CENA 01: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, INTERIOR, NOITE.
Marina e Ivan conversam sobre o embrião-gêmeo de João, congelado na clínica.
IVAN – Acho que gerar o embrião congelado será uma forma de ver o nosso João nascer outra vez! Não será ele, será seu gêmeo, mas não importa, será nosso filho e nós daremos amor e carinho para ele.
MARINA – Então, eu posso procurar o Dr. Vitor?
IVAN – Deve! Um filho vai florescer a nossa vida monótona e triste.
Marina sorri, levanta da mesa e dá um beijo em Ivan.
OLGA – Os senhores pretendem gerar o irmão gêmeo do João?
MARINA – Sim! Não vai ser lindo ver esse filho que vai nascer 25 anos depois de ter sido criado no laboratório?
OLGA – Jesus Cristo, isso me assusta só de pensar! Mas que vai ser lindo ver o irmão gêmeo do João, isso será!
IVAN – Além do mais, uma criança vai alegrar essa casa, Olga. É tudo que nós precisamos: alegria! Um filho vai renovar a nossa vida.
Marina sorri e concorda com o marido. Eles seguem tomando café da manhã, entusiasmados.
CENA 02: JARDIM BOTÂNICO, EXTERIOR, MANHÃ.
Luiza, Miguel e Davi passeiam pelo Jardim Botânico. Entre árvores, flores, lagos e gramados, a família aproveita as primeiras horas de sábado. Eles estendem uma toalha na grama e sentam em volta para fazer um piquenique. Davi está animadíssimo e deixa Luiza e Miguel alegres com a sua euforia.
LUIZA – Piquenique é tão gostoso… Faz tempo que a gente não fazia!
MIGUEL – Verdade! A gente é tão ocupado, às vezes falta tempo ou o cansaço fala mais alto.
DAVI – Eu queria sair mais vezes com vocês dois. É tão legal ficar junto com minha mãe e meu pai ao mesmo tempo, mas de dia vocês estão sempre trabalhando.
LUIZA – E mesmo trabalhando tanto, a gente sempre arruma um tempinho pra sair com você, meu anjo. A gente pode não passear tanto quanto outras famílias, mas sempre que conseguimos não desperdiçamos tempo!
MIGUEL – Bom, agora chega de papo e vamos atacar essa comida que tá deliciosa! Café da manhã ao ar livre, que chique!
Luiza e Davi riem e ajudam Miguel a tirar a comida do cesto. E a manhã deles é assim, cheia de alegrias e diversões.
CENA 03: RUA, EXTERIOR, MANHÃ.
Cecília está saindo da padaria da vila onde mora, que fica ao lado do bar onde Ernesto está tomando uma cerveja. Quando ela passa, ele a observa fixamente e a segue até alcançá-la. Eles conversam caminhando.
ERNESTO – Bom dia, Cecília!
CECÍLIA – Você de novo? Quer outro tapa?
ERNESTO – Que isso, Cecília, sem agressividade… Eu vim me desculpar pelo modo te tratei ontem na feira.
CECÍLIA – É bom que reconheça sua ousadia comigo. Eu sou uma viúva de respeito!
ERNESTO – Disso eu nunca duvidei! Inclusive eu ouvi uma conversa por aí que você é viúva há 25 anos. É mesmo?
CECÍLIA – É verdade sim, Ernesto.
ERNESTO – E a senhora nunca teve nenhum outro homem?
CECÍLIA – Óbvio que não! Eu sou da época em que mulher era apenas de um homem a vida inteira!
ERNESTO – Eu sei, também sou da sua época, mas como você vivia na condição de viúva, nada lhe impedia de arrumar um novo amor.
CECÍLIA – Aonde você quer chegar com essa conversa?
ERNESTO – Até onde você permitir!
Cecília chega a sua casa e entra no portão com a sacola de compras.
CECÍLIA – Eu já cheguei a casa, tenha muito serviço pra fazer, não tenho tempo pra ficar ouvindo suas marolinhas.
Ernesto sorri e Cecília o ignora, entrando em casa. Ele vai embora, crente que a envolveu em sua lábia.
CENA 04: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, QUARTO DE CECÍLIA, INTERIOR, MANHÃ.
Cecília se olha fixamente no espelho, alisa seu rosto e penteia seus cabelos.
CECÍLIA – Será que o Ernesto tá me paquerando? Será que ele se interessou por mim? Linda eu ainda sou, mas não sei o que é o carinho de um homem há 25 anos. Vou até confessar pro meu espelho: senti um calorzinho hoje! (ri por alguns instantes, mas logo para). – Ai, mas eu não posso, tenho que honrar a memória do falecido!
