Luiza e Miguel estão chocados com a semelhança de João e Davi, mas relutam a aceitar que não são pais biológicos da criança.
LUIZA: – Não pode ser… É o Davi!
MARINA: – É o João!
MIGUEL: – Pode muito bem ter havido uma montagem em computador, hoje em dia dá pra manipular muita coisa com as tecnologias!
IVAN: – Parem de negar os fatos e ficarem encontrando formas de fugir! O Davi é nosso filho, o doutor já confessou! Vocês criaram e educaram, mas o sangue que corre nas veias dele é nosso!
LUIZA: – E desde quando uma pessoa é feita só de sangue? Se o doutor cometeu esse erro, problema é dele, agora eu que tenho que pagar? No Davi vocês não tocam! Ele é meu filho sim, se não tiver meu sangue, mas tem o meu coração de mãe!
MIGUEL: – E o meu coração de pai também! Se a gente colocar o Davi nesta sala e pedir pra ele escolher quem são seus pais, ele virá a nós e não a vocês, ele é nosso filho independente do sangue!
MARINA: – Ele é gêmeo do meu filho falecido! Se o João é meu filho, o gêmeo do João também é meu filho!
IVAN: – Exatamente! É melhor nós resolvermos tudo entre nós do que irmos à justiça.
LUIZA: – Preciso ir embora, Miguel… Não suporto mais ficar aqui!
Luiza e Miguel levantam-se, chorando. Marina e Ivan estão tensos e aflitos.
VITOR: – Esperem, nós precisamos chegar a uma conclusão.
LUIZA: – A única conclusão que eu cheguei é que eu me arrependo do dia que pisei nessa clínica. A quantidade absurda de faxinas que eu fiz e de horas extras que o meu marido fez como pedreiro, tudo isso pra pagar esse tratamento e agora descobrirmos que foi tudo inútil? Eu tenho horror ao senhor, Dr. Vitor! Horror!
Luiza atira a fotografia de João criança no rosto do geneticista e sai da clínica com Miguel.
MARINA: – E agora, o que faremos? Eles não aceitam entregar o Davi!
IVAN: – Já era certo que seria difícil, mas agora vejo que será ainda mais. O senhor está de que lado, Dr. Vitor?
VITOR: – Eu? Estou neutro.
MARINA: – O senhor terá que escolher um lado quando for depor ao juiz. Acredito que será do nosso lado, pois como geneticista, com certeza a genética é mais importante para o senhor, não é?
VITOR: – Olha, Dona Marina, já está tarde e eu preciso fechar a clínica. Em breve, nos reunimos novamente. Até logo!
Marina e Ivan saem da sala, deixando Dr. Vitor angustiado. Ele chora, chocado com toda a discussão em sua sala.
VITOR: – Eu destruí duas famílias… Eu sou um monstro!
Dr. Vitor chora compulsivamente, solitário em sua clínica.
CENA 02: CLÍNICA DE DR. VITOR, EXTERIOR, NOITE.
Luiza e Miguel choram dentro do carro estacionado em frente à clínica. É quando Marina e Ivan saem da clínica e avistam o casal do outro lado da rua.
MARINA: – Olha lá a Luiza e o Miguel, eles devem ir pra casa agora! Vamos segui-los?
IVAN: – Será, meu amor? Tenho medo que dê confusão maior…
MARINA: – Vamos seguir sim, precisamos saber onde eles moram e conhecer o nosso filho! Se a gente não ver a criança hoje, pelo menos sabemos aonde eles moram.
Ivan concorda e entra no carro com Marina. Quando Miguel sai com seu carro, Ivan segue atrás, cauteloso pra não ser descoberto.
CENA 03: PENSÃO TITITI, INTERIOR, NOITE.
Antonia serve uma o jantar para os hóspedes. Vera e Gean se servem, pois já estão acostumados com a comida razoável. Já Paula e Vanessa olham com nojo.
