CENA 01. CASA HELENA. SALA JANTAR. INT. NOITE.
Helena, Amanda, Régis e Zilda jantam. Ângela de pé num canto. Clima de discussão. Jairo entra para dar um recado.
JAIRO
Com licença. Dona Zilda, a Leila ligou da casa do Rubens e…
HELENA (se levanta violentamente e grita)
Rubens?
Zilda fica atônita com a revelação do motorista.
ZILDA
Você tem certeza, Jairo? Não se confundiu?
HELENA
Ela está com o conquistador barato e ainda tem a pouca vergonha de admitir.
RÉGIS
Eles estão namorando. Será que você não vê se eles se gostam?
HELENA
Não, não vejo! É por isso que essa família está se desmoronando. Tudo por culpa da canalhice do seu pai. Me mato todos os dias pra colocar nossa casa nos eixos, e o que recebo é a ingratidão. Mas isso não vai ficar assim. (se levanta)
ZILDA
O que vai fazer?
HELENA
O que já devia ter feito há muito tempo.
Zilda tenta falar algo, mas Helena sai sem lhe dar ouvidos.
JAIRO
Não sei nem o que dizer, dona Zilda. Eu…
ZILDA
Não precisa se justificar. Você não tem obrigação de saber o que afeta ou não a intimidade de sua patroa. Volte pros seus afazeres.
JAIRO
Com licença. (sai também)
Zilda pensativa. Amanda e Régis se entreolham.
CENA 02. CASA HELENA. QUARTO HELENA. INT. NOITE.
Helena entra no quarto. Pega o celular do bolso da blusa e faz uma ligação.
HELENA
Alô? Kika? Sou eu, Helena. Tudo bem?… Tenho um servicinho pra você. Mas não pode falar nem com a Leila, nem com a Amanda… Você disse uma vez que o professor de violão agradava muito às alunas, não é isso?… Sim… Você pode me encontrar amanhã cedo na academia?… Às dez?… Você vai gostar… Um beijo. Boa noite! (desliga; fala sozinha) Ele nunca mais vai se meter com minha família, ou não me chamo Helena.
CENA 03. MANSÃO ARMANDO. ESCRITÓRIO. INT. NOITE.
Armando e Wilson gargalham, sentados à mesa. Seguram taças de vinho.
ARMANDO
Um brinde à morte da minha mulher, com uma taça do sangue dela.
WILSON
Sangue?
ARMANDO
Vinho, seu tolo! Mas podia ser mesmo o sangue da Soraya. Um dia de vampiro até que faria bem, não acha?
WILSON
Se você diz…
ARMANDO
Quero curtir a viuvez da melhor forma possível. Você já sabe. Amanhã viajo pra fazenda de Goiânia. Dá um jeito de aquela menina, a Carly, ir comigo. Nada como uma boa companhia feminina.
WILSON
A Jéssica não vai gostar nada disso.
ARMANDO
Ela não tem que gostar ou deixar de gostar de nada. Já foi boa, mas não é mais. (ela aparece na porta) Enjoei da Jéssica!
JÉSSICA (entra)
Ah, então é assim? Me usa como pode e, quando não quer mais, me joga fora como fruta estragada?
ARMANDO
Sem dramas! Você nunca passou de uma secretária. Eficiente, mas secretária.
JÉSSICA
Você vai se arrepender…
Armando se levanta, enquanto ela fala, e bruscamente a agarra com a mão no pescoço. Tenta enforcá-la.
ARMANDO
Vai fazer o quê? Não passa de uma vagabunda. Tenta algo contra mim, pra ver se não vai ter um destino pior que o da Soraya. Ela ainda era uma madame, mas você é só uma puta com carteira assinada.
WILSON (agoniado)
Larga ela, Armando! Vai enforcar!
ARMANDO
É bom que ela saiba com quem está lidando.
Armando a joga no chão. Ela chora de ódio. Wilson ajuda a moça a se levantar.
WILSON
Vai embora, antes que ele se enfureça e…
ARMANDO
Por mim, você já virava comida de verme.
JÉSSICA
Me trocou pela Carly, então que faça bom proveito daquela idiota. Você não é tão macho assim na cama. (sai)
ARMANDO (grita)
Fora!
WILSON
Eu disse que ela não ia engolir fácil, Armando.
ARMANDO
É por isso que mulher não serve pra governar o mundo. Faz fricote por qualquer coisa. Só sabe exigir, exigir, mas não é capaz de dar o sangue pelas coisas importantes do mundo. Colocaram uma mulher na presidência, e o Brasil afundou de vez. Vou pra banheira, e não quero ser importunado. Boa noite. (sai apressado)
CENA 04. ACADEMIA. FACHADA. INT. DIA.
Música: Maybe He’ll Know – Cyndi Lauper. Imagem de pessoas entrando e saindo da academia. Kika aparece com uma amiga. Elas se despedem com beijos no rosto, e Kika entra. A música para.
CENA 05. ACADEMIA. CANTINA. INT. DIA.
Kika encontra Helena sentada em uma das mesas.
HELENA
Kika, como vai?
KIKA
Vou bem, Helena.
