LUIZA: – Como é que é? O senhor tá dizendo que o meu filho não é meu filho?

MIGUEL: – Que loucura é essa, Dr. Vitor? O senhor nos tira da nossa casa pra dizer uma coisa sem sentido? É uma brincadeira?

VITOR: – Antes fosse uma brincadeira, Miguel, antes fosse… Eu lamento muito em ter que dizer isso, mas o filho que vocês criaram não lhes pertence.

LUIZA: – Como assim? O Davi é meu filho, que história é essa agora?

VITOR: – Eu troquei os embriões! O filho que vocês fizeram tratamento para gerar ainda está aqui na clínica, congelado no botijão de hidrogênio! E o filho que a senhora gerou, na verdade não é de vocês, é de outro casal. Eu me confundi com os sobrenomes Amaral e Amorim, cometi a troca e me calei esses anos todos por medo e culpa. Mas agora a verdadeira família dessa criança me procurou pra gerar o embrião, mas ele já foi gerado por vocês, aí eu fui pressionado a revelar o meu segredo.

MIGUEL: – Família verdadeira? A família do Davi somos eu e a Luiza, não tem outra família pra ele! O Davi é nosso filho, ponto final.

LUIZA: – Eu gerei, tive o parto, amamentei, criei, eduquei, amei, e agora o senhor vem dizer que eu não sou mãe do meu próprio filho? O senhor não tem coração?

VITOR: – Mas Dona Luiza, a senhora foi uma barriga de aluguel sem saber que estava sendo! O meu erro tornou a senhora uma barriga de aluguel.

LUIZA: – Isso é um absurdo! Eu procurei a sua clínica pra fazer um tratamento de fertilização, não pra alugar minha barriga!

MIGUEL: – Eu não acredito nessa história de troca de embriões, isso é invenção pra privilegiar algum casal da alta sociedade! Só porque somos pobres acha que pode nos enganar? O Davi é nosso filho e será sempre, queira o senhor ou não!

VITOR: – Eu sabia que essa revelação não seria fácil, mas vejo que é mais difícil que eu pensava… Eu entendo perfeitamente a afetividade que vocês têm pelo menino, mas ele não pertence à família de vocês, é necessário devolver à criança a família que lhe pertence.

MIGUEL: – Você fala em pertencimento como se o Davi fosse um objeto que estivesse à disposição de trocar, mas ele é um ser humano! É uma criança que ama a família que possui, tem vínculos inquebráveis, não tem genética que mude o amor que eu e a Luiza temos pelo menino!

LUIZA: – Se o senhor ousar em me chamar de barriga de aluguel outra vez, eu entro na justiça com um processo de danos morais! Eu não admito ser tratada assim! Vamos embora, Miguel.

Luiza e Miguel levantam das cadeiras e saem da sala, bastante nervosos. Dr. Vitor os segue no corredor até a recepção.

VITOR: – Eu gostaria que vocês voltassem à clínica amanhã pra gente conversar com calma sobre tudo isso. Inicialmente, é um choque receber uma notícia dessas, mas eu vou explicar melhor o porquê vocês não são pais do Davi.

Naquele momento, Miguel é invadido por uma fúria paterna e dá um soco em Dr. Vitor, que cai no chão da recepção.

Luiza se assusta, mas não diz nada. O elevador abre e o casal entra, nervosos, e vão embora. O geneticista levanta do chão, com o canto da boca sangrando, e chora na recepção vazia.

CENA 02: MANSÃO DA FAMÍLIA TRAJANO, QUARTO DE PIETRA, INTERIOR, NOITE.

Ricardo brinca com Pietra de dominó antes de dormir.

RICARDO: – Você é muito esperta, minha filha, já venceu várias vezes! Mas a gente já brincou muito né? Tá na hora de dormir…

PIETRA: – Ah, papai, vamos brincar mais! Eu tô sem sono.

RICARDO: – Filha, você sabe que tem hora certa pra dormir e acordar né? Aliás, já tomou seu remédio?

PIETRA: – Não quero!

RICARDO: – Pietra, você precisa tomar pra melhorar.

PIETRA: – Eu não gosto de ser doente!

RICARDO: – Então, você precisa tomar o remédio pra melhorar.

