No fim de tarde após o incêndio ter sido controlado na comunidade ribeirinha, estavam Fernanda, com o bebê nos braços, e Tânia na beira do rio.

— Eu não consigo acreditar que a minha casa virou cinzas. Os meus pais dedicaram a vida toda deles para construir aquela casinha e de repente o fogo a destruiu. — olha para os restos do que ficou da casa.

— Foi uma benção de Deus que minha família saiu a tempo e o que a gente perdeu somente a nossa casa.

— Eu também tenho que agradecer a Deus que decidir levar o Inácio para o posto de saúde hoje, pois se não estivesse ido, poderíamos ter passado por algo pior.

— E eu de ter ido com vocês, também foi um livramento. Nanda, tem certeza que não quer ir comigo e com a minha família para casa da minha tia lá na cidade?

— Tânia, você tem muitos irmãos, seus pais já são idosos e será muita gente na casa da sua tia. Eu não quero dar mais trabalho a ela e mais ainda com um bebê.

— Acha certo ir buscar ajuda lá na Fazenda Dois Rios? O Anderson te humilhou e desdenhou do menino. Eu não duvido que ele te expulse de lá com a criança sem dó e sem piedade.

— Ele é o pai do Inácio e também é responsável por ele. Eu não queria ter que ir buscar ajuda lá, mas é o único lugar que me resta para não ter que ficar no meio deste pantanal com este guri.

— Nanda, eu sei que quando você coloca uma ideia na cabeça não há quem faça mudar, então, eu vou te deixar o endereço da casa da minha tia. — pega um papel dentro da bolsa e uma caneta e começa a anotar. — Caso aconteça alguma coisa na fazenda e você queira ir embora pode ir para casa da minha tia. — entrega o papel para a amiga.

— Obrigada, Tânia, você é a irmã que nunca tive. — as duas se abraçam.

— Se cuidem.

Cido conduzia o barco, se aproximava das duas mulheres e do bebê.

— Agora eu tenho que ir antes que escureça no pantanal. Tchau, Tânia.

— Tchau, amiga. Tchau, Inácinho.

O barqueiro ajuda Fernanda com o bebê nos braços a entrar no barco, ela acena para amiga que logo depois a acena. O barco seguiu pelo rio até chegar as terras da fazenda dos irmãos Barreto.

Anoiteceu e na sala do casarão da Fazenda Dois Rios acabavam de entrar Jacinta e Fernanda com o bebê nos braços.

— O seu Anderson não se encontra.

— Eu preciso falar com ele. Onde está o Anderson?

— Ele está na cidade e volta daqui há alguns dias.

— Não, eu não posso esperar por muito tempo.

A governanta ao ver a ribeirinha deduziu que ela fosse mais um dos casos amorosos do seu patrão, afinal, já era bastante conhecida sua fama naquela região. Jacinta pensou que o melhor seria dispensar aquela mulher o quanto antes porque não queria acobertar alguma infidelidade de Anderson contra a noiva porque isto ela não tolera em se tornar cúmplice.

— Se quiser você pode deixar algum recado.

De repente Luana descia as escadas.

— O que deseja? — perguntou a ribeirinha.

Jacinta olha para Luana como se quisesse dizer algo.

— Eu preciso falar com o Anderson, é urgente.

— Dona Luana, eu já disse a essa mocinha que o seu Anderson está na cidade e só volta daqui há alguns dias.

— O Anderson foi resolver questões de trabalho na cidade. — termina de descer as escadas, fica de frente a ribeirinha e o bebê lhe chama atenção.

— Eu preciso falar com ele…eu estou desesperada. O que você é do Anderson?

— Cunhada.

— O Anderson precisa me ajudar, não por mim e sim pelo guri. Esse guri é filho dele.

Luana e Jacinta ficam surpresas com aquela revelação.

— Misericórdia. – disse a governanta.

— Como você se chama?

— Fernanda, e você?