ANTONIA: – Que foi, queridinhas? Não gostaram do menu?
PAULA: – Eu não vou comer essa lavagem de porco!
ANTONIA: – Não tem problema, tem espiga de milho na cozinha, é ótimo pra uma galinha como você.
PAULA: – Que audácia é essa, Antonia? Tá pedindo pra apanhar né!
ANTONIA: – E você tá pedindo pra ser colocada na rua outra vez né? Coma e fique quieta!
GEAN: – Não reclamem, já teve cardápios piores…
VANESSA: – Ai, esse cheiro tá me embrulhando o estômago, eu acho que vou comprar um cachorro-quente pra mim.
PAULA: – Ótimo, traz um pra mim também, leva pro nosso quarto.
Paula tira do bolso de sua calça jeans uma nota de vinte reais e dá para Vanessa, mas Antonia corre até a jovem e arranca o dinheiro de sua mão.
ANTONIA: – Não tem cachorro-quente, não! Primeiro é o aluguel do quarto!
VANESSA: – Poxa Antonia, eu estou tentando ser simpática com a senhora, mas é muita provação! Estou irritada!
ANTONIA: – É? Então, vai chupar um cubo de gelo que passa, mas o dinheiro fica comigo!
Antonia põem os vinte reais dentro de seu sutiã e vai para a cozinha. Paula e Vanessa se irritam e sabem para o quarto, sem jantar.
CENA 04: RUA, EXTERIOR, NOITE.
Miguel estaciona seu carro em frente à sua casa. Ele e Luiza descem, nitidamente abalados. Um pouco atrás, Ivan estaciona seu carro e permanece dentro junto com Marina, que observam o casal.
MARINA: – Então, é nesse lugar que eles moram?
IVAN: – São uma família humilde de verdade, não mentiram quando disseram na clínica.
Marina e Ivan permanecem observando Luiza e Miguel de longo. É quando Davi sai correndo de dentro de casa ao ver os pais e pula no colo de Luiza, dando beijos no rosto da mãe.
Naquele instante, uma sensação de alegria e amor invadem os corações de Marina e Ivan, pois estão vendo pela primeira vez o gêmeo de João.
MARINA: – É o Davi, Ivan! Só pode ser o Davi! Nosso filho…
IVAN: – Mesmo de longe, dá pra perceber que ele é idêntico ao João com essa idade. Como eu queria tocá-lo…
MARINA: – Vamos lá agora!
IVAN: – Não! Isso causará mais confusão, vamos com calma, Marina… se quisermos ter o Davi reconhecido como nosso filho, não podemos extrapolar, aos olhos da lei isso pode nos prejudicar.
Marina fica angustiada, mas permanece dentro do carro, chorando de emoção. Ela e o marido veem o imenso carinho que Davi tem por Luiza e Miguel, em que os três entram de mãos dadas em casa. Logo depois, Ivan parte com seu veículo para a mansão, transtornado com o que viram.
CENA 05: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, INTERIOR, NOITE.
Marina e Ivan entram em casa, limpando as lágrimas. Olga entra na sala ao ouvir da cozinha os passos deles.
OLGA: – E então, como foi lá na clínica? Eu estava apreensiva aqui na mansão, esperando uma notícia.
MARINA: – Foi péssimo, Olga. A gente conheceu a família que criou o gêmeo do João, mas eles não querem aceitar a situação.
IVAN: – São pessoas agressivas, que não sabem se colocar no nosso lugar. Nós mostramos a foto do João com cinco anos, mesma idade do gêmeo que está com eles, acredita que até eles confundiram os dois quando viram a fotografia? E mesmo assim, eles negam.
OLGA: – Ah, mas os senhores também tem que entender o lado deles, afinal eles criaram e amaram essa criança até hoje, jamais suspeitaram que não era filho deles, deve ser muito difícil descobrir que não é pai de um filho após tantos anos.
MARINA: – De que lado você está, Olga? Do nosso ou dos outros?
