WEB NOVELA DE RAPHAELLE LEANDRO
De manhã na aldeia dos Toriba, dentro de uma oca estava Sami sentado numa rede e fumando um cachimbo, já havia se tornado um homem de quarenta e poucos anos e ainda continuava o pajé da tribo. Anahí entrou e se aproximou dele.
—Sami. De madrugada tive aquele mesmo sonho em que vi uma mancha negra descendo pelos rios.
—Está próximo o dia que a índia Anahí terá que se mostrar guerreira e honrar o sangue dos Toriba. —se levantou.
—Estou com medo do que pode ser.
—Ter medo é normal, mas não o deixe que ele te domine.
—Você sabe do que se trata?
—Não, o que sei é que o grande espírito me revelou quando você nasceu é o mesmo que você vem sonhando em algumas noites.
—O que faço, Sami? A nossa aldeia pode está em perigo.
—Cada coisa no seu momento. Deixe que a vida tome seus próprios caminhos.
—Não sei se estou preparada.
—Está, sim, está, todos estamos preparados para os desafios que a vida nós dá.
No final da tarde no casarão da fazenda Dois Rios, na sala estava Tânia varrendo até que Darlan entra.
—Boa tarde.
Tânia ao olhar o rapaz o estranha porque nunca o via visto na fazenda e nem na cidade.
—Boa tarde, quem procura?
—Sou Darlan, filho do Anderson, um dos donos destas terras.
De repente Tânia sentiu um calafrio e suas pernas ficaram sem forças e não conseguia acreditar que estava a sua frente o filho caçula de Anderson.
—O que foi? Ficou muda por que?
Logo aparece Inácio e percebe a tensão que se encontrava Tânia e olha para Darlan a sua frente.
—E você deve ser um peão, leve minhas malas para um quarto.
—Quem é você? —perguntou Inácio.
—Darlan, sou filho do dono dessa fazenda, ora, que bando de empregados inúteis. Vão ficar aí parados olhando para minha cara? Peão leve as minhas malas e você coisinha traga para mim algo para comer porque estou com fome e cansado da viagem. Vão logo! —se senta no sofá e se esparrama.
—Onde coloco as malas?—perguntou a Tânia.
—No terceiro quarto à direita.
Inácio não conseguia acreditar que finalmente depois de tantos anos conheceu o seu irmão e um misto de sentimentos se encontrava dentro dele: a alegria de vê-lo e ao mesmo tempo certa decepção pela forma que o tratou. Então, Inácio pegou as malas, olhou para Tânia e subiu as escadas.
—Eu vou te trazer algo, Darlan.
—Não, não, pra você é seu Darlan.
Tânia saiu da sala e entrou na cozinha pálida e encontra Jacinta na mesa preparando alguma comida.
—O que houve, guria? Parece que viu uma assombração.
—Quase isso, Jacinta. Você não sabe quem acabou chegar na fazenda e tá lá na sala.
—Quem?
—O Darlan, o filho do Anderson com a granfina.
—O quê? Minha Nossa Senhora da Guia!
—É o pior é que o Inácio apareceu e ele pensou que o irmão fosse um peão e mandou que subisse com as malas dele para um quarto. Ele é grosso, antipático, me tratou mal como também o Inácio.
—Pelo jeito ele puxou a mãe.
—Ele me pediu que trouxesse algo para ele comer.
—Deixa que eu cuido disso e você chame a dona Luana rápido.
Alguns minutos depois Jacinta entra na sala com uma bandeja com comida e viu Darlan andando pela sala e observando o lugar.
—Você se parece com seu pai. —sorriu e deixou a bandeja no centro da sala. —Fico feliz em te conhecer, guri. Me chamo Jacinta, sou a governanta da fazenda.
—Hum. —a olhou com desdém. —Onde está o meu tio Rafael?
—Ele está no centro da cidade.
Darlan se senta no sofá e começa a comer.
—É uma surpresa ver você por aqui, seu pai nunca te trouxe.
—Um dia eu teria que conhecer a fazenda e saber minhas origens.
