naquele dia, não tinha água o suficiente no corpo para fazer.
— Precisamos conversar. — disse Lucca. — Primeiro eu quero te pedir desculpas…
— Tudo bem, olha, eu agi mal também porque fiz muito drama em cima do meu ciúme. Fiquei com medo de te perder e acabei causando um episódio de ataque nervoso.
— Sobre isso que eu gostaria de conversar com você, Samuel. Eu acho que enquanto eu estiver com isso não controlado, deveríamos dar um tempo. Semana que vem vou começar a frequentar uma psicóloga, parece que a minha mãe já arrumou uma boa pra mim com indicação da sua patroa. Eu não sei o que vai acontecer depois que eu começar essa terapia, vou tomar remédios? Pode ser, mas será que a gente vai aguentar?
— Aguentar?
— Sim, quer dizer… Eu provavelmente vou demorar para me estabilizar e não quero te causar mais problemas. Estou te livrando dessa responsabilidade. Precisa de alguém saudável, não só fisicamente, mas também mentalmente. Não sou nenhum nem outro.
— Não, isso não é motivo para a gente terminar. — Samuel segurou com firmeza e ao mesmo tempo com ternura as mãos do seu namorado. — Eu te amo, quero estar com você ainda mais agora…
Lucca suspirou e em seguida sorriu, também não queria dar um tempo ou terminar o relacionamento. Pensou que seria o certo a se fazer.
— Eu também te amo…
Os dois se abraçaram com força.
…
Diferente da sua primeira experiência com uma psicóloga, daquela vez a consulta tinha sido tranquila. Claro que no começo estava nervoso em relação de como as coisas iriam acontecer, mas conforme foi falando com a sua doutora foi ficando mais tranquilo em relação e relaxado. No final da primeira consulta saiu aliviado, no final da segunda saiu com uma sensação de que não falou tudo o que podia e no final da terceira deixou o consultório com uma sensação triste. Já no quarto dia de consulta saiu aliviado novamente. Não teve números errados ou que não existiam, também não ficou com medo depois de dizer que é homossexual.
O curso de jornalismo estava indo muito bem, Lucca começou um estágio em um dos jornais locais da cidade. Seu relacionamento com Samuel, apesar de ter entrado em uma rotina mais cotidiana e calma, estava muito bem se parar pensar nos últimos acontecimentos. Se sentia seguro novamente, quando não tinha algumas recaídas que agora com a terapia era algo com que o rapaz conseguia lidar. — A única pessoa que ele ainda não tinha reencontrado desde a sua saída do coma alcoólico e desde que começou a cuidar da sua saúde mental foi Arthur, ainda pensava no outro só que realmente de uma forma diferente. Quando o seu ex-melhor amigo surgia em seus pensamentos eram em memórias relacionadas a animes, tinha saudades das tardes em que passou assistindo Pokémon ao lado do mesmo. Não pensava em chama-lo para conversar, apesar de se sentir mais seguro do que antigamente ainda tinha medo de que essa parte da sua saúde mental ainda não estivesse resolvia.
Quando fosse para ser, seria. Era isso que Lucca sempre pensava.
— Eu acho que vou começar um canal no YouTube. — disse Lucca a Samuel, o rapaz gordo estava muito animado com o que tinha acabado de contar. — Sobre cultura pop, sem que tem muito sobre isso, falam de livros, séries, filmes e etc. Só que tem tanta coisa das quais eu quero falar, acho que vai ser uma experiência legal.
— Vai fundo meu amor. — sorriu Samuel. — Acho que você vai se sair muito bem.
— Fala isso pra me agradar, mas eu to nervoso e ao mesmo tempo quero fazer…
— Eu te ajudo a gravar, editar e tudo mais. — disse Samuel mais uma vez, ainda sorrindo.
— Eu te amo. — suspirou Lucca animado.
Foi em um shopping da cidade comprar uma câmera que fosse boa para gravar vídeos para o YouTube, microfone não precisaria comprar porque Samuel tinha um antigo que dava perfeitamente para usar nas futuras gravações. O rapaz realmente estava animado com a ideia de começar a produzir conteúdo para internet. Existiam muitas opiniões que gostaria de compartilhar, teorias e outras coisas. Gostava de ficar falando sobre séries, filmes, livros, quadrinhos, novelas e tudo mais e com um canal poderia falar do que quisesse e o quanto desejasse. Escreveu e guardou alguns roteiros com algumas ideias prontas, era somente preparar os equipamentos e gravar. Também continuou escrevendo.
Quando estava saindo do elevador, deixou cair os fones de ouvidos que tentou tirar com cuidado do bolso do seu casaco. Quando foi se abaixar para juntar os fones do chão, percebeu que mais uma pessoa vez o mesmo, ao mesmo tempo. Quando levou seu olhar em direção ao rosto dessa pessoa se surpreendeu ao ver seu antigo amigo Arthur.
— Arthur… — disse Lucca rindo. — Nossa que coincidência maluca.
— Pois é. — riu Arthur também. Os dois voltaram a ficar em pé. — O que faz aqui?
— Vim comprar uma câmera, vou começar a gravar para o YouTube. Samuel vai me ajudar nisso.
— Ainda está namorando com ele.
— Sim, ainda estou. — sorriu o rapaz gordo. — Eu gosto muito dele. E você? Ainda tá com a Isabela?
— Não. — respondeu o jovem de olhos grandes e brilhantes. — Ela foi embora da cidade, não queria relacionamento à distancia, então… Mas eu to bem. — riu.
— Eu to indo pra casa, a gente pode pegar ônibus juntos e irmos conversando. Quer dizer, se você for pro bairro agora.
— Eu não moro mais naquela rua. — disse Arthur. — Tem um tempinho já, mas faz tempo que a gente não se fala, então…
— Ah, claro, desculpa eu não sabia. — disse Lucca sem jeito. — Eu to fazendo terapia.
— Sério?
— Sim, tem mais de um ano. Ajuda muito, se eu soubesse que iria me ajudar tanto assim já teria feito antes. — os dois riram.
— Sim, eu sei que ajuda. — falou Arthur. — Bom, eu vou indo. Até qualquer dia. Seu número do celular é o mesmo ainda?
— Sim, ele é.
— Bom, te chamo mais tarde. Até mais, Lucca. — os dois apertaram as mãos e em seguida Arthur se afastou.
Os olhos do nosso protagonista seguiram o ex-melhor amigo e, talvez, futuro melhor amigo. Não sentiu aquela sensação de romance que nunca aconteceu apenas uma nostalgia por uma amizade que se perdeu no limbo do tempo. Não estava mais apaixonado por aquele rapaz, aquele sentimento persistente e estranho havia sumido. Ele se sentiu aliviado novamente, como no primeiro dia de terapia.
Deixou o prédio comercial com um sorriso de canto a canto. Não tinha como descrever com precisão o que era sentir aquilo, olhar para Arthur e não pensar nos dois namorando ou se beijando ou, então, nos dois fazendo sexo. Tinha superado mais um sentimento que sempre pensou que não fosse possível superar. Sua paixão por Arthur finalmente era assunto do passado. Se soubesse desde o inicio que uma boa terapia, cuidado com sua saúde mental iriam lhe ajudar a fazer esquecer vários problemas, bom, já teria começado a frequentar uma psicóloga muito antes do seu primeiro colapso com Rocco. Sabia que tinha superado sua história com Dario, porém aquela tinha sido a prova final que também superou Arthur.
A vida seguiu.
FIM.