CENA 01: FÓRUM, SALA DE AUDIÊNCIA, INTERIOR, TARDE.
Dr. Bruno, advogado de Marina e Ivan, questiona Dr. Vitor.
BRUNO: – Dr. Vitor Vasconcellos, gostaria de questioná-lo sobre o papel de Luiza Amaral e Miguel Amaral na vida de Davi Amaral. Em sua opinião, com quem deve ficar a guarda da criança?
Dr. Vitor sente-se encurralado com aquela pergunta, observando com aflição para Marina, Ivan, Luiza e Miguel, que aguardam sua resposta.
VITOR: – Do ponto de vista da ciência, Luiza foi uma barriga de aluguel, mesmo sem saber que era. Ela gerou um embrião que não possui vínculos genéticos algum com ela. O Davi é fruto de uma reprodução assistida feita em 1990, cujo João Amorim também é fruto dela. João e Davi são irmãos gêmeos, mesmo tendo nascidos com 20 anos de diferença e sendo gerados por mulheres diferentes. Entre João e Davi, não há diferença genética alguma. Desta forma, eu afirmo que a guarda de Davi Amaral deve ser passada para Marina e Ivan, eles sãos os verdadeiros pais. O embrião de Luiza e Miguel está congelado na clínica, basta eles solicitarem a inseminação.
Marina e Ivan comemoram o apoio do geneticista, enquanto Luiza e Miguel estão furiosos com a declaração dele. O juiz bate o martelo e pede para a testemunha se retirar. Dr. Vitor sai da sala, tenso.
ARMANDO: – Tem a palavra o senhor advogado, Dr. Samuel Ferraz.
SAMUEL: – Obrigado, Meritíssimo. Que entre a testemunha, Antonia Fernandes.
Luiza e Miguel ficam confiantes no testemunho de Antonia, que entra na sala vestindo uma roupa nada extravagante, diferente do comum. Marina e Ivan estranham a mulher, pois a desconhecem.
SAMUEL: – Dona Antonia Fernandes, a senhora poderia explicar ao Meritíssimo Armando Ramos qual a sua relação com Luiza Amaral e Miguel Amaral? E como é a vida de Davi Amaral com o casal?
ANTONIA: – Bom, eu sempre fui muito amiga da mãe da Luiza, a falecida Cecília. A Luiza também é minha amiga, assim como o Miguel. Os dois são pessoas maravilhosas, Meritíssimo. Trabalhadores, honestos, caráter bom e tem excelente fama pelas redondezas. Nunca vi a nome de nenhum deles envolvido em briga, escândalo, crime, nada disso! E o Davi, gente, ele é um amor de criança! Um fofo! Muito bem criado pela falecida avó e, principalmente, pelos pais. Luiza e Miguel são ótimos pais para o Davi, são presentes, carinhosos e educadores. O Davi ama os pais, assim como os pais o amam. Sinceramente, eu não vejo motivo algum para um julgamento desses! Se houve esse negócio de troca de embriões, a Luiza e o Miguel não têm que pagar por isso, quem trocou foi o geneticista! O papel de mãe e pai deles jamais pode ser subestimado por ligações sanguíneas. Se fosse por isso, não haveria adoção no mundo, pois todas as pessoas teriam medo de adotar e sofrerem calúnias por não terem o mesmo sangue dos filhos e, consequentemente, seus papéis são inferiores.
O juiz compreende e bate o martelo, liberando a testemunha, que sai da sala.
ARMANDO: – Algum dos advogados tem outra testemunha?
SAMUEL: – Eu não, Meritíssimo.
BRUNO: – Eu tenho, Meritíssimo. Peço que entre a testemunha, Olga Campos.
Olga entra na sala, nervosa, e senta calada na ponta da mesa.
CENA 02: PENSÃO TITITI, QUARTO DE PAULA E VANESSA, INTERIOR, TARDE.
Paula entrega para Vanessa um envelope com as camisinhas usadas por Ricardo.
PAULA: – Vai lá ao banheiro, aproveita que estamos sozinhas na pensão.
VANESSA: – Ai mãe, eu já tô cansada de fazer isso! Quando eu vou engravidar hein?
PAULA: – Quando você acertar a pontaria! Vai logo, imbecil!
VANESSA: – Tem certeza que esse negócio de me “inseminar” com as camisinhas do milionário adianta alguma coisa? Dizem que o espermatozoide morre depois que sai do corpo do homem.
