CENA 02: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, INTERIOR, TARDE.
Luiza está deitada em sua cama, descansando após a fertilização. Miguel entra no quarto e dá um copo de água para a esposa, acariciando seus cabelos em seguida. Ela bebe um gole e põem o copo em cima do bidê.
LUIZA – Eu não vejo a hora da minha barriga crescer…
MIGUEL – Ih, tá cedo ainda, meu amor! E o doutor disse que você terá que fazer um exame pra ver se deu tudo certo.
LUIZA – Eu sinto que estou grávida, Miguel. Eu já sinto o nosso filho dentro de mim. Vai dar tudo certo, eu tenho fé.
Miguel sorri e beija Luiza, que fica alisando sua barriga como se já tivesse vários meses de gestação.
CENA 03: ASILO, INTERIOR, MANHÃ.
No munícipio de Campo Largo, interior do Paraná, João e seus amigos do grupo voluntário Pingo de Afeto estão alegrando as pessoas idosas que residem num asilo muito humilde. Com um violão, João toca uma música e seu amigo canta, para animar o local. Outros amigos se dividem em ajudar os idosos a pintar quadros, fazem parcerias para jogar xadrez e cartas ou simplesmente sentam embaixo das árvores do pátio para conversarem. O asilo tomou novos ares com o grupo voluntário, que soube entreter os internos. Para terminar, João entrega ao dono do asilo um cartão ilimitado de um supermercado para compras de um ano, fruto de um pedido de João ao dono do estabelecimento comercial que aceitou ajudar o asilo. Os idosos comemoram, emocionados, pois o local sofre muito com o abandono do governo.
CENA 04: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, INTERIOR, MANHÃ.
Cecília está costurando a barra de uma calça no sofá da sala, enquanto Luiza está assistindo TV, sentada no outro sofá.
CECÍLIA – Então, minha filha, você já tá grávida?
LUIZA – Praticamente sim… Falta fazer um exame daqui uns dias pra confirmar. Se Deus quiser, vai dar positivo! E pode ir se preparando pra fazer roupinhas de tricô, futuro vovó!
CECÍLIA – Olha, Luiza, eu desejo de verdade que você realize o seu sonho de ser mãe. Eu conheci poucas mulheres que, desde muito pequenas, sonhavam em serem mães como você. Às vezes eu posso ser rabugenta, talvez seja um sintoma da velhice, mas nunca esqueça que eu quero a tua felicidade, embora ache bem estranho esse negócio de inseminação.
LUIZA – Eu lhe entendo mãe e fico tão feliz pelas suas palavras… Tenta implicar menos com o Miguel, ele é um cara tão bom e gosta tanto da senhora.
Cecília não diz nada, apenas volta a se concentrar na costura, enquanto Luiza volta a assistir televisão e pensar em sua gestação.
CENA 05: CARRO DE JOÃO, INTERIOR, TARDE.
João trouxe alguns de seus amigos em seu carro e os deixou em casa, seguindo viagem sozinho para a mansão. Ele nem imagina que uma festa de aniversário surpresa o espera. Ele lembra-se que hoje está fazendo 19 anos e se recorda dos momentos felizes em que viveu com seus pais, Marina e Ivan e também com Olga, a governanta da mansão. De repente, João é surpreendido por uma capivara no meio da rua em frente ao Parque Barigui. Assustado, ele vira o volante para desviar do animal. O carro acaba entrando no parque, assustando as pessoas que descansavam no gramado. João tenta frear, mas o nervosismo o deixa atrapalhado, perdendo o controle do volante. Logo, o pneu do carro passa em uma rocha grande que se encontrava no gramado, fazendo o veículo capotar. O público do parque vê a cena, apavorados, e os animais que ali estavam, fogem assustados. O carro de João capota várias vezes até que cai dentro do lago que há no parque. Desacordado e ferido, João não consegue reagir e afunda nas profundezas do lago junto com seu veículo.
CENA 06: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, EXTERIOR, TARDE.
Os convidados da festa estão chegando. Familiares, amigos, colegas de faculdade… Todos são recebidos por Marina e Ivan, muito animados com a comemoração. Olga caminha pelo jardim, dando orientação aos demais empregados. Logo ela se aproxima de Marina.
OLGA – Um amigo do João acabou de ligar dizendo que todos já estão em Curitiba. O João deixou todos os amigos em casa e está vindo pra mansão.
MARINA – Ai, Olga, então ele já tá chegando! Quero só ver a cara dele diante da surpresa.
Olga sorri. Ivan se aproxima das duas com Clara, que acabou de chegar à festa.