Cecília sai do quarto, confusa com a situação.
CENA 05: CLÍNICA DE DR. VITOR, INTERIOR, TARDE.
Dr. Vitor está se despedindo de uma cliente, que sai de sua sala com muito entusiasmo. Quando ele vai fechar a porta, alguém bate. Ele a abre e vê Marina, mas não a reconhece, pois há 25 anos não há vê. Eles se cumprimentam e sentam.
VITOR – Pois não, em que posso ajudá-la?
MARINA – Bom, eu acho que o senhor não se lembra de mim, mas eu fiz uma reprodução assistida aqui na sua clínica em 1990.
VITOR – Desculpe, mas já fazem tantos anos, é difícil lembrar. Qual o seu nome?
MARINA – Meu nome é Marina Amorim. Eu sou daquele caso dos embriões-gêmeos que eu e meu marido deixamos um dos embriões congelados e geramos o outro. Repercutiu muito! Lembra-se de mim agora?
Dr. Vitor leva um choque. Ele jamais pensou que veria novamente Marina e que o embrião seria procurado. Sua mente começa a vagar para o dia em que cometeu a troca de embriões e inseminou Luiza com o embrião de Marina e Ivan. O geneticista fica pálido.
MARINA – O que foi, Dr. Vitor? O senhor está bem? Ficou pálido de repente.
VITOR – Foi apenas uma queda de pressão. Eu me lembro da senhora sim, como esquecer esse caso?
MARINA – Pois é, foi uma revolução científica na época. Eu não sei se o senhor acompanhou na mídia, mas o meu filho morreu. Ele sofreu um acidente de carro no Parque Barigui, em 2010.
VITOR – Lembro vagamente… Meus pêsames!
MARINA – Obrigada. Cinco anos após a morte do meu filho, eu e o meu marido tomamos uma decisão: vamos gerar o embrião que deixamos congelado aqui na clínica. Ele é gêmeo do meu filho falecido, mas mesmo que não fosse gêmeo, eu e meu marido temos a intenção de gerá-lo. Estamos dispostos a pagar quanto for pelo tratamento.
Dr. Vitor fica chocado com a afirmação de Marina e não sabe o que falar, apenas a observa com fixação e cada vez mais pálido.
MARINA – Dr. Vitor, o que está acontecendo? Não estou entendendo as suas reações, aconteceu algum problema com o embrião, é isso?
VITOR – Não, não é isso… Me desculpe, mas eu estou cheio de afazeres hoje e a senhora não marcou hora, tenho um compromisso nesse momento.
MARINA – Ah sim, me perdoe, eu fiquei tão eufórica que me esqueci de marcar hora. Semana que vem, eu e meu marido voltamos.
Dr. Vitor sorri forçadamente e Marina aperta sua mão, saindo da clínica. O geneticista fica extremamente abalado com a visita e o pedido da cliente.
VITOR – Ela quer gerar o embrião que deixou aqui, mas como ela fará isso se o embrião já nasceu! Como eu vou escapar dessa situação? Um escândalo está prestes a eclodir, eu não vou suportar isso acontecer na minha clínica…
Dr. Vitor fica nervoso demais e começa a sentir falta de ar e uma dor no peito. Logo, ele desmaia e cai da sua cadeira, ficando descordado no chão de sua sala.
CENA 06: MANSÃO DA FAMÍLIA TRAJANO, QUARTO DE HELOISA E RICARDO, INTERIOR, TARDE.
Heloisa e Ricardo estão deitados na cama, assistindo um filme romântico, abraçados e comendo pipoca. Vez ou outra, eles se beijam, felizes com o momento. Porém, Inês entra no quarto e se aproxima do casal.
INÊS – Desculpe interromper o lazer dos patrões, mas a Pietra está sentindo dores nas articulações de novo. Eu acabei de dar o remédio que o médico receitou.
HELOISA – Ai meu Deus, vai começar de novo essas dores!
INÊS – Vocês não podem perder as esperanças. Quem sabe os estudos da Fundação de Pesquisa, em Boston, não descobrem logo algum tratamento eficaz ou até mesmo a cura?
RICARDO – É o que eu mais desejo, Inês, mas é impossível não ficar desanimado ao viver numa situação dessas.
Inês compreende e sai do quarto. Heloisa e Ricardo ficam em silêncio e assistem ao filme sem ânimo. Logo, lágrimas escorrem dos olhos de ambos, que se abraçam e desabafam suas tristes com o problema de Pietra.
CENA 07: CLÍNICA DE DR. VITOR, INTERIOR, TARDE.
