CENA 01: QUARTO HOSPITALAR, INTERIOR, NOITE.

Vanessa está amamentando o filho recém-nascido no quarto, enquanto Paula observa ao lado da maca. Vanessa acaricia cuidadosamente o bebê, com os olhos marejados.

VANESSA: – Que lindinho! É o meu filho! Quem diria que eu já sou mãe…

PAULA: – Pois é, o tempo passa rápido… Eu já sou avó, que tenso, me aproximo do abismo da terceira idade.

VANESSA: – Mãe, para de bobagem! Eu tô tão emocionada com o meu filhinho, não quero pensar em mais nada…

PAULA: – Mas terá que pensar em algo sério, filha. A Antonia nos expulsou da pensão, lembra? Não temos onde morar. Tô pensando em negociar uma mansão, o que você acha?

VANESSA: – Mãe, a gente não tem dinheiro pra comprar uma roupa, quem dirá uma mansão!

PAULA: – Esqueceu que esse bebê aí é filho do milionário do petróleo, o Ricardo Trajano? Querida, eu compro a mansão que eu quiser e ele vai ter que pagar ou eu jogo pra imprensa o escândalo da traição dele!

VANESSA: – A senhora seria capaz de pegar tão pesado assim?

PAULA: – Vanessa, eu não estou te entendendo! Nós planejamos esse golpe pra ficarmos ricas, agora não dá pra voltar atrás. Eu vou comprar uma mansão sim e dentro de alguns dias eu vou procurar o Ricardo pra acertar a pensão alimentícia.

VANESSA fica temerosa, mas concorda e segue amamentando o bebê.

CENA 02: RUA, EXTERIOR, NOITE.

Davi caminha pela rua deserta e escura com uma mochila nas costas, fugido da mansão da Família Amorim com a vontade de encontrar Luiza e Miguel. Ele caminha sem parar, atravessa sinais de trânsito e tem medo de pessoas estranhas que estão na rua. Davi sente calafrios, pois nunca saiu à noite sozinho e não sabe como chegar à casa dos seus pais de criação. Ele está perdido.

CENA 03: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, QUARTO DE LUIZA E MIGUEL, INTERIOR, NOITE.

Usando pijamas, Luiza e Miguel estão deitados na cama, apenas com o abajur ligado.

LUIZA: – Então, você encontrou o Davi? E como foi isso?

MIGUEL: – Ele estava no Parque Barigui com os pais biológicos. Foi um encontro inesperado, foi muito lindo. O Davi cresceu bastante hein!

LUIZA: – Ai, eu queria tanto vê-lo! Meses sem ver e tocar no menino que eu gerei no meu ventre… Que injustiça! Ele perguntou de mim?

MIGUEL: – Perguntou sim, disse que tá morrendo de saudades de você. Ele não queria sair do meu colo, foi um sacrifício para devolvê-lo a Marina e o Ivan.

LUIZA: – Ele se lembra de nós, sente a nossa falta. Espero que o juiz analise isso quando tiver o novo julgamento no fórum. O Dr. Samuel Ferraz ligou hoje de tarde, já encaminhou a reabertura do caso e disse que tem uma prova audaciosa.

MIGUEL: – Prova audaciosa? O que será que ele quis dizer com isso?

LUIZA: – Não faço ideia, mas ele disse que é pra gente esperar no dia da audiência. Bom, eu não quero ficar pensando nisso senão eu começo a chorar! Vamos falar de coisas boas?

MIGUEL: – Que tal a gente fazer uma coisa boa? Eu te amo!

Luiza sorri e Miguel a beija apaixonadamente. Ela deita em cima dele e ambos ficam aos beijos, tirando os pijamas aos poucos e fazendo amor intensamente. Seus corpos se fundem no calor dos lençóis que exalam sentimento e desejo.

CENA 04: RUA, EXTERIOR, NOITE.

Davi caminha pelas ruas, perdido e aflito. Logo, um carro preto estaciona no acostamento e o vidro abaixa, mostrando um homem de 35 anos, bem vestido e com barba.

HOMEM: – Tá perdido, menino?

DAVI: – Tô. Quem é você?

HOMEM: – Eu posso te ajudar a chegar aonde você quer. Você é muito pequeno, não pode ficar sozinho na rua há essa hora. Entra!

Ele abre a porta do carro e Davi fica imóvel, enquanto o homem o olha sorrindo.

HOMEM: – Entra, não tenha medo, eu vou te ajudar. Me diga aonde é a casa dos teus pais que eu te levo.

Davi está intrigado, mas na sua inocência, ele entra no carro. O homem fecha a porta e não dirige, apenas observa o menino fixamente.