HELENA
Vamos, senta. (Kika obedece) Tenho uma coisa que vai gostar muito de fazer, ainda mais por um bom dinheiro.
KIKA
Tô curiosa.
HELENA
Antes me responde uma coisa: você já teve alguma coisa com o professorzinho de violão?
KIKA
Com o Rubens? Bem que eu queria. Ele é gostoso pra caralho, né? Tentei dar um jeito com ele, mas…
HELENA
Jeito?
KIKA
Dar em cima, né? Até parece que nunca fez isso, Helena.
HELENA
Me respeita, que eu tenho idade pra ser sua mãe. O que você tem pra fazer é marcar uma aula com o Rubens e se atirar nos braços dele. Depois você se faz de coitada e acusa o professor de violão de assédio.
KIKA
Vai ser um prazer. Mas por que quer foder o carinha?
HELENA
Tenho meus motivos. (dá um envelope a Kika) Metade agora, e metade depois da prisão do Rubens.
KIKA
Fechado.
CENA 06. CASA BRUNO. FRENTE. EXT. DIA.
Rubens abre a porta por dentro e sai com Leila. Eles descem os degraus e vão até o portão. Ele o abre para ela sair, mas antes se despedem.
LEILA
Foi muito bom dormir com você, meu amor.
RUBENS
Espero que sua mãe não tenha descoberto.
LEILA
Acho que não. Ou ela teria vindo pra cá, pra fazer o escândalo de sempre.
RUBENS
Como você pode ser tão gente boa, com a mãe que tem?
LEILA
Herança paterna, já ouviu falar. (ambos riem)
RUBENS
É, seu pai é totalmente diferente dela.
LEILA
Agora preciso ir, porque marquei de lanchar com a Amanda. A gente se fala mais tarde?
RUBENS
Quando quiser.
Eles se beijam. Leila parte em direção ao carro, onde entra. Rubens a olha atentamente.
CENA 07. ESCOLA DE MÚSICA. RECEPÇÃO. INT. DIA.
Ana marca uma aula para Kika por telefone.
ANA
Tem horários disponíveis pra sexta com o Bruno ou com a Veroca… Com o Rubens? Você tem uma quedinha por ele, né? (ri) Deixa eu ver, só um instantinho… Na sexta ele tá com a agenda lotada, mas no sábado pode ser… Onze ou meio-dia… Às onze? Marcado. Vou anotar aqui… Beijinho, Kika! Tchau! (desliga)
Bruno aparece para falar com ela.
BRUNO
Bom dia, Ana!
ANA
Oi, querido! Como foi lá no enterro?
BRUNO
Nem te conto. Soraya conseguiu transformar a própria despedida num programa de baixaria, do jeito que sempre gostou.
ANA
Não me diga que a Gioconda e a Helena…?
BRUNO
Brigaram de novo. E ainda teve pai e filho brigando, por causa do casamento.
ANA
Tá falando do Armando, né? Aquele homem não me cheira bem. De pensar que já tive atração por ele, sempre que via na TV e no jornal. (pausa) Ah, adivinha quem acabou de ligar?
Eles continuam a conversa, até que Jô entra e Bruno a vê.
BRUNO
Jô? Que surpresa boa!
JÔ
Oi, Bruno! Como vai, Ana? (a Bruno) Será que podemos conversar um pouco a sós?
CENA 08. PENSÃO ZORAIDE. CORREDOR. INT. DIA.
Carly fala ao celular. Tenta disfarçar, mas não percebe que está sendo espionada por Vicky, que está atrás da porta entreaberto de seu quarto.
CARLY
Pode falar, Wilson… Tá bom. Tô me arrumando e já vou aí… Na Aquapaper?… Obrigada.
Ela desliga o celular e vibra de felicidade. Vicky sai de onde estava.
VICKY
Acordou felizinha hoje, Carly? O que tá aprontando?
CARLY
O que tô aprontando? Nada, queridinha! Só uma propaganda nova lá da Aquapaper, por quê?
VICKY
Você não me engana. Sei que tá de caso com o Armando.
CARLY
Pra você, é doutor Armando. Não aceito que desrespeite o meu am… patrão.
VICKY
Amante, né? Sabia! Faça bom proveito, Carlynha. Só toma cuidado, pra não cair no mesmo buraco que a mulher dele.
CARLY
Você e a Jô tão com inveja do poder e do charme dele.
VICKY (ironia)
Bota inveja nisso.
ZORAIDE (aparece no corredor)
Ai, que bom que já acordou, Vicky. Queria que me ajudasse com uma coisinha.
CARLY
Ela é toda sua. Vou me arrumar, que já me chamaram pro trabalho. Fui! (entra no quarto)
VICKY
Tá de caso com um velho caquético.
ZORAIDE
Deixa ela pra lá. Olha aqui comigo. (mostra-lhe uma revista) É uma coleção de maquiagens pra mulheres negras como nós. Tem uma coisa mais linda que a outra.
VICKY (interessada)
Onde achou? Quero ver.
ZORAIDE
Vamos lá pra sala, pra gente ficar à vontade.
Ambas caminham em direção à escada.