CLARA – Boa tarde, pessoal. E o aniversariante? Já chegou?
OLGA – Ainda não, mas já está a caminho. Mas como você tá bonita!
CLARA – Obrigada, Olga. Mas nada se compara a decoração dessa festa.
MARINA – Fui eu quem fez. É um lazer que eu gosto, mexer com decoração. Vem que eu vou te mostrar umas coisas antes do João chegar.
Marina e Ivan caminham pela festa, enquanto Ivan pega uma bebida para tomar e Olga segue orientando os empregados.
CENA 07: PARQUE BARIGUI, EXTERIOR, TARDE/NOITE.
O corpo de bombeiros já está no local, após serem solicitados pelos frequentadores, e tentam encontrar o local exato onde o carro está submerso. Apesar de um grande tempo ter se passado, há uma esperança que João esteja vivo. Depois de muita dificuldade, eles encontram o veículo e alguns bombeiros começam a nadar ao fundo do lago para retirar o corpo do motorista, assim como um guincho está tentando içar o carro. Minutos depois, dois bombeiros surgem na superfície do lago com o corpo de João. Eles nadam até a margem, colocam-no deitado no chão. Imediatamente, um dos bombeiros começa a fazer massagem cardíaca e respiração boca-a-boca em João, na tentativa de reanimá-lo. Naquele momento, o guincho consegue retirar o veículo do lago, colocando-o na margem, bastante danificado pela capotagem. O bombeiro segue com a massagem cardíaca e a respiração boca-a-boca por alguns minutos, mas é tarde demais: João faleceu. A polícia chega ao local, juntamente com a perícia, para avaliar a cena. São recolhidos os testemunhos de alguns frequentadores e dos bombeiros.
CENA 08: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, INTERIOR, NOITE.
Miguel chega à casa cansado da obra de construção. Ao entrar no quarto, ele se surpreende com um carrinho de bebê. Ele larga o chapéu na cama e volta à sala.
MIGUEL – Que carrinho é aquele, Dona Cecília?
CECÍLIA – Tua esposa comprou hoje de tarde, custou os olhos da cara.
MIGUEL – Como assim? Ela saiu hoje?… E aonde ela está agora?
Quando Cecília vai responder, Luiza entra em casa, muito sorridente e com uma sacola nas mãos. Ela dá um selinho em Miguel, mas estranha sua indiferença.
LUIZA – Que foi? Discutiu com a mamãe?
MIGUEL – O que significa aquele carrinho de bebê no quarto?
LUIZA – Não é lindo? Eu fui caminhar um pouco pela tarde e acabei passando em frente a uma loja de produtos para bebês, aí não resisti. Comprei amarelo claro para ser neutro, tanto menina quanto menino poderão usar.
MIGUEL – Mas você não podia ter feito isso sem me consultar! É final do mês, estamos com pouco dinheiro em casa, o estoque de comida tá acabando e você vai gastar com carrinho de bebê que só será usado daqui nove meses?
Luiza fica cabisbaixa. Miguel se aproxima e pega sua sacola, abre e vê vários pacotes de fraldas descartáveis.
MIGUEL – Fraldas? Luiza, você tá ficando fora de si! Até o bebê nascer, elas já estarão vencidas!
MIGUEL – O que foi agora? Vai ficar me recriminando? Eu só fiz isso porque meu instinto materno falou mais alto, Miguel Eu sei que no fim do mês o dinheiro fica curto, mas eu não resisti ao impulso de comprar o carrinho e as fraldas. Pensei que você fosse mais compreensivo!
Luiza arranca a sacola das mãos de Miguel e corre para o quarto, trancando-se. Miguel bate na porta e pede para ela abrir, mas não tem resposta alguma. Cecília assiste tudo, dividida entre apoiar a filha ou o genro.
CENA 09: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, INTERIOR, NOITE.
Olga está ligando para o celular de João, mas dá fora de área. Ivan está na sala, tenso. Após muita insistência, a governanta desliga o telefone.
OLGA – Ele não atende. Às vezes, a ligação nem é completada, parece que o sinal tá ruim.
IVAN – Eu estou ficando preocupado. Já era para ele ter chegado aqui há muito tempo, já são 19h. Todos os convidados chegaram, até a banda tá tocando, mas o aniversariante não apareceu.
OLGA – Pois é, também estou aflita. Volta à festa, faça companhia a Dona Marina, ela está uma pilha de nervos. Se alguém ligar, eu lhe aviso, Seu Ivan.
Ivan compreende e volta ao jardim, tentando acalmar Marina e tentando se acalmar. Minutos depois, o telefone da mansão toca. Olga corre atender, ansiosa.
