CENA 01: PARQUE BARIGUI, EXTERIOR, NOITE.
Marina chora olhando para o lago e aproxima-se vagarosamente. Ela joga a bolsa no chão e entra nas águas geladas do lago, só até o joelho.
MARINA: – João… Você pediu pra mim ir com você… Pois então, aqui estou, eu vim te encontrar.
Marina chora e vê o rosto de João refletido no fundo do lago. Vagarosamente, ela caminha para o interior do lago, afundando pouco a pouco, até que não dá mais pé. Marina, então, larga seu corpo e afunda nas águas, a fim tirar sua própria vida, tamanho o sofrimento que sente.
CENA 02: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, INTERIOR, NOITE.
Olga está no telefone, ligando para o celular de Marina. Logo, Ivan chega do trabalho e percebe o nervosismo da governanta.
IVAN: – O que houve, Olga? Algum problema?
OLGA: – A Dona Marina tá muito esquisita, Seu Ivan! Ela saiu de casa dizendo que ia se encontrar com o João, pode isso?
IVAN: – Encontrar o João? Mas, como assim?
OLGA: – A sua esposa estava muito aérea, desde a perda da guarda do Davi, ela ficou depressiva. Isso não é bom! Aonde será que ela foi, meu Deus?
IVAN: – Bom, eu só vejo duas opções: o cemitério, no túmulo do João; ou o lago, aonde o João morreu.
OLGA: – Santo Cristo… Pela cara da Dona Marina, eu acho que é no lago! Acho que aquele lugar representa o João, mais que o cemitério.
IVAN: – Eu vou pra lá, Olga, qualquer notícia você me liga!
Ivan sai da mansão, enquanto Olga aproxima-se do altar para rezar.
CENA 03: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, QUARTO DE LUIZA E MIGUEL, INTERIOR, NOITE.
Luiza e Miguel estão deitados na cama, assistindo TV, embaixo do cobertor. Logo, Davi bate na porta e entra no quarto, cabisbaixo.
DAVI: – Desculpem?
MIGUEL: – Tá arrependido?
DAVI: – Sim, eu não quero ficar brigado com vocês.
LUIZA: – Tá bom, meu amorzinho, tá desculpado!
DAVI: – Ufa, que bom! E eu posso dormir com vocês?
MIGUEL: – Claro que pode, vem cá!
Davi sobe na cama e deita no meio de Luiza e Miguel, sendo abraçado pelos dois.
DAVI: – Vocês são os melhores pais do mundo! Eu amo vocês!
Davi dá um beijo no rosto de Luiza e outro em Miguel, ficando feliz por estar ali.
CENA 04: PARQUE BARIGUI, EXTERIOR, NOITE.
Algumas pessoas aproximam-se do lago após notarem que a mulher não retorna a superfície da água. Shirley está caminhando pelo parque, sorridente e sensual. Ela percebe as pessoas em torno do lago e vai até lá.
SHIRLEY: – O que tá rolando por aqui?
MULHER: – Uma mulher se jogou no lago e não apareceu mais, acho que ela tá se afogando.
SHIRLEY: – Meu Deus! E ninguém vai fazer nada, cacete?
HOMEM: – Eu não sei nadar e dizem que esse lago é muito fundo.
SHIRLEY: – Era só o que me faltava… Não tem nenhum macho de verdade pra salvar uma mulher se afogando?
Ninguém se move e Shirley se irrita. Ela joga sua bolsinha no chão e se joga no lago, nadando e procurando a mulher afogada. Todos se surpreendem com a coragem da idosa em pular no lago à noite. Pouco depois, Ivan chega de carro ao parque e nota uma movimentação em torno do lago. Ele corre até lá e vê a bolsa de Marina no chão, entrando em desespero. Logo, Shirley sai de dentro do lago, com Marina nos braços. Ivan corre até a idosa dentro do lago e pega Marina no colo, colocando-a na margem, completamente desacordada, enquanto uma pessoa ajuda Shirley a sair da água.
SHIRLEY: – Meu Deus, esse lago tá pior que a Antártida!
IVAN: – Marina, meu amor, o que você fez! Acorda, fala comigo!