PAULA: – Minha filha, eu tô por dentro de tudo! O espermatozoide dura em média 24 horas fora do pênis, mas como eu coloquei o envelope com as camisinhas dentro do freezer da madame, os espermatozoides ficaram conservados, igual nas clínicas de fertilização. Claro que tem um prazo de validade também, mas agora tá vivo ainda.
VANESSA: – Tem certeza que ninguém viu a senhora roubando as camisinhas nem colocando no freezer? Olha que isso pode dar confusão pro nosso lado!
PAULA: – Para de falar! Vai pro banheiro e se “insemine”!
Vanessa sai correndo para o banheiro com o envelope, enquanto Paula deita na cama, exausta após trabalhar na mansão.
CENA 03: FÓRUM, SALA DE AUDIÊNCIA, INTERIOR, TARDE.
Olga começa a depor, um pouco tensa.
OLGA: – Eu sou governanta na mansão da Família Amorim há muitos anos. Ajudei a criar o João como se fosse meu filho. Fiquei muito abalada com a morte dele, foi tão cruel e injusto. Aí a Dona Marina e o Seu Ivan resolveram gerar o embrião congelado, eu achei uma loucura, gerar o gêmeo do João depois que ele morreu. No meu tempo, não tinha essas coisas, eu fico muito impressionada. De repente, aparece essa troca de embrião, que o gêmeo já foi gerado por outra mulher e etc… foi uma confusão! Eu acompanho a angústia dos meus patrões dia após dia pela incerteza do futuro.
BRUNO: – Na sua visão, quem tem mais direitos sobre o menor Davi Amaral?
OLGA: – Sinceramente? Acho que é 50% para cada casal. O Davi tem o sangue da Dona Marina e o Seu Ivan, sendo que é irmão gêmeo do João. Eu já vi o menino, é a cara do falecido! Porém, o Davi foi criado pela Luiza e Miguel, ele ama esses pais, não dá pra negar tudo o que foi vivido nesta família. Por isso, eu fico muito dividida entre qual casal tem mais direitos sobre o Davi, pra mim é 50%.
Marina e Ivan não gostam do que Olga diz, mas Luiza e Miguel ficam contentes por terem o reconhecimento da governanta. O juiz bate o martelo e ela se retira.
ARMANDO: – Alguma observação?
BRUNO: – Sim, Meritíssimo. Gostaria que fosse anexado ao processo uma foto de João Amorim com cinco anos, em 1995, e uma foto de Davi Amaral com cinco anos, em 2015. As semelhanças físicas são tão grandes que é impossível negar que houve, de fato, uma troca de embriões.
Dr. Bruno entrega a Meritíssimo Armando as fotografias, impressionando o juiz.
ARMANDO: – Gostaria que todos se retirassem da sala, permitindo que o menor Davi Amaral deponha com a presença apenas dos advogados, do escrivão e de uma psicóloga da Vara de Família.
Todos compreendem e levantam-se, saindo da sala. Do lado de fora, as duas famílias observam Davi entrar na sala ao lado de uma psicóloga. Ele senta na cadeira, sem entender direito o que está acontecendo.
CENA 04: PENSÃO TITITI, INTERIOR, TARDE.
Antonia está chegando à pensão após o depoimento, cansada e tensa. Ela sobe as escadas e vê Gean entrando no banheiro só de toalha o cobrindo da cintura pra baixo. Antonia fica atraída e resolve entrar no banheiro atrás de Gean, mas não percebe que naquele momento, Vera estava saindo de seu quarto com duas malas e vê a dona da pensão entrando no banheiro atrás de Gean.
VERA: – O quê? A Antonia e o Gean? Não acredito… Que fogosos! ela joga as malas para dentro do quarto. – Agora eu tenho um trunfo, da pensão eu não saio!
Vera entra em seu quarto, rindo. Logo, Antonia sai do banheiro, expulsa pelo próprio Gean, que não suporta mais a obsessão dela por ele. Antonia vai para seu quarto, reprimida, enquanto Gean toma seu banho em paz.
CENA 05: FÓRUM, SALA DE AUDIÊNCIA, INTERIOR, TARDE.
Davi está sentado na ponta da mesa, sendo observado pela psicóloga ao longe.
DAVI: – Eu gosto muito dos meus pais. Amo! A mamãe Luiza é muito carinhosa, me leva na escola, faz comidas deliciosas, me faz cafuné antes de dormir. O papai Miguel é um palhaço, ele faz cócegas e dá presentes bem legais quando sobre dinheiro no final do mês. Sinto saudades da vovó Cecília, ela fazia companhia pra mim todos os dias, eu era o único neto dela, tinha muito carinho.