PIETRA: – Mas faz anos que eu tomo e continuo igual. Hoje o Davi perguntou por que eu não tenho cabelo. Ai papai, eu odeio me sentir diferente de todo mundo! Porque eu nasci assim? Eu nunca vou ter o cabelo igual da mamãe. Nunca vou poder brincar como uma criança normal?

Ricardo fica aflito com o pedido de Pietra, que está com os olhos marejados. Ele acaricia o rosto da filha.

RICARDO: – Você gostou do Davi? Quer que eu peça pro Miguel trazê-lo na mansão pra brincar contigo?

PIETRA: – Quero! Vai ser ótimo, eu sempre quis ter um amigo! Só que eu não quero me sentir diferente.

RICARDO: – Mas ninguém é igual a ninguém, meu anjo, é bom ser diferente. Se todo mundo fosse igual, o planeta seria tão sem-graça né?

Pietra fica calada e cabisbaixa. Ricardo beija o rosto da menina e põem na cama, saindo do quarto e deixando-a dormir.

CENA 03: PENSÃO TITITI, INTERIOR, NOITE.

Antonia está servindo o jantar na mesa da pensão, onde todos os moradores estão sentados, inclusive Gean e Vera. Davi fica na frente da TV, assistindo a novela. Antonia se aproxima e serve um prato de comida, mas ele recusa.

GEAN: – Só arroz e feijão? Podia ter uma carne pra acompanhar né…

ANTONIA: – Carne tá pela hora da morte, inflação é uma facada no pâncreas. Coma arroz e feijão que tá barato e é nutritivo.

VERA: – Mas esse feijão tá com gosto esquisito… Comprou quando?

ANTONIA: – Ah, é de uma safra bem antiga, estava guardada no porão há muito tempo!

GEAN: – Feijão velho? Ah, Dona Antonia, tá de sacanagem! Aonde a senhora enfia o dinheiro do nosso aluguel?

VERA: – Deve usar como papel higiênico…

ANTONIA: – Escuta aqui, sua abusada, se você me afrontar de novo, eu despejo todo o feijão da panela na tua cabeça!

Vera se cala e continua a comer, revoltada. É quando Luiza e Miguel entram na pensão, transtornados e chorando. Davi corre até eles, subindo no colo do pai. Antonia e os moradores ficam intrigados com o estado deles.

ANTONIA: – O que aconteceu pra estarem nesse estado?

LUIZA: – Depois a gente conversa, Dona Antonia… Obrigado por cuidar do meu filho.

ANTONIA: – Imagina, sempre que precisar é só pedir. Esse menino é um doce! Qualquer problema, pode contar comigo!

Luiza agradece e limpa as lágrimas, indo embora com Miguel e Davi.

CENA 04: MANSÃO DA FAMÍLIA TRAJANO, QUARTO DE HELOISA E RICARDO, INTERIOR, NOITE.

Heloisa e Ricardo pesquisam na internet notícias sobre alguma clínica para tratamento de câncer, a qual Pietra possui. Eles encontram algumas notícias de casos reais, avanços científicos e campanhas sociais.

HELOISA: – Nós precisamos ir atrás de algum tratamento mais eficaz para a Pietra, mas tem que ser fora do Brasil.

ROGÉRIA: – Lembra-se daquela fundação nos Estados Unidos que possui uma ampla pesquisa sobre tratamento de câncer? O que você acha de irmos lá?

HELOISA: – Pode ser, meu amor. Qualquer coisa será melhor do que ficar ouvindo a aflição da nossa filha em se sentir inferior ou excluída.

RICARDO: – Meu amor, não se iluda… É triste dizer isso, mas nós temos que nos conformar aos poucos: a Pietra não vai se curar do câncer. Nós acabamos de ler o caso do Natan, que tem apenas oito anos e convive com dificuldades. O pai está inconformado por saber que o filho deve morrer cedo. Mesma coisa a Pietra…

HELOISA: – Para! Eu não gosto de pensar isso!

RICARDO: – Tá bom, desculpe… Eu também não gosto de pensar, até evito, mas é difícil esquecer. Que Deus continue nos dando forças para seguir em frente!

Heloisa concorda e abraça Ricardo.

CENA 05: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, INTERIOR, NOITE.

Luiza bebe um copo de água, trêmula. Miguel chora no sofá, cabisbaixo. Davi vê o nervosismo dos pais e não compreende nada.

