CENA 01: MANSÃO DA FAMÍLIA TRAJANO, INTERIOR, MANHÃ.

PIETRA – Oi, meu nome é Pietra. Você é novo aqui?

Miguel observa Pietra, muito chocado e sem compreender a aparência estranha da menina, que logo percebe a reação negativa dele. Logo, Heloisa surge no topo da escada e fica tenso ao ver Pietra conversando com Miguel.

HELOISA – Filha, suba ao seu quarto, vamos!

PIETRA – Mas mãe, eu quero caminhar um pouco pelo jardim.

HELOISA – Tem nuvens carregadas no céu, deve chover. Mais tarde você vai ao jardim.

Pietra fica triste e abana para Miguel, que sorri lentamente para a criança. Ela sobe as escadas e vai para o quarto novamente, enquanto Heloisa desce, inquieta.

HELOISA – Bom, é o seu primeiro dia né? Então, seja bem-vindo e qualquer coisa é só pedir pra Inês ou pra mim. Bom serviço!

Miguel vai fazer uma pergunta, mas Heloisa vira as costas e vai para a cozinha apressadamente. Ele estranha a situação, mas vai para a garagem.

CENA 02: MANSÃO DA FAMÍLIA TRAJANO, COZINHA, INTERIOR, MANHÃ.

Inês está fazendo o café da manhã e vê Heloisa entrar na cozinha, muito tensa e com os olhos marejados.

INÊS – O que foi, Dona Heloisa? Aconteceu alguma coisa?

HELOISA – O novo motorista viu a Pietra! Eu percebi o modo que ele a olhou…

INÊS – Mas isso iria acontecer algum dia, afinal ele vai trabalhar na casa aonde a menina mora.

HELOISA – Eu sei, mas eu queria que o Miguel a visse somente depois que eu e o Ricardo explicássemos o problema que a Pietra tem. Me parte o coração toda vez que alguém olha para minha filha com pena.

INÊS – Oh Dona Heloisa, não diga isso… O Miguel pode ter se surpreendido com a Pietra.

HELOISA – Eu só sei que eu quero um café muito forte, vai ser difícil manter a Pietra dentro de casa agora que ela viu o empregado novo.

INÊS – Tadinha, ela é curiosa como todas as crianças, ainda mais porque fica muito tempo dentro de casa somente com você.

Heloisa compreende e Inês serve uma xícara de café forte para ela, que bebe num gole.

CENA 03: PENSÃO TITITI, QUARTO DE GEAN, INTERIOR, MANHÃ.

Gean está num sono profundo em seu quarto após passar a madrugada na balada. Dona Antonia bate na porta várias vezes para cobrar o aluguel, mas ele não acorda. Brava, ela desce até a cozinha, pega a chave reserva e abre a porta do quarto. Antonia sacode o corpo de Gean para ele acordar, mas é inútil. Sem paciência, ela vai até o único banheiro da pensão, enche um balde de água no chuveiro, volta ao quarto de Gean e joga toda a água nele, que acorda no susto.

GEAN – Que isso, Dona Antonia? Tá maluca!

ANTONIA – Quem tá maluco aqui é você que não me pagou o aluguel ontem e foi pra balada! Tá pensando que isso aqui é a casa da mãe Joana? Vamos lá, quero o dinheiro do aluguel agora! E do mês atrasado também, vamos!

GEAN – Pô, Antonia, eu não tenho toda a grana pra te dar! Você sabe que eu vivo só de bicos né e o aluguel aqui é caro…

ANTONIA – Caro? Você acha R$ 300,00 caro? Quero ver você achar pensão melhor que essa por um preço mais barato! Vamos, garoto, eu não tenho a tarde inteira! Pague ou rua!

GEAN – Eu não tenho agora, pode esperar até amanhã?

ANTONIA – Rua! Pode arrumar suas malas e chispa!

Antonia sai do quarto e bate a porta. Gean fica irritado e levanta da cama, indo até a cômoda e pegando um maço de dinheiro embaixo das suas cuecas. Vagarosamente, Antonia abre a porta do quarto e vê Gean contando notas de 100 reais. Ela entra no quarto e corre até Gean, arrancando o dinheiro das mãos dele.

GEAN – Sacanagem, Dona Antonia! Isso é roubo!

ANTONIA – E o que você tava fazendo era o quê, seu salafrário? Escondendo os R$ 600,00 que me devia! Agora é tudo meu, pode continuar na pensão, tua dívida tá quitada.