Marina permanece imóvel. Ivan começa a fazer massagem cardíaca e respiração boca a boca, várias e várias vezes, já sem esperança. Shirley fica comovida com o desespero de Ivan, que não desiste e continua a lutar contra o tempo. Até que, inesperadamente, Marina cospe água e tosse, abrindo os olhos.
IVAN: – Meu amor! Graças a Deus! ele acaricia o rosto. – Muito obrigado por salvar a vida da nossa filha, senhora.
SHIRLEY: – Não precisa agradecer, qualquer pessoa com senso de humanidade faria isso.
Shirley encara as pessoas que estavam em volta do lago e não fizeram nada, deixando-as envergonhadas. Marina segue tossindo e cuspindo água, enquanto Ivan comemora e Shirley se emociona, toda encharcada.
CENA 05: MANSÃO DA FAMÍLIA TRAJANO, INTERIOR, MANHÃ.
Miguel entra na sala da mansão a pedido de Heloisa, que o aguarda.
MIGUEL: – Pois não, senhora, em que posso ajudar?
HELOISA: – Miguel, eu te chamei aqui pra fazer um pedido especial. A Pietra está internada no hospital, a saúde dela é grave. O aniversário dela é hoje, tá completando 8 aninhos. Eu e Ricardo conversamos com a doutora e ela permitiu fazermos uma festinha bem pequena no quarto do hospital. Aí eu queria pedir se você poderia levar o Davi, ele é o único amiguinho da Pietra e não se veem há tanto tempo.
MIGUEL: – Poxa, que ideia maravilhosa! O Davi vai adorar reencontrar a Pietra. Bom, mas eu não sabia do aniversário dela, não comprei presente nenhum.
HELOISA: – Não se importe com isso, apenas vá com seu filho no aniversário. Se quiser levar a sua esposa, pode levar também.
MIGUEL: – Tudo bem, obrigado pelo convite. Mas o que a Pietra tem?
HELOISA: – Ela sofreu uma convulsão e o câncer não permite que as células se regenerem e ela melhore. Pode ser o último aniversário da Pietra.
Miguel fica pasmo e Heloisa cabisbaixa, controlando-se para não chorar. Ele põe a mão no ombro dela e sai da mansão, deixando-a pensativa.
CENA 06: PENSÃO TITITI, INTERIOR, MANHÃ.
Antonia está varrendo a sala da pensão, quando Vera entra com uma sacola de verduras.
VERA: – Antonia querida, não se fala em outra coisa lá na feira a não ser na heroína da Shirley!
ANTONIA: – Heroína? E desde quando essa louca é heroína?
VERA: – A Shirley salvou a vida de uma mulher! Ela estava se afogando e a Shirley tirou ela da água. Tô chocada com isso!
ANTONIA: – Me poupe, Vera, isso é invenção dessa velha!
Shirley desce as escadas da pensão com seu roupão escandaloso e aproxima-se da sobrinha.
SHIRLEY: – Pois é a mais pura verdade! Salvei a vida de uma ricaça que tentou se suicidar no Parque Barigui. Se duvida, pegue o jornal e leia. Você sabe ler né?
Antonia se irrita com a ironia e larga a vassoura, pega o jornal no sofá e vê a foto de Shirley na capa com a manchete: “Idosa salva vida da esposa do empresário Ivan Amorim”.
ANTONIA: – Mas… Shirley, eu não imaginava isso! Tô impressionada!
SHIRLEY: – Ninguém teve coragem de pular no lago e salvar essa mulher, só eu! E depois dizem que prostituta só serve pro sexo, tá aí a prova! Nós também somos humanas, às vezes mais humanas que as outras pessoas.
ANTONIA: – Tô sem palavras… Parabéns pela atitude, tia!
VERA: – Chamou de tia? Eu ouvi bem?
Antonia larga o jornal e vai para seu quarto, deixando Shirley e Vera na sala, arrumando as verduras para o almoço.
CENA 07: HOSPITAL, CORREDOR, MANHÃ.
Dra. Clara está caminhando pelo corredor do hospital e vê Ivan sentando num banco. Ela aproxima-se, surpresa.
CLARA: – Seu Ivan? O senhor por aqui?
IVAN: – Clara, quanto tempo! ele a abraça e logo se afasta. – Como você tá?