ARMANDO: – Davi, você presenciou alguma briga ou discussão dentro de casa? Seus pais bateram em você alguma vez?
DAVI: – Nunca! Meus pais sempre foram muito bons, eles nunca bateram em mim e também nunca brigaram entre eles.
SAMUEL: – Davi, se de repente você tivesse que morar com outra família, como você se sentiria longe de Luiza e Miguel?
DAVI: – Muito, muito, muito triste! Como eu vou viver longe dos meus pais? Eu morro. Eu não conseguiria viver longe deles, não mesmo.
BRUNO: – Mas e se você fosse obrigado a viver com outra família, se você descobrisse que tem outros pais, você ficaria feliz em conhecer essas pessoas?
PSICÓLOGA: – Meritíssimo, o questionamento do advogado Dr. Bruno Quadros é inadequado e tendencioso. O menor Davi Amaral já respondeu o suficiente.
ARMANDO: – Concordo plenamente, senhora psicóloga. Leve o menor e avise para os casais Amorim e Amaral retornarem à sala.
A psicóloga sai com Davi da sala e, em seguida, Marina e Ivan entram e sentam ao lado de Dr. Bruno, assim como Luiza e Miguel entram e sentam ao lado de Dr. Samuel.
ARMANDO: – Senhores e senhoras, os depoimentos recolhidos de hoje serão analisados após o resultado do exame de DNA que vocês deverão fazer. Amanhã, deve comparecer no mesmo laboratório: Marina Amorim, Ivan Amorim, Luiza Amaral, Miguel Amaral e Davi Amaral, para fazerem a coleta de sangue. Dentro de duas semanas, terei o resultado em mãos e vou analisar juntamente com os depoimentos. Aguardem a intimação para comparecerem novamente ao fórum e obterem o resultado deste julgamento. A sessão está encerrada.
O juiz bate o martelo e todos ficam em pé, exaustos após um dia inteiro no fórum. Pouco a pouco, eles saem da sala em silêncio e tensos com a situação.
CENA 06: FÓRUM, EXTERIOR, TARDE.
Dr. Samuel está conversando com Luiza e Miguel na escadaria em frente ao fórum. Davi brinca com as plantas em frente ao local.
LUIZA: – O julgamento foi bastante tenso!
MIGUEL: – Tive que engolir muitos sapos hoje, vontade de interromper os depoimentos quando falavam calúnias contra nós!
SAMUEL: – Os senhores se comportaram de forma excelente, isso é muito positivo. Os depoimentos de ambas as partes foram bastante importantes, tenho certeza que isso irá pesar na decisão do juiz.
LUIZA: – Eu estou com medo, Dr. Samuel. Sei lá, eu tenho medo que essa troca de embriões seja confirmada e o juiz dê a guarda do Davi ao casal Amorim.
SAMUEL: – Confie em mim, eu estou fazendo o possível para que isso não ocorra. É um caso complexo, à primeira vista o casal Amorim tem mais chances, mas não podemos perder as esperanças.
MIGUEL: – O que o senhor quer dizer com isso? O Davi pode ser reconhecido como filho de Marina e Ivan?
SAMUEL: – Não vamos nos preocupar com fatos que ainda nem aconteceram, Seu Miguel. Eu irei acompanhar os senhores na coleta de sangue amanhã e depois só nos resta aguardar o resultado.
Luiza e Miguel compreendem. Logo, Marina e Ivan saem do fórum com Dr. Bruno e ficam imóveis ao ficarem frente a frente com Luiza, Miguel e Dr. Samuel. Eles se encaram em silêncio, enquanto Davi segue brincando nas plantas.
MARINA: – Eu não quero que fique um clima ruim entre nós, Luiza e Miguel. Eu e o Ivan só estamos fazendo isso por uma questão de justiça.
LUIZA: – Se você acha justo tirar um filho de seus próprios pais, então eu não digo nada.
IVAN: – O Dr. Vitor já confessou várias vezes à troca de embriões, até quando vocês irão negar?
MIGUEL: – Até o exame de DNA, ele vai comprovar isso tudo. Mesmo assim, nós continuaremos sendo pais do Davi.
BRUNO: – Quem decidirá isso é o juiz.
LUIZA: – O juiz não tem poder para mandar nos sentimentos de uma criança. A lei dos homens não é a mesma lei do coração.
SAMUEL: – Vamos parar por aqui, pessoal? É o melhor. Nos encontraremos no laboratório amanhã.