GEAN – Mas eu não posso dar todo o dinheiro senão eu não terei um centavo no bolso durante o resto do mês!

ANTONIA)– Vire-se!

Antonia ri e sai do quarto, cantando de alegria e contando as notas de dinheiro. Gean dá socos no travesseiro de raiva.

CENA 04: RUA, EXTERIOR, TARDE.

Cecília está na feira que há na vila aonde mora, comprando algumas verduras e legumes. Ela paga a feirante e, quando vai sair, sua sacola com dois repolhos cai no chão. Cecília se abaixa para pegar e Ernesto se oferece para ajudar. Porém, enquanto Cecília pega os repolhos, Ernesto fica olhando fixo para o decote dela. Após, os dois levantam.

CECÍLIA – Muito obrigado, Ernesto.

ERNESTO – De nada. Os repolhos estão bem fartos, não é? Adoro uma fartura, é de dar água na boca.

CECÍLIA – Gosta tanto de repolho assim?

ERNESTO – Amo! Mas o repolho da Paula tá vencido.

Cecília entende o duplo sentido de Ernesto e se choca, dando um tapa na sua cara.

CECÍLIA – O senhor me respeita, Ernesto! Eu sou uma mulher de família, viúva e avó! Ponha-se no seu lugar!

Cecília sai da feira e Ernesto fica pasmo com a reação, mas a observa atentamente com um sorriso sarcástico. Logo, Paula aparece e nota os olhares do marido. Ela dá um empurrão em Ernesto, que se assusta.

ERNESTO – O que foi, mulher? Tá doida?

PAULA – Você tava conversando com aquela mulher… Qual o assunto?

ERNESTO – Nada, eu apenas a ajudei quando a sacola caiu, só isso.

PAULA – Sei… Espero que tenha sido só isso mesmo!

ERNESTO – Oh, não faz essa cara, você sabe que eu só tenho olhos pra ti!

Paula sorri e dá um selinho em Ernesto. Ambos continuam na feira.

CENA 05: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, EXTERIOR, TARDE.

Marina e Ivan estão tomando banho de piscina, apenas de biquíni e sunga, respectivamente. Eles bebem suco de limão na borda da piscina, dentro da água.

IVAN – Ainda bem que eu consegui sair mais cedo do trabalho hoje, pude vir aproveitar essa água maravilhosa com a minha esposa.

MARINA – Fazia tempo que a gente não entrava na piscina, faz bem a saúde. Lembra como o João gostava?

IVAN – Lembro, mas eu prefiro não falar sobre isso. Ultimamente, você tem remoído muito as lembranças do nosso filho e isso não é bom, já se passaram 5 anos.

MARINA – 5 anos que não significaram nem 1 dia!

IVAN – Pra mim também, mas a gente já havia conseguido superar o luto pelo João, não vamos deixá-lo nos abater outra vez.

Marina fica calada e Ivan lhe dá um selinho. Após, ele bebe um gole do suco e ela resolve falar sobre um assunto delicado.

MARINA – Meu amor, eu estava pensando ontem à noite: o que você acha de nós gerarmos o embrião que ficou congelado na clínica de fertilização do Dr. Vitor?

Ivan se impressiona com o que Marina falou e fica em silêncio por alguns instantes, até que resolve opinar.

IVAN – O quê? Gerar o gêmeo do João?

MARINA – E porque não? Ele é nosso filho, tá há 25 anos congelado lá na clínica só esperando um útero para ser gerado! Se não for gerado em mim, não será gerado em mais ninguém, porque ele pertence somente a nós.

IVAN – Essa ideia é muito assustadora para mim, Marina.

MARINA – Assustadora? Por quê?

IVAN – Porque é estranho pensar que o João tem um irmão gêmeo que não nasceu, você lembra como a nossa decisão de deixar o embrião congelado foi notícia de capa de jornal em 1990?

MARINA – Lembro, foi uma surpresa pra população saber que isso era possível. Olha Ivan, eu não acho tão absurdo nós gerarmos o embrião agora, seria lindo ter um filho a essa altura da nossa vida.

IVAN – Tá bom, meu amor, eu prometo que vou pensar com carinho nessa possibilidade.

Marina sorri e beija Ivan, indo nadar em seguida e deixando o marido pensativo.

CENA 06: DIAS DEPOIS.