— Luana. Me fala o que realmente aconteceu? Talvez eu posso ajuda-la.

— Eu vim até aqui porque teve um incêndio lá na comunidade ribeirinha onde eu morava e minha casa pegou fogo. Eu não tenho pra onde ir com este guri, estou em desespero. Nada sobrou da minha casa e das minhas coisas.

Rafael saiu do escritório, entrou na sala e se aproxima das três mulheres e do bebê.

— O que está acontecendo? — perguntou o fazendeiro.

Jacinta e Luana olham apreensivas para ele.

— Essa moça diz que esse bebê é filho do seu irmão. — respondeu Luana.

— Eu já estou sabendo do que se trata.

— Como? Você está sabendo disso e não me contou, Rafael?

— Depois a gente conversa, Luana.

— Desculpa eu não devia ter vindo para cá, é melhor eu ir embora. — Se vira em direção a porta.

— Espere, moça. Me diga o que veio fazer nestas terras?

— Eu não quero arranjar confusão, eu sei que o Anderson tem uma noiva lá na capital, é que preciso de ajuda não por mim e sim pelo menino. Minha casa pegou fogo e não tenho para aonde ir com o guri.

— Não se preocupa, eu já estou sabendo o que o meu irmão fez e para mim ele é um irresponsável. Saiba que não concordo com as atitudes dele em relação a você e a criança. O Anderson não está na fazenda, foi resolver uns assuntos dele na cidade. Então, pode ficar tranquila e peço que fique na fazenda.

— Obrigada, eu juro que não vou ficar por muito tempo. Eu preciso pensar no que vou fazer daqui para frente já que não tenho mais a minha casa e não quero atrapalhar vocês.

— Essa fazenda pertence ao guri mesmo que o Anderson não o queira registrar.

— Vocês não atrapalham em nada, Fernanda. Eu imagino o quanto esse dia foi desgastante para vocês. Por favor, Jacinta acomode a Fernanda e o bebê.

— Está bem, patroa. Vem, é por aqui, mocinha.

Jacinta e Fernanda com o bebê nos braços subiram as escadas.

— Você tem que me contar direito essa estória, Rafael.

— Sim, eu vou contar. Vamos lá para o escritório.

No escritório, Luana está sentada na cadeira e o marido em pé ao lado.

— O seu irmão é um mau-caráter já não bastava ter engravidado a ribeirinha também engravidou a noiva. Ele não pode negar um dos filhos, não pode deixar de registrar aquela criança. É filho dele também.

— Eu já disse isso para o Anderson, ele não quer me ouvir. Você mesmo o ouviu dizer que vai casar com Verônica e não vai mais voltar.

— Acha mesmo que ele não vai mais voltar?

— Confesso que tenho as minhas dúvidas. Suponho que ele volta devido à ribeirinha.

— Coitado desse guri nascerá rejeitado pelo próprio pai.

— Infelizmente não é o primeiro e o único que tem essa sina. Eu tentei fazer o Anderson mudar de ideia. O pior que ele me ameaçou dizendo que se essa estória chegar aos ouvidos da Verônica e da família dela, ele será capaz de vender a parte dele da fazenda.

— Não, ele não pode fazer isso. Seus pais construíram essa fazenda por anos. Rafael, e se por acaso quando ele voltar da cidade e ver a ribeirinha na fazenda cumprir essa ameaça e vender a parte destas terras?

— Agora isto pouco me importa. O Anderson faça o que bem-quiser com a parte desta fazenda eu é que não poderia ser tão insensível ao ponto de deixar sozinhos aquela ribeirinha e o meu sobrinho no pantanal principalmente à noite.

— Você fez o certo, Rafael. Aquele bebê tão indefeso me fez lembrar o nosso Bento. Vamos acolher a ribeirinha e o guri mesmo que o Anderson seja contra.