OLGA: – Eu estou de lado de vocês, claro, mas nem por isso eu fecho os olhos pra outra família, ela tem uma história de vida com essa criança, vocês não percebem isso?
MARINA: – Eu percebo que eu sofro com a morte do João até hoje, que minha vida ficou sem sentido algum após a partida prematura dele. Somente essa criança poderá trazer o sentido da vida a mim, Olga, eu não abro mão do meu filho perdido!
Olga fica calada. Ivan e Marina sobem ao quarto e tentam dormir após a noite difícil.
CENA 06: AEROPORTO INTERNACIONAL DE BOSTON, ESTADOS UNIDOS, EXTERIOR, MANHÃ.
Heloisa, Ricardo e Pietra desembarcam do avião em Boston, a capital do estado de Massachusetts, no nordeste dos Estados Unidos da América EUA. É outono, a estação da “queda das folhas” no Hemisfério Norte do planeta, oscilando temperaturas entre frio e calor. Pietra se deslumbra com o tamanho do Aeroporto Internacional de Boston e com as pessoas conversando em inglês. Ela caminha sempre de mãos dadas com Heloisa, que ao caminhar pelo aeroporto, relembra a última vez que esteve em Boston, antes de Pietra nascer, numa temporada romântica de férias com Ricardo.
CENA 07: HOTEL, BOSTON EUA, INTERIOR, MANHÃ.
No quarto de hotel no centro de Boston, de frente para o Oceano Atlântico, a família arruma suas malas no guarda-roupa. Pietra observa a paisagem pela janela do quarto, encantada com a imensidão do oceano e com os parques de árvores com folhas secas que rodeiam a região.
PIETRA: – Que lugar lindo! Eu não pensei que Boston fosse tão lindo, esse nome é esquisito.
RICARDO: – Por isso, não devemos julgar pela aparência. O nome pode ser esquisito, mas a cidade é maravilhosa!
HELOISA: – Tem muita coisa pra você conhecer aqui, tenho certeza que você vai gostar!
PIETRA: – Tem neve? É que uma vez eu vi na televisão que nos Estados Unidos cai neve.
RICARDO: – Neva muito em Boston, mas no inverno. Agora é outono aqui, meu amor, não tem neve.
PIETRA: – Poxa, eu queria muito conhecer a neve. Vocês me trazem aqui quando for inverno?
HELOISA: – Mas meu anjo, não cai neve só aqui, em vários lugares do mundo. Pertinho do Brasil mesmo, é só a gente ir à Argentina ou ao Chile, por exemplo.
PIETRA: – Seja onde for, eu quero muito conhecer a neve! Tocar naquela “areia” branquinha e fria, deve ser uma delícia e divertido!
Pietra volta a observar a paisagem pela janela, enquanto Ricardo e Heloisa seguem arrumando as roupas no armário.
RICARDO: – Eu já marquei uma consulta da Pietra com um dos maiores especialistas em câncer no mundo, será amanhã de manhã.
HELOISA: – Ai meu amor, eu tenho tanto medo quando penso no que o resultado dessa consulta pode mostrar!
RICARDO: – Eu também, mas se nós não podemos fraquejar agora, a Pietra precisa de nós.
Heloisa concorda e olha para Pietra com emoção.
CENA 08: PENSÃO TITITI, QUARTO DE PAULA E VANESSA, INTERIOR, MANHÃ.
Paula, Vanessa e Vera estão conversando no quarto, com a porta trancada, pra evitar uma invasão de Antonia.
PAULA: – Eu não aguento mais ficar nessa pensão! É humilhante me submeter às loucuras da Antonia, essa mulher me odeia e eu a odeio também, daqui a pouco eu perco a cabeça hein!
VERA: – Você tem que respirar fundo e contar até 10, eu faço isso e dá certo. Além do mais, vocês estão aqui por necessidade máxima, senão fosse pela bondade da Antonia, vocês estariam debaixo da ponte!