CLARA: – Estou bem, e você? Porque está no hospital?
IVAN: – Aconteceu uma tragédia, Clara… A Marina tentou o suicídio.
CLARA: – Nossa! Que coisa terrível! Ela está aqui no quarto? Vou conversar com ela…
Ivan concorda e entra com Dra. Clara no quarto.
CENA 08: HOSPITAL, QUARTO DE MARINA, INTERIOR, MANHÃ.
Dra. Clara entra no quarto e vê Marina deitada na maca, com aparelhos ligados a seu corpo. Marina sorri e a ex-nora segura em sua mão.
MARINA: – Clara, minha querida, quanto tempo!
CLARA: – Pois é, um tempão mesmo! E que susto foi esse hein? O Seu Ivan me contou…
MARINA: – Ah, eu fiquei fora de mim, Clara… Eu perdi a guarda do Davi, o irmão gêmeo do João que foi criado por outra família. Sonhei com o João e ele me chamava, isso me deixou transtornada. A morte me pareceu a melhor saída.
IVAN: – Não repita mais isso, Marina! Tirar a própria vida é uma perversidade consigo mesmo.
CLARA: – Dona Marina, a senhora não pode continuar desse jeito. Já fazem 5 anos da morte do João, a senhora não pode remoer esse luto pela eternidade. Eu não sei como é a dor de perder um filho porque eu ainda não sou mãe, mas eu sei que essa dor é incalculável e interminável. Porém, é necessário encontrar meios de superá-la. A vida continua e o luto tem que passar.
MARINA: – Eu pensei que o luto tinha acabado quando eu conheci o Davi, mas agora que eu perdi a guarda dele, parece que o luto voltou e duas vezes maior.
CLARA: – Bom, agora eu vou falar como médica, não mais como ex-nora: procure um psicanalista. Vai ser bom à senhora desabafar com um especialista, ele vai te receitar algum remédio, tenho certeza que logo a senhora melhorará desse luto.
MARINA: – Mas eu não sou louca pra precisar de um psicanalista!
IVAN: – E quem disse que só os loucos frequentam psicanalistas, meu amor? Qualquer pessoa pode frequentar, é normal e aconselhável.
CLARA: – Com certeza, Seu Ivan. O luto é um processo natural de todas as pessoas ao perderem um ente querido, mas quando o período de duração é muito grande, o luto vira doença. A senhora está doente de luto, Dona Marina. Procure ajuda, vai te fazer bem.
Marina sorri timidamente, sentindo uma profunda tristeza. Dra. Clara se despede e sai da sala, deixando-a com Ivan.
CENA 09: HOSPITAL, QUARTO DE PIETRA, INTERIOR, MANHÃ.
Um bolo de aniversário pequeno, com uma vela de número 8 acesa, está sob a maca de Pietra. Heloisa, Ricardo, Inês, Davi, Luiza e Miguel batem palmas.
TODOS: – Parabéns pra você! Nessa data querida! Muitas felicidades! Muitos anos de vida! Viva a Pietra! Viva!
Todos aplaudem e Pietra sorri, assoprando a vela.
DAVI: – Tem que fazer um pedido quando assopra a velinha!
PIETRA: – Eu sei, já pedi: que nasçam cabelos compridos em mim, não gosto de ser careca. E que eu melhore dessa doença chata.
Heloisa e Ricardo se olham, angustiados. Inês começa a cortar o bolo e serve para todo mundo. Davi está sentado ao lado de Pietra na maca, ambos felizes por se reencontrarem.
PIETRA: – A gente ficou sem se ver por muito tempo né… Porque você sumiu?
DAVI: – Eu descobri que tenho duas mães e dois pais, aí eu fui morar um tempo com a outra família.
PIETRA: – Duas mães e dois pais? Que loucura é essa? Nunca vi isso…
DAVI: – Nem eu, mas eu tenho. É legal, mas é complicadinho também. Porque você tá no hospital?
PIETRA: – Eu passei mal, mas eu tô melhorando, logo eu volto pra casa. Quero que você me visite e a gente vai brincar muito!
Davi concorda e eles seguem comendo o bolo. Heloisa, Ricardo, Luiza e Miguel os observam de longe, comendo bolo também.