Rafael coloca a mão sob o ombro da esposa e ela acarinha a mão dele. Luana após terminar a conversa com o marido, seguiu em direção ao quarto onde se encontra Fernanda e o bebê. No quarto, Fernanda estava sentada na cama e olhava para Inácio deitado ao lado.

— Eu prometo, meu amor, que vamos ficar pouco tempo nesta fazenda. Essa gente parecem ser boas pessoas, porém eu não confio tanto, aliás estou aprendendo a não confiar mais em ninguém.

De repente Luana bate na porta.

— Fernanda, sou eu a Luana.

Fernanda se levanta, abre a porta e ver Luana.

— Vim saber se vocês estão precisando de mais alguma coisa.

— Não, está tudo bem e mais uma vez agradeço a vocês por deixar a gente ficar.

— Essa fazenda também pertence ao guri. — entra no quarto. — Como ele se chama?

— Inácio.

— Posso pega-lo?

— Claro que pode.

Luana pega o menino nos braços e se senta na cama.

— Como é grande. — deu uma risada breve. — Está gostando da fazenda, Inácio? Espero que sim. Eu sou a sua tia Luana. Ele parece com o Anderson, puxou até cor dos olhos azuis do pai.

— Iguais os olhos azuis que me apaixonei.

— O Rafael já conversou comigo sobre você e meu cunhado. Ainda gosta do Anderson?

— Sim. — se sentou na cama ao lado de Luana. — Um amor assim não se apagar tão facilmente, e com todas as minhas forças eu vou destruir esse sentimento dentro de mim. O que sinto por ele é desprezo. Ele me enganou, eu acreditei nele. Ele me dizia que me amava e que ia deixar a noiva pra ficar comigo.

— Eu não sou ninguém para te julgar, Fernanda. Se o Anderson realmente quisesse ficar com você, ele teria desfeito o noivado com a Verônica há tempos, já pensou nisso?

— Quando eu o perguntava o porquê dele não desfazer logo o noivado com a grã-fina, ele dizia que não era tão fácil assim como eu pensava e que aquele noivado era importante para a carreira dele e que se terminasse assim de uma hora para outra isto o poderia prejudicar.

— Eu vou ser direta com você, eu lamento te dizer que o Anderson nunca pensou de verdade em desfazer o noivado com a Verônica. Ele só te usou como usou muitas por aí deste povoado. Quem bem o conhece sabe quem ele é.

Fernanda começa a chorar.

— Eu me iludir, a verdade estava na minha frente e eu não quis ver, não quis acreditar…

— Fernanda, não se sinta culpada. Você se apaixonou pelo Anderson, ele que te deu esperanças e te iludiu. Apesar de tudo que aconteceu com você não permita que esse ressentimento te torne uma pessoa amargurada.

— Parece fácil dizer. Eu tinha tantos sonhos com o Anderson, eu acreditava que uma das vezes que ele fosse aparecer lá em casa, iria dizer pra mim que tinha finalmente deixado a noiva e que me levaria embora com ele.  Eu fui mesmo uma idiota em ter acreditado nisso.

— Eu nunca passei pelo que você está passando, Fernanda e me imagino no seu lugar como mulher. Esqueça o Anderson, e pense no Inácio, ele sim é única coisa boa que o Anderson te deixou.

— Com o meu filho já não me sinto tão sozinha como antes. Meus pais morreram quando eu era muito guria. É por ele que estou aqui, somente ele que me importa. O meu filho só tem a mim. O Anderson não se importa com ele e nem quer o registrar enquanto o filho da outra terá o amor, o carinho e o sobrenome dele.

— Talvez um dia ele se arrependa disso. A vida parece tão injusta as vezes. O Anderson renega um filho enquanto existem outras pessoas que gostariam de ter o filho ao seu lado e não pode. — começa a chorar.

— Por que você está chorando, Luana?

— Eu perdi o meu filho Bento, ele nasceu morto. Eu e o Rafael esperava tanto por ele … não consigo entender como uma pessoa como o Anderson agi dessa forma com o próprio filho.