OLGA Alô! Quem fala? Delegado? Mas… Sim, é da mansão da Família AMORIM. O João? Mora aqui sim, é filho dos meus patrões. O quê? (recebe a notícia do falecimento). – Como assim? Ai meu Deus… Quando foi isso? Como aconteceu? Jesus… (chorando). – Obrigado, senhor delegado, eu darei a notícia sim.
Olga desliga o telefone e cai num choro desesperador, pois não quer acreditar que João morreu no dia de seu aniversário.
OLGA – Meu Deus do céu, como eu vou dar essa notícia?
Olga continua a chorar. Ela limpa as lágrimas e tenta tomar coragem para ir ao jardim.
CENA 10: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM , EXTERIOR, NOITE.
A festa está muito animada. Enquanto a banda toca, os convidados dançam em frente ao palco. Marina e Ivan assistem há comemoração de longe, sempre olhando para o portão da mansão a espera que João chegue. Olga sai da mansão e vê os patrões, sentindo uma angústia no peito e controlando-se para não chorar. Devagar, ela se aproxima deles.
OLGA – Ligaram pra mansão.
MARINA – Era o Flávio? E aí, cadê esse menino?
OLGA – Era um delegado. Ele disse que é pros senhores irem fazer o reconhecimento do corpo no IML.
Marina e Ivan entram em pânico. Lágrimas escorrem do rosto de Olga.
MARINA – IML? Do que você está falando, Olga?
IVAN – Tem certeza que era um delegado? Não era trote, Zuleide?
OLGA – Era o delegado sim, Seu Ivan. O João está morto!
Marina e Ivan se abraçam e choram desesperadamente, enquanto a festa de aniversário continua, pois ninguém recebeu a notícia ainda. Olga se afasta, indo para dentro da mansão. Clara, que está longe, percebe algo de diferente e vai até eles.
CLARA – O que está acontecendo? Porque estão chorando?
MARINA – O João, Clara! Meu filho está morto!
CLARA – Morto? Mas como assim? Isso não pode ser verdade!
IVAN – Nós precisamos ir ao IML agora para tirar essa história a limpo, você fica aqui com a Olga?
CLARA – Claro, eu fico sim. Me deem notícias!
Marina e Ivan vão até a garagem e saem de carro muito depressa, sem parar de chorar. Clara fica na festa, muito nervosa e com medo que a notícia seja verdadeira.
CENA 11: CLÍNICA DE DR. VITOR, INTERIOR, NOITE.
Dr. Vitor está guardando alguns documentos antes de ir embora. É quando, sem querer, ele aperta o botão do controle remoto da TV quando foi pegar mais papéis e o aparelho se liga. O geneticista guarda os documentos, enquanto na TV passa o jornal.
REPÓRTER – Hoje à tarde, um acidente assustou os frequentadores do Parque Barigui. Um carro descontrolado capotou e caiu dentro do lago. Os bombeiros tiveram dificuldade para retirar o veículo. O motorista era João AMORIM, de 19 anos. Ele foi retirado do fundo do lago e os bombeiros tentaram reanimá-lo, mas ele faleceu no local. Ele é filho único da socialite Marina AMORIM e do empresário Ivan AMORIM.
Dr. Vitor fica pasmo ao ouvir aquela notícia. O sobrenome AMORIM lhe vem à cabeça com o erro que cometeu pela manhã.
VITOR – Esse sobrenome… É muito parecido com o sobrenome da Luiza e Miguel. E o nome dos pais desse rapaz me soam familiares… preciso conferir isso!
Dr. Vitor desliga a TV e sai de sua sala, desconfiado.
CENA 12: CLÍNICA DE DR. VITOR, SALA DE EXPERIÊNCIAS, INTERIOR, NOITE.
Dr. Vitor está no computador da sala de experiências, procurando no registro pelo sobrenome AMORIM. Logo, ele o encontra.
VITOR Marina e Ivan AMORIM fizeram tratamento para fertilização artificial aqui na clínica em 1990. Foram gerados dois embriões, mas um ficou congelado. (rapidamente, sua memória lembra-se desse fato). – Claro, é esse o caso dos gêmeos em que a mulher gestou apenas um, virou até notícia na capa de jornal. Então, o outro embrião tem que estar aqui.
Dr. Vitor vai até o botijão de hidrogênio e procura pelo sobrenome AMORIM. Ao encontrá-lo, ele nota que o frasco está vazio. Ao lado, encontra-se o frasco com sobrenome AMARAL. Ao pegá-lo, percebe que há um embrião. Logo, o geneticista chega à confirmação de que cometeu uma troca de embriões.