Dr. Vitor foi encontrado caído no chão por sua secretária. Um médico, colega de trabalho na clínica, socorreu o geneticista, que acordou do desmaio um tempo depois. Foi diagnosticada uma queda brusca na pressão, ele tomou medicamentos e melhorou, embora ainda se torture mentalmente ao pensar no pedido de Simone.
CENA 08: PENSÃO TITITI, INTERIOR, NOITE.
Gean, Vera e os outros moradores da pensão estão sentados à mesa de jantar. Antonia vem da cozinha e trás uma panela grande, colocando no centro da mesa.
VERA – Eu estou com uma fome de leão!
ANTONIA – Claro né, falta de trabalho na vida dá fome mesmo.
VERA – Estou desempregada, mais respeito!
GEAN – O que tem de rango hoje, Dona Antonia?
ANTONIA – Eu fiz uma sopa caprichada com as verduras e legumes! E pra acompanhar, tem um suco de limão natural.
Todos ficam com fome e se servem, degustando o jantar em meio a conversas paralelas.
VERA – Mas essa sopa tá uma delícia! As verduras e legumes da feira na vila sempre foram ótimos.
ANTONIA – Ah, mas eu não fiz com os produtos da feira, essas verduras e legumes eu achei dentro de uma sacola em frente ao cemitério.
Todos os hóspedes ficam chocados e cospem a sopa no prato, limpando a boca com o guardanapo.
GEAN – Você fez sopa com produtos de despacho do cemitério?
ANTONIA – Querido, isso é crendice popular, eu não acredito nessas coisas! Imagina se eu ia deixar essas belezuras de verduras e legumes jogadas no cemitério, peguei e fiz a sopa. Ficou deliciosa, não é?
VERA – Ai, mas que absurdo! A gente paga o aluguel e é assim que a senhora retribui? Com uma comida de macumba?
ANTONIA – Que revolta é essa, Vera? Você já viu o preço que tá os produtos agrícolas no supermercado? Fora que vem tudo cheio de agrotóxico, faz mal a saúde.
GEAN – Olha Antonia, se eu tiver dor de barriga por culpa dessa sopa maldita, eu vou te processar hein!
ANTONIA – Ah, vai te catar! Se não querem a sopa, deixem que eu como, tá uma delícia!
Todos os hóspedes levantam da mesa e vão para seus quartos, revoltados, enquanto Antonia segue na mesa comendo a sopa sozinha.
CENA 09: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, QUARTO DE MARINA E IVAN, INTERIOR, NOITE.
Ivan está deitado na cama, com o abajur ligado e lendo um jornal. Marina sai do banheiro que há no quarto e deita na cama com uma camisola de seda.
IVAN – Meu amor, como foi lá na clínica hoje? Você ainda não me disse.
MARINA – Foi muito estranho. O Dr. Vitor ficou pálido e mudo quando eu disse que queria gerar o embrião.
IVAN – Mas porque isso? É um direito nosso, o embrião nos pertence.
MARINA – Também não entendi a reação dele. Já marquei pra nós irmos conversar com ele sobre o assunto.
IVAN – Tá certo, eu vou contigo, quero ver as reações desse geneticista também. Mudando de assunto, sabia que você tá linda nessa camisola?
MARINA – É mesmo? Não acha que fica melhor se eu tirá-la?
Ivan sorri e Marina se despe. Eles se beijam apaixonadamente e tem uma noite de amor.
CENA 10: PENSÃO TITITI, INTERIOR, MANHÃ.
A fila para o banheiro é imensa, pois todos os hóspedes estão com dor de barriga devido à sopa do cemitério. Gean é o primeiro da fila e espera ansioso para que o hóspede de dentro do banheiro saia logo.
GEAN – Vai demorar muito? Seja rápido, eu tô tendo uma erupção aqui dentro!
HÓSPEDE – E eu tô desencarnando! Vai esperar a tua vez, moleque!
Gean se retorce de dor no estômago, assim como Vera e os demais moradores. Logo, surge Antonia no corredor, se agarrando pela paredes.
Todos veem a cena e se espantam. Antonia caminha apoiada na parede até que perde as forças e cai, rastejando até a porta do banheiro, levantando com ajuda de Gean.
ANTONIA – Ai meu Deus, o que eu fiz pra merecer essa dor terrível!
VERA – Tá passando mal pela sopa de macumba também, Dona Antonia?
ANTONIA – Ai Vera, eu acho que engoli uma pomba-gira porque meu intestino tá girando sem parar! Eu preciso usar o banheiro o mais depressa possível…
GEAN – É só entrar na fila.