CENA 09. CASA NOÊMIA. QUINTAL. EXT. DIA.
Noêmia coloca várias roupas no varal. Alice sai pela porta e pendura a bolsa no ombro.
NOÊMIA
Já vai, filha?
ALICE (fria)
Tô lotada de trabalho. Bom dia.
NOÊMIA (se aproxima de Alice)
Espera aí. Não vai nem falar com a sua mãe.
ALICE
Falar o quê? Ainda tô muito magoada com o que você fez.
NOÊMIA
Você sabe que eu tive todos os motivos e que não tive escolha. Acha que eu gosto de viver com o passado na cabeça? De perder o sono todos os dias lembrando daquele dia? Não, não gosto. Filha, perdoa a sua mãe.
ALICE
Agora não posso. Tô atrasada. A gente se fala de noite. Tchau.
NOÊMIA
Tchau, filha.
CENA 10. ESCOLA DE MÚSICA. SALA BRUNO. INT. DIA.
Bruno e Jô sentados à mesa.
JÔ
Bruno, você conhece a Noêmia há muitos anos, não é?
BRUNO
Desde que saí do hospital depois do coma. Ela e o marido eram enfermeiros, e ele ficou cuidando de mim até que eu terminasse de me recuperar.
JÔ
Como foi que você entrou em coma mesmo?
BRUNO
Sofri um acidente de carro logo depois da festa da Gioconda. Ela fazia 20 anos. Acordei quase dois anos depois.
JÔ
Que coisa horrível!
BRUNO
Dois traumatismos cranianos. Quase morri. Se não fosse pelo marido da Noêmia, talvez eu estivesse até agora na cama como um vegetal.
JÔ
Então você conheceu a Noêmia através dele? Não foi antes?
BRUNO
Não. Por que a pergunta?
JÔ
Pelas minhas investigações, ela pode ter participado da trama toda do Sandro.
BRUNO
Você quer dizer que ela esteve no parto e ajudou a abandoná-lo?
JÔ
É possível. Ela trabalhava no hospital na época. (pausa) O marido dela não chegou a comentar nada com você sobre isso?
BRUNO
Não que me lembre. Sei que ela já trabalhou várias vezes em maternidades, mas não sei quando.
JÔ
Você sabe quem pode ajudar nesse detalhe?
BRUNO
Já falou com a Zoraide?
JÔ
Já, mas ela também não conhecia a Noêmia naquela época.
BRUNO
De repente, você pode falar com o Oswaldo. Cunhado da Noêmia. Ainda tenho contato com ele.
JÔ
Me passa o número.
CENA 11. RIO DE JANEIRO. PRAIA LEBLON. EXT. DIA.
Música: Invitation to Dance – Kim Carnes. Letreiro: “Dias depois”. Homens e mulheres jogam vôlei na areia. Ciclistas passeiam pela faixa vermelha. Pessoas caminham pelo calçadão. Casal de moças compram água de coco num quiosque. A música para.
CENA 12. RESTAURANTE. INT. DIA.
Jô conversa com Oswaldo, sentados a uma mesa. Bebem suco.
JÔ
Seu irmão devia ser uma grande pessoa.
OSWALDO
E como… Salvou muita gente em estado gravíssimo da morte. Todo mundo o chamava de santo milagroso. Bruno mesmo era um.
JÔ
E como é a sua relação com a Noêmia?
OSWALDO
Hoje não tenho mais falado com ela, mas era uma amiga e tanto. Tinha lá seus mistérios, mas… Bem, eu não me metia nos assuntos dela.
JÔ
Eu tô investigando justamente algo que pode fazer parte desses mistérios. Tem um outro amigo meu envolvido nessa história, e ele precisa desenterrar o passado por motivos muito fortes.
OSWALDO
E ela pode estar envolvida nisso?
JÔ
É por isso que preciso das suas respostas, Oswaldo. Há quanto tempo conhece a Noêmia?
OSWALDO
Olha, desde que meu irmão começou a namorar com ela. Por volta de 79, 80, por aí.
JÔ
E ela já era enfermeira?
OSWALDO
Estava pra se formar num cursinho que ela e meu irmão faziam. Foi lá que se conheceram.
JÔ
E você lembra onde ela trabalhava entre o final de 83 e o início de 84?
OSWALDO
Como lembro! Foi quando o Brizola inaugurou o Sambódromo. Ela trabalhava numa maternidade pública. Fez plantão durante todo o Carnaval, sempre à noite, e só tirou folga depois da quarta de Cinzas. Aliás, foi a partir daí que ela mudou totalmente. Deixou de ser aquela moça alegre e divertida, e ficou muito arredia e misteriosa.
JÔ
Você não lembra em que dia caiu o Carnaval, né?
OSWALDO
Xi! Já faz tanto tempo…
JÔ
Só um minutinho. Isto é fácil de achar. (pesquisa no celular) Se o domingo caiu em 3 de março, então… (chocada) Meu Deus!
OSWALDO
Algum problema, Jô?
JÔ
Problema, não. Achei a solução.
Efeito de fim de capítulo: imagem congela em Jô; FADE TO BLACK. Sonoplastia: vento.