VITOR – A Luiza está gerando o embrião da Marina e Ivan… Ela está gerando o gêmeo do João, que acabou de falecer. Que confusão… O que eu vou fazer agora? Como explicar essa situação?
Dr. Vitor põem os frascos embrionários de volta ao botijão, extremamente nervoso. Ele desliga o computador e sai da clínica, tentando encontrar uma solução.
CENA 13: INSTITUTO MÉDICO LEGAL (IML), INTERIOR, NOITE.
Um funcionário do local leva Marina e Ivan até a sala dos cadáveres que chegam ao IML. Lentamente, eles entram e veem um corpo coberto por um lençol, em cima de uma maca. O funcionário descobre o rosto do cadáver e o casal tem a confirmação: é João.
IVAN – Meu Deus… É ele! O nosso filho… Ele se foi, Marina!
MARINA – Não!
Gritando, ela abraça o corpo do filho em cima da maca, sob os olhares indiferentes do funcionário, pois ele já está acostumado com cenas do tipo. Ivan chora desesperadamente com a morte do filho. Marina chora, debruçada sobre o peito de João, já sem vida.
MARINA – Acorda! Meu filho, não vai embora! Pelo amor de Deus, não vai embora! Filho! Meu filho! Não me deixa, João! Acorda, João! Acorda!
Marina grita e sacode o corpo do filho, mas logo é contida por Ivan, que a abraça. Eles choram juntos, olhando para João.
CENA 14: CASA DA FAMÍLIA AMARAL, INTERIOR, NOITE.
Luiza enfim, abriu a porta de seu quarto. Sentada na cama, ela olha para o carrinho de bebê com lágrimas nos olhos. Miguel entra no quarto e senta ao lado da esposa, em silêncio. Vagarosamente, ele segura em sua mão.
MIGUEL – Desculpa? Eu fui grosso contigo.
LUIZA – Não, eu é que tenho que pedir desculpas. Fui inconsequente em comprar essas coisas, nem tivemos a confirmação da gravidez ainda.
MIGUEL – Ah, não seja pessimista, meu amor…
LUIZA – Você também pensa assim, tá falando isso agora pra me agradar. Eu não tenho culpa se eu nasci sonhadora demais, Miguel. Meu projeto de vida é ter esse filho, então eu acabo não medindo as consequências às vezes.
MIGUEL – Tudo bem, Luiza, já passou… O dinheiro que você gastou hoje fará falta, não vou negar, mas a gente dá aquela “apertadinha” básica no final do mês, qual família de classe média-baixa nunca passou por isso né?
Luiza sorri e abraça Miguel, que alisa os cabelos da esposa.
LUIZA – E se eu perder esse filho, Miguel?
MIGUEL – Não diga isso, Luiza! Você não vai perder.
LUIZA – Você vai ficar do meu lado mesmo se eu sofrer um aborto espontâneo?
MIGUEL – Sempre estarei ao teu lado, incondicionalmente.
Luiza e Miguel se afastam do abraço, se olham profundamente e se beijam, apaixonados.
CENA 15: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, EXTERIOR, NOITE.
Marina e Ivan chegam chorando a mansão, que continua em festa. Olga e Clara se aproximam e ficam tensas ao vê-los naquele estado.
CLARA – E então? O que aconteceu lá no IML?
Marina e Ivan ficam em silêncios e cabisbaixos, chorando. Clara entende o silêncio, mas não quer acreditar.
OLGA – Não me diga que…
IVAN – Sim, o João não está mais entre nós.
Olga abaixa a cabeça e chora em silêncio, apavorada. Clara cai em um choro desesperador, pois é tão jovem quando João e não acredita que perdeu seu namorado. Ivan abraça a nora, que chora em seu ombro. Marina limpa as lágrimas e observa os convidados dançando e a banda tocando. Com uma revolta muito grande, ela corre até o palco, com seu vestido longo, passando pelos convidados como um furacão, empurrando a todos e chorando. Ao subir no palco, ela arranca o microfone das mãos do vocalista da banda. Os instrumentistas param de tocar.
MARINA – A festa acabou! Vão todos embora!
Ninguém compreende nada e observam o estado emocional de Marina, intrigados.
CONVIDADO – Porque acabou? O aniversariante nem chegou… cadê o Joãi?
MARINA – O João? Ele morreu! O meu filho está morto. Acabou essa droga de festa!
Marina joga o microfone no palco, que dá um ecoo muito alto. Ela desce do palco e corre entre os convidados, entrando na mansão.