ANTONIA – Mas que petulância! Eu sou a dona da pensão, tenho direito a passar na frente de todos vocês!
GEAN – Não mesmo! Eu tô esperando o cara sair do banheiro há quase meia-hora e eu não vou sair pra você entrar!
ANTONIA – Ah é? Então, pode fazer tuas malas e ir morar embaixo da ponte, seu cretino!
Gean ignora. Logo, o hóspede abre a porta do banheiro, Gean e Antonia disputam para entrar no cômodo ao mesmo tempo, enquanto o hóspede fica dentro do banheiro tentando sair. Logo, Antonia empurra Gean, que cai no chão do corredor. Ela entra no banheiro e fecha a porta, mas logo nota que o hóspede ficou dentro do banheiro também.
ANTONIA – Saia mediamente do banheiro, seu tarado!
O hóspede ri e sai, deixando Antonia sozinha. Os outros moradores da pensão continuam a sofrer na fila, pois só há um banheiro no estabelecimento.
CENA 11: DIAS DEPOIS.
Luiza, Miguel e Davi seguem a vida com a família feliz que possuem. Cecília passou a se enfeitar mais após receber cantadas de Ernesto, embora mantenha a personalidade de viúva respeitável. Marina e Ivan aguardaram ansiosos o dia de ir à clínica. Dr. Vitor continuou cada dia mais tenso, pois não sabe como contar ao casal o erro que cometeu.
CENA 12: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, INTERIOR, MANHÃ.
Luiza, Miguel e Davi estão sentados no sofá da sala, assistindo o jornal na TV. De repente, Cecília entra na sala, com um corte de cabelo diferente e maquiada.
MIGUEL – Minha sogra, mas que mudança é essa?
CECÍLIA – Gostaram? Resolvi renovar o visual depois de tanto tempo.
LUIZA – Tá linda, mamãe! A mudança me pegou de surpresa, não esperava isso. Algum motivo em especial?
CECÍLIA – E tem que ter motivo? Mudei por mudar, ué.
DAVI – A vovó nem parece mais vovó, ficou mais jovem!
CECÍLIA – Oh, meu netinho querido, era tudo o que eu queria ouvir!
Davi sorri e põem sua mochila nas costas, saindo com Luiza e Miguel para a escola. Cecília se olha no espelho da sala e dá os últimos retoques na maquiagem.
CECÍLIA – Chega de viver reclusa na viuvisse, eu tenho direito de aproveitar a vida que me resta!
Cecília sorri e pega sua bolsa, saindo de casa para o incerto.
CENA 13: CLÍNICA DE DR. VITOR, INTERIOR, MANHÃ.
Dr. Vitor está analisando uns exames em sua sala, quando é surpreendido pela chegada de Marina e Ivan. Os três se cumprimentam e sentam.
IVAN – Bom, Dr. Vitor, acredito que o senhor já está a par da situação. A minha esposa esteve dias atrás conversando contigo sobre o nosso desejo.
VITOR – Sim, eu estou a par. Eu acho muito bonita a atitude de vocês, mas eu quero alertá-los para os perigos de uma gestação após os 40 anos. Há uma chance considerável de o bebê nascer com problemas, além de todo o processo gestacional provocar problemas de saúde na mãe. É importante destacar que a fertilização in vitro de mulheres acima de 40 anos diminui para apenas 8% de chances do embrião se desenvolver no útero.
MARINA – Nossa, eu não sabia desses dados… Mas mesmo assim, doutor, eu quero arriscar! Eu e meu marido estamos dispostas a tudo para dar vida a esse embrião congelado.
VITOR – Eu entendo, mas como médico eu devo salientar que essa gravidez será perigosa. Pode até ocorrer de, na hora do parto, vocês terem que escolher entre o filho e a mãe. É correto arriscar dessa maneira?
IVAN – Eu não estou entendendo o seu discurso, Dr. Vitor. Está parecendo que o senhor não quer que nós geremos esse embrião.
MARINA – Eu também estou notando isso, Ivan. Doutor, seja franco: houve algum problema com o nosso embrião?
Dr. Vitor fica tenso com a situação. Ele olha para Marina e Ivan e lembra-se do dia que cometeu a troca de embriões. O geneticista tem vontade de revelar a verdade, mas tem medo. O silêncio perdura por alguns instantes na sala e deixam o casal intrigado.
IVAN – Dr. Vitor, o senhor está bem? Porque não diz nada?
VITOR – Está certo, vocês querem saber a verdade? Pois então, eu vou dizer a verdade.
Marina e Ivan se olham, intrigados, enquanto Dr. Vitor tenta encontrar as palavras certas para sua revelação.