VANESSA: – Isso é verdade, Vera, a Antonia foi muito boa em estender a mão pra gente mesmo com essa rixa com a mamãe.
PAULA: – Bondade coisa nenhuma, aquela ali é uma pomba-gira! Olha, no dia que eu sair daqui eu vou pisar na cara da Antonia!
VANESSA: – Mamãe, chega de paranoia e vamos ser realistas? Nós estamos na pior! Não temos pra onde ir nem a quem pedir ajuda, senão ficarmos na pensão vamos morar na rua. Não é mais digno a senhora se reconciliar com a Antonia e a gente pedir pra morar na pensão de forma fixa? Basta à senhora continuar trabalhando como manicure e eu faço algum “bico’, sei lá, mas a gente paga aluguel e seguimos nossa vida, pelo menos até a gente conseguir se equilibrar na vida outra vez e ir embora daqui.
PAULA: – Mas filha, isso é um vexame muito grande pra mim!
VERA: – Ouve sua filha, Paula, ela tem razão. Tá na hora de baixar esse orgulho e reconhecer que a Antonia é sua última saída.
Paula pensa e não gosta da ideia, mas resolve aceitar o pedido de Vanessa.
CENA 09: PENSÃO TITITI, INTERIOR, MANHÃ.
Paula e Vanessa estão na sala conversando com Antonia.
ANTONIA: – Serem hóspedes fixos? Nem pensar!
VANESSA: – Mas Dona Antonia, a gente vai pagar.
ANTONIA: – Com que dinheiro? Que eu saiba, a casa não foi vendida por vocês e sim pelo leilão, já que o Ernesto hipotecou o imóvel. Vocês saíram sem um centavo da venda da casa, fora os móveis que roubaram tudo. Por acaso tem algo no banco?
PAULA: – Tenho e eu trabalho como manicure também, não esqueça. Olha Antonia, eu estou me humilhando ao extremo vindo até aqui pedir abrigo na sua pensão, mas é pelas circunstâncias da vida que me colocaram nessa sinuca.
ANTONIA: – Eu não deveria aceitá-las aqui, pois a Paula sempre falou mal de mim e da minha pensão e a Vanessa quis transformar isso aqui num motel com o Gean. Mas eu vou aceitá-las, pois uma hóspede antiga não renovou o contrato de aluguel e foi embora, então vocês duas podem ficar com o quarto dela. Porém, que fique registrado: se atrasar um dia o pagamento, é rua e não tem segunda chance! E ambas devem seguir as regras da pensão, se descumprirem, é rua também!
Paula engole as ordens de Antonia com ódio e Vanessa ignora, mas ambas estão felizes em pelo menos ter onde morar.
CENA 10: ESCOLA, EXTERIOR, MANHÃ.
Miguel leva Davi até a porta da escola e dá um beijo no filho, indo embora em seguida. Porém, ele não percebe que Marina o seguiu de táxi. O menino fica no portão, esperando algum amigo chegar para entrar junto. Marina paga o taxista e desce do veículo, caminhando até Davi, muito emocionada.
O menino nem percebe sua aproximação, mas ela está muito comovida. Ao chegar à frente a Davi, Marina ajoelha-se e começa a chorar.
DAVI: – Quem é você? Porque tá chorando?
Marina sorri timidamente em meio as lágrimas que escorrem de seus olhos. Com as mãos trêmulas, ela aproxima-se lentamente do rosto de Davi e o acaricia. O menino não entende nada, apenas observa atentamente a mulher. No impulso materno, Marina abraça Davi.
MARINA: – Meu filho!
Davi estranha ao ouvir aquilo e se afasta de Marina, que limpa as lágrimas.
DAVI: – Eu não sou teu filho.
Marina fica pasma e Davi corre para dentro da escola. Ela chora compulsivamente ajoelhada no chão, lembrando-se de João em muitas situações.