RICARDO: – Muito obrigado por trazerem o Davi, a Pietra ficou muito contente.
MIGUEL: – Não precisa agradecer, a Pietra merece!
LUIZA: – Quando o Miguel me falou, eu fui correndo comprar um presente. Não é grande coisa, mas é de coração.
HELOISA: – Ai, não precisava se incomodar. Venha, vamos entregar pra ela.
Luiza concorda e vai até a maca com Heloisa. Ela entrega a Pietra o presente e a menina abre com entusiasmo. Ao ver o presente, ela grita de alegria: era uma peruca, de cabelos castanhos. Pietra põe a peruca e deixa todos emocionados.
PIETRA: – Mamãe, tira uma foto? Eu quero ter uma foto com cabelo!
LUIZA: – Deixa que eu tiro a foto, se reúnam todos em volta da Pietra.
Heloisa dá a Luiza à câmera fotográfica. Ela, Ricardo, Inês e Davi ficam ao lado de Pietra na maca e Luiza tira uma foto, registrando aquele momento de alegria.
CENA 10: FÓRUM, EXTERIOR, TARDE.
Paula e Vanessa chegam ao fórum e encontram-se com Dr. Bruno, que é o advogado delas na reivindicação de paternidade de Ricardo.
BRUNO: – Boa tarde, senhoras. Preparadas para a audiência?
VANESSA: – Tô muito nervosa!
PAULA: – Eu tô tranquilíssima, só vim aqui pra saber qual o dia do depósito da primeira pensão que o Ricardo vai pagar.
BRUNO: – O juiz ainda não abriu o exame de DNA, Dona Paula…
PAULA: – E nem precisa, eu já sei o resultado. Ou você tá insinuando que a minha filha é uma periguete que andou com vários homens a ponto de não saber o pai do próprio filho?
BRUNO: – Não, de forma alguma! Vamos entrar no fórum, eu preciso explicar alguns procedimentos jurídicos para as senhoras.
Paula e Vanessa compreendem e entram com Dr. Bruno no fórum, que está pasmo com a baixaria das clientes.
CENA 11: HOSPITAL, CORREDOR, TARDE.
Luiza, Miguel e Davi caminham pelos corredores do hospital, quando esbarram em Ivan por acaso. Davi fica feliz e abraça Ivan, deixando Luiza e Miguel incomodados.
IVAN: – Oh, meu filho, como você está?
DAVI: – Tô bem e você? Tá fazendo o que no hospital?
IVAN: – A sua mãe tá internada no hospital. Quer vê-la?
LUIZA: – A Marina? O que houve com ela?
IVAN: – Venham comigo, vamos ao quarto dela.
Ivan pega Davi no colo e caminha em direção ao quarto, sendo seguido pelo casal.
CENA 12: HOSPITAL, QUARTO DE MARINA, INTERIOR, TARDE.
Marina abre um enorme sorriso ao ver Ivan entrar no quarto com Davi no colo. Ele senta na maca ao lado da mãe e beija o rosto dela. Luiza e Miguel entram em seguida.
MARINA: – Davi, meu anjo, que ótimo vê-lo aqui!
DAVI: – Eu vim pro aniversário de uma amiguinha que tá internada no hospital, aí encontrei o papai Ivan.
Miguel incomoda-se, mas se cala. Marina vê ambos e sorri timidamente.
MARINA: – Olá, Luiza e Miguel. Como estão?
LUIZA: – Estamos bem. E você? Porque está internada?
MARINA: – Eu me afoguei no lago do Parque Barigui.
MIGUEL: – Eu li a notícia no jornal, eu sinto muito.
MARINA: – Eu queria ler esse jornal também, quero saber o nome da idosa que me retirou do lago. Se não fosse por ela, eu teria morrido.
LUIZA: – Nós conhecemos a idosa que te salvou, ela mora perto de casa. Bom, nós não convivemos com ela, mas a sobrinha dela é amiga da nossa família.
IVAN: – Nossa, que coincidência, esse mundo é pequeno mesmo! Nós queremos agradecer por esse gesto de humanidade e dar uma recompensa.