Todos concordam. Dr. Bruno aperta a mão de Dr. Samuel num gesto de respeito profissional e vai embora. Marina e Ivan observam Davi se divertindo e ficam emocionados. Luiza e Miguel percebem e ficam incomodados. Luiza pega Davi no colo e vai embora com Miguel.
CENA 07: PENSÃO TITITI, QUARTO DE VERA, INTERIOR, NOITE.
Antonia entra no quarto sem bater e fica furiosa ao ver Vera deitada na cama.
ANTONIA: – O que a ladra ainda faz na minha pensão? Eu não disse que depois que eu voltasse do fórum, eu queria você na rua?
VERA: – Disse, mas eu não quero ir embora. Não quero e não vou.
ANTONIA: – Mas que petulância e ousadia é essa? Eu vou ligar pra polícia agora, sua marginal!
VERA: – E eu vou contar pra pensão inteira do caso que a senhora tem com o Gean. Agora eu sei como ele paga o aluguel do quarto.
Antonia fica pálida e soa frio com a acusação de Vera, pois jamais esperou ser descoberta.
ANTONIA: – Do que você tá falando, Vera? Tá maluca!
VERA: – Eu vi a senhora entrando no banheiro atrás do Gean, não se faça de desentendida! Que safadeza… Prega de santa e é uma assanhada!
ANTONIA: – Olha como você fala comigo, sua bandida!
VERA: – É bom você cuidar como fala comigo e não me expulsar da pensão, senão eu conto pra todo mundo das suas aventuras sexuais com o garotão do quarto ao lado!
ANTONIA: – Será sua palavra contra a minha, você não tem provas!
VERA: – A senhora também não tem provas que eu roubei, só a senhora viu a ratoeira na minha mão. Também será sua palavra contra a minha pra polícia. Quer arriscar?
Antonia fica furiosa e encara Vera com raiva, saindo correndo do quarto e batendo a porta com força. Vera ri desesperadamente, pois tem um trunfo contra Antonia.
CENA 08: MANSÃO TRAJANO, INTERIOR, NOITE.
Heloisa, Ricardo e Pietra estão jantando, enquanto Paula fica na cozinha ouvindo a conversa dos patrões para descobrir algo sobre Ricardo.
RICARDO: – A refinaria de petróleo está passando por uma leve crise, terei que demitir alguns funcionários.
HELOISA: – Que pena, meu amor… Você volta quando pra Araucária?
RICARDO: – Amanhã. Todos os dias eu vou e volto de Araucária, às vezes eu poso lá, mas eu gosto de vir pra casa e ficar com vocês.
PIETRA: – Você não cansa de viajar todos os dias?
RICARDO: – Um pouco, mas é necessário. Já pensei em a gente se mudar pra Araucária, mas não é possível devido ao seu tratamento, Pietra.
PIETRA: – Culpa minha, como sempre…
HELOISA: – Não diga isso, filha… Sabia que amanhã o Miguel vai trazer o filho dele para brincar contigo?
PIETRA: – Eba, vou ter um amigo!
Pietra levanta da cadeira e vai para seu quarto, feliz. Ricardo segura uma das mãos de Heloisa e a alisa.
RICARDO: – Eu estava pensando no meu apartamento em Araucária: a gente podia ter outro filho né?
HELOISA: – Outro? Por quê?
RICARDO: – Nós sabemos que a vida da Pietra será curta, então um outro filho poderia suprir a falta que ela nos fará.
Heloisa solta à mão de Ricardo e levanta da mesa.
HELOISA: – Nunca mais diga isso! Filho não se substitui como os empregados da sua refinaria!
Ricardo se espanta com a reação de Heloisa, que vai para seu quarto, tensa. Paula permanece na cozinha, pensando em tudo o que ouviu no jantar dos patrões.
CENA 09: LABORATÓRIO, INTERIOR, MANHÃ.
Marina, Ivan, Luiza, Miguel e Davi estão na sala de coleta de sangue no laboratório que o juiz ordenou. Cada um sentado em uma cadeira, um enfermeiro aplica a injeção na veia do braço e retira algumas emeles de sangue. Como toda criança, Davi chora por não querer a “picada” da injeção.
MIGUEL: – Fica tranquilo, filho, isso não vai doer nada, é rapidinho!
Davi acredita no pai, mas tem medo. O enfermeiro aplica a injeção e a criança se segura para não chorar. Após, todos os materiais genéticos são encaminhados para a manipulação, a fim de obter o resultado do exame de DNA.