DAVI: – Que foi? Pode ligar o carro, eu vou te explicar aonde meus pais moram.

HOMEM: – Você tem quantos anos?

DAVI: – Cinco. Por quê?

HOMEM: – Tá muito longe de casa?

DAVI: – Tô sim, é do outro lado da cidade.

O homem dá um sorriso sarcástico, olha para todos os lados da rua e vê que está deserto. Lentamente, ele aproxima sua mão do rosto de Davi e o acaricia, mas o menino não malicia. Logo, ele põe a mesma mão na coxa da criança e a alisa, sorrindo e olhando para a Davi, que não compreende.

HOMEM: – Quer sentar no meu colo? Aí você vê a rua enquanto eu dirijo.

DAVI: – Não, é perigoso. Vamos logo, por favor?

HOMEM: – Só se você sentar no meu colo.

Davi não compreende e o homem segue o acariciando. Naquele momento, Ivan está dirigindo pelas ruas da cidade com Marina, procurando por Davi. Tensos, eles observam atentamente para as ruas, mas não encontram o menino. No carro, o homem tenta tirar a roupa de Davi à força para abusar dele, enquanto a criança grita e empurra o homem. Os vidros possuem película escura, o que impede de quem passa na rua ver o que acontece dentro do veículo.

Ivan para o seu carro no semáforo que, coincidentemente, é na mesma rua que o carro do pedófilo. Davi se esperneia tanto que acaba chutando o freio de mão, que afrouxa e faz o carro descer rua abaixo de ré. Logo, ele acaba colidindo com o carro de Ivan. Rapidamente, Davi abre a porta do carro e sai correndo. Marina e Ivan veem o filho e descem do carro, indo até o menino. Marina pega Davi no colo e percebe sua blusa desabotoada.

DAVI: – Tem um cara dentro do carro, ele é mau, ele tava querendo me beijar e tirar minha roupa!

Marina e Ivan se espantam. Enfurecido, Ivan vai até o carro do homem, abre a porta e o tira a força de dentro, o prensando conta o carro.

HOMEM: – Espera aí, a gente pode conversar!

IVAN: – Conversar o quê, seu desgraçado? Você queria abusar do meu filho!

HOMEM: – Eu pensei que fosse um menino de rua, nada demais.

IVAN: – Além de pedófilo é cínico? Toma o que você merece!

Ivan desfere vários socos no rosto do homem e Marina entra no Davi no seu carro para evitar que a criança veja a agressão. Após dar muitos socos nele, o homem cai e Ivan o chuta algumas vezes, enquanto ele sangra muito pela boca.

Ivan para de espancá-lo e se apoia no carro, ofegante. Imediatamente, ele liga para a polícia e faz uma denúncia. Em seguida, ele se aproxima de seu carro e Davi desce, corre até Ivan e o abraça fortemente.

DAVI: – Muito obrigado por me salvar, papai! Meu herói!

Ivan se emociona com as palavras de Davi, assim como Marina, pois não esperavam uma reaproximação tão repentina. É a primeira vez que Davi o chamou de pai.

IVAN: – O que um pai não faz por um filho, Davi? Eu dou a vida por você se fosse preciso. Eu te amo!

Ivan dá um beijo no rosto de Davi e o abraça novamente, enquanto Marina observa a cena, muito emocionada.

CENA 05: DIAS DEPOIS.

O pedófilo foi preso. Davi não fugiu mais da mansão e se reaproximou de Marina e Ivan, embora ainda tenha muita saudade de Luiza e Miguel. O juiz Armando Ramos aceitou o pedido de reabertura do caso da guarda de Davi devido à prova verídica apresentada pelo advogado Dr. Samuel Ferraz. Paula comprou uma mansão luxuosa no centro de Curitiba e já está instalada com Vanessa e o neto recém-nascido, porém com pouca mobilha. Ricardo, Heloisa e Pietra voltaram de viagem do Chile e agora seguem suas vidas no Paraná.

CENA 06: TRIBUNAL DE ÉTICA DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ CRM-PR, INTERIOR, MANHÃ.

O Tribunal de Ética está lotado de médicos e geneticistas do Conselho Regional de Medicina do Paraná para fazerem parte do julgamento da troca de embriões cometida por Dr. Vitor Vasconcellos. Ele fica de pé em frente ao presidente do CRM-PR, que está com a sentença nas mãos após meses analisando com os membros do conselho.