MIGUEL: – Ela atende pelo apelido de Shirley, mora numa pensão na rua ao lado da nossa casa.
MARINA: – Assim que eu melhorar eu vou procurá-la. E você, Davi, como está? Sente saudades de morar conosco?
DAVI: – Tô bem! Eu tenho saudades sim, era muito bom morar lá, mas eu tô gostando muito de voltar a morar com a mamãe Luiza e com o papai Miguel.
Marina e Ivan sentem-se incomodados, mas se calam e sorriem. Logo, Dra. Clara entra no quarto e vê Davi sentado na maca de Marina. Imediatamente, ela lembra-se de João, seu namorado, e seus olhos ficam marejados.
CLARA: – Olha só quem está aqui… Davi, não é?
DAVI: – Sou sim, como você sabe meu nome?
CLARA: – Eu me lembro de você. Eu tratei de você quando foi atropelado, há muito tempo atrás. E sabia que eu fui namorada do seu irmão gêmeo?
DAVI: – Namorada? Você namorou o João?
CLARA: – Sim, eu fui namorada dele por muito tempo. Eu o amava muito!
DAVI: – Ele era legal?
CLARA: – Era sim, o João era muito simpático e brincalhão, vocês iam se dar muito bem.
IVAN: – O Davi é idêntico ao João, né Clara?
CLARA: – É sim, são gêmeos mesmo. O Davi é uma “miniatura” do João. Posso te dar um abraço?
Davi aceita e abraça Clara, que deixa escorrer uma lágrima. Marina e Ivan se emocionam, enquanto Luiza e Miguel tentam compreender tudo aquilo.
MARINA: – Luiza e Miguel, eu gostaria de falar umas coisas pra vocês. Bom, eu não sei por onde começar e nem como falar, mas enfim… Eu queria pedir perdão pra vocês.
Luiza e Miguel se surpreendem e não sabem o que falar. Ivan também se surpreende, pois não esperava essa atitude da esposa. Clara pega Davi no colo e sai do quarto.
MARINA: – Eu fui muito injusta esse tempo todo com vocês. Fui egoísta e possessiva com meu amor pelo Davi. Eu não sou uma pessoa má, mas eu não tive atitudes legais com vocês dois. Ter um filho morto é a maior dor do mundo para uma mãe e, quando eu conheci o Davi, eu depositei nele todas as possibilidades da minha vida. Se eu errei, foi por amor materno, não foi por maldade. Se eu pareci um monstro, foi por descontrole emocional. A morte do meu filho me deixou descontrolada e eu acabei descontando em vocês, que não tem culpa nenhuma. Eu só queria um pouquinho do amor do Davi, sabe, eu queria me sentir amada por ele… ela começa a chorar. – Me perdoem? Eu me envergonho de ter sido injusta com vocês!
Luiza e Miguel seguem imóveis e calados, surpresos com tudo, assim como Ivan. Vagarosamente, Luiza se aproxima da maca de Marina e segura na mão dela, ambas se olham fixamente enquanto se acariciam as mãos.
LUIZA: – Eu também sou mãe e pelo Davi eu sou capaz de tudo. Mesmo não tendo um filho falecido, eu me coloco no seu lugar e te entendo. Acho que no seu lugar, eu faria o mesmo. Mas você ignorou a importância minha e do Miguel na vida do Davi, mas nós também ignoramos o seu sentimento pela criança. Toda essa história de troca de embriões, de genética, de afetos, essa troca-troca de famílias, isso tudo me deixou muito mal. Eu sofri muito, Marina! Eu e o Miguel não merecíamos isso. É difícil te perdoar, mas eu confesso que entendo a sua situação. Da mesma forma que você só queria ser amada pelo Davi, eu só queria que você e o Ivan entendessem que eu e o Miguel somos pais do Davi e que somos importantes pra ele.
MARINA: – Nós entendemos isso sim, Luiza. Saibam que eu não me afoguei no lago ontem, como saiu no jornal. Na verdade, eu tentei me matar! E com toda essa situação que eu tô passando agora, eu parei pra pensar sobre a nossa história com o Davi. Por isso, chegou a hora de pedir perdão por ter sido injusta com vocês.