DAVI: – O que vocês têm?

MIGUEL: – Nada, meu amorzinho, nada…

DAVI: – Mas vocês tão chorando… O que aconteceu?

LUIZA: – Coisas de gente grande. Vai dormir, já tá tarde.

Davi se aproxima de Miguel e seca as lágrimas do rosto do pai, como forma de demonstrar seu carinho, emocionando-o. Davi aproxima-se de Luiza e a abraça. Após, ele vai para o quarto. Luiza senta ao lado de Miguel no sofá e abraça-o. Eles choram um no ombro do outro.

LUIZA: – Ai meu Deus, isso não pode estar acontecendo conosco!

MIGUEL: – Não pode ser verdade… O Davi é nosso filho sim!

LUIZA: – Você fez bem em dar aquele soco no doutor, ele não tem o direito de dizer que nós não somos pais do Davi. Que absurdo!

MIGUEL: – Eu farei tudo para proteger o nosso filho e a integridade do nosso lar! Pode vir o doutor, essa outra família, o juiz, o Papa, quem quer que seja! Na nossa família ninguém se mete!

Luiza e Miguel se afastam e se beijam, com os rostos úmidos de lágrimas.

CENA 06: CLÍNICA DE DR. VITOR, INTERIOR, MANHÃ.

Dr. Vitor está tomando um remédio para dor de cabeça, pois acordou mal após a briga da noite anterior. Logo, Ivan entra na sala do geneticista e o surpreende.

VITOR: – Bom dia, Seu Ivan. Eu já imagino sobre qual o assunto te trouxe aqui…

IVAN: – Pois então, sejamos breve: tomou as devidas providências?

VITOR: – Sim, eu revelei ontem ao casal que eu fiz uma troca de embriões. Foi terrível, eles não acreditaram e ainda levei um soco.

IVAN: – E é com essas pessoas agressivas que o meu filho está sendo criado? Absurdo… pode me dar o endereço deles?

VITOR: – Não, isso é antiético.

IVAN: – Trocar embriões também é, aliás, muito mais grave! Vamos, eu quero os endereços!

VITOR: – Não darei, eu já cometi um erro, não vou cometer outro. Quer que eu remoa ainda mais remorso? Deixem essa família digerir um pouco o que eu revelei, depois nós reunimos ambas partes aqui na minha sala para conversarmos.

IVAN: – Não é uma má ideia, mas tem que ser logo. Até breve, doutor!

Ivan vai embora da clínica, deixando Dr. Vitor tenso e a dor de cabeça aumenta.

CENA 07: DIAS DEPOIS.

Luiza e Miguel seguem os dias atormentados com a revelação de Dr. Vitor. Marina e Ivan aguardam com ansiedade o dia que ficarão frente a frente com o casal. Heloisa e Ricardo compram as passagens de avião para os Estados Unidos.

CENA 08: CASA DE PAULA, INTERIOR, TARDE.

Paula está varrendo a casa e Vanessa entra correndo, com uma carta na mão.

VIVANE: – Mãe! Meu Deus, veja essa carta! Estou chocada!

Vanessa entrega a carta para Paula, que lê e fica pálida. Em seguida, ela desmaia e cai no chão. Vanessa tenta acordar a mãe, mas demora muito tempo, até que Paula volte à consciência. A jovem serve um copo de água pra mãe no sofá, que está trêmula.

PAULA: – Ai, meu coração não aguenta…

VANESSA: – Bebe tudo, mãe… O que será da gente agora?

PAULA: – Não sei, minha filha. O Governo disse que a casa já foi vendida, nós temos três dias pra sair. Vamos pra onde com todos esses móveis, meu Deus?

Vanessa rói as unhas de tensão e Paula joga o copo no chão.

PAULA: – Maldito, Ernesto! Culpa tua, seu cafajeste!

Paula levanta do sofá e caminha pela casa, inconformada.

CENA 09: MANSÃO DA FAMÍLIA TRAJANO, INTERIOR, MANHÃ.

Heloisa está lixando as unhas na sala, quando Inês entra com um envelope nas mãos e senta ao lado da patroa no sofá.

INÊS: – Dona Heloisa, eu gostaria de falar algo sério com a senhora. Lembra-se que eu havia dito que estava me sentindo mal? Pois então, eu fiz meus exames e mostraram que eu estou com estafa.