PRESIDENTE: – Estamos reunidos hoje no Conselho de Regional de Medicina do Paraná para sentenciar o geneticista Dr. Vitor Vasconcellos pela troca de embriões cometida em 2010 em seu laboratório. Tal erro, ocorrido por uma distração como afirma o próprio geneticista, fez eclodir uma batalha judicial pela guarda da criança resultante dessa inseminação, pois há duas famílias que se envolveram neste caso. É bem verdade que troca de embriões tem sido bastante corriqueiro no mundo todo. Casos nos Estados Unidos, Itália, França e até no Brasil geram uma discussão mundial pelas autoridades da engenharia genética. O Conselho Regional de Medicina do Paraná, em conjunto com o Conselho Federal de Medicina CFM e o Conselho de Ética analisaram a denúncia feita pelo juiz Armando Ramos. Desta forma, julgo procedente a denúncia e afirmo que o Dr. Vitor Vasconcellos terá seu diploma de Medicina cassado e não poderá mais exercer sua profissão. A clínica de fertilização ficará fechada até o conselho decidir um substituto. ele bate o martelo. – Está encerrada a sessão.

Dr. Vitor fica cabisbaixo após ouvir a sentença avassaladora, chorando. Em meio à conversa que ecoa pelo Tribunal de Ética, o ex-geneticista sofre internamente pela sua consciência e ódio. Muitos pensamentos corroem sua mente e o fazem sofrer, sentindo-se injustiçado.

CENA 07: MANSÃO DE PAULA, INTERIOR, MANHÃ.

Vanessa brinca com seu bebê no colo, enquanto Vera está observando todos os cômodos da mansão, impressionada com o tamanho. Logo, Paula desce as escadarias com um vestido vermelho, toda maquiada e perfumada.

PAULA: – E então, como estou? Pareço uma rainha, não é?

VERA: – Morando nesse palácio, só pode ser rainha mesmo! Estou chocadíssima com o tamanho dessa mansão, vocês deram a volta por cima hein!

PAULA: – Quando eu jogo é pra vencer, meu bem, não iria armar todo esse golpe pra sair perdendo. Vou procurar o milionário agora mesmo!

VANESSA: – Ai mãe, isso vai feder…

PAULA: – Quem vai feder é a fralde desse garotinho! Filha, você tem um herdeiro de uma fortuna no colo, a gente arquitetou o golpe da camisinha usada por muito tempo, agora tá na hora de usufruir né?

VERA: – Mas aonde você vai se encontrar com ele?

PAULA: – Na empresa dele! Sempre tive vontade de conhecer a tal refinaria de petróleo que ele trabalha. Já me informei de tudo: tem um ônibus que sai da rodoviária de Curitiba direto pra Araucária, é uns 40 minutos de viagem. Quando chegar lá, eu pego um táxi até a refinaria e jogo tudo no ventilador!

VANESSA: – Cuida bem o que a senhora for falar hein, depois pode ser usado contra a gente.

PAULA: – Querida, eu vou esfregar o teste de DNA na cara dele se for preciso e quero ver o sobrenome Trajano nesse bebezinho lindo!

Vera ri e abraça Paula, que sai da mansão ansiosa para encontrar com Ricardo.

CENA 08: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, INTERIOR, TARDE.

Luiza e Miguel estão almoçando, exaustos após uma manhã intensa de trabalho. A televisão está ligada no telejornal local.

REPÓRTER: – Acaba de ser julgado o geneticista Dr. Vitor Vasconcellos, um dos mais prestigiados da engenharia genética do país. Ele foi acusado por cometer uma troca de embriões em seu laboratório no ano de 2010. Como sentença, o Conselho Regional de Medicina do Paraná decidiu pela cassação do diploma de Medicina e o fechamento temporário da clínica de fertilização. O caso ganhou repercussão mundial através das redes sociais.

Luiza e Miguel se espantam com a notícia e se sentem vingados e satisfeitos.

LUIZA: – Já era a tempo… A justiça foi feita!

MIGUEL: – Queria vê-lo na cadeia, mas não poder exercer a profissão que ele estudou por mais de 10 anos na faculdade já é uma grande punição. Monstro!

Luiza concorda e segue almoçando com o marido.

CENA 09: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, INTERIOR, TARDE.

Marina, Ivan e Olga assistiram a reportagem no telejornal local e ficam chocados, mas muito satisfeitos.

OLGA: – Esse velho merecia era apodrecer atrás das grades! Onde já se viu, brincar com vidas no laboratório!

MARINA: – A cassação do diploma já foi suficiente, Olga, imagina a humilhação que ele está sentindo? Ex-doutor, ex-geneticista, ex-prestigiado…

IVAN: – Agora, ele é apenas Vitor Vasconcellos, nada mais. Vai morrer com esse vexame, ninguém mais vai dar atenção a ele. Foi uma punição justa!

Marina concorda e Olga vai para a cozinha.

CENA 10: REFINARIA PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS REPAR, EXTERIOR, TARDE.