Miguel foi contratado por Heloisa e Ricardo, que aprovaram seu estágio como motorista. Luiza segue trabalhando como faxineira e Davi começou a frequentar uma escola pública. Vanessa e Gean não se encontraram mais, mas ficam se olhando lascivamente quando se veem na rua por acaso. Cecília ouviu mais algumas cantadas irônicas de Ernesto, ficando chocada e também balançada. Ivan pensou muito na possibilidade de gerar o embrião-gêmeo de João, mas ainda não conversou com Marina sobre o assunto, que aguarda ansiosa e cada vez mais com vontade de gerá-lo.

CENA 07: MANSÃO DA FAMÍLIA TRAJANO, INTERIOR, MANHÃ.

Heloisa, Ricardo e Pietra descem de mãos dadas na escadaria da mansão, sorridentes e risonhos. Ao chegarem ao fim da escada, Miguel entra na sala e fica no aguardo de uma ordem dos patrões, pois foi chamado.

RICARDO – Filha do meu coração, sabia que a Inês fez aquele bolo de chocolate preto com calda de chocolate branco que você adora?

PIETRA – Ai, que delícia! Eu quero comer agora!

HELOISA – Então, vamos pra cozinha, meu anjinho?

Pietra sorri e Ricardo dá um beijo na filha. Logo, Heloisa leva a menina pra cozinha e deixa o marido a sós com Miguel.

RICARDO – Bom Miguel, eu te chamei aqui porque eu preciso ter uma conversa muito séria contigo. Vamos sentar?

Miguel fica apreensivo, mas senta no luxuoso sofá ao lado de Ricardo.

MIGUEL – O que aconteceu, Seu Ricardo? Eu fiz algo errado?

RICARDO – Não, você é um ótimo empregado, estou adorando seus serviços. O que eu quero conversar é sobre a minha filha, a Pietra.

MIGUEL – Ah entendo… Pode falar.

RICARDO – Eu acho que você já notou que a Pietra é diferente das outras crianças. Ele é uma criança especial. A Pietra sofre de câncer, mas especificamente leucemia e eu gostaria de pedir a você que tivesse paciência e respeito com a minha filha.

MIGUEL – Mas é claro, isso o senhor nem precisava pedir! Desculpe a intromissão, mas como é a saúde dela, Seu Ricardo?

RICARDO – Instável. Enfim, não quero falar sobre isso agora, mas apenas quis dar uma explicação sobre a minha filha. Posso contar com você?

MIGUEL – Mas é claro! Eu também sou pai, sei como é intenso o amor por um filho. Pode contar comigo, Seu Ricardo, eu farei de tudo para cuidar da Pietra.

RICARDO – Me conforta saber disso, pois não é fácil encontrar pessoas compreensivas como você.

Miguel sorri e estende a mão para Ricardo, que o cumprimenta.

CENA 08: ESCOLA, EXTERIOR, TARDE.

Luiza está com Davi no colo, no pátio da escola, com a professora dele. Em meio ao corre-corre das crianças devido o horário da saída, elas conversam.

LUIZA – E então, como o Davi tem se adaptado a escola?

PROFª – Se adaptou muito bem, Luiza. O seu filho é muito esperto, ele aprende rápido e tem uma convivência muito boa com os coleguinhas.

DAVI – E eu também adoro brincar com massinha de modelar!

PROFª – Ah sim, ele faz uma bagunça com essas massinhas! Mas faz parte do desenvolvimento cognitivo das crianças, é super saudável.

LUIZA – Eu fico mais despreocupada ao saber que meu filho vai bem no primeiro contato com a escola, é normal as mães terem medo no início né.

PROFª – Com certeza! A escola estará aberta para qualquer queixa ou pedido.

Luiza agradece e Davi se despede da professora dando um beijo em seu rosto. Após, eles vão caminhando para casa.

CENA 09: MANSÃO DA FAMÍLIA AMORIM, INTERIOR, NOITE.

Marina e Ivan estão jantando, enquanto Zuleide serve mais uma comida preparada por ela. Após alguns minutos comendo em silêncio, Ivan resolve falar.

IVAN – Marina, vamos conversar sobre o embrião?

MARINA – Se você quer, eu não vejo problema nisso. Pensou?

IVAN – Foi o que mais fiz nesses dias que passaram. Realmente, não é uma má-ideia. Acho que gerar o embrião congelado será uma forma de ver o nosso João nascer outra vez! Não será ele, será seu gêmeo, mas não importa, será nosso filho e nós daremos amor e carinho para ele.

MARINA – Então, eu posso procurar o Dr. Clementino?

IVAN – Deve! Um filho vai florescer a nossa vida monótona e triste.

Marina sorri, levanta da mesa e dá um beijo em Ivan.

 

 

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