IVAN: – Eu também tenho que pedir perdão a vocês. Ignorei-os na vida do Davi, vocês são tão pais dele quanto eu e a Marina, quem sabe até mais!
Luiza e Miguel se olham, surpresos. Marina limpa as lágrimas e Ivan aguarda uma resposta.
MIGUEL: – Vamos dar tempo ao tempo. Perdão é um sentimento nobre, mas não é fácil de ser sentido. Eu e a Luiza ainda estamos machucados com toda essa história, mas compreendemos vocês dois e ficamos felizes em saber que, finalmente, vocês nos compreendem também. Mas perdoar não é fácil e simples, então vamos dar tempo ao tempo.
Marina e Ivan compreendem, enquanto Luiza e Miguel se despedem e saem do quarto hospitalar, abalados com a conversa que tiveram.
CENA 13: FÓRUM, SALA DE AUDIÊNCIA, INTERIOR, TARDE.
Ricardo está sentado à direita da mesa com o seu advogado, Dr. Samuel. Vanessa está à esquerda da mesa, juntamente com Dr. Bruno, seu advogado. Paula e a outra testemunha estão sentadas no fundo da sala. Minutos depois, Armando Ramos entra na sala e todos ficam em pé. Após ele sentar, todos sentam.
ARMANDO: – Estamos reunidos nesta tarde para resolver o processo de reconhecimento de paternidade movido pelo advogado Dr. Bruno Quadros, em que sua cliente, Vanessa da Silva, acusa Ricardo Trajano de ser o pai do seu filho. Passo a palavra aos senhores advogados.
Ricardo e Vanessa se encaram, aflitos. Paula observa os dois, rezando para seu golpe dar certo.
BRUNO: – Meritíssimo, minha cliente está passando por uma situação embaraçosa ao extremo. Além de ter sua palavra posta em dúvida, a sua amorim está em discussão também. A Vanessa da Silva, além de ter sido enganada pelo Ricardo Trajano, ela teve que privar o filho de tititis e necessidades por não ter dinheiro para bancar, mesmo com o pai do bebê tendo condições financeiras de auxiliá-la.
SAMUEL: – Meritíssimo, o meu cliente está sofrendo as consequências de uma mentira, um verdadeiro golpe. O Ricardo Trajano jamais teve um caso com a Vanessa da Silva, esse filho não é dele e sua amorim está sendo manchada por esse escândalo.
PAULA: – Palhaçada! Você não sabe o que diz!
ARMANDO: – Silêncio! ele bate o martelo e ela se cala. – A senhora se pronuncie apenas quando for solicitada. Preste seu depoimento, Vanessa da Silva.
Vanessa respira fundo e tenta encontrar as palavras certas, olhando para Paula, que faz sinal para ela falar.
VANESSA: – Senhor juiz, eu me sinto humilhada nessa audiência. Estar diante do homem que eu amei sem saber que era casado, é terrível pra mim. Esse bebê é fruto de uma traição, isso me choca. Eu e o Ricardo nos conhecemos há alguns meses, nós tivemos um romance em Araucária. A gente se encontrava no apartamento dele quase todos os dias. Ele fazia juras de amor, nós fazíamos planos para o futuro, falávamos até em casamento! O Ricardo parecia tão sincero, como eu podia saber que era mentira? Mas era… Eu fui iludida, Meritíssimo! Iludida por um homem cafajeste, que se aproveitou da minha inocência e abusou de mim!
RICARDO: – Tá maluca, garota? Meça suas palavras!
ASTROGILDA: – Silêncio! ele bate o martelo. – Espere sua vez de depor. Vanessa da Silva, quando a senhora diz que foi abusada, está se referindo a abuso sexual?
VANESSA: – Ah não, isso não! Abuso no sentido de enganar, envolver, seduzir… Isso!
ARMANDO: – Compreendo… Agora, é a sua vez, Ricardo Trajano. O que o senhor tem a dizer?
Vanessa arruma se decote e Paula observa Ricardo fixamente.