Paula desce do táxi em frente a refina de petróleo em que Ricardo trabalha. Ela se deslumbra com a imensidão da refinaria e com a quantidade caminhões e funcionários que transitam no local.

PAULA: – Jesus, Maria e José! Esse Ricardo Trajano é mais rico que eu pensava!

Paula segue contemplando a paisagem. Logo, ela entra na sede da refinaria, que é acessível a todos, e procura pela sala da presidência.

CENA 11: REFINARIA PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS REPAR, INTERIOR, TARDE.

Paula entra no andar da presidência e vê uma recepcionista, aproximando-se do balcão com uma pose de madame.

RECEPCIONISTA: – Boa tarde, em que posso ajudá-la?

PAULA: – O Ricardo Trajano está?

RECEPCIONISTA: – Está sim, a quem devo apresentar?

PAULA: – Diga que é a sogra dele, é um assunto urgente.

A recepcionista se espanta e olha para Paula, da cabeça aos pés.

RECEPCIONISTA: – Sogra?

PAULA: – Isso mesmo, sogra! Queridinha, vai anunciar ao Ricardo que eu tô aqui querendo falar com ele? Eu tenho hora, minha filha, sou muito ocupada!

A recepcionista se espanta, mas obedece e vai até a sala de Ricardo. Ela bate na porta e entra, em que ele interrompe a leitura de uns documentos.

RECEPCIONISTA: – Dr. Ricardo, tem visita para o senhor. A sua sogra está na recepção, posso mandar entrar?

Ricardo fica intrigado e encara a recepcionista.

RICARDO: – Sogra? Que brincadeira de mau-gosto é essa? A minha sogra já morreu há anos!

RECEPCIONISTA: – Bom, mas tem uma mulher na recepção dizendo que é sua sogra e que quer falar com muita urgência com o senhor.

Ricardo não compreende e levanta de sua cadeira de trabalho, caminhando até a recepção. Ele vê a mulher de costas, mas não a reconhece. Logo, Paula vira-se para Ricardo e ele se espanta.

PAULA: – Boa tarde, Ricardo. Finalmente apareceu! Temos muito que conversar.

RICARDO: – Dona Paula? Mas que palhaçada é essa!

Paula sorri sarcasticamente e Ricardo a encara seriamente.

CENA 12: CLÍNICA DE DR. VITOR, INTERIOR, TARDE.

Dr. Vitor chega do Tribunal de Ética, completamente abatido. Logo na recepção, nota-se que a clínica está vazia, sem nenhum cliente ou funcionário, apenas a sua recepcionista.

RECEPCIONISTA: – Eu assisti o jornal na TV, eu sinto muito, Dr. Vitor.

VITOR: – Não me chame mais de doutor, eu não tenho esse título perante a lei. Você pode ir embora, eu quero ficar sozinho aqui na clínica. Obrigado por tudo!

A recepcionista compreende, pega sua bolsa e vai embora. Dr. Vitor caminha por todas as salas da clínica, com os olhos marejados e lembrando-se da época de faculdade, dos sonhos que tinha, das amizades que fez, dos prêmios que ganhou na sua carreira, do prestigio que conquistou no Brasil e no mundo. Na sua sala de trabalho, o ex-geneticista chora ao ver na parede todos os vários quadros com certificados, honrarias, medalhas, prêmios e homenagens que recebeu ao longo de sua carreira.

VITOR: – Eu morri para o mundo hoje. Eu morri para mim. Estou afogado no oceano da culpa e do arrependimento. Um acerto faz você subir um degrau na vida, mas um erro faz você cair dois degraus. Eu estudei tanto, trabalhei tanto, lutei tanto, mas um erro nada proposital destruiu toda a minha carreira. Eu sou um lixo tóxico, um nada, uma vergonha para a humanidade. Já morri, juridicamente e socialmente, só falta morrer fisicamente. Porque não?

Dr. Vitor limpa as lágrimas de seu rosto e vai até os fundos da clínica, pega um galão de gasolina e começa a espalhar por todas as salas. No chão, nas mesas, nos armários, tudo fica encharcado do líquido inflamável. Desesperado, Dr. Vitor pega uma caixa de fósforo e pensa por alguns instantes para se deve ou não acabar com sua vida e com a clínica. Porém, ele está tão transtornado que não consegue mais se coordenar e risca um fósforo na caixa, observa fixamente a chama do palito.

VITOR: – É o fim! É o meu fim! É o fim da minha história nessa clínica!

Dr. Vitor atira o fósforo em chamas no chão. Em fração se segundos, o fogo se espalha por toda a clínica e o ex-geneticista se vê cercado por chamas.

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