HELOISA: – Nossa, Inês, que chato! Mas a senhora está melhorzinha agora? Se estava se sentindo exausta no trabalho, devia ter dito antes de entrar no estado de estafa.

INÊS: – Não percebi que estava entrando em estafa e também não queria incomodar. Agora com esse diagnóstico, eu devo ficar afastada da mansão por algum tempo. A senhora compreende, não é?

HELOISA: – Totalmente! Fique o tempo que for preciso, eu e o Ricardo vamos contratar uma empregada substituta. Na verdade, ninguém substitui uma governanta maravilhosa como à senhora, que é praticamente da família. Mas a gente vai compreender sim a sua ausência pelo tratamento da estafa. Vá com Deus!

Heloisa dá um abraço em Inês, que levanta do sofá e vai arrumar suas malas.

CENA 10: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, INTERIOR, TARDE.

Luiza está terminando de lavar a louça quando alguém bate na porta. Ela vai entender e, ao abrir, leva um susto: era Dr. Vitor.

LUIZA: – O senhor? Como descobriu meu endereço?

VITOR: – Estava no arquivo da clínica. Posso entrar?

Luiza não sabe o que responder, mas permite que o geneticista entre. Eles sentam no sofá da sala, nervosos.

VITOR: – Como à senhora e o seu marido estão após a revelação que fiz dias atrás?

LUIZA: – Muito abalados. Nós não conseguimos acreditar nisso.

VITOR: – Eu sei que é muito difícil entender, mas eu gostaria de explicar melhor o que aconteceu.

LUIZA: – Se é para dizer que eu e o Miguel não somos pais do Davi, então pode ir embora porque eu faço questão de não ouvir nada. Nós somos pais sim!

VITOR: – Dona Luiza, a senhora gerou o Davi, é mãe dele pelos laços de maternidade. Mas quem tem o sangue do menino é a Marina Amorim.

LUIZA: – Marina Amorim? Quem é essa mulher? Como uma desconhecida pode ser mãe do meu filho?

VITOR: – Eu te inseminei com o embrião da Marina por uma distração, foi isso que aconteceu. A senhora acabou gerando o filho da Marina.

LUIZA: – Não, isso não pode ser verdade… Eu senti o Davi crescer dentro do meu ventre, eu tive as dores do parto, eu criei com muito amor e carinho essa criança, mas agora o senhor diz que ele não é meu filho? O que significa a palavra “mãe” para o senhor?

VITOR: – Existem muitos significados e eu compreendo a todos, por isso não posso me calar diante do pedido do casal Amorim em conhecer o Davi, pois ele é filho deles também.

LUIZA: – Eu nunca conheci uma pessoa com duas mães e dois pais, isso não existe!

VITOR: – Olha, Dona Luiza, eu gostaria de continuar conversando com a senhora sobre isso pra fazê-la entender tudo, mas eu tenho uns compromissos ainda hoje. Eu quero convidar à senhora e o seu marido para irem até a clínica amanhã, no fim da tarde. Pode ser?

LUIZA: – Preciso falar com ele, não posso confirmar nada agora.

VITOR: – Tudo bem. Eu fico aguardando o seu contato.

Dr. Vitor levanta-se do sofá e vai embora da casa de Luiza. Após fechar a porta, ela começa a chorar, com medo de o que o doutor disse seja verdade.

CENA 11: RUA, EXTERIOR, NOITE.

Paula e Vanessa estão caminhando pela rua da vila, quando veem de longe um carro da Justiça Federal estacionado em frente à casa delas. Ambas se aproximas, tensas.

PAULA: – Boa noite. O que os senhores desejam?

OFICIAL: – Eu trago um mandato de desocupação do imóvel. A senhora é Paula da Silva?

PAULA: – Sou eu mesma. Eu recebi uma carta hoje à tarde falando sobre isso, qual a necessidade de enviarem um oficial da justiça no mesmo dia?

OFICIAL: – Nós temos o registro que a carta foi enviada há quatro dias. Se chegou apenas hoje, houve um erro do correio. Sinto muito, mas as senhoras precisam esvaziar o imóvel hoje, pois o novo proprietário está chegando amanhã.

Paula e Vanessa se olham, pasmas, sem saber o que fazer e para onde ir.

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