—E seu pai, ele veio com você?
—Não, vim sozinho.
De repente Luana e Tânia entram na sala.
—Olha só apareceu a coisinha. —olhava debochado para Tânia que o fuzila com o olhar.
—Darlan, sou Luana a esposa do seu tio Rafael. —parou ao lado dele.
Ele se levanta e a cumprimenta dando lhe as mãos.
—Prazer em conhece-la. Meu tio tem um bom gosto, é tão bela como uma flor do pantanal.
—Obrigada. —risada. — pelo visto você puxou o jeito galanteador do seu pai.
—E o deboche também. —disse Tânia em voz baixa.
—O que disse coisinha? —perguntou Darlan.
—Nada, com licença. —Tânia saiu.
—O que o traz aqui? —perguntou Luana.
—Vim conhecer a fazenda, acho que vou passar aqui alguns dias aqui. Preciso espairecer.
—Seu pai?
—Na capital.
Inácio descia as escadas e entra na sala e ver o irmão ao lado de Luana e Jacinta.
—Eu preciso descansar a viagem foi longa. E minhas malas, peão?
—Ele não é… —disse Luana.
—Tudo bem, pode deixar. —olhou para Luana. —Suas malas já estão no terceiro quarto a direita.
—Eu vou subir. —saiu em direção a escada.
—Deixa que eu te mostro onde fica o quarto. —disse Jacinta.
Luana olha aturdida para Inácio que observa Darlan subia as escadas acompanhando a governanta.
Alguns minutos depois no escritório estavam Inácio e Luana.
—Por que não o disse que vocês são irmãos?
—Não sei, eu fiquei sem reação.
—Tânia me falou a forma como ele te tratou.
—Deve ser o jeito dele, tia.
—Não é porque ele pensa que você é um peão acha que tem o direito de te distratar.
—Eu sei, eu esperei tanto por esse momento que fiquei sem saber como agir.
—Suspeito que seu pai não sabe que ele está aqui.
—Por que ele veio?
—Disse que quer conhecer a fazenda. Acho estranho.
—Será que ele desconfia de alguma coisa ou já sabe que eu existo?
—Não sei, Inácio, mas é melhor ter cuidado o Darlan não me passou confiança.
—O que vamos fazer?
—Espera seu tio chegar e aí tomamos alguma decisão.
—Não posso sustentar essa mentira. Eu não vou fingir que sou um peão a vida toda porque meu pai não me registrou como filho e me escondeu a vida toda.
—Tem razão. Chegou o momento da verdade aparecer e o castelo de cartas do Anderson está prestes a desmoronar.
—Minha mãe quando souber não vai acreditar.
Anoiteceu e no jardim do casarão acontecia uma roda de viola. Darlan observava de longe e encostado na pilastra da varanda até que Rafael se aproxima dele. Lino tocava uma moda caipira antiga na viola.
—Darlan.
O rapaz o olha.
—Sou o seu tio Rafael.
—É um prazer em conhece-lo, tio. Sei que cheguei sem avisar, mas a minha curiosidade sobre esse lugar falou mais alto.
—Vem até aqui, sente conosco.
Darlan segue Rafael e entram na roda e se sentam nos bancos.
—Esse é meu sobrinho Darlan, filho do Anderson.
Todos os peões presente se olham surpresos porque sabiam da estória de Anderson com Fernanda e que ele escondeu Inácio de sua vida na capital.
—Seja bem-vindo, seu Darlan. —disse Expedito.
—Obrigado.
—Quase todas as noites a peãozada se reúne e faz uma roda de viola. —falou o tio.
—A gente conta também uns causos de assombração. Eu tenho uma. —falou Expedito.
—Lá vai o pai outra vez com suas estórias sem pé e sem cabeça. —disse Lino.
—É verdade, filho, é verdade. Uma vez antes de eu ir pra lida.
—O que é lida? —perguntou Darlan.
—Trabalho. —respondeu Rafael.