— Eu sinto muito pelo seu filho, Luana. O que realmente me dói é esse desprezo dele pela criança. Eu até aceito se ele quiser ficar com a noiva ou com qualquer outra, mas se pelo menos reconhecesse o guri como filho dele. Acredita que ele chegou a me dizer que duvidava que o menino fosse dele? O Anderson foi o único homem que tive em minha vida e sabe disso.

— Que absurdo. — fez uma breve pausa — Fernanda, como você mesma disse que o incêndio acabou com as suas coisas, você aceita o enxoval que era do meu filho?

— Você está me doando o enxoval do seu filho?

—Sim, porque seria egoísmo da minha parte guardar o enxoval do Bento enquanto em casa tem um bebê precisando.

—Obrigada, Luana, muito obrigada. Eu aceito sim. O fogo destruiu o pouco que pude comprar para o Inácio. Para mim isso é um presente. Muito obrigada mesmo.

— Eu fiz aquele enxoval com todo amor a cada detalhe que só uma mãe pode ter. — emocionada ela entrega o bebê para a ribeirinha. — Bom, eu vou pedir para um dos peões trazer o berço que era do Bento para o quarto e algumas roupinhas e fraudas. Amanhã entrego a você o resto das coisas do enxoval que estão lá no meu quarto. Boa noite, Fernanda. Boa noite, meu sobrinho. — passou levemente a mão sob a cabeça do bebê.

— Boa noite, Luana. Dar tchau para sua tia Luana, Inácio. Tchau, tia. — ela pega a mão do menino o faz acenar para Luana.

— Tchau, Inácio. — sorrir e acena para o menino.

Luana sai do quarto e fecha a porta.

Amanheceu no pantanal e os periquitos cantavam dentro de um ninho que estava em cima de um galho de uma árvore ao lado do casarão da fazenda Dois Rios. No quarto estava Luana separando algumas roupas de bebê em cima da cama até que Rafael entra, fica preocupado e segue em direção a esposa.

— Luana, o que você está fazendo com as roupas que eram do Bento?

— Eu vou doar o enxoval do Bento para o Inácio.

— Inácio?

— Sim, o Inácio o seu sobrinho.

— Ah! sim. Estou surpreso de ver você doando o enxoval do Bento porque eu sei o quanto ele é importante para você.

— Seria egoísmo meu guardar essas coisas enquanto tem um bebê em casa que está precisando.

— Luana, meu amor, é por esse seu jeito de ser que cada dia mais fico apaixonado. Muito bonito o seu gesto.

— Não está sendo fácil deixar esse enxoval. — abraça o marido. — porém me sinto liberta em fazer isso. Sei que a melhor lembrança que tenho do nosso filho ficará para sempre dentro de mim.

Na sala principal do casarão da fazenda, Fernanda amamentava o bebê e sentada no sofá enquanto Jacinta estava em pé ao lado dela.

— O gurizinho parece com o Anderson. Me lembro como hoje quando os patrões chegaram com ele da maternidade.

— Você trabalha aqui faz muito tempo?

— E bota tempo nisso. — deu uma risada breve. — eu trabalho aqui desde muito moça e bem antes do Rafael e o Anderson nascerem. Eu acompanhei os dois crescendo nesta fazenda. Rafael sempre foi muito ligado as terras enquanto o Anderson sempre quis morar na cidade. Depois os patrões o seu Noel e a dona Eulália morreram e deixaram as terras e o Anderson aos cuidados do Rafael.

Anderson entra na sala e não acreditava no que estava vendo: Fernanda na sala do casarão da fazenda conversando com Jacinta. A raiva tomou conta dele, pois para ele lhe pareceu uma afronta da ribeirinha, e se aproximou com ímpeto.

— O que você está fazendo aqui, Fernanda?

Fernanda e Jacinta se surpreende com a chegada de Anderson.

 

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