RICARDO: – Desde quando a Paula foi ao meu trabalho me acusar de ser o pai dessa criança, eu fiquei perplexo. Eu nunca traí a minha esposa, Meritíssimo, isso é impossível. Eu tenho convicção das minhas atitudes, eu tenho certeza absoluta que nunca tive relação sexual com essa… ele encara Vanessa e pensa num termo pejorativo, mas resolve não dizer. Essa moça! Isso é um golpe, arquitetado pela mãe da Vanessa, a Paula. Ela foi empregada na minha casa por pouco mais de um mês, percebeu o meu patrimônio financeiro e quis aplicar o velho golpe da barriga.
PAULA: – Safado! Eu vou te processar por calúnia hein!
ARMANDO: – Silêncio! ele bate o martelo. – A senhora não interfira mais na audiência ou será retirada da sala.
PAULA: – Perdão, Meritíssimo, mas eu não suporto ver injustiça.
ARMANDO: – Então, pode vir depor, é a sua vez, Paula da Silva.
Paula levanta-se e caminha até a mesa, sentando e cruzando as pernas, dando uma piscada de olho para Ricardo, que se irrita.
PAULA: – Meritíssimo, a minha filha é uma vítima da perversão sexual do Ricardo. A Vanessa é a jovem mais meiga e pura que eu conheci na vida. Não digo isso apenas por ser minha filha, mas porque ela é realmente uma mulher digna! Aí apareceu o Ricardo, com seu porte sedutor, e conquistou a Vanessa com sua lábia. Eu não sabia do caso da minha filha com o meu patrão, fiquei surpresa quando ela me contou que estava grávida dele. Mas aí já era tarde… O Ricardo é um canalha de primeira, se recusou a reconhecer a criança desde o início. Na hora do “rala e rola”, tudo foi lindo, mas na hora de cumprir com as responsabilidades, ele escapa como o diabo foge da cruz.
Todos se impressionam com a informalidade de Paula, principalmente o juiz. Com o fim do depoimento, ela retorna ao fundo da sala. A testemunha de Ricardo se aproxima da mesa, um homem bem simples e de meia-idade.
HOMEM: – Eu sou o porteiro do prédio aonde o Seu Ricardo tem um apartamento em Araucária. Ele é um homem trabalhador e respeitador, nunca o vi chegar com mulher alguma no prédio. A única vez que ele dormiu acompanhado foi quando a esposa e a filha foram passar uns dias com ele na cidade. Eu posso afirmar, com toda certeza, que a Vanessa nunca esteve no prédio.
ARMANDO: – Ok, pode retornar a sua cadeira. Bom, vamos abrir o exame de DNA para termos a prova final.
O porteiro levanta e senta no fundo da sala, ao lado de Paula. O juiz pega o exame e abre na frente de todos. Vanessa soa frio, Paula rói as unhas e Ricardo está tenso.
ARMANDO: – Diante do exame de DNA realizado por uma clínica conceituada do Paraná, foi comprovado que Ricardo Trajano não é o pai do bebê de Vanessa da Silva, sendo recusado o pedido de reconhecimento de paternidade.
Ricardo sorri e respira aliviado, enquanto Vanessa está boquiaberta. Paula levanta e fica em frente à mesa do juiz.
PAULA: – Que palhaçada é essa? Como assim, o Ricardo não é o pai? É claro que ele é o pai!
ARMANDO: – O exame de DNA provou que ele não tem ligação sanguínea alguma com o seu neto.
PAULA: – Não é possível… Vanessa, eu não acredito nisso! Diz alguma coisa, garota! Vanessa fica cabisbaixa. – Senhor juiz, você leu direito? Limpa o vidro dos óculos, pode estar embaçado!
ARMANDO: – Senhora, por favor, acalme-se! Quero avisar que o Ricardo Trajano tem o direito de mover um processo de danos morais contra Vanessa da Silva.
RICARDO: – Não será necessário, Meritíssimo, ela já vai ter muita conta pra pagar. A Vanessa e a Paula gastaram rios de dinheiro contando com a minha pensão, mas o golpe foi por água abaixo. Duas golpistas amadoras!
PAULA: – Ah, seu ordinário, você me paga!
Paula sobe em cima da mesa do fórum e avança em Ricardo, puxando seu cabelo. Todos estão chocados e levantam-se da mesa. Paula empurra Ricardo, que cai da cadeira e ela cai em cima dele, desferindo bofetadas pelo corpo enquanto ele tenta se defender.