—Sim, antes de ir pra lida, eu me levantei e ouvi uns passos dentro de casa e estava todo mundo dormindo. Eu me levantei, peguei minha espingarda e sai pela casa até chegar na sala quando eu escutei um som de água caindo vindo da cozinha. Quando entrei na cozinha a torneira estava ligada, fechei a torneira e corri pra mais de metro para dentro do quarto e fechei a porta com chave e tudo.
—É parece que alguém estava com sede. —disse Inácio em pé ao lado.
Todos dão risada.
—É verdade, eu juro que era uma assombração. E o pior é que ninguém acredita em mim.
—Eu tenho uma estória melhor. A vez que eu fiquei frente a frente com uma onça sozinho no pantanal e sem arma. —falou Zeca.
—Você já contou essa estória, vô. —falou Lino.
—Pois vou contar de novo porque o guri Darlan nunca a ouviu. Era de tardezinha, estava sozinho no pantanal a cavalo e desarmado quando de repente na estrada vi uma onça pintada atravessando nesta hora eu gelei porque eu não sabia se ela estava com fome ou não. Eu parei e a onça veio toda arteira cheirando o cavalo, e nessa hora eu rezei todas as orações que me lembrava para que o cavalo não corresse ou reagisse porque se ele fizesse isto eu estava ferrado ela ia atacar. A onça cheirou minhas botinas e entrou no matagal.
—Sorte a sua que a onça não te atacou. —disse Darlan.
—Presta atenção no resto da estória. —falou Rafael.
—Eu respirei e agradecido a Deus segui com o cavalo até que no outro lado da estrada apareceu uma mulher nua ao lado de uma árvore. Tomei um susto ao ver aquela cena. Ela gritou: Iu! Com o chulé desse desmaia até jacaré!
Todos dão risadas.
—Essa boa hein, Zeca. —disse Rafael.
—Pra mim é a melhor. —falou Inácio.
—E você depois disso foi atrás da mulher? —perguntou Darlan.
—Que nada, quando fui atrás dela eu me acordei com a patroa gritando no meu ouvido para ir trabalhar.
Os peões riam e comentavam sobre a estória de Zeca.
—Zeca, toca uma moda para nós. —falou Rafael.
—É pra já, patrão.
Lino entrega a viola para Zeca que começa a tocar e a cantar um pagode caipira, o ex-capataz havia se aposentado, mas de vez em quando comparecia as rodas de viola na fazenda.
Inácio olhava para Darlan que o encara e se levanta, passa por ele e segue em direção a varanda até que ver Anahí e Florzinha sentadas na rede. Ele parou ao ver a beleza da jovem índia algo que jamais sentiu antes e se perguntava como uma mulher poderia ter uma encanto tão puro e tão selvagem.
—Oi, você é o Darlan, né? —se levantou Florzinha e seguiu em direção a ele.
—Sou. —continuava a olhar para Anahí.
Anahí estava distraída até o olhar insistente de Darlan lhe chama atenção, ela ao ver aqueles olhos azuis sentiu um arrepio um misto de medo e de atração.
—Você é nosso primo. Sou Maria Flor, mas todos me chamam de Florzinha. E aquela ali é a minha irmã Anahí.
Anahí se levanta da rede e caminha até Darlan.
—Anahí?
—Sim, Anahí. —o respondeu a índia.
—Nome diferente, aliás, você é bem diferente a sua pele, o seu cabelo…
—Sou índia da tribo dos Toriba, sou filha adotada do Rafael e da Luana.
Florzinha percebe o clima que acontecia entre os dois.
—Entendi.
—E você o que faz nestas terras?
—Conhecer.
Inácio entra na varanda e ver Darlan, Anahí e Florzinha.
—Amanhã quero que prepare um cavalo pra mim. —falou Darlan olhando para o Inácio.
Anahí e Florzinha estranham aquela situação.
—Isso não é o meu trabalho.
—Como assim não é seu trabalho? Você é um peão e tem que cumprir as minhas ordens.
—O Inácio não é peão. —falou Anahí séria o encarando.
—Nós dois somos irmãos.
Darlan olha incrédulo para Inácio após aquela revelação.